Arquivos Diários: 18 agosto, 2010

MONDRIAN FALSO de sylvia beirute / portugal


café às dez da manhã, porque outro início me

não ocorre agora neste lastro de fome e o escrito

deve começar, aqui numa londres primitiva

onde a transparência duplica a memória,

a inocência mata de olhos muito claros e em toda

a parte vê mondrians falsos; aqui onde

a raiz expande até ao caudal do quando-exílio

e o sistema do corpo e respectivo pulso preliminam

a máscara infinitiva inconjugável com as coisas da arte.

às nove da manhã, antes da medula que agora existe

e que me afasta o corpo do sentir mais sedentário,

alguém me acordou com uma palavra hirsuta-

-mente insana e tão sem esperança

que me pareceu ter nascido de costas voltadas

para qualquer um dos seus significados.

AMOR SACRÍLEGO de vera lúcia kalaari / portugal

No meu negro pretérito já passado

Há a sombra triste dum amor imenso.

Imenso mas cruel por ter deixado

O perfume doce do seu incenso.

Amei-o, sim, em doce chama

Meu coração de menina lhe concedi.

Perdi a fé, a paz, perdi a alma,

E era um sacrilégio amar assim.

Era um sacrilégio, mas no seu todo,

Nosso amor era um raro sortilégio…

Criamo-lo neve e era lodo,

Criamo-lo santo e era sacrilégio.

Esse amor, esse amor, foi todo meu.

Em mim, seus laços ficaram impressos.

Nosso amor era luz e era sombra

E eram prantos e risos os nossos beijos.

E foi um sacrilégio e foi loucura

Foi loucura de amor, foi um lamento,

Como um hino imenso de amargura

Como um imenso, lento tormento.