RESPOSTA A ELIO GASPARI POR ALIPIO FREIRE

A Ditadura Reencarnada

O cronista Elio Gaspari reproduz de forma ampliada a destruição e desagregação iniciadas pelos torturadores, há 40 anos.

 

 

Tínhamos razão quando escrevemos, na edição anterior (leia artigo), que a situação do senhor Orlando Lovecchio Filho, que perdeu uma perna depois de ferido pela explosão de uma bomba colocada por um comando da Ação Libertadora Nacional (ALN) no Consulado dos EUA em São Paulo, era apenas pretexto para o artigo “ Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968”, do jornalista Élio Gaspari, publicado na Folha de S. Paulo.

Não fosse assim, depois das mensagens enviadas à Folha de S. Paulo, e do nosso artigo anterior, já teria o jornalista encontrado o caminho para garantir a reparação cabível ao senhor Lovecchio. Diga-se de passagem, este último também.

A gangrena que levou à amputação resultou do fato de haver sido o senhor Lovecchio retirado do hospital (onde era atendido) e levado para a Delegacia da Ordem Política e Social (Deops) para interrogatório, somente depois do que foi devolvido à casa de saúde, com o membro atingido já então em processo de gangrena; tendo em vista que explicamos, no mesmo artigo que “todo Estado é responsável pela integridade de seus cidadãos sob sua custódia e que, não cumprindo esse seu dever, pode e deve ser processado”; se o objetivo real fosse a defesa dos direitos da vítima, já teriam, cronista e/ou vítima, constituído advogado para processar o Estado.

Mas pela postura assumida pelo senhor Lovecchio que, ao invés de procurar seus direitos, foi pesquisar os depoimentos sob tortura dos que colocaram e dos que supostamente teriam colocado a bomba no Consulado; pelo novo artigo publicado na Folha e em O Globo, no domingo 23, pelo senhor Gaspari (“O terrorista de 1968 remunera-se em 2008”), onde tenta achincalhar – ainda que entrecortando o texto por frases de um bom-mocismo postiço – os militantes que acusa também a partir de depoimentos obtidos sob sevícias; fica cristalino que está muito longe da verdade que estejam movidos por qualquer objetivo de justiça.

 

Me engana, que eu gosto.

Não, não me engane,

pois eu não gosto

 

Não é de estranhar que o cronista trate esses depoimentos obtidos sob tortura e seus autores desrespeitosamente. Em “A ditadura escancarada”, segundo livro de sua tetralogia, sob o pretexto da ineficiência da denúncia moral da tortura, exime-se o escritor de condená-la desse ponto de vista, passando a abordá-la apenas de um ângulo funcionalista. Isto é, esforça-se em mostrar como a utilização da tortura pelos governos do pós-64, os levou a engendrar sérias contradições internas, pelas quais tiveram de pagar alto preço, sobretudo no momento da transição (quase lamenta). Um dos pressupostos é que parte da cúpula e setores intermediários do regime desconhecia e/ou condenava esses métodos ou, pelo menos, não sujavam as mãos, faziam vista grossa e/ou usavam de bom grado o método aplicado nos “porões”.

Ora, essa manobra diversionista tem, pelo menos, tripla conseqüência:

 

1. Retira o foco do central da questão, que é MORAL, e não “técnico-operacional”. Sim, é uma questão MORAL e faz parte da grande disputa de valores que temos de travar, para banirmos esse tipo de prática injuriosa do nosso país e do mundo.

 

2. Transforma torturadores e mandantes em vítimas de si próprios, de sua “inocência”, obliterando da cena o objeto de suas sanhas, os torturados.

 

3. Tenta nos fazer pressupor que aquele regime seria possível sem tais práticas.

 

Embora cansativo, é forçoso repetir: a violência – entre as quais, as torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres – não foi um acidente do regime. Ela era condição sine qua non para o sucesso do programa dos golpistas. Sabemos, através de pesquisa do Ibope realizada menos de um mês antes do golpe, que o país estava dividido em termos de opinião no que dizia respeito às reformas anunciadas pelo presidente João Goulart no comício de 13 de março, na Central do Brasil. A maioria (59%) apoiava as reformas .

 

A violência (incluídas as torturas) foi, assim, um dos elementos da racionalidade política do grande capital, do latifúndio, da maioria esmagadora da mais alta cúpula da Igreja Católica de então, da “direita ideológica”, dos políticos (civis) que empolgaram o 31 de março, da imprensa que conspirou e apoiou o golpe, da maioria dos altos comandos das forças armadas, dos seus aliados e apoiadores internacionais – em especial o capital e governo dos EUA.

 

Ou seja, aquelas torturas não fugiam ao controle dos dirigentes do País (civis e militares), não aconteceram “nos porões” sem a ciência, consciência ou planejamento dos governantes e/ou das lideranças das classes, setores, grupos e corporações que promoveram e foram base de sustentação do regime. Afirmar o contrário é tão tolo quanto dizer que os Orleans e Bragança e sua corte não sabiam o que acontecia nas senzalas e pelourinhos, ou que os capitães-do-mato fugiam do controle dos seus senhores.

 

Não é o torturador quem faz a tortura,

mas a tortura é que faz o torturador

 

Por fim, reafirmamos: ordena a MORAL que, quando se trata de emitir opinião ou dar informações sobre militantes que sucumbiram às torturas, nunca é demais observarmos que, se não tratamos adequadamente a questão, corremos o risco de reproduzir, de forma ampliada, a destruição e desagregação iniciadas pelos torturadores, o que costuma atingir não apenas o torturado, mas também seu círculo mais próximo de afetos (familiares e amigos).

É repugnante e eticamente intolerável imaginar que possamos em algum momento dar seqüência à obra iniciada pelos sicários.

Ao expor publicamente depoimentos obtidos sob tortura sem qualquer outro objetivo senão tentar remendar as mentiras apontadas em seu artigo anterior; sem outro cuidado com a matéria que não sua obsessiva persistência em qualificar aqueles militantes como “terroristas”; o cronista reproduz de forma ampliada (bem como o senhor Lovecchio) a destruição e desagregação iniciadas pelos torturadores, há 40 anos.

Ou seja, o jornalista Gaspari passa a torturar. Certamente não tem a intenção e não percebe que tem esse comportamento, pois não é um torturador. Mas, como ele bem conhece e cita de maneira oportuna em um dos seus livros, “Não é o torturador quem faz a tortura, mas a tortura é que faz o torturador” (J.P. Sartre).

 

 

Alipio Freire é jornalista, escritor e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato.

enviado por lucena borges.

 

7 Respostas

  1. Prezados,
    Por mais que a ditadura seja condenável, sob todos os aspectos, fazer-me crer que alguns dos que a combatiam eram meros idealistas bem intencionados que desejavam a democracia para o país também não vão conseguir. Queriam sim para o Brasil outra espécie de ditadura, aos moldes maoístas, castristas e stalinistas (o que, obvaimente, em nada justifica o golpe e a ditaura decorrente). Também não cairei no simplismo ingênuo de acreditar que tudo que é dito contra os militantes de esquerda até hoje – os justiçamentos, sequestros e atentados a bomba – são todos produtos ficcionais. Eram todos jovens puros, idealistas que só desejavam combater as injustiças políticas e sociais?? Me engana que eu gosto!! P.s jamais apoiarei os militares mas não caio no “conto do vigário” de achar que quem foi treinar guerrilha em Cuba possa ser democrata.

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  2. Por que os filhos do Lula tem nacionalidade Italiana?Por que o vice- Alencar comprou industrias nos EEUU e na China fechando algumas no Brasil?Por que o Lulli aceitou a “maracutaia” entre seu filho e empresas de telefonia que receberam Bilhões de financiamento dos orgãos publicos a juros subsidiado alem dele Lulli mudar uma LEI para permitir a tal “maracutaia”, onde sómente o Dantas ganhou bilhões!Por isso que ele não pode ser preso?E os Aloprados e PTralhas?Onde foi para a tal Ética, moral,caráter, dos partidos comunistas que se diziam os mais limpos e imunes a corrupção!Hoje o Lulli tem uma quadrilha de politicos (muitos ex-presidentes) corruptos ligados umbilicalmente à presidência! Outra quadrilha de familiares, compadres, colegas, e amigos! E uma da pesada que são os COMUNISTAS, ATEUS, SEMPÁTRIA,NASCIDOS NO BRASIL OU NÃO, DO FORO DE SÃO PAULO, MST, FARC,ALN, CIRCULOS BOLIVARIAN OS LEONEL BRIZOLA, UNISUL, ETC, ETC, COMO FIDEL CASTRO, CHAVES, EVO MORALES,GARCIA,DILMA,MINC,FRANCKLIN, PALLOCCI,PAULO VANUCHI,ESTA ULTIMA É POLITICA E TEM COMO MISSÃO A DESMORALIZAÇÃO DAS AUTORIDADES CONSTITUIDAS EM GERAL, EXERCITO, JUSTIÇA,POLITICOS,GOVERNOS ESTADUAIS,IGREJA CATÓLICA, ETC.PARA FACILITAR A TOMADA FUTURA DO PODER. O PCB BRASILEIRO FOI FUNDADO EM 1922 E ATÉ 1965, PORTANTO EM 43 ANOS TENTARAM DAR O GOLPE MILITAR DUAS VEZES – UMA CADA 21,5 ANOS – jÁ DEVEM ESTAR COM A PROGRAMAÇÃO PRONTA PARA A PRÓXIMA INTENTONA!!!!! ACORDA BRASIL!

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  3. Parábens, amigo Alípio!

    Li com atraso a sua resposta ao Gaspari.
    Não comprei os livros desse cara, porque era óbvio tratar-se de mais uma das tais vozes “autorizadas” do sistema, portanto, destinadas a confundir a já tão desinformada opinião pública.
    Do companheiro Pece.

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    1. Grande camarada Pece,

      somente hoje descobri esta sua mensagem.
      Fico comovido e honrado.

      Putabraço,
      Alipio Freire

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  4. ALIPIO VC É A GRANDE REFERENCIA REVOLUCIONARIO DESTE PAÍS, PELO MENOS É UMA DAS PRINCIPAIS.
    AB RAÇO CAMARADA, AMIGO . NOSSO PAÍS E ESTA JUVENTUDE QUE AI ESTA DEVE MUITO A VOCES E OUTROS HEROIS TALVEZ ESQUECIDOS , HAJA VISTA, QUE SOMOS UM POVO DE MEMORIA CURTA. NOS JOGAM NO LIXO TALVEZ PELA IDADE JA AVANÇADA E SAO POUCOS OS QUE NOS COMPREENDEM E VALORIZAM
    MAS ESTAMOS CIENTES DE QUE FIZEMOS E DEMOS A MAXIMO DENÓS NAO?
    ABARAÓC REVOLUCIONARIO , VERMELHO E MUITO COMUNISTA SEMPREEE
    CAPELA DO PCB QUE ESTA CAPENGANDO, TROPEÇANDO MAS RESISTINDO , PRINCIPALMENTE AS SUAS PRÓPRIAS FALHAS INTERNAS E AS VEZES MESMO DE AVALIAÇAO. MAS ISTO FAZ PARTE DO PROCESSO NÉ?

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    1. Grande Camarada Ernesto,

      somente hoje tomei conhecimento dos seus comentários – por isto, apenas hoje lhe respondo.

      Suas palavras me deixam entre honrado e desconcertado – como os meus melhores amig@s, você é muito generoso.

      Mas, mais que tudo, as tomo como um compromisso meu com você e com o nosso povo (e todos os povos do mundo).

      Putabraço,
      Alipio Freire

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  5. DEVEMOS ESTAR ATENTOS NAO TAO SOMENTE COM O ULSTRA MAS COMO EX”CPMPANHEIROS ” QUE HOJE MUDARM , PARTIRAM PARA O OPORTUNISMO E O REVISIONISMO.
    ESTES É QUE SAO MAIS PERIGOSOS DO QUE A TURMA DO ULSTRA RISOS
    ABRAÇO REVOLUCIONARIO, VERMELHO E MUITO COMUNISTA SEMPREEE
    CAPELA PCB

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