O ANTI-HUMANO por joão batista do lago

Relutei, e mesmo evitei, por muitos anos, grafar os meus pensamentos. Achava-os, por um tempo, fora de moda. Por outro, sentia e percebia que eles estavam dentro da moda do momento. Ora, era tudo que eu abominava: está fora ou dentro. Ao mesmo tempo ficava atônito ao vê-los, de alguma maneira, revelados em artigos, ensaios, poesias… Mas aí eles já estavam totalmente elaborados pela minha racionalidade (ou irracionalidade!). E o pior de tudo: em espaços tão diferentes. Resolvi então não mais lê-los depois que os publicava. E assim nem sei exatamente o que há publicado por aí com a minha assinatura. Realmente não sei. Mas pouco interessa sabê-lo. Eles já não mais são meus e sequer são os mesmos. Foram “apropriado” por um sem-número de almas e espíritos humanos – essas bestas racionais que pensam que Pensa – decadentes, que perambulam pelas ruas e casas das cidades. Tolos viventes. Horripilantes. Mesquinhos. Falsos. Imbecis e analfabetos. Ladrões e assassinos. Vermes, nada mais que isso. O pior é que faço parte desta espécie. Isso me deixa ainda mais indignado: saber que pertenço à raça humana, essa coisa nojenta que diz que ama, mas mata… que diz que quer a paz, mas faz a guerra… que quer a diversidade, mas não aceita o outro… que não deseja a fome, mas produz o alimento caro… que quer a sabedoria, mas sustenta o analfabetismo… que reclama do desemprego, mas cria um exercito de desempregados… Esse é o imbecil humano. Por quê eu tenho que ser esse verme. Não. Absolutamente não. Não aceito essa condição. Não importa o que pensem. Nem mesmo o que eu penso. O que penso é que não aceito essa condição miserável de humano, de humanidade e de humanismo… Pensar…
Ora direis: Pensar!
Quem, em sã consciência, acredita que o humano pensa. Essa espécie racional é a mais irracional no seu comportamento e nas suas relações. Queres uma prova do que estou dizendo? Pára e observa o comportamento dos chamados animais irracionais. Compara-o agora com o comportamento do humano. O que vês?

 Outro dia caminhava a ermo pela cidade quando, de repente, uma cena despertou minha atenção… Um desses humanos trogloditas, puro encavernado da pós-modernidade, batia num cachorro, desses “pirento” que andam por aí, soltos e abandonados pelo próprio humano, faminto… O indivíduo parecia ser dono do restaurante. A cada porrada que dava no cão estufava o peito e olhava para a sua clientela, como se dissesse: “Vocês tão vendo como trato bem o meu estabelecimento…”. Mas o aplauso não vinha… e aí mais porrada no irracional amigo do humano. Na lateral do restaurante, sentados e recostados à parede, uma meia dúzia de mendigos encachaçados. Apenas esses aplaudiam a truculência daquele humano. Mais tarde receberiam o troco: resto da comida e pé na bunda…

 A sociedade é um monte de humanos que se junta para exercer a falsidade constituída. Ora… ora… ora… O que dizer então da família? Não está nesta a origem da sociedade. Conclusão: a família é, por excelência, o espaço fantástico da falsidade…

 Meu filho insiste em ser missionário. Meu sobrinho evangélico… Estão certos? Penso que sim. Se eu concordo? Pouco importa, a vida é deles. Se aceito? Não me compete aceitar ou não. Só espero que não sejam “papagaios”, como tantos que por aí desfilam sua “sabedoria de latrina das igrejas”, e tendo como única fonte do saber essas bíblias de suvaco. Alea Jacta Est!

 O suicídio me é cada vez mais a opção viável. Minha dúvida é sobre o consciente e o inconsciente do suicida. Também o ambiente, a forma e o conteúdo preocupam-me…

 Quando eu começo a pensar começo a entrar num tipo de desespero meta-existencial. É neste momento que me reconheço anti-humano. O humano não pensa. E aqueles poucos que pensam não raciocinam. E se raciocinam não criticam…

 A “besta” católica critica o consumismo! Ah, se o povo conhecesse a real história do catolicismo.

 O muro de Berlim não teria caído. Melhor: nem teria existido…

 O vento e o tempo são siameses. Ninguém sabe onde existem. Como existem. Nem quando passam. Já passaram…

 Não tenho absolutamente nada contra as pessoas que praticam qualquer tipo de fé religiosa ou não-religiosa. Entretanto, sou absolutamente contra as religiões por entendê-las fontes geradoras de alienação. O dogmatismo e o sectarismo das religiões mastigam a consciência dos humanos transformando-os em perfeitos bonecos. Há muito já se disse que a religião é um ópio. Acho muito pouco. O ópio, por algum motivo, além do puramente narcótico, transforma o humano, ainda que por pouco tempo, num sujeito dionisíaco. Já as religiões transformam o humano num tipo de alimento que sustenta e dá suporte a projetos, pessoais e coletivos, de tipologia autoritária e ditatorial, sem deixar ou dar oportunidade a essa massa de indivíduos que, dificilmente, alcançarão a condição de “Sujeito”. Enfim, as religiões matam.

 O conceito de religião que se tem é muito estreito. E isso, de certa forma, cria um desequilíbrio para o entendimento desse termo. Por isso é importante que o conceito de religião seja ampliado, ao máximo possível, mesmo que se considere isso uma exageração espetaculosa. A religião não é, pura e tão-somente, aquilo que prega o catolicismo, o cristianismo, o budismo… A religião, ou seja, o ato ou ação de dominação da consciência do ser, a forma de dominar o humano, de torná-lo um nada, de nadificá-lo, é um exercício e uma prática comum em muitas outras atividades. Por exemplo: encontramos religião na Política, na Economia, nas Ciências, nas Artes, nos Esportes… O certo é que o conceito que temos de religião é muitíssimo restrito. Tomemos um exemplo: a Literatura. Quantos bons e excelentes autores estão fora do mercado literário? Aqui e alhures! Muitos, por certo. Agora, quantos autores medíocres são publicados, quase que diariamente, por essa indústria cultural que é, em si, a religião de um processo de dominação da mente humana? Muitos, por certo. Certamente em sua cidade deve ter um grande escritor, mas ele jamais aparecerá porque não faz parte dessa religiosidade que, ao criar o “santo”, se lhe arranca literalmente a alma. Com isso somos condenados ao consumo de uma literatura circular e circulatória da pior espécie possível. E quando alguém, por algum motivo, mesmo que não seja eticamente correto, dá sinais de contrariedade, é triturado, moído mesmo, por esse sistema, melhor dizendo, por essa tipologia de religião da subcultura do humano. Mas aqui ocorre um paradoxo que é preciso ser analisado. Da mesma forma que ocorre com a subcultura, podemos, por assim dizer, que também ocorre com a boa literatura. Explicando melhor: um grande autor é tomado como referência e a partir daí só se publica o que a ele está relacionado. Cria-se, neste caso, uma tipologia de religiosidade a partir do excesso de qualidade. A partir deste exemplo você, caro leitor, pode imaginar o que ocorre em todos os campos da atividade humana. Então, é preciso repensar o conceito de religião.

 Não seria o Capitalismo religião? Claro que sim. Em qual igreja se processa essa religião. Na igreja denominada de Mercado. Qual o deus dessa igreja: o Dinheiro. Qual o principal dogma dessa igreja? Fazer com que você acredite que tudo na vida é ordenado e metodizado pelo mercado livre. Quem é o papa dessa igreja? O Capitalista. Quem é o fiel miserável? Você. Quem é o tolo e inconsciente consumidor dessa droga? Você. Mas aqui também ocorre um tipo de paradoxo. Não seria também o Socialismo uma religião? Claro que sim. Há uma identidade entre esses dois regimes? Claro que sim. Ambos são autoritários e têm como fim em si mesmos a dominação e a alienação do humano. Dominação total e geral. Dominação da mente. Dominação do pensar, aliás, melhor dizendo do não-pensar. Esta é a matéria-prima de ambos.

 De novo vem-me à mente a questão que considero de importância fundamental e que estabelece, isto é, delimita, ou seja, colocam em campos opostos o Humano e o Antihumano. Você deve está tirando por conclusão que eu sou louco. Pois saiba que você acertou: sou louco ao pensar assim… Somente aos loucos é dada a real capacidade dos pensares. Portanto, “os pensares” não é coisa de humano, de indivíduos… Os pensares só ocorrem no sujeito Anti-humano. O Humano é (como foi e será) construído – desde sempre – para não pensar como sujeito, mas para, apenas, agir como indivíduo. O indivíduo Humano não passa de mero repetidor ou imitador do humano-não-humano. O ser humano não pensa… Pense nisso.

 
Insisto na minha afirmação sobre o indivíduo humano: muitos, poucos ou mesmo nem todos, admitirão minhas palavras como estrutura para o processo (veja bem: processo) dessa subversão estética desse humano que devemos ou deveríamos estruturar para aniquilar com essa “sociedade do espetáculo” imbricada no Estado Terrorista. E nem mesmo esta é a questão fundamental, isto é, pouco importa se crêem ou não naquilo que digo… pouco importa se concordam ou não… Pouco importa se este meu pensamento está certo ou errado… Pouco importa se no futuro eu não acreditar mais em nada do que aqui acredito… Muito pelo contrário: é preciso ter coragem anti-humana para dizê-las sem esperar que elas se transformem num tipo de religião do pensamento burguês, que ao menor contato com a realidade dita, imediatamente põe-se em defesa frenética, por medo que algum “louco” ou “revoltado” venha desvendar ou descortinar o véu que encobre o vitupério que os “senhores” donos do mundo impõem a toda nação, aprofundando a cada raiar de sol a tragédia humana. Da mesma maneira é preciso dizê-las, sem nenhuma pretensão de amá-las como verdade absoluta. (Se porventura isso ocorrer não terá valido a pena o meu esforço em dizê-las, inversamente à tradição do otimismo e do realismo concreto da burguesa racionalidade institucional e institucionalizada).
É exatamente aqui que faço a diferença: não pretendo explicar a tragédia humana, meu intuito é transformá-la pela incitação do próprio “coro” dessa mesma tragédia, transformar este “coro” de mero espectador em protagonista da tragédia, fazer com que este “coro” entenda que esses “deuses” são carismáticos, portanto, têm pés de barro. Portanto, devem ser dessacralizados. Portanto, devem ser mortos. Literalmente mortos! Assim sendo é preciso chutar o andor para derrubar essas imagens deificadas pela história dos falsos titãs vencedores. Mas o mais dramático ainda nesta tragédia é perceber os “coriféus” e um séqüito de “coreutas” que papagueiam a ideologia de uma democracia niilista, uma igualdade desigual no bordel de uma filosofia da inclusão que exclui, que aliena, que guetiza a nação em estamentos de generais da miséria comum, deserdados da sorte, condenados à morte, instados a nada possuírem – sequer sua identidade – porque  os senhores donos do mundo, enclausurados nos seus palácios, com os “cus” bem postados nos seus sofás, conformados com suas “burrinhas” cheias, obra da burguesa ladronice nacional,  “peidam” para o povo que é obrigado a respirar a fedentina que vem dos seus sistemas. Por acaso não é isso conformismo? O que fazer então contra este conformismo hedonista da tragédia humana? Ser-se-si movimento. Movimento contínuo. Movimento persistente. Movimento consciente. Movimento revolucionário. Movimento plástico-estético do Anti-humano. Só neste movimento poder-se-á “idealizar” o contínuo estético deste Anti-humano, que deverá desde logo – e desde sempre – esquivar-se da moral cristã estilizada e fetichizada pelos senhores donos do mundo, introjetada pela cultura modérnica ou pós-modérnica, desde os tempos das velhas histórias que se repetem repetitivamente na alma e no espírito do humano.
A pintura deste quadro, isto é, do Anti-humano, portanto, não poderá e não deverá ser pintado com as cores do capitalismo ou do socialismo, pois, ambos, só podem oferecer os “prazeres mórbidos” de Hades. E no hades da tragédia político-social encontram-se morfinados pela ideologia das facilidades do poder e da dominação os ditirâmbicos ocidênticos vestidos de intelectuais e não-intelectuais, filósofos e não-filósofos, cristãos e não-cristãos, ateus e não-ateus, democratas e não-democratas, liberais ou não-liberais, ditadores ou não-ditadores, libertários ou não-libertários, igualitaristas ou não-igualitaristas, esteticistas ou não-esteticistas. Porventura todas essas espécies não vestem a mesma pele? É claro que sim. Tudo isso é humano, por demais humano.
Então que se me dá querer continuar sendo humano? O dia não é somente aquilo que se nos é mostrado pela modernice comodista. É preciso varar o mais profundo da noite; conhecer o céu da noite. Sim! O céu da noite, posto que, até agora, só nos mostraram o inferno notúrnico. Ora, se não conhecemos as profundezas, na sua mais agudeza profundidade nortúrnica, como querer entender o dia que, por si só já é um calmante alienativo? “Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?” (Nietzsche – Assim falou Zaratustra).
Então, que se me dá querer continuar sendo humano? Nada. Absolutamente nada me faz desejar continuar sendo humano. Mas esta resposta, per si, está impregnada de metafísica. Em si todos os fenômenos que possam ser especulados a esse respeito, se já não o foram estão em vias de o serem, agora e desde sempre, explicados à luz da Filosofia, da Sociologia, da Psicologia e da Semiologia, entre outros campos científicos. Portanto, não me deterei neste campo. Mas, paradoxalmente, quando afirmo que nada me faz desejar continuar sendo humano, em verdade estou a enunciar um contradito hipotético: desejo ser o Anti-humano. Mas isto por si só também não passa de pura metafísica, de retórica sofística. E meu propósito não é, pois, apenas, ficar no campo da dialética socrática ou hegeliana, ou ainda, da dialética engel-marxiana, mas construir o discurso da Dialética Serial (codinome que me identifica), própria da natureza do Anti-humano, segundo o meu sentimento.
Dito isto, é-me, pois, necessário explicar quais são, em tese, as principais características desse sujeito Anti-humano. Para começar penso ser indispensável construí-lo a partir do fenômeno nólico, isto é, da não-verdade, ou seja, da negação, mais precisamente: do “não”. Negação de tudo que aí está posto, desde sempre, como pensamento, idéia, ideologia e práxis da dominação e do absolutismo da microfísica do poder humano. Penso que essa minha práxis política facilitará o meu discurso, além de torná-lo mais compreensível aos sentimentos dos não-enquadrados.
O sujeito Anti-humano é não-teológico; é não-metafísico; é não-pragmático. Com isso quero afirmar que a teologia, a metafísica e o pragmatismo são características imanentes do sujeito humano. Mas, antes de tudo, é preciso assegurar que a teologia, a metafísica e o pragmatismo são elementos cognoscíveis que constituem o ser cogitativo do Anti-humano no devir, e somente para o devir, como construção do mundo futuro possível, plenamente organizado e sistematizado cosmologicamente pelas esferas do concreto, do real, do racional, do positivo, do lógico e, finalmente, do científico. Sei que isto pode parecer um tanto quanto confuso, mas espero poder explicar no futuro todo este meu raciocinar.
Ouso afirmar que somente assim entendido, pleno de antagonismo, será possível construir a morte (antes, como agora e posteriormente, o vocábulo “morte” tem sido por mim utilizado para antagonizar os dois sujeitos: Humano “versus” Anti-humano, diferentemente do conceito simplista ou minimalista de assassínio. No presente caso a morte significa a não-construção do discurso do humano, em prol da construção do discurso do anti-humano) do humano. Esta não é uma tarefa fácil, não é uma ação individual, individualizante ou individualizada. Não é um pensamento fim em si, de si e para si, mas um pensamento meio. Não é jamais uma verdade secularizada e absoluta. Ela é e será, agora como sempre, uma ponte para a consciência do Anti-humano. Ela sugere em sua essencialidade uma tipologia sociocrática, uma explosão conscienciatória num eterno movimento de si em direção ao novo Humano, isto é, ao Anti-humano, de acordo com o seu sêxtuplo caráter de natureza, acima mencionado, que constitui no individual a sua “alma” e no coletivo o seu “espírito”.
O que até aqui tenho examinado não passa de uma tese que venho desenvolvendo. E, em verdade, esses meus apontamentos, aqui, são um chamamento para o imiscuir-se de outras mentes inconformadas com o nanismo dolente dos pensares do status quo. E assim espero que ocorra. Dito isto, penso haver delimitado (muitíssimo reduzidamente e superficialíssimamente) a massa corpórea do Anti-humano que não se deseja um eterno interno deste hospital geral que promove a reclusão do humano em saberes médicos divínicos, mitológicos e no fetichizamento dessas estruturas organizacionais. O Anti-humano é, assim, caracterizado pelo concreto, pelo real, pelo racional, pelo positivo, pelo lógico e, finalmente, pelo científico. O Anti-humano não prescinde, como jamais prescindirá, de quaisquer dessas características essencialísticas. Uma é todas. Todas são uma. Portanto, o Anti-humano só se dará na sua completude mediante tais características de organicidade.

 Esta minha reflexão conduz-me a pensar a formação de um “sujeito”. Mas o que é isto, o Sujeito? A resposta que condensa toda a conceitualidade do Sujeito é: o não-humano, ou seja, o indivíduo animal da espécie humana; isto que conhecemos simplesmente por homem ou mulher. Pensado por esta hipótese, o Sujeito, é a antítese do indivíduo humano.

 

 

 

                                  sem crédito. ilustração do site.

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