EU GOSTO DE APANHAR NA CARA – conto de luciel ribeiro.
DANÇANDO SOZINHO – de eric mantoani
Como a globalização ajuda a explicar o relacionamento, a diversão e o desinteresse da juventude.
Pra você ver… A globalização, e isso seria um paradoxo se não fosse característica inerente ao fenômeno, tem a peculiaridade de separar as pessoas e deixá-las apenas próximas de si mesmas, e a juventude vai lidando bem com isso, aprendendo a dançar sozinha. A juventude de outrora ainda não compreende – e nem se esforça para tanto – o porquê de tanto marasmo e suavemente sofre com a nostalgia dos tempos que transpiravam revolução, em que a música, a arte e todo o cotidiano eram batalhas e obras criativas, e tudo tudo inspirava uma reflexão.O jovem hoje é bombardeado por informações e não tem capacidade – e nem deveria – de escolher a melhor oferta e ler a melhor notícia, assim, não havendo um mal maior específico contra o qual lutar, não há uma unidade de pensamentos e ações, e age-se cada um por si, o que explica inclusive a superficialidade dos relacionamentos interpessoais na atualidade e a música eletrônica.Os relacionamentos afetivos agora se dão em forma de experiências, no caráter mais genuíno da palavra. São experiências quase didáticas – mas não necessariamente – porque agora aprendeu-se a pensar, e dar mais lugar à racionalidade. Relacionamentos duradouros cedem menos a racionalidade, e é muito bom que ainda existam, muito embora não se saiba o porquê. – É raro encontrar-se uma resposta, ao indagar ao casal por que um está com o outro, e é positivo não se pensar nisso, para evitar a fadiga.Aliás, aprendeu-se também a não pensar muito para evitar a fadiga, ou melhor, o estresse. Muita informação, muita informação. Isso estressa! E dançamos sozinhos porque ninguém tem as mesmas fontes.Nos negócios, a carência afetiva das pessoas é ainda mais evidente, prova disso é o sucesso da informalidade. Trabalhadores informais têm tido algum sucesso no mercado (e são 98% das microempresas no Brasil, conforme divulgou o IBGE na última semana) porque oferecem aos donos das empresas a quem prestam serviços – e não somente às próprias instituições – uma atenção pessoal, e o contato humano tem sido o segredo do sucesso dos informais, mais um reflexo da impessoalidade dos relacionamentos contemporâneos.Nos tempos em que a tônica era o debate, a discussão e sobretudo o pensamento e a luta coletiva, a música refletia em harmonia, melodia e letra o sentimento coletivo de afinco a uma idéia e a uma revolução, os shows eram em locais pequenos e pra poucas pessoas e os debates atravessavam horas e centenas de idéias, ao decorrer dos tragos. As danças tinham passos definidos e eram a dois.Já hoje, quando a revolução é a globalização e conseqüentemente o isolamento, quando as informações invadem as casas e bombardeiam as mentes através dos muitos e eficazes meios de comunicação, a música não precisa de letra, a melodia não precisa tocar o cérebro e sim relaxar o corpo, fazendo-o dançar descontrolada e desuniformemente, respeitando o individualismo de cada pessoa. Os shows agora são festas, justamente por serem locais de mera diversão e relaxamento, e atraem sempre milhares de pessoas, pois o excesso também é inerente à globalização, e reforçam o hábito de experimentação afetiva e sexual, de relacionamentos distantes, embora constantes, e da sistematização do afeto. As drogas modernas estimulam o corpo e oferecem mais prazer do que relações existenciais com os sentimentos.Uma juventude que em geral trabalha no horário comercial e estuda no horário que sobra, que precisa se reciclar como se fosse o lixo coletado que deve ser reaproveitado para continuar sendo usado e ter sua vida útil prolongada, precisa mesmo de válvulas de escape, e deve mesmo se engajar menos, afinal já tem todo seu empenho empregado na própria sobrevivência, pois já cresceu aprendendo a se safar por si, a ver o seu lado, e tudo converge ao individualismo existencial e ao escape coletivo da diversão – disfarçadamente sistematizado – para evitar os próprios males causados por esse cenário.
MENINO de COR – poema de josé sérgio costa*
Sou defensor de minha raça,
De minha cor, de minha cultura
De meu povo.
Se defendo meu ideais,
É por que cresci sendo chamado de menino de cor,
É por que não tenho mais medo
As ofensas, deixei pra trás
Junto com a recusa e o desrespeito por minha cor.
Se defendo minha cultura,
É por que, como menino de cor
Me tornei rapaz de cor
E hoje sou um homem de cor
É porque sigo de cabeça erguida cantando o ilê aiê.
Viva o negro trabalhador…
Que em seu canto sedutor
Ouve agora o meu cantar.
Se saio agora do anonimato
E sou reconhecido pelo meu nome
É por que conquistei o meu lugar
E enfim serei lembrado,
Mas sempre me orgulharei
De ter a minha cor.
* josé sérgio costa é poeta de Ubaitaba – BA
FIZ O QUE PUDE – poema de paulo matos*
Canastrão mexicano tentando a vida em Hollywood
________________________________
Há os que fazem da vida um presente
E os que prezam o que fazem da vida
Uns se dão de presente a guarida
Outros: sonhos. Vivem o presente
Nenhum dos dois tá errado
Basta tentar entender
Uns comem sonhos de creme
Outros: os sonhos lhes dão de comer
*paulo matos é poeta editado pelo grupo EPOPÉIA.
GLAUBER ROCHA e o cinema novo – editoria
A HISTÓRIA PERVERSA do BIQUÍNI – por frederico füllgraf *
Um ano depois do silêncio das armas da 2a. Guerra Mundial, Louis Reard, estilista francês, teve o que a infiltração anglicizante do nosso vernáculo chama de insight: lançaria uma peça de vestuário de encher os olhos com as prendas do corpo feminino: curvas, saliências, altiplanos e vales, preservando, s´il vous plais!, as fagueiras e vaporosas vergonhas venusinas. Discreto, passou madrugadas em vigília, desenhando maquetes de seu invento revolucionário, mas sentiu que lhe faltava um nome forte com apelo exótico. Eis que, em julho de 1946, faltando quatro dias para o lançamento da nova criação, explodem as bombas atômicas “Baker” e “Abel” no Atol de Bikini, centro do Pacífico Sul, e de bandeja os EUA oferecem a Reard o nome que rasgaria a boca do balão, do jeito que as bombas tinham rasgado ao meio o atol – oulalá, la mode du terreur!
Deparei-me com esta estória intrigante anos atrás, durante a pesquisa para o roteiro do telefilme Burning Sand, para o qual tinha entrevistado em Nova York, Antony Guarisco, marine norte-americano durante campanha do Pacífico, e que em 1987 liderava o movimento nacional dos Atomic Veterans. Desde a década dos anos 70 reclamavam reparações dos sucessivos governos em Washington. Reparações pela morte de aprox. 200 mil veteranos que participaram dos testes nucleares entre as décadas de 40 e 60, porque tinham sido enganados, traídos pelas autoridades, forçados a assinar “salvo-condutos”, cheques em branco isentando o Pentágono de “todas e quaisquer responsabilidades por eventuais danos à saúde”. A malícia infernal já estava subentendida na própria declaração, mas os boys assinaram; alguns por patriotismo, outros por ingenuidade, outros ainda por esdruxularias equivalentes. Quando conheci Guarisco, ele já se arrastava pelos corredores do hotel apoiado numa bengala, os ossos triturados pela doença terminal que matara a maioria de seus camaradas. Impossível esquecer sua frase dirigida para a câmera, com seu testemunho sobre a explosão da bomba Baker no atol de Bikini: “A sound of frying eggs was in the air and for minutes I could see my own bones trough the flesh of my hands.. – um som de ovos fritos crispava o ar e por minutos pude ver meus próprios ossos através da carne da minha mão …” A cena de terror fora vivida por Guarisco e seus companheiros numa praia de Bikini, sem proteção física alguma contra o “grande raio-X”, o eclipse da luz e das trevas. O objetivo da missão: “testar as condições de combate da tropa após um ataque nuclear soviético”… Ficção? História, das escalafriantes! Nunca mais vi Guarisco, há poucos anos liguei de Curitiba para sua esposa e soube que ele tinha morrido de leucemia…
O filme, com roteiro baseado em meu livro A bomba pacífica (Brasiliense, 1988) e financiamento inicial do Film Office Hamburg, há anos aguarda conclusão, porque a Guerra Fria deixava de ser fashion, as usinas nucleares e seus gêmeos siameses, as bombas também atômicas, caíram em desuso em escala global. Mas eis que o projeto é salvo pelo gongo da História, melhor: por sua versão Bonapartista, aquela, cuja repetição Marx tão espirituosamente chamou de farsa. É que o fogo fátuo da Guerra Fria se reacende e, atento às graves alterações climáticas e a desesperada busca por fontes geradoras de energia de baixo impacto ambiental, um poderoso lobby (l´escroquerie nucleaire, como diz um amigo gallo-romano) arma esperto revisionismo histórico dos perigos das instalações nucleares, agora vendidas ao distinto público como “as menos poluentes e mais seguras”. E fez a cabeça de Nosso Timoneiro. Este, como se sabe, entre mensalões e outras diatribes da nova classe de alpinistas sociais, aprovou a conclusão de Angra-3 e a construção de mais seis outras usinas nucleares. Dizem línguas afiadas que o Brasil precisa de assento no Conselho de Segurança da ONU, onde meras usinas nucleares rimam com bombas… , que o bolivarismo de Chávez estaria se armando até os dentes, y otras tonterías más… (bueno, está bien: que las hay, las hay!) Mas: o que interessa aqui, é que das seis usinas planejadas, duas ou três operarão no litoral do Nordeste – o que me devolve o insight de Louis Reard…
Nos anos 50 a relação macabra entre a fonte inspiradora e o trapinho homônimo – a bomba e o biquíni – repercutiu desfavoravelmente para Reard. Mais, non!, argumentando pela tangente, afirmou que havia emprestado o nome do sumário traje de banho ao atol, e não à bomba. A verdade é que ele tirou enorme vantagem dos testes com a arma terminal, cuja devastação parecia pescar no inconsciente coletivo fantasias associadas ao imperativo histórico de uma urgente devastação da moral vitoriana. Com a reprodução em algodão, de fac-símiles da cobertura de imprensa sobre os testes nucleares, Reard promoveu um marketing literalmente bombástico. Mas o inventor do biquíni necessitava de um trunfo adicional, pois outro francês, Jacques Heim, havia chegado às passarelas com uma criação semelhante – a do maiô partido em dois, assumidamente batizado de “L’atome”. Reard contra-atacou, promovendo seu biquíni como “o traje menor que o mundialmente menor dos trajes” e ganhou a guerra dos nomes e das torcidas, pois do seu lado estava a turma do “tii-ra!, tiiii-ra !”.
Contudo, garimpadas as segundas intenções nos anais e nas lixeiras da História, eis que uma insólita explicação econômica parece varrer todo o encanto, substituindo nossas fantasias por fatos. O pano de fundo histórico do biquíni, que aqui funciona como perfeito trocadilho, foi a falta de pano para a confecção de fundilhos. Em 1943, em plena 2a. Guerra Mundial, o governo norte-americano obrigou a indústria têxtil ao racionamento de matérias-primas, provocando a redução de 10 por cento de algodão na confecção de trajes de banho femininos. O resultado desta operação militar foi uma espécie de “ventre livre” patriótico para o corpo feminino e foi Reard quem lhe daria a forma no Velho Continente. Sua inovação mercadológica consistiu em reduzir o traje para 30 polegadas de malha, desmembradas em bustier top e um triângulo invertido down, conectados por um cordão. O biquíni de Reard era tão sumário para a moral da época em que nenhuma modelo parisiense ousou subir a passarela.
Nos EUA, certa “Liga pela Decência” pressionou os produtores de Hollywood para banir o biquíni das telas. Porta-vozes da cruzada vitoriana questionaram em público a reputação das moças convertidas à moda, afirmando que “o biquíni revela tudo no corpo de uma mulher, menos o nome da mãe dela “(sic!). Impávido, Reard manteve a classe e a ousadia a serviço do marketing, contratando Micheline Bernardini, em cuja cabeça e corpo o biquíni caiu como uma luva, pois atuava como dançarina de nus no Cassino de Paris: após uma sessão de fotos dela em poses reclinantes, a imprensa caiu de quatro, embasbacada, e a musa foi soterrada sob uma avalanche de 50 mil cartas de fãs ensandecida/os.
Mas la Bernardini não foi capaz de impor a capitulação aos vitorianos EUA. Desesperado (melhor: de olho grande no mercado yankee), Reard incorporou a carta do eremita do tarô e teve seu segundo insight: une femme fatal mal conhecida por “BB”. Deslocou para o campo de batalha suas estonteantes curvas, acentuadas pelo trapinho et voilá!, era o que faltava: o biquíni precisava de curvas para ser valorizado e la BB impôs a queda das últimas barricadas norte-americanas. Entrava em cena em Hollywood o vitorioso trapo que matava a cobra e escondia o… principal. Das passarelas para a tela e o vinil, foi um passo. O biquíni foi cantado em prosa e verso, imortalizado no rock de Brian Hyland, do final dos anos 50, “Itsy-Bitsy-Teenie-Weenie/Yellow-Polka-Dot Bikini”.
A empresa de Reard conseguiu manter-se no mercado até 1988. Uma versão sobre os motivos do fechamento da empresa insinua que Reard perdera a guerra pela miniaturização para o fio-dental brasileiro; aberração, vingança dos inventivos trópicos e golpe fatal nos planos do estilista.
Cinqüenta anos depois, é oportuno indagar se a vinculação proposital do maiô partido em dois com a arma de extermínio em massa, não abriga códigos de significados convergentes. O primeiro deles é a “onda Shumpeteriana”: em conjunturas de abertura democrática e crescimento econômico, a moda (e a libido!) abre-se também, liberando o corpo do “supérfluo” (no inconsciente coletivo pós-guerra, masculino, era enorme a demanda pela “abertura do pano” sobre o corpo feminino). O segundo é seu significante profundamente pós-moderno: a visão de Reard é a alegoria do êxtase ilimitado, cujo pêndulo sempre oscila entre Eros e Tanatos, entre o prazer e a morte – o signo marcante de toda a cultura iconográfica e moda, militarizadas e ferozmente midiatizadas neste início de 3º. Milênio.
Por fim, uma pitada de pimenta tupiniquim: as bombas atômicas norte-americanas lançadas sobre o paradisíaco atol de Polinésia – imortalizado nos quadros de Paul Gauguin – foram construídas, durante e depois da 2ª Guerra Mundial, com matéria-prima brasileira: milhões de toneladas de areia monazítica, contendo urânio e tório, das praias de Guarapari, no Espírito Santo, Mãe Ubá e outros costões do sul nordestino. Quem aguardar o filme, verá.
* frederico füllgraf é escritor, roteirista e diretor de cinema.
Comentários