TERRA PROMETIDA – walmor marcellino / curitiba
TERRA PROMETIDA
Walmor Marcellino
Sempre fui palestino.
Era palestino
antes de saber meu destino,
e que existiram
Nabucodonosor, Ciro
seu pai Cambises
ou seu neto Artaxerxes,
o que eles sentiram,
ou o que dizes do rito
agora dos reis a quem serves.
Sempre fui palestino,
e tempos depois abissínio,
pele negra, sangue tinto
derramado em 1935.
Fui judeu estrelado em 40
e a cada sequente ano;
depois, moreno cigano,
ditos indigitados estranhos
a qualquer núcleo humano.
Tornei-me vietnamita
numa povoação calcinada;
desde a porta de entrada
procurei defender nossa vida
com fraternidade ativa:
bombas e napalm rasantes
à morte, traçantes,
tentamos
a resistência massiva
ante o terror imperialista.
Hoje é o mesmo inimigo,
pouco distinguimos ao vê-lo,
impondo ao povo castigo
quer arrasar a Palestina.
É um amargo pesadelo.
Novas tábuas do Sinai, a sina
vem na luz starfight do céu, na
estrela de seis pontas no tanque,
vai retornando essa malsina
com todo o poderio ianque.
(Maio 2002)
A MOLDURA DOS TEMPOS – de manoel de andrade / curitiba.pr
A MOLDURA DOS TEMPOS
Manoel de Andrade
Cada dia é um devir inquietante,
um enredo que anuncia a tempestade
e a bonança…?
ah! a bonança é um barco num medonho temporal!
Uma egrégora maligna comanda o turbilhão,
é a frequência subliminar que domina o mundo,
a combustão da história,
o trágico espasmo da vida,
o tumulto e a fúria linchando as derradeiras utopias.
Na moldura dos tempos cada alma revela o seu retrato,
entre a incredulidade dos “sábios” e a fé de uma criança,
transita a expectativa dos homens…
São dias sem bandeiras,
quando a verdade se envergonha da “justiça”,
as togas e os mandatos acumpliciados na ambição,
os crimes lavados na corte dos “eleitos”
e os vilões absolvidos nesse palco de trapaças.
Até quando assistiremos a esse fatídico cenário?
Quem apagará as luzes dessa medonha ribalta?
Até quando, Senhor, suportaremos tanta ignomínia?
Nessa república de escândalos,
a corrupção gargalha da história.
Nos palanques da ilusão,
máfias partidárias e alianças promíscuas
maquiam seus patéticos contendores.
É um ritual insuportável,
onde o poder trama as suas dinastias,
as ideologias são negociadas
e nas tribunas se mascara a hipocrisia.
Eis o reduto oficial dos futuros saqueadores,
festejando sua agenda eleitoral em sórdidos banquetes,
ante a súplica inconsolável no olhar dos miseráveis.
Não quero o esquecimento,
não aceito o silêncio,
sou a acusação e a profecia
vivo num tempo de iniqüidades e presságios,
numa pátria humilhada pela impunidade,
comandada por homens sujos e soturnos
e eis porque hoje meu canto surge assim crispado,
testemunhando o impasse e esperando novos dias.
Sei que não se engana a posteridade,
que nessa nau dos insensatos toda perfídia será nominada,
todas as máscaras cairão.
Sei também que um lento alvorecer anunciará o amanhã,
e que a fé e a decência viverão muito além desse holocausto.
Mas até quando, Senhor, combateremos esse combate?
Há uma “música” sinistra e constante,
martelando, sem limites, em toda parte,
e eu e tantos outros não toleramos essa assuada.
Canto para os homens honrados e para os cultores da beleza
e eis porque vos peço perdão pelo desencanto,
por vos dar meu verso sombrio e indignado,
e esse febril retrato da esperança.
Curitiba, 04 de julho de 2014
O BARCO DA MEMÓRIA – de manoel de andrade – curitiba.pr
O BARCO DA MEMÓRIA
Manoel de Andrade
A infância sempre volta na hora humana do crepúsculo…
Vem de um tempo silenciado,
é um eco que cresce,
um fantasma que ronda e volta comovido,
surge remando no barco da memória,
abre na alma um sulco imaginário, tão formoso
e aporta para povoar a aldeia melancólica da saudade.
Traz consigo os seus inconfessáveis segredos,
as tardes azuis e açucaradas,
a dizer-nos que só se é criança uma vez na vida
e que tudo que lá ficou é um mágico clarão,
um enigma que arde imperecível,
um nunca mais.
Em cada dia houve um tempo…,
um tempo em que o mar banhou minha inocência.
Herdei essa extensão entre o horizonte e o branco cinturão de areia,
herdei do mar essa salgada lembrança,
o mar, sempre o mar, meu mágico recanto,
aquele mar que tanto amei
e onde o coração navegou o meu encanto.
A praia, o território itinerante nos meus passos,
os botos, em cada dia, nadando para o sul,
o voo preguiçoso das gaivotas,
as velas ligeiras ante a paz invencível da paisagem.
o azul e a luz espelhados sobre as águas da manhã,
as canoas trazendo suas translúcidas escamas,
o mantra suave das ondas,
esse rumor ainda presente no caracol dos meus ouvidos.
Eu tinha quatro, cinco, seis e sete anos,
a alma banhada, as retinas submersas
e em cada gesto uma sílaba antecipada do meu canto.
Tinha as mãos cheias de caramujos, de conchas,
e a vigiar meus olhos, o espanto.
Tinha meus castelos,
a espuma espessa e flutuante
e três castas amantes para brincar.
Tinha os fulgores da aurora, os mistérios constelados,
uma pequenina lagoa
e um canal estreito por onde as tainhas entravam no inverno.
Eu tinha de minha mãe o seu regaço: mel e ternura repartidos.
Lembro meu avô cortando lenha, meu retrato mais antigo.
Eu o chamava Pai Trajano.
Um dia ele levou minha pobreza seminua pela mão,
e lá, além da ponte, na loja do Seu Abrão,
vestiu-me uma camisa colorida.
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Não, Drummond, não se dissipa nunca a merencória infância.
Curitiba, 26 de janeiro de 2014
América, América… – de manoel de andrade / curitiba.pr
América, América…
Manoel de Andrade
Trago ainda na alma o mapa dos caminhos…
Meus versos riscam teu dorso para cantar um tempo único e perfumado.
América, América,
ali, entre os ramos e o penhasco, o abismo florescido,
acolá, o milho semeado e a colheita rumorosa.
Entre serras e quebradas vai o colla dedilhando sua flauta,
é seu hino à pachamama modulando o silêncio do altiplano.
Canto meu enredo de viandante,
passo a passo rumo ao norte e à alvorada.
Quantos atalhos, meu Deus, quantas fronteiras!
A travessia ao entardecer no Titicaca,
o Illimani batido pelo sol,
e aquela noite sob as estrelas em Macchu Picchu!
Ah! este aguaceiro vem agora molhar minha saudade,
e tudo me chega como um recanto do passado…
e se hoje digo amigos e digo hermanos,
ouço nossos passos ecoar pelas vielas seculares de Quito e de La Paz.
Ai, América, ainda não disse de ti quanto quisera,
abre teu cântaro, ó Poesia, e dá-me o frescor do rocio,
dá-me a magia e o lirismo…,
que canção para mim soará mais bela que tuas sílabas de encanto?
América, América,
Lembro-me do fulgor do teu rosto renascido da utopia,
tuas bandeiras de sonhos
feitas de plumas e veias transparentes.
Os campos todos semeados
e o porvir tatuado em cada gesto.
Tudo era aroma na gleba cultivada,
nos brotos germinava a esperança
e nossas pálpebras se abriam para o amanhã.
Canto a América que vivi,
entre alegrias e lágrimas, canto o continente ao sul de Anahuác.
Falo de uma América primeira,
asteca, quiché, chibcha, quéchua, mapuche e guarani,
essa América materna,
botânica e mineral,
sangrada por Cortez, Pizarro e por Valdivia.
Falo de uma só pátria,
a grande pátria de Bolívar,
pilhada e violentada,
submetida pelas garras perversas do Império.
Vi tuas trincheiras abertas
e depois as densas trevas caírem sobre o sul.
Sobreveio o chumbo cruel,
os labirintos da dor e as atrocidades.
Na penumbra gemiam os cravos, gemiam as rosas,
e agonizava a vida ainda em botão.
Canto para denunciar a verdade sufocada,
e eis que mancho este verso para nomear Garrastazu, Bordaberry, Videla, Pinochet
e seus rastros genocidas num tempo silenciado.
Canto para dizer das valas clandestinas,
das ossadas do Atacama
e dos “voos da morte” para o mar,
Meu réquiem para trinta mil argentinos,
meu canto para as “crianças da ditadura”,
para os sobreviventes e suas cicatrizes,
para a viuvez e a orfandade
para las Madres de Plaza de Mayo e suas lágrimas perenes.
América, América,
quarenta anos se passaram
e tuas feridas ainda emergem da tragédia!
E aqui declino a “operação” perversa dos “condores”
e os seus generais malditos.
Canto por ti, América,
por tuas aldeias de bravos e por teus calvários,
por teu nevado esplendor tantas vezes torturado,
América de tantos massacres e patíbulos,
ouço-te ainda na voz melancólica dos charangos, quenas e zamponhas,
chorando por la matanza de San Juan, em Potosi.
Uma América de martírios,
estrangulada em Cajamarca,
esquartejada em Cusco,
sacrificada em La Higuera.
executada em Trelew e El Frontón,
e nos rituais da morte em Villa Grimaldi e no Dói-Codi.
Por tanta dor nessas memórias
eu vos peço perdão pelo meu canto.
Ele é também assim: um áspero clarim no entardecer.
Distante, tão distante,
no tempo e nos andares,
e hoje, em busca de mim mesmo,
ainda abrigo o mesmo combativo coração.
Não sei o que te espera, América,
os anos correram inquietantes e velozes
restando um mundo com seu som intolerável.
Busco meu íntimo silêncio,
e, por um momento, digo basta…,
meu pensamento em prece, e num lampejo, viaja ao sul do Chile.
Lá, muito além do Bio-Bio, há um golfo deslumbrante.
Vou em busca de Arauco,
lá lutaram meus heróis, Caupolicán e Galvarino.
Foi lá onde viveu Lautaro e onde vive Frederico.
Vou para rever o cone nevado do Antuco
rever o vale e a Cordilheira,
o seu dossel verdejante, onde se gesta a vida.
Vou para relembrar uma baía de barcos,
para construir uma paisagem na alma,
uma tenda de luz para um amigo.
Curitiba, 22 de dezembro de 2.013
A MANIFESTAÇÃO DA CRIANÇA SAGRADA – de zuleika dos reis / são paulo
A MANIFESTAÇÃO DA CRIANÇA SAGRADA
Zuleika dos Reis
O Natal nos liga à origem do Tempo Sagrado, onde está o Ser a Quem pertencemos, o Ser de Quem somos parte, independente do fato de termos clara em nós tal Ciência.
A manifestação da Criança Sagrada nos vem todo ano como Recordação e Presença; vem para nos lembrar de que a Vida não tem fronteiras, nem de espaço, nem de tempo.
A manifestação da Criança Sagrada nos vem todo ano para nos mostrar que a Vida apenas É, a iluminar-nos desde Sempre, desde o Âmago, desde o Centro.
A manifestação da Criança Sagrada nos vem todo ano para nos incinerar das nossas misérias, por segundos que seja; para nos Iluminar, por segundos que seja; é preciso Coragem Desmedida para nos deixarmos incinerar, por segundos que seja, para nos deixarmos Iluminar, por segundos que seja; é preciso Desmedida Coragem, para que ousemos duvidar do brilho mais do que nunca ofuscante do imediato real, do brilho que, se descuidarmos, nos fará passar totalmente em branco este Tempo de Recordação e de Presença da Criança Sagrada, que vem para nos Lembrar. Que vem para nos lembrar, para nos lembrar de Nós.
GERONTION’s – de T. S. ELLIOT
GERONTION’s
Thou hast nor youth nor age, But, as it were,
an after dinner’s sleep, Dreaming on both.
(William Shakespeare, Measure for Measure,
“Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.”)
Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.
Tomaram-se os signos por prodígios: “Queremos um signo!”
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judéia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.
Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.
O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?
Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.
RONDAS DE UM FANTASMA – de zuleika dos reis / são paulo.sp
RONDAS DE UM FANTASMA
Zuleika dos Reis
Um fantasma de si mesmo
triste fantasma encarnado
em fria tarde, a esmo,
lembrava do próprio rosto
que perdera há tanto tempo
e se olhava, descarnado,
nas águas do fundo lago
no centro do bosque em torno.
Em verdade, não havia
nem bosque nem lago fundo.
Havia só pensamento
e o coração perplexo
de um fantasma encarnado
que perdeu o próprio rosto
no espelho de outro rosto
e agora jaz, descarnado
de si mesmo, há tanto tempo,
no centro do bosque em torno
imagem no fundo lago
que se esvai, só pensamento
de um fantasma que não olha
que não vê, que não deseja
bosque, lago, rosto, espelho,
que de mais nada se lembra
que do Amor não mais se lembra
triste fantasma perdido
dos rostos que tenha tido
na sina de Amor, medonha
mais medonha que se tenha,
pobre fantasma sem rosto
no centro da noite erma
de Lua, estrelas, conforto
pobre fantasma sem rosto
sem inveja de algum outro
que alguma vez tenha tido
pobre fantasma tão morto.
Fantasma, como te entendo
essas rondas, esse círculo.
Também se move, assim lenta,
esta morte em que me vivo
esta morte que me move
a mim, diversa de ti,
assim Memória que sofre
só Memória que não morre.
Tudo é Presença e morte
na vida que já não vivo
no presente que não vive.
Fantasma, como te entendo!
Entendo porque te sou
fantasma, mas, não te sendo:
Memória e Presença vou
vou também esquecimento
mas, nunca Esquecimento
que o rosto do meu Amor
luz e sombra, lume, Dor,
na vida erma, O Lamento.
A DOM QUIXOTE – de zuleika dos reis / são paulo.sp
A DOM QUIXOTE
Zuleika dos Reis
Por que Dom Quixote
por que tanta luta
por que tanta guerra surda
com a tua pobre, triste Dulcineia?
Dulcineia, tua estrela
esta que volta e meia
se vê transformada em poeira
não poeira de estrelas
crua poeira de estrada
dessas que viram lama
quando cai chuva farta.
Por que, Dom Quixote
por que?
Por que não vês, simplesmente,
minha triste face humana?
Tua cegueira
para a minha tão triste face humana
vem abreviando
há séculos sem pausa
meus dias sobre esta Terra.
Eu te vejo como és, Dom Quixote
e assim te tenho amado
com tua luz e tua sombra
com todos os teus moinhos
ah, alguns tão verdadeiros!
Com muita luta, é claro,
também o meu amor
que não é fácil
amar uma estrela
feita de paradoxos, como tu,
paradoxos compondo
a tua face humana
Paradoxos que, por amor,
passaram a compor, também,
a minha triste face humana, senhor.
Senhor meu
nunca acabará em ti
tal trajetória
de Dor e Dúvida
que nos contaminam de morte os dias
os anos, as vidas?
Nunca nos revelaremos
face a face
olhos nos olhos
a nossa verdade tremenda
essa verdade
que nos tem abalado, sempre, os edifícios de existir
que nos tem fundado, sempre, os alicerces de morrer?
Seja como for, permite dizer-te
senhor meu:
Na hora de fechar meus olhos e meu corpo
em definitivo
para as sombras e as luzes desta Terra
será teu nome
homem do meu amor
Dom Quixote meu
minha estrela funda
a mais alta
estrela
nos meus lábios
o derradeiro nome
teu nome de carne
o nome de teu homem
o derradeiro nome
que habitará minha boca.
Depois, eu voarei.
Voarei, Dom Quixote.
Eu voarei
mas, não agora,
não ainda agora
Amigo meu.
Mim – de darci ribeiro / rio de janeiro.rj – póstumo.
– Darcy Ribeiro, em “Eros e tanatos”, Record, 1998.
EL PAYADOR PERSEGUIDO – de ataualpa yupanquí
EL PAYADOR
HUMILDADE E ALTIVEZ DE DESERTOS – por zuleika dos reis / são paulo.sp
HUMILDADE E ALTIVEZ DE DESERTOS
Zuleika dos Reis
Deixai-me, ainda, dizer nesta manhã,
desde o ventre da incomensurável cidade a devorar os filhos
na secura de edifício sem nome
sem biografia
sem história
desde o mais fundo dos ermos
desde a raiz das árvores secas de inverno
árvores secas em secas alamedas de inverno
desde o fundo da alma em inverno
alma sem sonhos nem esperanças quaisquer de outros ciclos
deixai-me dizer
mais do que dizer, deixai-me sentir, ainda,
algo, ainda, da humildade e da altivez dos desertos .
Não de um deserto real
de deserto inventado por sonho
que no universo de mundos pós-tudo
de almas pós-tudo
de tempos pós-tudo
não mais sequer desertos, senão em sonhos inventados,
mas o meu, já que nem mais sonhos inventados consigo,
será deserto meramente pensado
pensado
areal sem fim e sem começos
sem termos de acordo
sem oásis
ou melhor
– para quebrar a onipotência das areias infindáveis –
com alguns pequenos e outros grandes oásis de pedras
oásis de pedras reluzentes
de altíssima chama
de duríssimos arco-íris
como nenhuns outros
pedras como nenhumas outras
onde os pés descansem, fundo,
de todos os repousos
onde o sangue a jorrar
complete o cenário.
Altivos e humildes e sangrentos pés
deserto altivo, orgulhoso do seu areal sem fim
e de seus oásis de arco-íris pontiagudos
e de pedras redondamente a espraiar outros tesouros de ninguém
deserto a ofertar-se
a este pensamento quase delírio no início da tarde
deserto-oráculo
amplo e sem muros como um deus criado
amplo e sem muros.
Um deus criado no tempo deste poema, também ampla voz de nadas.
Um deus criado neste instante.
Deserto sem tendas
beduínos
camelos
sem o que quer que seja que configure em algum lugar para alguém deserto plausível
deserto anterior a si mesmo
como se não fora
deserto projetado para alívio
só no exato tempo e espaço desta escrita
que é mesmo uma coisa nenhuma.
Deserto altivo
deserto humilde
vento a espalhar areias e pedras pelo mundo e por não mundos
ofuscante céu de quase meio-dia a cegar as palavras
céu de obscuro verão vindo de teu hemisfério, deserto pensado,
para cegar também cada um dos silêncios.
Deserto altivo e humilde
janelas de prédios que olham este instante no inverno
sem ver nada e ninguém
árvores de hirtos galhos
cruzes cegas na ainda manhã
cegas penitentes imóveis
cegas imóveis penitentes erguidas diante do seu deus.
Diante do seu deus.
Poema escrito em 17 de julho de 2013.
A MORTE – de santo agostinho
A MORTE – de santo agostinho
A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.
Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.
A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?
Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho…
Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.
(Santo Agostinho)
POEMA SONHADO – ALHO-PORÓ – por jorge lescano / saõ paulo.sp
ALHO-PORÓ
(poema sonhado)
Para Maria Aparecida
In memoriam Marguerite Duras
As folhas
finas
as nervuras
a cor
das folhas.
Verde.
Folhas e folhas
de alho-poró.
O talo:
fino
esbranquiçado.
O bulbo:
arredondado
fiapos ásperos
levemente amarelados:
A verdura.
O vento
nas folhas.
O cheiro
trazido pelo vento
nas folhas finas
da verdura.
O cheiro da verdura.
Na cozinha
O alho-poró
nas mãos
da mulher
que amorosamente
condimenta
a sopa da família.
Eis o poema sonhado nesta manhã nórdica de São Paulo. Quis transcrevê-lo como o recuperei na vigília antes que o dia me tomasse a mente. Com certeza mais tarde escreverei sobre as vertentes que reconheço como origem do sonho porque me apraz investigar essa coisa que alguns chamam de inspiração. Agora, no entanto, preferi referi-lo como eu o traduzia para duas ouvintes.
O engraçado do caso é que eu o traduzia do castelhano para duas mulheres bolivianas que poderiam ler o original. Curioso também que elas tivessem essa nacionalidade, pois não tenho contato com ninguém da Bolívia.
Na leitura onírica havia elementos visuais que embora não correspondam à realidade, a enriqueciam. As folhas sonhadas eram mais largas que as do alho-poró e tinham uma variação de cor que ia do verde escuro ao amarelo, esta variação cromática era observada pelos três personagens e devidamente apreciada. Isto tornava a planta, e o poema, mais sutis. Para ilustrar esta qualidade do sonho deveria aproveitar a imagem da folha de outra planta, com outro formato e outra textura.
Há, na gênese deste sonho, circunstâncias familiares e pessoais que o formaram. Estou trabalhando num relato que trata da tradução e por uma situação dolorosa penso constantemente em minha mulher, da qual estou separado há vinte anos, especialmente na hora em que preparo o modesto jantar na minha mansarda.
Três pessoas se apresentaram à memória para a dedicatória. A primeira é a que está estampada, as outras duas por motivos diversos. Uma é poeta e creio que apreciará esta minha incursão no seu quintal. A outra fez o seu doutorado em letras francesas com tese sobre Marguerite Duras, razão pela qual com ela compartilhei a leitura das obras de nossa amada escritora durante um longo período e que certa vez, para “ilustrar” um evento realizado com textos dela, me telefonou pedindo que localizasse uma receita de sopa de alho- poró em um dos seus livros.
Para que o leitor desta nota não fique em suspense digo que esse texto tem o título de A sopa de alhos-porros e se encontra no livro Outside (São Paulo, Difel, 1983).
MENSAGEM – de manoel de andrade / curitiba.pr
Mensagem
Manoel de Andrade
Vós que aguardais a vida no ventre dos séculos,
vós que sois a gestação da grande raça ainda por vir,
gerações futuras,
hoje é para vós que eu canto
porque hoje nós vivemos num tempo de mártires
granadas desabrochando velozes
mil panteras famintas rondando nosso ventre
punhais atiçados em todos os punhos.
Homens do futuro
é para vós minha esperança
minha certeza ardente
as rosas rubras dos meus lábios.
Vós que sois as uvas
e o pão da justiça em nossos sonhos calcinados.
Vós que vireis para justificar o nosso sangue
e a nossa dor.
Vai meu verso, vai…
porque hoje é triste demais cantar nas trevas
cantar com os gritos do meu povo
com o murmúrio dos oprimidos…
e com minha fala feita em prantos,
feita de pássaros torturados,
cantar com os corpos dos que tombam,
e sentir que morro tantas vezes
e saber que tantos já morreram
para que vós piseis um dia o chão da liberdade.
Vai veleiro, vai…
meus versos transformados num solitário barco
a vos buscar além de muitas luas.
Vou-me daqui
para não ver minha canção murchando.
Vou-me daqui
porque o poeta tem que mendigar por uma rosa infinita
por um subúrbio qualquer da eternidade.
Gerações futuras
Hoje é para vós que eu canto
para um tempo de irmãos e camaradas.
Vou-me daqui
para morar convosco na imortalidade da vida.
Vai veleiro, vai…
e não encalhes a poesia nas águas rasas destes anos
porque aqui os poetas já não são ouvidos.
Navega em busca dos que virão ainda,
leva meu sonho pelo imenso mar do tempo,
leva-me para bem longe das minhas lágrimas.
Curitiba, novembro de 1968
AMIGO – de gilda e. kluppel / curitiba.pr
Amigo
A vida nos apresenta vários amigos
ou que chamamos de amigos
ou pensamos serem amigos
os meio amigos ou amigos da onça
alguns dedicados, outros fingidos
tantos incompreendidos, mal resolvidos
os amigos do coração e os amigos do alheio
os amigos da alma e os amigos da matéria
os amigos de si mesmos, fechados em seus egos inchados
os que dizem serem nossos amigos por mais de mil vezes
e junto deles não precisamos sequer de um inimigo.
Entre tantos, existe um sentimento sagrado
de irmão, próximo e semelhante
daquele que respeita as diferenças
sabe compreender e rir das nossas bobagens
sem nos acusar de ridículo, sem cobrar atos perfeitos
não necessitamos pedir licença para a nossa existência
diante das falhas e fraquezas recebemos a delicadeza
de quem nos acompanha em coisas importantes
ou sem nenhuma relevância ou até em extravagâncias.
O amigo não está nas relações efêmeras
vencedor e vencido, ilusor e iludido
porque não é para o consumo,
mero material descartável
para se depositar cargas pesadas
e abandonar o fardo em seus ombros.
Amigo não é plataforma para se lançar
é porto para se ancorar
não é consumido pelo tempo
para mais adiante ser esquecido
amigo não tem muita explicação
mas, pode ajudar a explicar muitas coisas.
Cabe num poema, vale uma oração
não precisa ser encantado
apenas proporcionar muitos sorrisos.
Quando saímos da presença de alguém
sentindo a alma mais leve
este é o nosso amigo, simplesmente o abrigo
esteja sempre comigo.
Chão de Estrelas – silvio caldas / rio de janeiro.rj
Chão de Estrelas
Silvio Caldas
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam estranho festival!
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
.
http://www.youtube.com/watch?v=wvSsOpA7jm4
Choro Bandido – de chico buarque / salvador.ba
Choro Bandido
Chico Buarque
Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons
Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida – de paulinho da viola /rio de janeiro.rj
Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida
Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração
Tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar…
Porém! Ai porém!
Há um caso diferente
Que marcou num breve tempo
Meu coração para sempre
Era dia de Carnaval
Carregava uma tristeza
Não pensava em novo amor
Quando alguém
Que não me lembro anunciou
Portela, Portela
O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou…
Ah! Minha Portela!
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Não posso definir
Aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar!
.
As Rosas Não Falam – de cartola / rio de janeiro.rj
As Rosas Não Falam – CARTOLA
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Pra mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhavas meus sonhos
Por fim…
.
PRECE DE GRATIDÃO – de manoel de andrade / curitiba.pr
“Prece de Gratidão”
Eu te agradeço, Senhor,
ser filho do Teu amor
e herdeiro do Universo.
Ser cantor dessa beleza,
ter um lugar nessa mesa,
pelo sabor do meu verso.
Senhor, muito obrigado,
pelos pais bons e honrados
e pelas lições da pobreza.
Pelo café com farinha,
por tudo que eu não tinha
e que fez minha riqueza.
Pelo meu corpo perfeito,
pela poesia em meu peito
e os anos da minha idade.
Por todo dever cumprido,
pelo amparo recebido
e o céu da imortalidade.
Eu Te agradeço também
pela semente do bem
plantada no meu pomar.
Pela doçura desse fruto
não ter me tornado um bruto
e ter aprendido a amar.
Pela água da minha fonte,
pela linha do horizonte
e um sonho de marinheiro.
Pelo meu mar de criança
e o meu barco de esperança
percorrendo o mundo inteiro.
Pelo pão, pelo abrigo,
pelo abraço do amigo,
por Teu carinho invisível.
Agradeço-Te com veemência
esta paz na consciência
e a minha fé invencível.
Pela luz que me ilumina
desde a antiga Palestina
na alegria e na dor.
Por quem sou, pelo que sei,
por Moisés trazendo a Lei,
por Jesus trazendo o amor.
Senhor, eu Te agradeço
pela dor e o tropeço
quando ensinam uma lição.
Ninguém paga sem dever
e a Lei obriga a colher
o efeito da nossa ação.
Pela sapiência contida
no pergaminho da vida,
na magia e na razão.
Agradeço-Te a minha parte,
pela ciência, pela arte
e pela Grécia de Platão.
Por Cabral no rumo certo,
pelo Brasil descoberto,
pela pátria e o cidadão.
Pelo herói da Inconfidência,
o Grito da Independência
e a bênção da Abolição.
Pelas lições da História,
pelo povo e a sua glória
na busca da liberdade.
E pela Humanidade inteira,
quando erguer sua bandeira
pela paz e a verdade.
Grato sou por ter um sonho,
sonhar com um mundo risonho
numa paz contagiante.
Ver este Brasil fecundo,
como o coração do mundo,
em um porvir deslumbrante.
Agradeço o bom combate,
e ter encarado esse embate,
com o coração despojado.
Com Tua luz nos meus passos,
a fraternidade em meus braços
e o meu sonho preservado.
Contigo Senhor, sou forte,
tenho um fanal, tenho um norte:
amor, sensibilidade.
Eu moro na melodia,
na música, na poesia
e no farol da verdade.
Muito obrigado Senhor
pelo trabalho e o suor,
pelo que dei e recebi.
Quando chegar meu momento,
se eu tiver merecimento,
me leva pra junto de Ti.
Manoel de Andrade
DOIS POEMAS DE ZULEIKA DOS REIS – são paulo.sp
A FLAUTA
A flauta funda
fértil fauno
a fecundar ninfas
a fecundar fábulas
fontes a jorrar
nadas nuncas.
A flauta é funda.
Nadas nuncas
que a flauta funda
feudos
flâmulas
feridas a jorrar
formas fatídicas.
A flauta é funda
a forjar forjas
ferozes fendas
fronteiras filigranas
a fulgir, a jorrar
na funda flauta
informes formas
nadas nuncas
nadas nuncas
na funda flauta
fundidas faces
falo febre fogo
sêmen dos segundos…
sêmen dos silêncios…
sêmen… deuses assassinados.
================
O anel que tu me deste
Era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.
De Ciranda infantil
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TROVAS DE SER-NÃO SER
A estrela que eu te dei
era cadente e sumiu?
A estrela que tu me deste
por onde anda no céu?
Anéis para os nossos dedos
eram invisíveis e os víamos
com os olhos da nossa alma
que não mais, nunca se acalma.
Nunca se acalma esta alma
que te dei, que tu me deste.
Onde os céus que se partiram?
Onde os anéis para os dedos?
Sei que houve outras estrelas
nestes céus da tua alma.
Nem todas elas me amam.
Tento sempre compreendê-las.
Ninguém mais fiel tiveste
aos teus segredos mais fundos
que são também meus segredos
e com zelo os guardo, todos.
Poupa-me do teu ciúme
que cego como o assum-preto
transforma em lama, a estrela
e o canto dela em negrume.
Só negrume a estrela-lama
canta, tal canta o assum-preto.
Teus passos pisam essa estrela
que te iluminava, bela,
as noites, de insônias longas,
os dias de insones sonhos,
a vida, de ouro antigo,
– céus de eternas turbulências
céus das mais fundas tristuras
céus de loucas esperanças
céus dos mais longínquos voos
que as nossas asas voaram
céus dos quais nunca voltamos
mas voltamos, obrigados,
para sempre estrangeiros,
eu mais que tu, que tens Pátria
outra, escolhida por alma.
Eu não, tu eras a Pátria
que me cabia por sina.
Sina: Pátrias adversas
e de destino mutante,
que me afirmas e me negas
às vezes no mesmo verso
na alma do mesmo instante.
O DIA DA POESIA o site homenageia com TORQUATO NETO / ilha de santa catarina.sc
COGITO
Torquato neto
.
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
ESCRAVOS – de fabio pereira
Ó república escravizada
Donde escuto escravos
Em murmúrio açoitados
Ao pelourinho indouto.
Encilham-nos o intelecto
A cabresto e a chibata,
Lampejos incultos fustigam
Nas tezes calejadas.
Sob a tenda do Pão e Circo armada,
Ali as massas anestesiadas,
Tementes à desvairada
Ditadura Midiática.
Ó república escravizada,
Toda a vida anoitecida,
Sem uma lua ou ponto de luz,
Restrita à noite desculta!
Por um 13 de Maio novo,
A alforriar mentalidades,
Libertando e nutrindo-as
A banquetes de crítica e cultura.
POEMA – de mario quintana / porto alegre.rs
Um poema é como um gole d´água bebido no escuro
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre
Na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
Condição de poema.
Triste.
Solitário. Único.
Ferido de mortal beleza.
O LOBO – de zuleika dos reis / são apaulo.sp
O LOBO
Zuleika dos Reis
O lobo perdeu
a vez
a voz
o uivo.
O lobo se lembra da mata
não se lembra mais de si
ao ouvir o uivo do vento
que lhe penetra os ouvidos
pelas grades da jaula.
O lobo
perdeu o uivo a voz a vez
perdeu-se de si
De si resta-lhe a jaula
que ele não reconhece como sua
de si resta o uivo do vento
lá fora
mas ele não mais o ouve
o lobo triste
que um dia
foi lobo livre
foi lobo feliz.
O FIM DO MUNDO ou a explosão global de 21 / 12 / 2012
“Para encontrar a alma é necessário perdê-la”. (Alexander Luria, neuropsicólogo russo)
Segundo muitos exotéricos que interpretam tragicamente o calendário maia, produto de uma avançada civilização pré-colombiana da América Central, o mundo terá – ou teria ! – explodido no dia 21 de dezembro de 2012. No mundo inteiro há quem leve a sério esses maus presságios e locupletam algumas cidades, consideradas à salvo da apocalipse, congestionando estradas e devorando os escassos mantimentos que seus modestos estabelecimentos comerciais dispõem. Uma delas aqui no Brasil, em Goiás: Alto Paraíso. Trata-se de uma bela cidade situada a nordeste do Estado de Goiás, a 230 km de Brasília, na Chapada dos Veadeiros, numa região rude e violenta que serviu de inspiração aos melhores contos e romances regionais do escritor Bernardo Ellis, o melhor deles “O Tronco”, levado às telas por J.Batista de Andrade. Prova disso foi o assassinado do Prefeito da cidade há dois anos. Não obstante, situada sobre uma plataforma de cristal de rocha, no ponto mais alto do Planalto Central, Alto Paraíso há muitos anos atrai místicos do mundo inteiro que ali semeiam templos, tribos ou oficinas individuais dando um colorido diferente à pacata sociedade local. Lá encontrei, também, em minhas inúmeras viagens, vários gaúchos que povoam o Centro Oeste lavrando o cerrado e contribuindo para fazer do Brasil o celeiro do mundo. Bom para o agro-business, ruim para a natureza, que se molda à mão do homem.
Para a Ciência, avessa às superstições e especialmente à Astrologia, o que haverá na fatídica data é apenas um mero alinhamento sideral. Entre os dias 21 e 23 de dezembro, com ápice entre 11:16 hs e 11:26 hs da manhã do dia 22/12. nosso planeta Terra, a Lua e o Sol estarão alinhados com Alcyone, a estrela maior da Via Láctea, fato que ocorre a cada 25 mil anos. Mas , para os místicos, este seria um momento especial porque as energias planetárias estariam se reorganizando levando-nos à possibilidade de vivenciar um momento cósmico especial, com uma suposta extraordinária ortunidade para que muitos se iluminem passando a vibrar em outras dimensões. “É esperado que milhões de almas se beneficiem desta oportunidade espiritual única”afirmam.
As religiões monoteístas firmemente estabelecidas também refutam essas proclamações de uma Nova Era e a condenam , tanto quanto a Astrologia, como mera superstição. Alguns Governos laicos, como o da China, vai mais longe e está perseguindo com severidade as seitas que divulgam os prognósticos do fim do mundo.
Ciência, Governos laicos e Igrejas se unem, portanto, na reafirmação do destino não como fatalidade, mas como possibilidade, ou seja, como resultado de complexos fatores biológicos , ambientais e psicológicos sobre os quais se interpõe o livre arbítrio. Não fora isto, como julgar as ações humanas? Os filósofos vão mais longe: A condição humana assinalaria o aparecimento da consciência mediada pelo desejo, cuja raiz etimológica – de-sidere – marcaria a afirmação da vontade livre frente aos desígnios siderais, ou seja, a idéia mesma de destino. Para o Iluminismo, enfim, sob cujas luzes ainda nos “ iludimos “, o homem é um ser moral dotado de plena capacidade para legislar com autonomia sobre suas ações. A pós-modernidade já sepultou esta crença na capitulação do sujeito. Mas não capitulou à astrologia… E um novo fisicismo científico, igualmente pós-moderno, descrito como “tumor metafísico”por Eduardo Gianetti em seu livro “A Ilusão da Alma”, Cia. Das Letras. e cantado em verso por Fernando Chuí, relança o tema da pré-destinação, mas mais como determinação bio-genética do que rastro estelar :
A Invenção da Alma
Fernando chuí
Certa vez, um amontoado de átomos
adquiriu inexplicavelmente o desejo
de ser mais do que matéria em movimento.
.
O criador, curioso ao perceber tal rebeldia
submergindo da luz e do caos,
decidiu, quase em um tom lúdico,
enviar àquela manifestação sete fadas
para lhe presentearem com dotes que o auxiliassem
na engenharia daquele novo e improvável universo.
.
Voz, a primeira fada,
voou por entre os orifícios da cabeça
e soprou-lhe o dom de inventar sentidos próprios
nos sons que era capaz de emitir.
.
Mãos, a segunda fada,
atravessou seus poros até atingir seus ossos,
seguindo os braços até as suas extremidades
e lá deixou a habilidade de transformar as formas à sua volta
apenas pelo contato com seus dedos.
.
Paixão, a terceira fada,
rasgou-lhe o peito para lhe enfiar sua adaga
que continha o poder de se entorpecer e se entregar à cegueira
diante de um outro ser.
.
Conhecimento, a quarta fada,
nadou por toda a sua carne
espalhando por todo o corpo
a capacidade de salvar a sua história
por meio de escritos, imagens e objetos.
.
Política, a quinta fada,
mergulhou em seu sangue
e lhe inoculou a aptidão de se organizar socialmente
em sistemas, classes e disciplinas.
.
Karma, a sexta fada
(que também respondia pelo nome de Neurose),
escorregou pelo couro cabeludo para lhe derramar
a capacidade de lutar contra a própria felicidade.
.
Dor, a sétima e última fada,
beijou seus olhos
e lhe ofertou a capacidade de chorar.
.
Feliz com seu feito, o criador agradeceu
e despediu-se das fadas.
Porém, temeroso de ser alcançado
pelos poderes concedidos àquela nova criatura,
o criador lançou àquele ser um feitiço:
Não teria jamais a certeza de coisa alguma.
.
Feito isto, pôs-se a dormir, invisível.
.
E aquele ser que acordava
e já não aceitava mais a sua pureza atômica,
passava seus dias a inventar, tal qual vício ou peste,
novas estruturas lingüísticas, estéticas, políticas e tecnológicas
para a dominação de seu povo e da natureza à sua volta.
Estas que, via de regra,
sempre geravam indefectíveis desastres
faziam-no passar todo o tempo buscando novas invenções
para consertar os próprios erros de outrora.
.
E mesmo se multiplicando em ritmo absurdamente acelerado,
o ser inventou a solidão.
Sentia-se agora tão só
que inventou em si um novo talento,
o dom de inventar deuses.
.
Da voz, compôs uma reza.
Das mãos, moldou o altar.
Da paixão, lançou-se ao culto.
Do conhecimento e da política, teceu a religião.
Da neurose, fez a culpa, a vergonha e o castigo.
.
O ser derramou assim
sobre a terra azul e seca,
de alegria e melancolia,
a primeira e doída lágrima,
junto à primeira prece.
.
.
Elas, que aí estão;
Elas, que não têm mais fim.
Entre crenças, princípios científicos e vã filosofia enfrentemos, pois, o 21 de dezembro. E, se o mundo sobreviver e nós com ele, preparemo-nos para a boa semana de celebrações que lhe seguirá.
Ceia de Natal – de gilda kluppel / curitiba.pr
A mesa está posta
toalha e guardanapos
em tons vermelhos
para saudar aquele…
senhor das barbas brancas
ao invés de reis magos
somente os convidados.
Para seguir outra estrela
distante de Belém
e que conduz aos excessos
ao invés do perfume de mirra
o cheiro da comida.
Ele, de roupa pesada
torturado pelo calor de dezembro
largo cinturão preto
afrouxado para a ceia
os presentes no grande saco
as tantas quinquilharias
para alegrar uma noite
e talvez mais algumas horas
de fervoroso consumo
ao invés de Feliz Natal
agora se diz apenas Boas Festas.
Maria e José do lado de fora
espiam pela janela
procurando por Jesus querem saber
a cruz ainda pregada na parede da sala
alguém lembra do aniversário?
O CHAMADO DAS PEDRAS de CORA CORALINA
O chamado das Pedras
A estrada está deserta.
Vou caminhando sozinha.
Ninguém me espera no caminho.
Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite
de lá muito se apagou.
Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.
Sozinha…
Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.
Vêm do passado.
Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
Ouço um vagido de criança.
É meu filho que acaba de nascer.
Sozinha…
Na estrada deserta,
Sempre a procurar
o perdido tempo que ficou pra trás.
Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:
Volta…Volta…Volta…
E os morros abriam para mim
Imensos braços vegetais.
E os sinos das igrejas
Que ouvia na distância
Diziam: Vem… Vem… Vem…
E as rolinhas fogo-pagou
Das velhas cumeeiras:
Porque não voltou…
Porque não voltou…
E a água do rio que corria
Chamava…chamava…
Vestida de cabelos brancos
Voltei sozinha à velha casa deserta.
– Cora Coralina, “Meu Livro de Cordel”, 8°ed., 1998.
A UM POETA – de olavo bilac / rio de janeiro.rj
A um Poeta
.
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma de disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
– Olavo Bilac, in “Poesias”
ABDIAS DO NASCIMENTO recebe homenagem poética de PAULO TIMM: “MISTÉRIO NEGRO” – torres.rs
no dia da CONSCIÊNCIA NEGRA, o professror PAULO TIMM homenageou o líder do MOVIMENTO NEGRO e SENADOR ABDIAS DO NASCIMENTO com este poema publicado em diversas mídias:
Mistério negro
À Abdias do Nascimento
Meu país negro,
Tão cheio de cores,
Totalmente negro,
Desde a estupidez flutuante
Sobre tenazes de ferro,
Inspirando os salsos tão brancos
Das montanhas de açúcar,]
Dos fardos de algodão,
Dos punhos engomados da sociedade ser-vil
Meu país negro
Tão cheio de dores
Totalmente negro,
Na insensatez hiante,
Sobre espirais de fumo,
Delirando ternuras brandas.
No auge de abolição.
No mito da integração.
Nos sulcos magoados da república sutil.
Meu país negro,
Tão cheio de amores.
Totalmente negro,
Na tez dominante,
Sobre os corpos gemidos.
Inspirando suaves mentiras
Sobre a cordialidade,
Sobre a maldade,
Nos falsos argumentos de uma democracia senil
Meu país negro,
Sorrisos negros, negras em flor
Tão cheio deles por todas partes
Tão cheio deles por todas as artes
Cheio de negros em fétidas prisões
Cheio de negras na branca perdição
Cheio de meninos negros à espera da maldição
E só um carnaval para redimi-los.
Cumpri-los
em sua impenetrável ambição
PAULO TIMM é economista, professor da UNB e poeta.
SOU RAIZ – de cora coralina / goiania.go
SOU RAIZ – CORA CORALINA
.
Sou raiz, e vou caminhando
sobre as minhas raízes tribais.
Velhas jardineiras do passado …
Condutores e cobradores, vós me levastes de mistura
com os pequenos e iletrados, pobres e remendados …
Destes-me o nível dos humildes em tantas lições de vida.
Passante das estradas rodageiras, boiadeiros e comissários,
aqui fala a velha rapsoda.
Escuto na distância o sonido augusto do berrante que marca
o compasso das manadas que vão pelas estradas.
O mugido, o berro, o chamado da querência, a aguada,
o barreiro salitrado, a solta, o curral, a porteira,
a tronqueira, o cocho, o moirão, a salga, o ferro de marcar,
rubro, esbraseado. A castração impiedosa.
Eu sou a gleba e nada mais pretendo ser.
Mulher primária, roceira, operária, afeita à cozinha,
ao curral, ao coalho, ao barreleiro, ao tacho.
Seguro sempre nas mãos cansadas a velha candeia
de azeite veletudinária e vitalícia do passado.
Viajei nas velhas e valentes jardineiras
do interior roceiro, suas estradas de terra,
lameiros e atoleiros, seus heróicos e anônimos condutores
e cobradores, práticos, sabidos daqueles motores desgastados,
molas e lataria rangentes.
Santos milagreiros eram eles. Onde estarão?
Viajei de par com os humildes que tanto me ensinaram.
Viajantes das velhas jardineiras, meus vizinhos
das estradas viaje iras …
Meus trabalhadores: Manoel Rosa, José Dias, Paulo, Manoel,
João, Mato Grosso, plantadores e enxadeiros, meus vizinhos sitiantes,
onde andarão eles?
Andradina, Castilho, Jaboticabal, comissários e boiadeiros, tangerinos,
esta página é toda de vocês.
Fala de longe a velha rapsoda.
CHIMARRÃO – de vitor ramil e joão da cunha vargas / porto alegre/rs
Chimarrão
Velho porongo crioulo te conheci no galpão
Trazendo meu chimarrão com cheirinho de fumaça
Bebida amarga da raça que adoça o meu coração.
Bomba de prata cravada junto ao açude do pago
Quanta china ou índio vago dá água ao seu pensamento
De alegria, sofrimento, de desengano ou afago.
Te vejo na lata de erva, toda coberta de poeira,
Na mão da china faceira ou derredor do fogão,
Debruçado num tição ou recostado à chaleira.
Me acotovelo no joelho, me sento sobre o garrão
Ao pé do fogo de chão vou repassando a memória
E não encontro na história quem te inventou, chimarrrão.
Foi índio do pelo duro quando pisou neste pago,
Louco pra tomar um trago, trazia seca a garganta,
Provando a folha da planta, foi quem te fez mate amargo.
Foste bebida selvagem e hoje és tradição,
E só tu, meu chimarrão, que o gaucho não despreza
Porque és o livro de reza que rezo junto ao fogão.
Embora frio ou lavado ou que teu topete desande
Minha alegria se expande ao ver-te assim, meu troféu,
Quem te inventou foi pro céu e te deixou pro Rio Grande.
PÁSSARO AZUL – de bukowski / eua
CHARLES BUKOWSKI.
Pássaro Azul
Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?
ORDÁLIO DE VERÃO,segundo o poetinha – de paulo timm / portugal.pt
Ordálio de verão, segundo o poetinha
I
Meninas sozinhas, perdidas no mundo
e dentro de si., sufocantes.
Pés de açucena, mãos despataladas ainda em botão.
Aurigas imortais ,
Cariátides suplicantes
Púcaros de bacilos
Sob templos de lues irisadas de vergonha.
No anúncio de siringes lúgubres
Um abismo hiante:
Social?
Tropical?
Existencial e antropofágico.
Procelas devastadoras em verões sufocantes:
Suplícios, doestos,
Nas vascas de uma agonia itinerante
Tantos cheiros, tantos…
Fragrância fria , distante
E que cores?
Lâmpadas também frias de uma luz cortante
Mas que peso! Que pressa!
Bebi de copo vazio e casto
E me sinto com gosto de lua minguante.
II
As estações chuvosas são assim.
Vê-se tudo pela janela.
Como esperas de dentista.
Sempre atento ao pior.
`As cinco da manhã , pior ainda:
A angústia se veste de branco e fica como louca,
Doidona!
Sentada, em pe; sentada.., em pé…
Trocando pernas como quem dança um tango.
Espiando o perigo
De onde ele vem mesmo , menina?
Vai pra casa!
Mas minha fadiga encontra seu termo
E meu desejo de evasão se esvai , desejante,
Acovardado pelo enlevo que lhe consome.
O que mais precisa um homem senão
Deste lirismo indizível da beleza
Cínica da madrugada?
Toda desiludida de romance… .
III
Releio Vinicius, meu grande poeta
Devorador de palavras difíceis e ternas
E sucumbo ao seu verso
Seu poema maior.
Como resistir?
Ao poeta?
Ao seu verso?
Ao poeta que vive como poeta e ainda por cima
Faz versos?
Como não lê-lo?
Como não segui-lo?
Como não plagiá-lo sem qualquer pudor?
Pelo pudor que não é, dá-se!
Como o tempo frágil
Nas mãos do filósofo que ele soube ser.
Para BERNARDO QUEIROZ de ANDRADE – de almandrade / salvador.ba
(para Bernardo Queiroz de Andrade de 4 anos)
1-
De olhos bem abertos
atentos
para ver
pela primeira vez
o mundo
a mãe
a vida
a luz.
O espetáculo
do seu próprio
nascimento.
Almandrade
—–
2-
Uma criança
e um rosto alegre
brincadeira e sonho
talvez eu
não seja
segredo
o menino distante
os olhos
descobrindo
as mãos
inventando
saudade e tempo
o futuro espera
e revela.
Almandrade
—–
3-
A CRIANÇA E A JANELA
De uma pequena fresta
da esquadria
a imaginação infantil
não avista
descobre
o mar
horizonte comprometido
com a ingenuidade.
O que é visto
ganha um nome
olha o desconhecido
é o mundo
com seus pássaros.
Almandrade
Poeta GILDA E. KLUPPEL homenageia HELENA KOLODY no mes de seu aniversário de nascimento.
Na Janela com Helena
.
De olhos azuis
Helena ucraniana
Helena de luz
plena em frases curtas
rasgando o tédio do frio
Helena de cabelos brancos
neblina ao amanhecer
Helena curitibana
pelas entranhas da cidade
da janela para a praça
sonhava poemas
entre suas estrelas
traçadas em vidraças
compostas por gotas de orvalho
pintadas em muros
presenciou tantas mudanças
dos bondes elétricos
aos ônibus vermelhos
estações em cilindros de plástico
os arranha-céus cada vez mais altos
escondendo as torres da Catedral
e as carroças de Santa Felicidade
ainda trepidavam em suas lembranças
o tempo passa, Helena fica
nas palavras chamadas de pássaros
formaram em Curitiba
o ninho para seus versos.
AO PÉ do TÚMULO – auta de souza / natal.rn
Ao Pé do Túmulo
Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.
Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.
Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…
Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.
Para que escrever poesia? Para quem? – LES MURRAY
Reprodução/Internet/Rogério Galindo.
O blog traduz mais um poema de Les Murray, torcendo para na semana que vem ele ser anunciado como o vencedor do Nobel…
O instrumento
Quem lê poesia? Não nossos intelectuais;
eles querem controlá-la. Não os amantes, não os combativos,
não os examinadores. Eles também roçam-na em busca de bouquets
e trunfos mágicos. Não os alunos pobres
que peidam furtivamente enquanto criam imunidade contra ela.
A poesia é lida pelos amantes da poesia
e ouvida por mais uns que eles levam ao café
ou à biblioteca local para uma leitura bifocal.
Os amantes de poesia podem somar um milhão
no planeta todo. Menos do que os jogadores de skat.
O que lhes dá prazer é um roçar nunca-assassino
destilado, principalmente versado, e suspenso em êxtase
calmo na superfície de papel. O resto da poesia
de que isso uma vez já foi parte ainda domina
os continentes, como sempre fez. Mas sob a condição hoje
de que seu nome nunca seja dito: construções, poesia selvagem,
o oposto mas também o secreto do racional.
E quem lê isso? Ah, os amantes, os alunos,
debatedores, generais, mafiosos, todos leem:
Porsche, plástica, Gaia, Bacana, patriarcal.
Entre as estrofes selvagens há muitas que exigem tua carne
para incorporá-las. Só a arte completa
livre de obediência a seu tempo pode te fazer dar piruetas
ao longo e através dos poemas maiores em que você está.
Estar fora de toda poesia é um vazio inalcançável.
Por que escrever poesia? Pelo estranho desemprego.
Pelas dores de cabeça indolores, que devem ser aproveitadas para atacar
por meio de seu braço que escreve no momento acumulado.
Pelos ajustes posteriores, alinhando facetas em um verbo
antes que o transe te deixe. Para trabalhar sempre além
de sua própria inteligência. Para não precisar se erguer
e trair os pobres para fazê-lo. Por uma fama não-devoradora.
Pouca coisa na política lembra isso: talvez
os colonizadores australianos reinventando o falso
e muito adotado voto secreto, no qual a deflação podia se esconder
e, como um portador do bem-estar, envergonhar as Revoluções da vala-comum.
Tão cortada a machado, tão cônsul-ar.
Foi essa uma brilhante vitória mundial da covardia moral?
Respirar em ritmo de sonho quando acordado e longe da cama
revela o dom. Ser trágico com um livro na sua cabeça.
O MAPA – de mario quintana / porto alegre.rs
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E ha uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu
A-gosto – de paulo timm / portugal.pt
A – gosto
Na tarde quente e seca deste agosto
No desgosto das incansáveis folhas desprendidas
Procuro em vão a meada do meu verso tosco
Na macarronada fria das manchetes estendidas
Para algo servem os noticiários…
De repente ,descubro que, vivos , mesmo com seus vícios,
Drummond centenário
Nelson Rodrigues, 92 anos ,legendário,
Estariam , festivos, um de cada lado , celebrando a vida
Para algo servem os aniversários…
Drummond, esguio, esquivo , mineiro, à esgueira
Falaria de sua infância em Itabira, em oposição à máquina do mundo
Palmilhando o passo entre o cotidiano monótono dos Raimundos
E uma eternidade metafísica sem eira nem beira.
Para que serve mesmo a poesia…?
Nelson, cosmopolita assumido, destemido
Faria o contraponto da especulação na ruína do baixo ventre da cidade.
Profetizaria mazelas escorregadias da subjetividade
Com fé cínica no fato consumido
A vida serve para quem dela se serve.
O Grande Poeta, tímido e envergonhado de sua humana condição,
Pagando em imortal melodia a penitência pelo só existir
O Grande Cronista , desavergonhado e acima de qualquer servidão,
Num só afã de mostrar a vida, simplesmente, como ela é, no seu devir .
Ambos universais..
Senhores da nossa língua.
Da nossa alma.
Sirvam-se, por favor!
.
(Paulo Timm,Olhos d Agua, GO 7/ago/2002)
COMPANHIA – de joanna andrade / boca raton.miami.eua
Viajo milhas em tua história só para não te deixar só
Tento seguir à risca o teu percurso para não te perder de vista
Fico para tràs em teu tempo que não consigo alcançar
Olho de longe meu amor por ti se dissipar nesse espaço etéreo
Em tua demência
Em tuas abstinências forçadas pelo acaso corroído da vida
Em tua liberdade enclausurada em ti mesmo
Bicho em semente sedada o qual tece em babas o único fio terra
Olhos estacados como divisória
tu em outro lugar
eu para cá contigo só
o afago
lavado em lágrimas
o olhar
na busca da alma
o adeus
a cada suspiro meu
o amor
no sorriso pela metade
na memória
.
JA/2010 ( Campo Mourão)
Joanna Andrade
amanheceu – de omar de la roca / são paulo.sp
amanheceu
.
Amanheceu um dia escuro,depois da chuva da noite.
E eu hesitei antes de olhar pela janela.
Medo do escuro,da chuva,do desanimo.
Mas abri as cortinas e olhei para o céu.
Havia um corte nas nuvens por onde escapava
um pouco de azul.Um pouco mais que um pouco.
Mas aquela fresta me disse tudo.
Ha dias escuros,onde nem um pedacinho de azul aparece.
Mas não hoje.Havia um corte azul,como uma cicatriz
numa face de fotografia.
E esse azul me encantou e me deu esperança de luz.
Depois,o sol saiu entre entre azuis e brancos
sorrindo meio encabulado entre as nuvens.
E eu fingi que ele brincava de esconde esconde comigo.
O LUTADOR – de crispim quirino / salvador.ba
O LUTADOR
Quantos anos serão precisos para descrever Jorge Amado?
Quantos amores, desejos,prédios, imagens, flores, praias e trem?
Quantos amigos, guerreiros, quantos?
“Rebeldes” em seus 1923 pensamentos.
Matuto branco-mulato-homem.
Raízes de todas as horas.
Homem de esquinas e becos e ruas e vielas tortas…
Esse é o nosso amado.
Bendito seja seu canto,
sua roupa de gala,
seu barco à vela,
sua humanização.
Ó Bahia de nosso São Jorge!
Ó irmãos vingados!
Adeus para o eterno.
Um forte e fraterno adeus.
Aquele das mulheres nuas e estrelas falantes,
das casas de barro e meninos traquinos,
dos ventos e cores carnavalescas,
da Bahia.
Ó irmãos da terra!
Ó alma de nossos desejos!
Adeus irmãos vingados.
Adeus eterno baiano.
Adeus (Amado).
Quantos anos serão precisos para descrever Jorge Amado?
Quantos amores, desejos,prédios, imagens, flores, praias e trem?
Quantos amigos, guerreiros, quantos?
“Rebeldes” em seus 1923 pensamentos.
Matuto branco-mulato-homem.
Raízes de todas as horas.
Homem de esquinas e becos e ruas e vielas tortas…
Esse é o nosso amado.
Bendito seja seu canto,
sua roupa de gala,
seu barco à vela,
sua humanização.
Ó Bahia de nosso São Jorge!
Ó irmãos vingados!
Adeus para o eterno.
Um forte e fraterno adeus.
Aquele das mulheres nuas e estrelas falantes,
das casas de barro e meninos traquinos,
dos ventos e cores carnavalescas,
da Bahia.
Ó irmãos da terra!
Ó alma de nossos desejos!
Adeus irmãos vingados.
Adeus eterno baiano.
Adeus (Amado).
NATUREZA FLUTUANTE – de Almandrade / salvador.ba
NATUREZA FLUTUANTE
I
A chuva dispensa
o agasalho
um vício
na pele molhada
a febre chega
e brinda a dor.
II
Estilhaços sobre a velocidade
a idade sai
da ingenuidade do século
o ar que passa
arrasa a privacidade
das palavras.
III
A tarde
com seus conflitos
renega a partitura
do imutável
a voz do instrumento
brilha e veste
o que resta
de notas e acordes.
IV
O título é um achado
semeador de dúvidas
a linguagem acende
as coisas
e dá nome ao repouso
tapete de sombras
e sobras.
V
Na solidariedade do sono
descansa o solitário
o lençol é um consolo
VI
Segredos da transparência
luva de gesso
o impulso do imediato
flagra
através do tecido
a anatomia
do que é íntimo.
Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)
POEMA EM DESUSO – gilda kluppel / curitiba.pr
Poema em desuso
Posso cometer um abuso
ao contrariar a realidade
tentando escrever um poema em desuso
destes quaisquer que ninguém mais se interessa
considerado um mero intruso
delírios de quase ou pseudo-artistas
às vezes chamado de melancólico e confuso
por não se aliar à vontade imediata
procedente da vaidade do corpo
estipulada por um preço à vista
e oferecida numa loja ou mercado.
Um poema destes quaisquer em desuso
sequer tem um nome famoso na etiqueta grifado
não tem prazo de validade para o consumo
e nem enfeita as pessoas pela vestimenta ou calçado
apenas se importa com algo que pouco aparece
e talvez por isso menos atenção desperte
mesmo assim se não existissem tantos poemas
desses quaisquer em desuso
sobrariam somente coisas não essenciais e pequenas
marcadas por um suposto valor no atacado e varejo
para ostentar e misturar o corpo aos objetos
desalojando as necessidades da alma
jamais esquecida enquanto resistirem os poéticos.
EU VOS SAÚDO, AMIGOS MEUS – de zuleika dos reis / são paulo.sp
Eu vos saúdo, amigos meus,
pelas partilhas desta seara
que nos coube e que nos cabe
de sonhos perdidos
de sonhos semi-salvos
de dilúvios, de largos incêndios
neste banquete para mendigos
para ávidos e para parcos
para os que não se sabem
para os intoxicados de si mesmos
para os que se preenchem de espera
para os nostálgicos
para os que têm certezas
para os que abdicaram de tudo
para os que acompanham
todas as fases da Lua
e se consolam
para os que se calam
cântaros cheios de séculos
e de atropelos
nos vãos escorregadios das coisas
eu venho para saudar-vos
amigos meus, varões e senhoras
com seus pressentimentos
e calmarias repentinas.
Venho para saudar-vos.
Repartamos o gesto possível
a vida possível
a aurora que consigamos tecer
toalha para a refeição da manhã
e o pôr-de-sol mais belo
o mais belo pôr-de-sol
para a devida tessitura das estrelas.
Qual mulher? – de Day / rio de janeiro.rj
Qual mulher, não se importando se feia ou bela
Não quer, toda manhã, nua, abrir sua janela
E, como Quintana, ver a mesma paisagem
Mas numa nova tela, nova página, um novo homem…
A beleza não está no rosto zoom, nas pernas cruzadas
Mas no momento dos ‘ais’ sem fingimento, sem pudor.
O amor nasceu para mim e para você
Eros, éramos tão bem felizes, mas e agora?
Sentada na cadeira, a tarde inteira vira noite de terror,
Ama a madrugada e eu sozinha porque não vens.
Não vem um homem, não vem um corvo!
Desde quando é pecado falar de carne, de querências?
Sem rosto não posso ficar, sem corpo tu não me amas
Close, close em meu coração
Se tiro o roupão, para que banho a sós?
Se viesses, com bebida e Hilda de presente
Jantaríamos lagosta ou ovos fritos, afinal quem comeria?
Oh, meu querido, não vê que já cai a noite e estrelas hoje não!
Chove e berra o trovão – Não! Tu não virás.
Habite meu rosto, close das tristes, beleza não há
Se nada há que beijar, rosto para quê?
A não ser o espelho que envelhece comigo
Ninguém mais tem me querido.
E mesmo se houvesse, é a ti que amo,
E, ainda assim, anoitece e tu não vens
Matar meu desejo e desejar não é pecado
E se for, afasto-me de Deus por alguns momentos
E oro sobre teu dorso…
Mas tu não virás – Tu não virás!…
NOVO POEMA! – de gilda E. kluppel / cuiritiba.pr
Novo Poema
No encalço de um novo poema
para expressar a felicidade de um encontro
como o retorno de uma breve viagem
num tempo perdido, jamais recolhido
entre sofridas lembranças e ligeiras alegrias
duma miragem que me deixei conduzir.
Que através de um novo poema
possa fortalecer ao me envolver em seus versos
encontrar novos horizontes
uma profícua jornada em estradas floridas
distantes da superficialidade e da hostilidade
de um mundo sem renúncia e sem complacência
que por descuido, em alguns momentos, me envolvi.
Peço perdão se me deixei levar
por um canto vazio de sentido
cheio de enganos e danos
receba-me com toda a minha fragilidade
para caminharmos juntos
e se por algum motivo me afastar
acolha-me novamente
depositando brilho em meus olhos
com a escrita de um novo poema.
POEMA I – de joanna andrade / miami.usa
Vou deixar de lado todos os afagos e me converter
Aos valores de uma bolsa de couro de crocodilo
calças de marcas salientes
chemisie de seda pura Channel
calçadas com minhas marcas em unhas compridas pintadas de vermelho carmim
e para arrematar um cadillac rabo- de- peixe cor de rosa claro para eu me arrefecer
com meus óculos retro Gucci
e lenços coloridos deixando ao vento um rastro de charme misturado com bobagem
Sim, vou sair em busca do real que me convem
As maçanetas de minhas portas serão de ouro amarelo 24k
Minhas cadeiras ,de pele de algum animal em extinção
As mesas de Madeira de lei
E as ordens todas serão dadas por mim
Com argolas no pescoço manterei ereta a distinção do rei
Toda vez que o vento passar eu me estirarei mais em minha cor esbraquiçada
Minha existência será prolongada pelo poder
Mais sentimentos ordinários, os quais medíocres e me matam de prazer
E a verve a qual me serve será convertida em oração
o corpo em atração
a alma em negação
Assim ,em um momento …………
NELSON CAVAQUINHO já dizia…
Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais
O DOCE SABOR DE UMA MULHER – de auber fioravante junior / porto alegre.rs
Face Orvalhada
Tem certos dias,
Que não sinto a caricia do vento
Murmurando pelos laredos d’ alma,
Comungando em segredo com silêncio
Amigo divagador do verso oriundo da brisa!
A bom bordo da nave,
Diante da praia ouço da areia a canção
Pairando dentre as estações,
Relíquias do tempo e do espaço
Dando aconchego ao olhar de solidão!
Mesmo incerto da próxima onda,
Deixo a este bordo, reversos perdidos,
Sem a imagem que inebria meus avessos
Mais insanos brotos já desabrochados,
E ainda altivos percebendo o orvalho das manhãs!
Em pequenos detalhes,
A poesia se formou, se fez flor,
Ensinou-me que o verbo
É tão grande quanto o universo!
Com as lágrimas que habitaram
E ainda habitam minha face,
Componho minha partitura em amor,
Clarividente na luz devaneando pelo luar!
Auber Fioravante Júnior_13/04/2012_Porto Alegre – RS
MAR – de omar de la roca / são paulo.sp
Que palavra é essa que se agita em mim?
Que mar é esse ?
Como uma onda que me cobre a cabeça,
E eu tenho que bater os pés com força para respirar
Ou como uma tábua de salvação
A que me agarro
E me desgarro quando o pé encontra o chão.
Como a onda que me leva boiando no espaço liquido.
Onde faço lentos movimentos circulares.
Onde sufoco um pouco, um pouco ofego
Sôfrego de luz e de palavras.
Como o barco, que só alcanço a borda
Sem força para nele me chegar
Fraco,tímido, sôfrego de medo
Tremendo,querendo mergulhar
Mais fundo e mais e mais
Deixando que a corrente me transporte.
Trazendo a tona a água dividida.
E quebro a onda, com meu corpo
Cujo destino é pedra. E alga.
Com a mão aliso a vaga
Que me levanta e a mim salga.
E sigo resistindo a sereia que se enrosca
Em meus tornozelo, e a mim puxa,
Para o fundo,para o fundo.
Mas me sacudo e me livro
Como faço com palavras que me incomodam
Pondo no papel, pondo ao vento
Como roupas a secar e a chuva molha,
Apelando ao perdido pensamento,
Sentimento que não volta.
Que mar é esse ?
Que palavra é essa?
Aceno a mão para o navio inexistente,
Querendo voltar ao porto que ainda não existe,
A água sobe e perco o pé, mais esforço feito,
para ficar a tona, cabeça de fora,nariz de fora.
Ar , que te quero puro.
Ar que é preciso, e eu preciso .
Que palavra que se agita
Em mim e logo grita,
Que mar, no qual me agito,
Muito alem de meu próprio grito?
O sol chia ao encostar na água lá no horizonte.
Logo será noite. Encontrarei areia. Bato os pés
Em desalinho,respiro,afundo.
Me agarro a um tronco. Devo estar perto de terra firme.
Bato os pés e vou seguindo.Vou seguindo.
Que palavra, que mar ?
Bato os braços,os pés.
Chego lá ? Não sei,engulo água,
E ,me agito mais forte para respirar,
para alem de minha mágoa.
Que cor é essa com a qual escrevo?
Cor de água do mar.
E o papel ? Transparente ,de vidro.
Que mar ?…afundo.
Que palavra ? Surdo, de água.
Areia,concha,alga e pedra. Mar.
E no ar seguro de novo.
FÉLIX CORONEL e MARCO MACEDO batem papo em GUARATUBA.pr
Na foto, FelixCoronel e Marcos Macedo editor do jornal FOLHA DE SANTA FELICIDADE
.
Conheci o Felix Coronel como a gente conhece tanta gente nessa babel da internet. Sou curioso e ávido leitor. No site do jornal on-line Correio do Litoral me deparei com as crônicas do Felix. Irônicas, questionadoras e que mostravam uma cultura ampla, geral e irrestrita. Mas sem anistiar ninguém. Esse argentino portenho paranaense – que se autointitula ‘insuportável’, pero no mucho – , começou escrevendo no jornal La Crônica de Buenos Aires, desde lá seus 15 anos de idade. E agora, no exílio na bela Guaratuba do Paraná, escreve e escreve. Fui lá conversar com ele e conhecê-lo. Valeu a pena. Com sua simpatissíssima esposa Lúcia (que o suporta) tivemos horas e horas de boa conversa jogada fora à vista da praia central de Guaratuba. Do seu livro Como É Que É, tirei essa pérola da literatura. Veja como se deu este poema. Felix nos seus quase dois metros de altura foi levar um currículo para arrumar um emprego em uma empresa. Um jovem -bem -jovem, lhe perguntou: Qual é sua experiência? Ah, prá quê!!! A coisa só não acabou nos finalmente por que Felix Coronel num impulso zen arrefeceu os ânimos. Mais tarde, em casa, ele nos oferece essa genial CURRICULUM VITAE… Leia e se emocione. Ah! Felix Coronel vai nos dar a honra de ser CRONISTA do novo site da Folha de Santa Felicidade que, em breve, será inaugurado.
CURRILUM VITAE
Félix Coronel
Eu já dei risada até a barriga doer,
Já nadei até perder o fôlego,[
Já chorei com o rosto desfigurado.
Já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar,
Já me queimei bricando com vela.
Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto.
Já conversei com o espelho.
E até já brinquei de ser bruxo.
Já quis ser astronauta,
Violonista, mágico, caçador e trapezista.
Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora,
Já passei trote por telefone,
Já tomei banho de chuva,
E acabei me viciando.
Já roubei beijo,
Já fiz confissões antes de dormir
Num quarto escuro pro melhor amigo.
Já confundi sentimentos,
Peguei atalho errado
E continuo andando pelo desconhecido.
Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro,
Já me cortei fazendo a barba apressado,
Já chorei ouvindo música no ônibus.
Já tentei esquecer algumas pessoas,
Mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer.
Já subi escondido no telhado prá tentar pegar estrelas,
Já subi em árvore prá roubar fruta,
Já caí da escada de bunda.
Conheci a morte de perto,
E agora anseio por viver cada dia.
Já fiz juras eternas,
Já escrevi no muro da escola,
Já chorei no chão do banheiro,
Já fugi de casa pra sempre,
E voltei no outro instante.
Já saí pra caminhar sem rumo,
Sem nada na cabeça, ouvindo estrelas,
Já corri pra não deixar alguém chorando,
Já fiquei sozinho no meio de mil pessoas
Sentindo falta de uma só.
Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado,
Já me joguei na piscina sem vontade de voltar,
Já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios,
Já olhei a cidade de cima
E mesmo assim não encontrei meu lugar.
Já senti medo do escuro,
Já tremi de nervoso,
Já quase morri de amor,
Mas renasci novamente pra ver o sorriso especial de alguém especial.
Já acordei no meio da noite
E fiquei com medo de levantar.
Já apostei em correr descalço na rua,
Já gritei de felicidade,
Já roubei rosas num enorme jardim.
Já me apaixonei e achei que era pra sempre,
Mas sempre era um “para sempre” pela metade.
Já deixei na grama de madrugada
E via a Lua viral Sol,
Já chorei por ver amigos partindo,
Mas descobri que logo chegam novos,
E a vida é mesmo um ir e vir sem razão.
Foram tantas coisas feitas,
Momentos fotografados pelas lentes da emoção.
Guardados num baú, chamado coração.
E agora um formulário me interroga,
Encosta-me na parede e grita:
“- Qual sua experiência?”.
Essa pergunta ecoa no meu cérebro:
“- … experiência… experiência…”.
Será que ser “plantador de sorrisos” é uma boa experiência?
Não!
“Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!”
.
Por Marcos Macedo
Editor da Folha de Santa Felicidade
A TRIGÉSIMA MULHER – de zuleika dos reis / são paulo.sp
A TRIGÉSIMA MULHER
Zuleika dos Reis
a morte
em cada xícara
a face sem face
da trigésima mulher
árvore ave canção
sussurro das coisas mortas
em vão
a trigésima mulher
a derradeira
estrelas que estalam
noite que se quebra
cai
fragmentos
de nós
a dançar
ao redor de nós
ao redor de nós
as palavras sonhadas
as palavras sagradas
a morte que te quer
esta rival
teu grito
em mim
meu grito
em ti
os tempos de nós
que tento segurar
as xícaras
a porcelana da tarde
a tarde
vaso a se partir
o meu amor
partido
em ti
em ti
em mim
cacos de nós
o primeiro homem
a trigésima mulher
MERCADORIA – de gilda kluppel / curitiba.pr
Segue o seu caminho
apresenta as armas
em linhas verticais prepara o escudo
manipula a espada
e aglutina seguidores
dentre os que não conhecem seus fetiches
permeia relações e forja emoções
inúmeros painéis indicam
os sentidos captam sem demora
matéria à mostra
preço a prazo e longe da vista
num instante a aspiração
de uma vida cumulativa
objetos, coisas, troços…
rapidamente se tornam obsoletos
outra necessidade inventada
um novo ciclo inicia
na contramão do poema
segue a sua marcha mercadoria
seduz mais adeptos
para juntar o metal precioso
e acumular tempo perdido
em tantas dores recolhidas
empilhar-se de bens
e tentar saciar as infinitas cobiças
na ilusão de ser pelo que tens.
POEMAS DE V. KHLÉBNIKOV (1885-1922) – por mario francisco ramos / são paulo.sp
На пол рассыпались вещи.
И я думаю,
Что мир –
Только усмешка,
Что теплится
На устах повешенного.
(1908)De um saco roto
Vazou quase tudo.
E eu penso
Que o mundo
É só um riso maroto
Luz fraca nos lábios
De algum enforcado.
2)
Девушки, те, что шагают
Сапогами черных глаз
По цветам моего сердца.
Девушки, опустившие копья
На озера своих ресниц.
Девушки, моющие ноги
В озере моих слов.
(1921)
Moças, estas que marcham
Nos coturnos de seus olhos negros
Pelas flores do meu coração.
Moças que baixam as lanças
De seus cílios sobre os lagos.
Moças que lavam seus pés
Nas águas das minhas palavras.
(1921)
3)
* Fragmento do longo poema épico Zanguézi, escrito entre 1920 e 1922, última obra de Velimir Khlébnikov:
А вы, сапогоокие девы,
Шагающие смазными сапогами ночей
По небу моей песни,
Бросьте и сейте деньги ваших глаз
По большим дорогам!
Вырвите жало гадюк
Из ваших шипящих кос!
Смотрите щелками ненависти.
Глупостварь, я пою и безумствую!
E vocês, mocinhas botinolhas?
Com suas botas ensebrilhadas da noite
Pelo céu das minhas canções,
Colham e semeiem a grana dos seus olhos
Pelas estradas!
Arranquem o ferrão de serpente
De suas sibilantes tranças!
Olhem pelas frestas do ódio.
Ferestúpida, eu canto e enlouqueço!
4)
Я И РОССИЯ
Россия тысячам тысяч свободу дала.
Милое дело! Долго будут помнить про это.
А я снял рубаху,
И каждый зеркальный небоскреб моего волоса,
Каждая скважина
Города тела
Вывесила ковры и кумачовые ткани.
Гражданки и граждане
Меня – государства
Тысячеоконных кудрей толпились у окон.
Ольги и Игори,
Не по заказу
Радуясь солнцу, смотрели сквозь кожу.
Пала темница рубашки!
А я просто снял рубашку –
Дал солнце народам Меня!
Голый стоял около моря.
Так я дарил народам свободу,
Толпам загара.
(1921)
Eu e a Rússia
A Rússia deu a liberdade a milhares de milhares.
Que bonito! Por muito tempo lembrarão disto.
E eu tirei a camisa,
E cada arranha-céu espelhado dos meus cabelos,
Cada fresta
Da cidade do corpo
Estendeu tapetes e rendas.
Cidadãs e cidadãos
De Mim, eu-Estado
De mil janelas de madeixas apinhadas nelas.
Olgas e Ígores
Alegrando-se ao sol,
E não por ordem de alguém, espiavam pela pele.
Caiu a prisão da camisa!
Tão só a camisa tirada,
Dei o sol aos povos de Mim!
Nu, junto ao mar, foi assim
A liberdade aos povos dada,
O bronzeado às multidões.
(1921)
5)
* Fragmento do poema épico (supernarrativa) Zanguézi (1921):
Иди, могатырь! [1]
Шагай, могатырь! Можарь, можар!
Могун, я могею!
Моглец, я могу! Могей, я могею!
Могей, мое я. Мело! Умело! Могей, могач!
Моганствуйте, очи! Мело! Умело!
Шествуйте, моги!
Шагай, могач! Руки! Руки!
Могунный, можественный лик, полный могебнов!
Могровые очи, могатые мысли, могебные брови!
Лицо могды. Рука могды! Могна!
Руки, руки!
Могарные, можеские, могунные,
Могесные, мошные, могивые!
Могесничай, лик!
Многомогейные, могистые моги,
Это вы рассыпались, волосы, могиканами,
Могеичи — моговичи, можественным могом, могенятами,
Среди моженят — могушищ, могеичей можных,
Вьется один могушонок,
Можбой можеству могес могатеев могатых.
В толпе моженят и моговичей.
Вода в клюве! Крылья шумят ворона.
Тороплюсь, не опоздать бы!
Лицо, могатырь! Могай, моган!
Могей, могун!
Могачь, могай!
Иду можарищем, можарю можарство можелью!
Могачь, могай! Могей, могуй!
Иди, могатырь!
Мог моготы! Можар можавы!
Могесник, мощник!
Можарь, мой ум! Могай, рука! Могуй, рука!
Моган, могун и могатырь!
Vai, poderói!
Marcha, poderói! Possarda, possardor!
Possaz, eu podo!
Poderudo, eu posso! Podei, eu podo!
Podei, meu eu. Prumado! Aprumado! Podei, posseidor!
Poderandai, olhos! Prumados! Aprumados!
Desfilai, podeidades!
Marcha, posseidor! Mãos! Mãos!
Possálico, podivinoso semblante, cheio de pondorações!
Poderardentes olhos, posselhonários pensares, pondereiros sobrolhos!
O rosto dos podentreiros. A mão dos podentreiros! Possenvasores!
Mãos, mãos!
Possublimes, possálicas, podivinas,
Portenteiras, potenciosas, poderousadas!
Posserga-se, semblante!
Onipodentes, posserosas podeidades,
Vocês espalharam-se, cabelos, possindígenos,
Poderanos: poderdeiros, pelo possenhor podivinoso, por podescendentes,
No meio dos possinfantes: o potentaço, dos poderozes proverossímeis,
Enrosca-se um sapoderoso,
Possencantado por podivineiros podencantos de possentes posselhardários.
Na multidão de possinfantes e poderdeiros.
Água no bico! As asas da gralha fazem ruído.
Tenho pressa, não posso atrasar!
O rosto, poderói! Possai, poderoz!
Podei, possaz!
Possereiro, possai!
Em poderardor, possincendeio com potentochas o podereino!
Possereiro, possai! Podei, Possaz!
Vai, poderói!
Poderarde a podreria! O poderardor do possincêndio!
O possencanto, potentante!
Possarda, minha mente! Possai, mãos! Possejam, mãos!
Possaz, poderoz e poderói!
6)
* Fragmento do poema épico (supernarrativa) Zanguézi:
Они голубой тихославль,
Они голубой окопад.
Они в никогда улетавль,
Их крылья шумят невпопад.
Летуры летят в собеса
Толпою ночей исчезаев.
Потоком крылатой этоты,
Потопом небесной нетоты.
Летели незурные стоны,
Свое позабывшие имя,
Лелеять его нехотяи.
Умчались в пустыни зовели,
В всегдаве небес иногдава,
Нетава, земного нетава!
Летоты, летоты инес!
Вечернего воздуха дайны,
Этавель задумчивой тайны,
По синему небу бегуричи,
Нетуричей стая, незуричей,
Потопом летят в инеса,
Летуры летят в собеса!
Летавель могучей виданой,
Этотой безвестной и странной,
Крылом белоснежные махари,
Полета усталого знахари,
Сияны веянами дахари.
Река голубого летога,
Усталые крылья мечтога,
Широкие песни ничтога.
В созвездиях босы,
Там умерло “ты”.
У них небесурные косы,
У них небесурные рты!
В потоке востока всегдава,
Они улетят в никогдавель.
Очами земного нетеж,
Закона земного нетуры,
Они в голубое летеж,
Они в голубое летуры.
Окутаны вещею грустью,
Летят к доразумному устью,
Нетурные крылья, грезурные рты!
Незурные крылья, нетурные рты!
У них небесурные лица,
Они голубого столица.
По синему небу бегуричи!
Огнестром лелестра небес.
Их дико грезурные очи,
Их дико незурные рты.
Eles são a azul silencidade,
Eles são a azul quedad’olhos.
Eles voam pra nunquidade,
Suas asas rugem como foles.
Voaderos voam pros céuguros
Com os noturnos desapareseres.
Na corrente de aladas estasas,
Na torrente celeste de outralas
Voavam lamúrias liberaladas,
Esquecidos do próprio nome
A acarinhar malquereres.
Chisparam por ermos chamantes,
No semprante dos céus de asvezentes,
Da negante, terrestre negante!
Voasentes dos celementos!
A brisa, à noite, em secreditos,
Estérea triste em misterínios.
Passam no céu os correndicos,
Desaseiros bandos, liberalindos,
Na torrente voam pros celementos,
Vão pros céuguros em voamento!
O voaral das vistas potentes,
Com o estranho estaquele indigente,
De asas de neve, os marretadeiros,
Cansados do voo, os curandeiros,
De aureolantes soprenúncios dadeiros.
O rio azul do vôlo,
As asas cansadas do sônholo,
As grandes canções do nádalo.
Nas constelações descalças
A morte do “tu” se alça.
Têm firmamenteiras tranças,
E firmamenteiras bocarras!
Na corrente do leste semprante,
Voaram pro nuncamente.
Com os olhos terrestres da neguez,
Das terrestres leis negandeiras,
Eles vão pro azul em voarez,
Eles vão pro azul em voadeiras.
Envoltos em prefecias em vão,
Voam à foz da pré-razão,
Desaleirasas e roandeiras bocas!
Liberalasas, desaleiras bocas!
Têm firmamenteiras caras,
São a capital azulada.
Correndicos no azul altaneiro!
Afagosos faisqueiros do céu.
Seus olhos bem roandeiros,
Seus lábios liberaleiros.
7)
* Fragmento do poema épico (supernarrativa) Zanguézi:
Иверни выверни,
Умный игрень!
Кучери тучери,
Мучери ночери,
Точери тучери, вечери очери.
Четками чуткими
Пали зари.
Иверни выверни,
Умный игрень!
Это на око
Ночная гроза,
Это наука
Легла на глаза!
В дол свободы
Без погонь!
Ходы, ходы!
Добрый конь.
Solta a sapátada,
Sábio pocó!
Côcheda núveda,
Mórtida nôitida,
Pôntida núveda, tárdida vístada.
Contas num cântaro
Caem as manhãs.
Solta a sapátada,
Sábio pocó!
Bate na cara
Noturno toró,
Ciência tão clara,
Nos olhos, sem dó!
Livre é o vale
Rédeas na mão!
Marche, marche!
Bom alazão.
8)
* Fragmento de Zanguézi:
Верхарня серых гор.
Бегава вод в долину,
И бьюга водопада об утесы
Седыми бивнями волны.
И сивни облаков,
Нетоты туч
Над хивнями травы.
И бихорь седого потока
Великой седыни воды.
Я божестварь на божествинах!
A altinaria dos montes cinzentos.
A corrandeira das águas nos vales,
A nevarrasca caindo do abismo
Em grisalhos marfins de ondas.
E o agrisalhado das nuvens,
Outrasas nubladas
Sobre circundulantes matas.
E o pancar da corrente grisalha,
O grande grisalhar d’água.
Eu sou um divinomem em divinestâncias!
9)
Мне мало надо!
Краюшку хлеба
И каплю молока.
Да это небо,
Да эти облака!
(1912, 1922?)
A mim basta pouco!
Um naco de pão
E um tanto de mel.
E as nuvens que vão
No azul deste céu.
(1912, 1922?)
Mario Francisco Ramos. Docente de Literatura Russa na USP. Tradutor, publicou artigos sobre literatura russa e tradução de poema de Khlébnikov (revista Cadernos de Literatura em Tradução, no 2), traduziu a peça teatral “À Saída do Teatro…”, de Nikolai Gógol (Paz e Terra, 2002) e participou com a tradução de seis contos na recente Nova Antologia do Conto Russo (editora 34, 2011), com contos de Arkádi Aviértchenko, Velimir Khlébnikov, Boris Pasternak, Evguénii Zamiátin, Serguei Dovlatov e Vladimir Sorokin.
———————————————
Notas
[1] No poema será criada uma série de neologismos e associações de sentido com base em três formas radicais: motch (“мочь”) e mog (“мог”), além de moj (“мож”) e mochtch (“мощь”).
De motch (o verbo “poder”, em sua forma infinitiva), nasce a raiz de sua conjugação interna em primeira pessoa, mogú (“могу”, ou “posso”, em português), e da terceira pessoa do plural, mógut(“могут”, ou “podem”). Esta mesma raiz se expandirá, no texto, para sua função nos adjetivosmogútchii (“могучий”, que significa “potente”, “vigoroso”, “forte”) e também mogúchtchestvennyi(“могущественный”: “poderoso”, “potente”), além do substantivo moguchtchéstvo (“могущество”: “poderio”, “força”).
Moj , além de participar nas formas da conjugação do verbo “poder”, da segunda pessoa do singular à segunda do plural do presente do indicativo (por exemplo, em “tu podes”/ ty mójech/ “ту можешь” ou “nós podemos”/ my mójem/ “мы можем”), também está presente nas palavrasmójno (“можно”: “pode-se”, “é possível”) e vozmójnost (“возможность”: “possibilidade”).
Mog e moj estarão fortemente associadas, na formação de neologismos no poema do Plano X, entre outros casos, à raiz da palavra bog (“бог”: “deus”) e suas variantes, como, por exemplo,bojéstviennyi (“божественный”: “divino”) e bojestvó (“божество”: “divindade”). Etimologicamente, esta palavra está ligada, na língua russa, à formação do substantivo bogátstvo(“богатство”: “riqueza”), do adjetivo bogátyi (“богатый”: “rico”) e de bogátch (“богач”: “muito rico”, “ricaço”, “milionário”). Esta união gerou neologismos como mogátch (mog + bogátch) emojéstviennyi (moj + bojéstvienny).
O neologismo que abre o poema é de grande importância não só para o fragmento, mas paraZanguézi como um todo. Trata-se do neologismo mogatýr (“могатырь”), resultado da aglutinação de mog e bogatýr . Bogatýres eram os heróis das canções épicas antigas russas. Para o neologismo, utilizamos a construção “poderói”.
No caso de palavras nas quais ocorre a união das raízes associadas à idéia de “poder” (verbo ou substantivo) com outras palavras ligadas a “deus”, “divindade”, “divino”, como mojéstviennyi(“можественный”), mojestvó (“можество”), mog (“мог”), foram utilizadas as formas “podeidade(s)”, “podivino(so)”, “possenhor” e outras.
As uniões constantes formadas por “poder” associadas a “riqueza”, “rico”, “ricaço” e outras, comomogátch (“могач”), mogátyi (“могатый”), mogátstvo (“могатство”), a opção foi pelas variantes, entre outras, “posselhonário(s)”/ “posselhardário(s)”, “posseidor(es)”, “podereza”.
Também foi necessária a criação de formas verbais. Khlébnikov trabalha com ao menos três tipos distintos de neologismos que formam imperativos, a partir do verbo “poder”: moguéi (“могей”),mogái (“могай”), mogúi (“могуй”). As variantes possíveis de neologismos em português que mantivessem o mesmo sentido, na segunda ou terceira pessoa do singular (Khlébnikov utiliza a segunda pessoa do singular), não resultaram adequadas, seja por se assemelharem a formas já existentes em outros modos do verbo (como em “possa”), seja por simplesmente fazer recordar outros verbos (como na possibilidade de “poda”, que lembraria o verbo “podar”; esta possibilidade foi considerada inicialmente devido à relação com a criação do neologismo “eu podo”, em primeira pessoa). A opção adotada foi a criação de imperativos na segunda pessoa do plural, com as formas, por exemplo, “possai”, “podei”.
FLORESTA DE GENTE SER – de zuleika dos reis / são paulo.sp
Ai, que saudade
da Ternura
que era floresta
que era Amazônia
a perder de vista
a atravessar
a preencher
os múltiplos Estados
de gente ser.
Saudade da floresta
que era Ternura
floresta devastada
que em terra de predadores
floresta que era verde
toda funda de raízes
até o centro de gente ser.
Ai, que se enlouquece
sobre a terra que agoniza
ai, que se enlouquece
nestes animais que agonizam
nestes rios que sangram
nestes peixes, ai, assim cegos,
nestas sereias, ai, que não cantam mais.
Ai, que saudade
de gente ser.
Ternura verde
há-que reflorestar-te
há-que reflorestar
o ser.
Metrô de Nova York promove a poesia /new york.ny
DA FRANCE PRESSE
A autoridade que administra o metrô de Nova York anunciou o relançamento da iniciativa ‘Poesia em Movimento’ depois de um parêntesis de quatro anos.
Os poemas e frases serão acompanhados de detalhes de obras de arte e também aparecerão na forma de animação nos telões eletrônicos de algumas estações. Os telões serão colocados em caráter experimental nas estações Grand Central Terminal, Pennsylvania Station, Bowling Green, Atlantic Avenue-Pacific Street e Jackson Heights-Roosevelt Avenue.
“Nossos clientes vivem nos dizendo que até mesmo o menor investimento em arte e música no metrô faz uma enorme diferença para eles”, disse Joseph J. Lhota, diretor da Metropolitan Transportation Authority, empresa que administra o metrô.
Os primeiros versos, que já podem ser vistos nos vagões, são do poema “Graduación”, de Dorothea Tanning, uma poetisa americana que morreu este ano, aos 101 anos de idade, em Nova York.
Novos poemas serão exibidos a cada três meses em cartazes espalhados pelas composições. Os versos, além de serem acompanhados de uma foto de obra de arte, também aparecerão na parte superior dos bilhetes MetroCard.
Álvaro Fagundes | ||
Vagão de metrô na cidade de Nova York |
O dedo do anel roubado – de gilda kluppel / curitiba.pr
Vão-se os anéis, ficam os dedos
E de que modo ficam os dedos…
tremendo de medo.
Vão novamente usar os adornos
círculos de ouro, prata ou lata
para qualquer moldura
um olhar suspeito.
Vão apanhar a carteira da bolsa
o dinheiro contado
escondido no punho cerrado.
Vão indicar a ferida
a liberdade perdida.
Vão procurar a vingança
apertando o gatilho
numa violência atravessada
equivocada e nociva.
Vão segurar a caneta
denunciar o transtorno
e a tranquilidade roubada.
Vão permanecer sempre alerta
com receio e dedos ao alto
desconfiança constante
e a delicadeza falida.
A unha e a carne
agoniadas e acuadas
vão procurar abrigo dentro dos bolsos
ou permanecer inertes
atrás de um braço cruzado
temendo pela próxima vez
vão-se os anéis, não sobram os dedos.
ARTHUR RIMBAUD: MA BOHÈME (Fantasie) – paris.fr
E lá me ia, as mãos nos bolsos furados,
E meu casaco era também o ideal.
Eu ia sob o céu, Musa! e te era leal;
Oh! lá! lá! que esplêndidos amores sonhados!
Minha única calça estava em frangalhos
— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia
Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia,
Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.
Sentado à beira das estradas eu as ouvia,
Belas noites de setembro em que eu sentia
O orvalho em meu rosto como um vinho forte;
Quando compondo em meio a sombras fantásticas,
Como uma lira eu puxava os elásticos
De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!
Tradução de LEONARDO MAGALHAENS.
ORAÇÃO DE JOÃO MARIA – de jairo pereira / quedas do iguaçu .pr
Foi com teus olhos
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que vi o profundo da serra
Que conhei a larva da terra
E a extensão das fazendas vazias.
Foi com os teus pés
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que pisei o solo das estradas
Desconhecidas
Os carreiros úmidos das matas
Que senti os espinhos
Da sina de errante.
Foi com tua fome
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que comi o pão de milho
Na casa do pobre
E masquei a erva do sertão.
Foi com tua força
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que entendi a filosofia
Do princípio e do fim dos
Tempos
A razão natural que se expressa
E a ideologia do amor.
Foi com tua cura
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que sarei o silêncio do triste
E o hilário do alegre
No campo sem fim de cada dia.
Foi com tua alma
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que senti a escuridão da noite
E o brilho do dia
A senda e o movimento
Das multidões operárias.
Foi com tua análise ilógica
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que joguei a praga no padre
No político e no fazendeiro,
Naquela cidade onde os livres
Não são aceitos.
Foi com tua voz inaudível
De João e de Maria
Senhor João Maria
Que fiz tremer os governos, os exércitos,
E os poderosos civis.
Foi com teus olhos, pés,
Fome, alma, força e delírio,
De João e de Maria,
Senhor João Maria
Que cruzei rios, pontes, matas e serras,
Que fiz a mais bela apologia à terra
(que um homem jamais sonhou)
Porque a noite dos tempos
Era de minha exclusiva propriedade.
ROUBARAM UM PÓLO AO AMOR – de rosa DeSouza / ilha de santa catarina.sc
Ao amor um pólo foi roubado,
por ganância, medo, malícia
e escondido com muita perícia!
Povos – nalguns a mulher
apenas tinha de agradar
sem nada mais para receber e criar.
Noutros, a gueixa vivendo à parte,
deveria recitar poesia,
saber filosofia e arte.
O yang se enganava
julgando que aumentava
enquanto o yin diminuía.
O ocidente jazia.
A sensualidade
a fogueira queimava,
no oriente apedrejava,
enquanto na escola…
apenas o homem aprendia.
Um pólo ao amor se roubou.
O homem viver fingia,
denegrindo sexo
até em filosofia.
No humano elemento
a natureza morreu.
Adão continuou
incompleto.
Darwin afirmou
a mulher não ter alma
e o amor
tem sido dor,
apenas embriagado poeta,
canção
boêmia.
Utopia.
Só na anima homossexual
timidamente sobrevivia,
como a mulher – sem liberdade.
Cheio de culpa e medo
via pecado
naquilo que o pedófilo dogma
queimar e torturar queria.
Mulher era ressalva
de pouca duração,
camélia,
suspiro,
insatisfação.
Mas o que cai no chão
é o estrume do que começa.
Como a prostituta do templo
depois de ter sido deusa,
não poderia morrer,
porque é a própria natureza.
Enquanto a folha cai
a árvore aumenta
em contínuo crescer.
O titã está moribundo.
Eva quer viver;
Sem pólo a terra não é mundo
e a História só sofrer.
Um dia… o gênio da maldade
perguntou:
Para quê dividir o que o pai ganhou?
A mulher deixou de ter herança.
Deusas enterradas na lembrança.
O novo dogma castigava com dor
enquanto o útero enchia de tumor.
Ao amor o ódio foi polarizado,
mas o oposto do amor é medo.
O falo poderoso foi louvado,
torres de igreja foram crescendo.
Mas nem toda a mulher rendeu homenagem
ao enjeitado direito de suas filhas.
Devido a algumas impensável coragem
posso hoje escrever estas linhas.
PAULO – de gilda kluppel / curitiba.pr
Entre tantas escolhas
a mais difícil
ser um educador
retirando do cotidiano
a inspiração para as letras
não apenas adicionadas
e mal coladas
sílabas quaisquer
não pertencentes a ninguém
mas, agora construídas
formam
o tijolo do pedreiro
a agulha da costureira
a farinha do padeiro
sem o beabá dos outros
daquela cartilha estranha
sem a alma do povo
de repetidas palavras mudas
distantes da realidade de cada um.
E em boa hora se soletraria:
Ci-da-da-ni-a!
Paulo
fora dos confortáveis gabinetes
sempre misturado com gente
forneceu a trilha
da esperança
povo educado
corruptos envergonhados.
Sonho…utopia?
Ensinou
de que serve a vida sem ideais.
Este era Paulo
conhecido por peregrino
de sobrenome Freire.
BEN GAZZARA: CRÔNICA DE UM AMOR LOUCO / los angeles.eua
dê UM clique no centro do vídeo:
Morre poeta Wislawa Szymborska, Nobel de Literatura em 1996 / varsóvia
DA EFE, EM VARSÓVIA
A poetisa polonesa Wislawa Szymborska, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1996, morreu nesta quarta-feira aos 88 anos na Cracóvia vítima de um câncer de pulmão.
“Morreu em casa, tranqüila, enquanto dormia”, disse à imprensa seu secretário pessoal, Michal Rusinek, lembrando que a escritora foi sempre um fumante incorrigível apesar das constantes advertências dos médicos.
Embora Wislawa, nascida em Kornik, no oeste da Polônia, em julho de 1923, fosse a poetisa mais conhecida da Polônia, teve que esperar até a concessão do Nobel em 1996 para que sua obra chegasse ao resto do mundo.
A autora destacou-se por uma poesia cheia de humor e pela habilidade em usar trocadilhos, presente desde seu primeiro poema publicado em um jornal local em 1945.
Soren Andersson/Associated Press | |
A poeta Wislawa Szymborska durante banquete servido na entrega do Prêmio Nobel de Literatura de 1996 |
JOÃO BELLO, uma imagem para você – de edu hoffmann / curitiba.pr
o saltimbanco
João Bello
bebeu muito da água
na nascente do sonho
sua cabeça nas nuvens de algodão
onde seu colorido chapéu alcança
faz a mão da memória bordar a lua
faz de cada pessoa uma criança
bela folia o João nos principia
espanta até banzo de Angola
ilumina em todas as caras um sorriso
quando canta cantorias na viola
eita João me faz perder a vergonha
me faz perder o siso, eu preciso…
Desejo de tolo – de gilda kluppel / curitiba
Tolos ambicionam o poder
e aos inocentes restam as lágrimas
nem em seus piores pesadelos
podem imaginar
as competições repugnantes
em palavras equivocadas.
Clausuram sentimentos
encerram as amizades,
iniciam parcerias,
unem-se aos assemelhados
ocupam os espaços
demarcam territórios
e consolidam acordos
para abrigar os indesejáveis.
Enfileiram as pessoas
como cartas de um baralho sobre a mesa
para tecer julgamentos espúrios
descartam os inconvenientes
que podem ser recolhidos
numa próxima rodada.
Caem as máscaras
na face a madeira bruta
sem verniz para disfarçar.
Espectros se levantam
sombras predominam
desonram os honestos
e a virtude é humilhada.
Sepultam ideais,
revestem-se de autoridade
e mudam atitudes.
Invertem a moral
espalham sofrimentos
e se regozijam na desgraça.
Mentiras se transformam em verdades,
verdades se ocultam atrás das mentiras,
meias verdades bastam
onde impera a hipocrisia.
Travestem-se de mártires
manipulam pessoas
inventam feitos heroicos
para conseguirem seguidores.
Oportunistas de ocasião se prevalecem
e reacendem a chama da vaidade
para obterem privilégios.
Logram irmãos
apedrejam supostos inimigos
e dormem sem consciência
na certeza da impunidade.
Deliciam-se em fétidas fossas
ao repartirem as migalhas
conquistadas após sórdidas disputas.
Orgulhosos se julgam poderosos
e em todos veem súditos,
prontos para lhes servirem
doses diárias de simulada gentileza.
Vendem a alma por qualquer bagatela,
em mais uma falcatrua.
Jazem em túmulos esquecidos,
pela vergonha da lembrança
ruborizam descendentes
com a memória da sua insignificância.
No mundo dos espíritos, no reino das trevas,
cercado de seus semelhantes
distantes da tolerância dos inocentes
encontram a sua verdadeira morada.
Interação no Masp – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr
farejei
o mais perto que pude
o um quadro de Van Gogh,
tem um rico cheiro de roupas velhas, de suor
e tabaco.
Tem ainda o cheiro quente de Arles
e do quarto fechado e quente
em que foi feito.
As telas de Picasso cheiram a touro.
É importante, é importante
farejar,
Todo o quadro ou foto
toda imagem se boa,
tem um odor rico.
Se o cheio é ruim, a imagem é ruim.
Se puder, olho para os lados
e se não tiver ninguém
lambo
gosto de sentir o gosto das tintas.
Sinto necessidade de engolir
um pedaço da Capela Sistina.
E escuto,
coloco meu ouvido bem pertinho
batuco com os dedos,
tamborilar é atávico no homem
ouço o pulsar,
é maravilhoso sentir o coração de tela reviver.
E sim, toco ,toco porque
é o toque que transmite a compreensão.
O toque é um carinho,
não é um vândalo quem sente a necessidade de tocar um quadro
mas sim aquele que está sublimado.
Dor em salva – de omar de la roca / são paulo
A líquida curva cristalina,
o céu azul de mar ascenso
presenciam tudo.O encontro,a ameaça.
A neblina na alma, pé no chão descalço.
O mar profundo e o céu profundo se encontram
dentro de mim e me esvaziam de toda possibilidade.
A impossível possibilidade,
a impassível passividade.
Pedras cortando, fio de prata zunindo.
O esquecimento da euforia ,
a despedida das lembranças.
A impotência de nada fazer.
Nada poder fazer senão aceitar.
Aceitar tudo.Esperar tudo.
A esperança, a espuma que volta,
o som das ondas que cessa,
Aceitar a água alta que bate forte por dentro.
Cumprir o ritual, linha a linha,
sem retorno.
Ainda a esperança que aos poucos se esvai.
A areia fofa,as pedras,a onda quebrando a pedra,
A tempestade que dilui todo o cinza em mais cinza
A névoa que encobre tudo e tudo revela
Mãos que trazem conchas, algas,veneno e cura.
A dor em salva.
fitas coloridas, roupas brancas,
a dor que nada poupa.
Segredos,religião única ,
o ar que falta.
Ardor que a nada salva.
A luz do farol que nada ilumina.
Múltiplos credos, sabores, cores vibrantes, Bonfim,
fontes e fortes.
Nada mais importa.Tudo importa .Tudo passa.
Mas tudo fica,que a imaginação não para.
A imaginação segue seu caminho.
Sem rumos, sem freios e sem fronteiras.
Ad infinitum.
Querendo voltar ao abismo solar, amarelo,límpido.
Querendo voltar no tempo, impossível tempo,
que a tudo vê,sempiterno.Sempre vivo.
Mas que inexiste quando os segundos congelam.
JESUS APARECIDO DA SILVA, EM AÇÃO – de jairo pereira / quedas do iguaçu.pr
JESUS APARECIDO
DA SILVA, EM AÇÃO
Estive com Jesus
na Assembléia dos Sábios
Consagrados pelo Governo
Jesus em pé encostado
numa coluna dórica
ouvia à todos em silêncio
:no silêncio mais profundo:
opfshneoim
Jhejkfdnj
após todas as falas
Jesus :lux em esplendor:
tomou a tribuna e
sua voz fez-se presença
nos espaços lídimos do templo
Jesus vestia uma túnica de
juta branca pontilhada de finos
bordados e grossos remendos que lembravam
manchas pictóricas fauves
Jesus estava magro muito magro
acometido de gastrite
mas doce e manso como
sói poderia ser Jesus naquele dia
engoliu um comprimido
de leite de magnésio ellephilips
para alívio da dor na boca
do duodeno
a voz comum de Jesus
emanava altissonante
primeiro falou das sementes
dos brotos das folhas
dos frutos tenros
da grande árvore da sabedoria
e deu pra ver as oliveiras
cheias de olivas
pingentes de maduras
:caminhantes noctívagos: saciados e adormecidos sob os galhos das ditas árvores imaginadas e que se podiam ver
após partilhou Jesus os pães e
os peixes com os presentes
:visão premonitória de Jesus:
da futura sociedade
que habitaríamos
visão de fartura exposta
Jesus era realidade
e era sonho era
objetividade plena
e metáfora poética incorporada
:fluído simbólico apto a dizer
e denotar o mundo:
Jesus falou da vida
e da morte falou de fatos
atos trabalho saúde
alimento transporte educação
salário linguagem e pensamento
Jesus declamou poemas
cheirando à couro e deserto
poemas de estar na terra e no céu poemas de mansidão e conflitos alegria e tristeza Jesus decodificou hieróglifos nas pedras que trazia
pedras que o enganaram muitas
vezes pedras que o enganariam
para sempre e Jesus ainda não sabia
depois descreveu os oceanos abissais e os rios
até o nosso :superamazonas:
enfocou rio tomado de verde pra todos os lados falou dos peixes que os habitam peixes peixes muitos peixes :escamas-vidas:
peixes sempre multiplicados em míriades de incalculáveis cardumes
contares infinitos:
Jesus dispensou
o ábaco ou a máquina de somar com pedras pedrilhos
pois os números ficaram imensuráveis
tantos os peixes existidos no mar
e nos rios que falara mas que
o deserto não oferecia senão gafanhotos
pequenos gafanhotos lêmptos de cor amarelo-cinza gafanhotos que na véspera alimentaram São João Batista
Jesus não tinha mesmo muita fome
que a vida a ideologia pregada
o consumia no amar no pensar orientar e subverter o superpoder
estabelecido
Jesus absolutamente não
tinha muita fome
não se preocupe fora de tempo
Jesus nunca teve fome
a louca fome que sempre tivemos temos
Jesus orou com a
leveza de anjos azuis
como pescador como operário de chãos arenosos e de cal pedras britas carvões em minas
ferros e cimentos
Jesus expôs sentenças
que a todos pareciam conhecidas e no entanto nunca as tinham ouvido lido nos papyros seculares
Jesus escondia as pequenas
pedras-eclipsemas mais
importantes sob a túnica
numa espécie de bolso
onde algumas moedas
repousavam inúteis
Jesus falou com as
palavras-lagartas vivas que sabia
palavras simples tiradas
do dicionário do deserto
dicionário
de tempos de cogito solitário
nos amplos espaços de vento e areia
ventos e areias
Jesus suspenso no ar
em andaímes descomunais
tapumes cordas
ou cipós-açus
Jesus tinha os cabelos thurvos de areias pós brancos de cal
e cimento :resíduos
de britadeira: e ventos
o corpo suado e sujo das andanças e labores
no transfim a esmo
ou a conduzir magistrtal os rebanhos orientados pelo amor
Jesus lívido etéreo
os olhos fixos num ponto acidental nas amplas
paredes como se
não enxergasse as pessoas
que na Assembléia dos Sábios Consagrados pelo Governo
os lábios de Jesus no
sadio movimento da fala tresandados tresandando Jesus semiótico Jesus poeta de cristal Jesus arauto dos novos tempos Jesus singelo adornado de precioso saber Jesus filósofo Jesus teólogo Jesus pai Jesus filho Jesus Maria Jesus irmão Jesus ideólogo Jesus messiânico Jesus político Jesus líder sindical Jesus professor Jesus enfermeiro Jesus advogado
:não: Jesus legisferante
Jesus cristão Jesus profano
Jesus Jesus
sua voz crescia
nos largos espaços do Templo Consagrado
à Sabedoria e ao Espírito Elevado os sábios no
máximo
assentiam com as cabeças
nenhum
importuno a contraditar alucinado as preleções
inusitadas de Jesus os vendilhões do templo
cairam em si e armaram feiras à beira dos caminhos depois da última que Jesus lhes aprontou
impávido Jesus tratou das relações dos homens entre homens sistemas e organismos
da sobriedade das estruturas frias da matéria do essencial do lixo
das mãos estendidas do amor em todas suas variantes:
amor dos beats amor hippie amor dândi amor business amor vertigem amor platônico amor nativo amor a deus amor proletário amor fraterno amor paterno amor materno
amor de ficar amor de amar amor do amor em si
Jesus calou os sábios o canto hipnótico que
a cigarra funda: eu ali
high tec assim senti o saber
no espírito dos tempos a voz
do espírito santo o pathos do
canto o transe da voz inaugural dos novos tempos
um tempo de mãos unidas na
mesma senda de viver a vida
amar e laboriar para o futuro
:futuro o que persigo como poeta:
arrisquei um aparte na fala de Jesus ‘Jesus… sou poeta e os pulhas…
‘todos são
filhos de deus’ corrigiu-me impiedoso Jesus
e completou que esperasse paciente ‘o beijo do tempo’
que
‘nada era
de se antecipar’ nas
minhas tolas pretensões de ser
mais blasfemei sobre tantas
coisas
por não ter conseguido isso
e aquilo
Jesus
comiserado outra vez negou minhas vãs pretensões de ser
‘mas Jesus Jesus…’
e Jesus ‘o filho do pai
que não acata a lição dos tempos não
merece sonhar não merece crescer
tua voz aparecerá quando for preciso
não corra na frente do signo
não adiante o pensamento
sem necessidade. A flor nasce
e morre no tempo certo
o vento espalha pétalas nos
espaços arbitrários
quando há nathural exigência
tens signos interiores de luz signos
ainda contidos que
devem ficar contigo no rebanho in constructo
da grande obra
dê tempo ao tempo
tempo aos ventos do
espalhar de pétalas da flor-
poética bruta que és’.
Tive que sair às pressas
antes que a turba me agredisse.
De fora do templo ainda ouvi Jesus finalizar
seu discurso dizendo que era ‘Jesus Aparecido da Silva
sindicalizado pedreiro alagoano desempregado
analfabeto sete filhos RG n.º 1880.521-4 IIDF
CTPF n.º 15582 série 276, residente em Estripulândia
cidade satélite de Brasília’.
OS MALABARISMOS DE UMA CONSCIÊNCIA INTENSAMENTE LÍRICA – por alexandre bonafim / são paulo.sp
A poesia de Almandrade faz-se, antes de tudo, daqueles temas
essenciais da condição humana, tão preciosos para os homens do nosso
tempo, distanciados da razão de existir. Uma perplexidade em constante
estado de nascimento acorda, aos olhos do leitor, uma realidade
múltipla e absurda. Ao lermos os textos do poeta baiano, deparamo-nos
com a densidade do real e com todos os seus limites e frustrações:
“cidade perplexa/ embalagem hostil/ inútil divertimento”. O eu lírico
dos poemas de Almandrade gasta-se nas arestas do mundo, rasga-se nos
ângulos dessa realidade limitada, em um viver de raríssimas
possibilidades de salvação ou transcendência (encontradas, como
veremos a seguir, apenas no erotismo e na epifania da palavra lírica):
“O andarilho inocente/ repete o caminho/ sem encontrar/ uma saída”.
Esse esgotamento das possibilidades do real lembra-nos dos angustiosos
labirintos Kafkianos, em que todas as direções nos encaminham, na
verdade, para lugar nenhum. O mesmo clima de abafamento, de
aprisionamento, entrevisto na ficção de Kafka, pode ser percebido
nesses poemas de agudeza existencial. Drummondiano, sem deixar de
possuir uma voz própria e peculiar, Almandrade recria, portanto,
aquele clima claustrofóbico da poesia do autor itabirano, tão bem
expresso pela persona inventada por Drummond, ou seja, o seu famoso
José.
Essa é uma poesia que, antes de instaurar a segurança,
desalenta-nos com as incertezas, com as dúvidas. Já na antiguidade,
Sócrates alardeava a importância do questionamento, em detrimento das
respostas. Pois bem, na poesia de Almandrade, temos a mesma sede de
indagação, a mesma escavação feita por perguntas que não se findam,
que instauram uma perpétua pesquisa do viver: Pensar é/ abrir portas,/
migrar/ para o desconhecido”. Em versos sucintos, verdadeiras farpas
de auto-iluminação, o poeta de Malabarismos das Pedras amplia a
potência do signo poético, como se a palavra funcionasse como um
verdadeiro golpe a acordar o leitor de sua letargia, de seu
sedimentado hábito de simplesmente estar no mundo: “Dormir,/ pode ser
uma covardia/ diante das circunstâncias/ e suas incertezas”. Essa
vigília em perene estado de exacerbação, funciona, portanto, como um
farol a desmascarar as farsas dessa nossa realidade tão estigmatizada
pela mídia e pela ideologia do consumo. Ao lermos Almandrade,
sublinhamos, em nosso âmago, a força da consciência e a sua capacidade
de detonar as verdades estereotipadas de nossa era pós-moderna.
Essa mesma consciência, vibrante, intensa, também vasculha a própria
fuga do tempo, e a revela, sem nos poupar e sem nos iludir: “a vida
quando vazia/ é um acúmulo de rugas”. Somos seres irremediavelmente
efêmeros e passageiros e, diante dessa situação existencial, resta-nos
somente a epifania da própria poesia, teia a nos interligar a um
eterno agora (apenas retido pela memória), momento pulsante,
orgiástico e, por isso, intensamente vivo mesmo em face da dissolução
do existir: “as coisas retidas na memória/ acariciam a eternidade”. É
dessa revelação da palavra, feita de som e fúria, que nasce um doce
erotismo, um terno desvelo pelo corpo feminino: “Em silêncio/ a
intimidade feminina/ acende o mistério/ que faz lembrar/ o aroma dos
devaneios/ que transporta/ o fim da tarde”. Dessa forma, diante das
amarras impostas pelo destino e pela realidade, nasce a iluminação do
desejo, energia a latejar o corpo, a incendiar a graça de ser: “Nem
mesmo/ a musicalidade dos pelos/ é maior que o apelo/ da cicatriz do
nascimento”.
A poesia de Almandrade, portanto, recorda-nos o mito de
Sísifo. O homem contemporâneo, acossado, muitas vezes, pelo vazio e
pela alienação, típicos em um tempo de consumismo desenfreado, está
condenado a rolar, em infinitas vezes, uma pedra ao topo de um monte.
Todavia, resta a esse homem, ao descer, de mãos vazias, a mesma
colina, a visão pródiga de um mar, feito de intenso azul, prazer e
glória a saciar-nos com o milagre da poesia: “Agora é dia, o sol
queima a letra”.
Alexandre Bonafim – Nasceu em Belo Horizonte. É mestre em literatura brasileira, poeta e professor universitário.
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A RAZÃO EM COMA
Pobres bibliotecas vazias
sem títulos e sem Borges,
O tempo, indiferente
ao jogo dos relógios,
não é mais dos livros.
O saber é um desconforto
de uma civilização
que vive ao redor do imediato
e humilha a memória.
ALMANDRADE
A odisséia ou o erro do pavão – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr
O pavão
de olhinhos nervosos
irrequieto bípede
tirou dolorosamente
suas queridas penas
uma a uma
e colou
em folhas de papel sulfite.
Despiu-se de suas jóias
transgrediu o pudor
sentiu frio
ficou só
sua família não agüentou
a verdade nua.
Não satisfeito
regurgitou a pouca quirela
do jantar
e vendo o vômito convulso e amarelo
lembrou-se de Van Gogh
e chorou.
Colou sua bile no sulfite
e com as folhas e penas e vômitos
profissionalmente encadernados,
a pobre ave implume
saiu a procura de editor.
Seria mais fácil, pássaro
achar editor
se deixasse as penas no corpo
e levasse as folhas em branco
profissionalmente encadernadas
sempre
profissionalmente encadernadas.
SAUDADES DE TI DIANTE DE TI – de zuleika dos reis / são paulo
Saudades de ti diante de ti
eu a olhar-te de leve
meu olhar sobre ti asas
a roçarem folhas, de passagem,
sem pouso permitido
asas a perderem o rumo
asas a perderem o prumo
asas num voo vertigem
direto ao chão.
Saudades de ti diante de ti
eu a receber e a guardar
olhares de todos os cantos
canto chão
cantochão
no tempo sempre a escoar
sempre em fuga de nós
e do nosso outro tempo
aquele eterno, imóvel,
que nos cravou no mostruário
as asas de borboleta
para sempre em oculta exposição.
Saudades de ti diante de ti
esta história, nossa história
suspensa nos galhos da árvore
a perder de vista
a tocar o céu
no bico das aves
sempre a partir
nossa história
que não podemos tocar
a cintilar provisória
nos olhos destas pessoas
que também nunca a conhecerão.
Saudades de ti diante de ti
e em breve, muito em breve
nós, a circular em fotos
diante do mundo
e enquanto estas não nos chegam
volto para a casa
onde minha mãe me habita
onde não me habito há mundos
e vou-me, a ler teu livro
que não nos conta, mas nos diz
nos desdizendo
assim, nesta Dor que nos corrói,
para sempre, assassinando.
Saudades de ti
e eu me dissipo
como se dissipam
ventos…
nas mãos
nossos fiapos…
BONDADE – de sergio bitencourt / curitiba.pr
UM POEMA – de gilda kluppel / curitiba.pr
Um Poema
Sou um ser estranho
ando pela cidade
encontro beleza no asfalto
em qualquer esquina,
numa rua, na sarjeta
exalo o cheiro de chuva na relva.
Sou um trovador
em versos e rimas
o motivo para um enredo,
experimento sensações
acalento sonhos, desvelo segredos
não uso disfarces, mas tenho muitas faces.
Sou uma saudade
quando os passos andam em desalento
amenizo as despedidas
entre tantas angústias
encontro o porto de chegada.
Sou um ser contraditório
caminho pela contramão
no sentido oposto da ambição
durmo ao relento
aprecio o brilho das estrelas
ou o céu lacrado, inviolável
canto felicidade, dores e mágoas
alegrias e tristezas da vida
as pequenas e as desmedidas
a perfeição me encanta
e também o mal acabado,
o desleixado, o jogado ao acaso.
Sou um abraço
sem amarras e cobranças
apenas afeto, o argumento convincente
meras palavras me realizam
entre tantas metáforas
tenho a força de um sentimento.
ESTOU APRENDENDO – de delinar pedrinho matuczak / quedas do iguaçu.pr
Eu pensei que a idade me trouxesse experiência.
Lembraram-me que na vida devesse pedir sapiência
Labutei pedindo experiência
Entendi depois de muito penar
Necessito sapiência, espero que esteja em tempo de aprender a ser sábio e a tentar ensinar isso a alguém.
cognita sum
Putabam me aetate usus.
Admonuit me sapientia vitam peterent
Vocatio experientiam laboraverunt
EGO animadverto multum laborem
Ut sapientiae sapere et spes discite tempus tellus sed do eiusmod aliqua.
O rumo do meu barco – de jamil snege / curitiba.pr
Já inspecionei a proa,
amarrei a carga,
desatei a vela.
O vento sopra forte e
enfuna meu coração
de alegria.
Agora é contigo, Senhor.
Toma o leme e risca
o rumo do meu barco – não
penses que irei por
este mar sozinho.
ROBERTO PRADO e sua poesia / curitiba.pr
A volta triunfal
NOSSO SERTÃO NÃO MERECE UMA USINA NUCLEAR – de climério lima / jatobá.pe
NOSSO SERTÃO NÃO MERECE UMA USINA NUCLEAR
Cordel de Climério Lima (Jatobá-PE/outubro-2011)
Lido durante a passagem da Caravana Antinuclear naquele município
Vocês que estão em Brasília
Com as rédeas da nação
Nos gabinetes trancados
Para tomar a decisão
Escutem a voz do povo
Sofrido deste Sertão
.
Nosso Nordeste é marcado
Por seca, fome, abandono
Para o país um problema
Um território sem dono
E o Sudeste com as riquezas
E as benesses do trono
.
No passado nós lutamos
Até de armas na mão
Tantas guerras nós travamos
Revoltas, revolução
E produzimos riquezas
Pra engrandecer a nação
.
Acham pouco, meus senhores
Nossa contribuição?
Usinas no São Francisco
Iluminando a nação
A custa do ribeirinho
Sem direito a irrigação?
.
Porque querem construir
Nessa terra renegada
Uma usina nuclear
Pelo mundo condenada?
Porque não constroem mais
Hospital, escola, estrada?
.
Venham melhorar os níveis
Da nossa educação
Melhor salário, emprego
Projetos de irrigação
Proteger o São Francisco
Veia de amor do Sertão
.
Uma usina nuclear
É um perigo constante
Na União Soviética
Numa explosão gigante
Matou e espalhou câncer
Numa área bem distante
.
Também nos Estados Unidos
O acidente aconteceu
Fukushima no Japão
Com uma explosão sofreu
Depois de um terremoto
Aquela terra tremeu
.
O lixo dessas usinas
É um resíduo fatal
Não pode ser reciclado
Jogado em qualquer local
Se posto na natureza
É perigoso e mortal
.
Esse tipo de energia
É, por demais, perigosa
A causa de uma explosão
É ligeira e desastrosa
A energia do Sol
É muito mais vantajosa
.
Todos sabem: Temos ventos
Abundantes no Sertão
Para gerar energia
Sem a tal poluição
Essa usina nuclear
É uma contradição
.
Ao povo de Itacuruba
Pra que não seja enganado
Tem político querendo
Esse projeto aprovado
Pensem: se tiver dinheiro
Quem é o beneficiado?
.
Eu repondo sem pensar
O povo é quem não é
O dinheiro vai pros ricos
Comprarem carro e chalé
E fugirem da cidade
Quando o perigo vier
.
A região vai sofrer
Belém, Florest e Jatobá
Petrolândia, Paulo Afonso
Sem dever irão pagar
Se o rio São Francisco
Vier se contaminar
.
Também a piscicultura
Será bem prejudicada
A morte tomará conta
Da água contaminada
Se isso acontecer
Ninguém pode fazer nada
.
Projetos de agricultura
Terão que paralisar
Sergipe também Bahia
Preços altos vão pagar
De Pernambuco a Alagoas
Até descambar no mar
.
O problema, como sempre
Sobra pro povo sofrido
Precisamos nos unir
Criar um grande alarido
Político só tem medo
Do povo que está unido
.
Desculpem-me pelas rimas
Se não são do seu agrado
Sou um poeta pequeno
Que não quer ver aprovado
Esse projeto maluco
Pelo Governo criado
Entre nós – de omar de la roca / são paulo
Outro dia distraído
Quando a dor me invadia
Lembrei-me de cicatriz antiga
Que há tempos não sabia.
( entre nós vou caminhando )
Estranhamento contido
Ri do pálido recorte.
Que outra mais profunda
Por cima já havia.
( desviando de nós aqui e ali )
A primeira funda na época,
Mas agora é sutil .
Riscos, as outras se confundem
Com a que já existiu.
( Vou lendo entre os nós)
Outras mais antigas,não.
São sagradas.
Intocáveis.
Doem todos os dias.
( nós entre nós )
Sem que eu tenha visto a arma,punhal,
Na mão que me feria.
Não há ungüento que cure,
( desencanto,desacato,dez atado nó )
Ninguém que de alivio.
Cortes,recortes, não preciso deles.
Estão ali,testemunhos da dor,
Mas enganados por ela.
( nó , desenlace, laço ,nós ? )
Preso na garganta,
torcido nó.
Que de nós pouco entendo.
Que de nós desentendo.
( Que só sei de nós e só sei de nós,
apenas o que vejo ) .
PRIMAVERAS – de joão batista do lago / curitiba
Há primaveras sem paixão onde o amor é solitário
Escondido sob nuvens escondidas sob rochas de cimento
Sob um azul cinzento e verticalizado chovendo rosas e flores incolores
Sem o ungüento das abelhas sem beijos para distribuir a fração da gera
Nestas primaveras surgem do nada o canto maior dos amores
Enquanto flores e pássaros se aninham sob um sol de nuvens torrenciais
Dançando sobre os telhados a valsa dos amores agora ansiados
Sob os olhares espantados dos que não aprenderam a amar
Nestes dias de primavera há um homem querendo amar
Assim como o vento ama ao espaço: infinitamente!
Sem a presunção de querer ser mais que o próprio de si: simplesmente amor!
Nestes dias de primavera um navegante solitário enfrenta suas tormentas
Num mar de lutas onde suas sereias teimam em não vê-lo (e)
Nadam rumo ao desconhecido imenso trapaceiro destino solitário
“A Queimada” – de lêdo ivo / rio de janeiro
“A Queimada”
“Queime tudo o que puder :
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos : more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita”.
Ao Pé do Túmulo – de auta de souza / natal.r n
Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.
Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.
Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…
Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.
LEVA MEUS VERSOS – de solange rech / tubarão.sc
Leva meus versos, que nada pesam.
São carga leve, como isopor.
São luz de vela, são mãos que rezam,
Sorriem sempre, apesar da dor.
Leva meus versos, que não são nada
Perto da tralha que a gente traz.
Esses coitados não têm morada,
Pródigos filhos buscando paz.
Leva meus versos, trata-os com calma,
Pois só recebem desprezo e grito.
Vem das origens todo o seu drama
Já que nasceram de um pai aflito.
Leva meus versos, vê que me esforço
Por arranjar-lhes um lar fecundo.
Como pai deles, tenho remorso
De que se sintam párias do mundo.
Leva meus versos, guarda-os contigo.
Far-te-ão feliz nas horas tristonhas.
Nas tempestades serão abrigo
A resguardar o mundo que sonhas.
Leva meus versos e outros cantares,
tão desprezados, tão pobrezinhos.
Morrerão todos se os não levares
ou vão perder-se em ínvios caminhos.
Leva meus versos, são peregrinos
de almas sensíveis, como é a tua.
Que eles não sejam, como os meninos,
versos sem teto, versos de rua.
Leva meus versos, que nada pesam.
São carga leve, como isopor.
São luz de vela, são mãos que rezam,
sorriem sempre, apesar da dor.
-.-
SACERDÓCIO POÉTICO. Solange Rech, Editograf, Florianópolis – SC, 2004, p. 37.
Solange Rech (Tubarão, 29 de maio de 1946 — Florianópolis, 29 de janeiro de 2008) foi um poeta catarinense contemporâneo.[1]
Apesar do nome ser normalmente feminino, Solange Rech era um homem. Aos nove anos surgiram seus primeiros versos e aos doze disputou, com adultos, concursos de trovas-repente. Aos dezesseis anos publicou seu primeiro livro, intitulado “Trovões Dolentes”, uma coletânea de 60 poesias. Foi funcionário do Banco do Brasil como fiscal agrícola.
Mario Quintana assim se expressa a seu respeito:
- “Teus versos às vezes cortam como espada. Outras vezes lembram a doçura do açúcar. Mas são todos primorosos, especialmente os sonetos.”
Premiado em vários concursos literários, tem trabalhos publicados em diversos países e participou de mais de 35 antologias poéticas, inclusive no exterior. É chamado por seus colegas “O Poeta-Rei”.
Principais obras
- “Para Matar a Noite” – 1987
- “De Amor Também Se Vive” – 1999
- “Os Espartanos de Deus” – 2000
- “A História da FENABB” – 2000
- “Serões na Rede” – 2002
- “AABB – Florianópolis – Meio Século de História” – 2003
- “Sacerdócio Poético” – 2004
- “Meus Sonetos Premiados” – 2005
- “A Hora da Colheita” – 2005
- “Versos do Tempo Quase” – 2006
Não passarão! – de ademar adams / cuiabá
Não passarão!
Os corruptos não podem vencer esta,
Fazendo do cê, do ene e do jota,
No mundo da Justiça letra morta,
E do erário, um bacanal, uma festa.
A toga não pode ser a casamata,
De quem não é digno de trajá-la.
Patriotas, preparemos a batalha
Ou a nação o corrupto arrebata.
A guerreira levantou a sua voz,
E não segui-la nesta hora atroz,
É ceder o Brasil à empulhação.
Em frente passionária corregedora!
Branda a tua espada moralizadora!
À luta! Viva o Brasil! Não passarão!
PERFUME – de edu hoffmann / curitiba
chove chuva de chuveiro
é uma lisonja ensaboar
a quem a mui lejos foi monja
ela me disse que tudo passa
– passe bem de leve a esponja
melodias realejo
ambígua língua dançando
distraída no seu umbigo
blues no azul do azulejo
ESTOU FICANDO LINDO! – de jorge barbosa filho / campo mourão.pr
ESTOU FICANDO LINDO!
(Heróica parte 1)
Não sei como você agüenta essa coisa de dar satisfação.
Não sei, não! Tudo que queríamos, era pura invenção.
Não sei da tua, como atuas, e disfarças os teus dias-a-dias,
Tuas mágicas são tão pequenas!
Ok! Corro o risco lembrando-me de você,
Quase me tornei um sapo… Bem, agora tou bem Safo!
Mesmo que isto tudo me encha o saco, pago…
Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!
Todos teus disfarces, teus passes, teus toques sem faces!
Nunca acreditei um instantinho de tuas festinhas
Em nossa cama embolada de amor, amor?
Faço a correria do modo que gosto, e posso.
Vivo do meu talento e detesto quem é lento.
Repare que o mundo roda. Acorda! A corda!
O vento é meu amigo! Quero vê-lo bater no teu tento, agora!
Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!
Aposto que de nós não sobrou nada no espelho.
Quando passo por ele, apenas me vejo e me dou um beijo!
Fico cabreiro enquanto percebo alguns fantasmas…
Rezo para o Sempre e digo que isto é uma farsa, e passa
Pelo seu tranquilo metal e líquido, feito mera fumaça!
Sou aquilo que sei, sou, sonho e desejo,
Às vezes me despejo de tudo e de mim mesmo…
Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!
Mas não tenho medo de tentar a sorte, ou a morte.
Sinto-me forte apesar de todo enredo…
Vejo jacus britânicos e caiçaras americanos por todos os lados
Consumirem seus relógios, seus ópios, seus óbvios,
Descansarem sem culpa no interior de seus óbitos!
Deus dê longa vida aos necrológios e aos necromaquiados!
Pois eu vivo, vivo! De cara, na lata! Não finjo, não fujo, não!
Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!
MAR – de omar de la roca / são paulo
MAR
Que palavra é essa que se agita em mim?
Que mar é esse ?
Como uma onda que me cobre a cabeça,
E eu tenho que bater os pés com força para respirar
Ou como uma tábua de salvação
A que me agarro
E me desgarro quando o pé encontra o chão.
Como a onda que me leva boiando no espaço liquido.
Onde faço lentos movimentos circulares.
Onde sufoco um pouco, um pouco ofego
Sôfrego de luz e de palavras.
Como o barco, que só alcanço a borda
Sem força para nele me chegar
Fraco,tímido, sôfrego de medo
Tremendo,querendo mergulhar
Mais fundo e mais e mais
Deixando que a corrente me transporte.
Trazendo a tona a água dividida.
E quebro a onda, com meu corpo
Cujo destino é pedra. E alga.
Com a mão aliso a vaga
Que me levanta e a mim salga.
E sigo resistindo a sereia que se enrosca
Em meus tornozelo, e a mim puxa,
Para o fundo,para o fundo.
Mas me sacudo e me livro
Como faço com palavras que me incomodam
Pondo no papel, pondo ao vento
Como roupas a secar e a chuva molha,
Apelando ao perdido pensamento,
Sentimento que não volta.
Que mar é esse ?
Que palavra é essa?
Aceno a mão para o navio inexistente,
Querendo voltar ao porto que ainda não existe,
A água sobe e perco o pé, mais esforço feito,
para ficar a tona, cabeça de fora,nariz de fora.
Ar , que te quero puro.
Ar que é preciso, e eu preciso .
Que palavra que se agita
Em mim e logo grita,
Que mar, no qual me agito,
Muito alem de meu próprio grito?
O sol chia ao encostar na água lá no horizonte.
Logo será noite. Encontrarei areia. Bato os pés
Em desalinho,respiro,afundo.
Me agarro a um tronco. Devo estar perto de terra firme.
Bato os pés e vou seguindo.Vou seguindo.
Que palavra, que mar ?
Bato os braços,os pés.
Chego lá ? Não sei,engulo água,
E ,me agito mais forte para respirar,
para alem de minha mágoa.
Que cor é essa com a qual escrevo?
Cor de água do mar.
E o papel ? Transparente ,de vidro.
Que mar ?…afundo.
Que palavra ? Surdo, de água.
Areia,concha,alga e pedra. Mar.
E no ar seguro de novo.
CARNE CELESTE – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr
Carne celeste
Sinto algo de santificador no céu,
os pássaros e pipas
são batizados por algo sublime.
O metal do avião,
o corpo do aviador
e dos passageiros,
quando molhado pelo azul
se tornam diferentes.
Há na pena, no meteoro,
no satélite,
no alumínio esmagado
de um acidente aéreo
algo de sagrado.
Mesmo o lixo
quando elevado pelo vento
sublima-se.
Como é lindo ver
os papeis,as sacola plásticas
quando dançam sobre as cidades
num êxtase de cisnes.
Há em mim sempre
a vontade de apanhar granizos
de guardá-los com cerimônias,
e de beber
a água benta da chuva,
de acariciar balões e pára-quedas.
Sim,tenho em minha geladeira granizo
e nas gavetas todas as passagens aéreas,
e qualquer pedaço de papel sujo,
qualquer sacola plástica
que tenha visto dançar.
Em minha carteira
esta uma semente, destas emplumadas,
em uma manhã de domingo olhei ela descer do céu
calmamente,com graça
e pousar tão próxima que a apanhei.
Guardo,porque desconfio,
que como nos pregos
na lança e nos espinho,
fica em tudo que voa um pouco do divino,
por terem todos também
transpassado o corpo de Deus.
ASPIRAÇÃO – de zuleika dos reis / são paulo
Pairem minhas palavras
para sempre
pássaros sem assinatura
sonhos de poemas
jamais escritos
a serem colhidos
por mãos invisíveis
que possam escrevê-los
e assim se faça
a poesia
que nunca hei de ler
no anonimato
que ninguém saberá.
Assim me faça
desconhecida
nos poemas
de palavras anônimas
colhidas
por um autor a vir
que se saiba
ou que almeje saber-se
em tal sonho de ritmos
escritos por ninguém.
Em espaço onde pairem
sempiternas
as histórias
os silêncios
de tudo o que houve
e não
neste tempo em que eu
NÃO
assim fiquem também meus hiatos
meus vazios
ausências
que um poeta a vir preencha
com a própria respiração.
MÁXIMA FORÇA – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr
Máxima força
O sonho e a força máxima.
O sonho é o deus infantil escondido atrás
do racional.
O sonho tece tratores
monta fábricas, compõe andaimes.
O sonho abre um shopping.
O sonho não é ingênuo.
O sonho rouba.
O sonho depreda.
O sonho angustia.
O sonho frusta.
O sonho quer ser eleito.
O sonho quer conhecer a África.
O sonho quer vender a cura de doenças.
O sonho planta quatro mil alqueires
de soja todo o ano.
O sonho quer escravos.
O sonho mata e desmata.
O sonho gerou esta era de desperdício.
O sonho é predador de outros sonhos.
O sonho quer mais.
O sonho mistura, aumenta, encolhe,
cães, gatos, bois e cavalos.
O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.
O sonho.
PLASTIKOS – de gilda kluppel / curitiba
Plastikos
O ícone da atualidade
dispensando a argila
moderno, termoplástico e elástico
este policloreto de vinila
adquire qualquer formato
por dentro correm as águas
reveste o piso, o teto e a parede
cria flores quase eternas
no frasco onde saciamos a sede
embalando diversos produtos
em tudo o ente plástico
o artificial artefato
descartáveis sintéticos
viram meros entulhos
a natureza em maltrato
no universo submerso
perversos com o meio ambiente
em suas inúmeras peças
formam um mosaico decadente
e nada que impeça
a paisagem em desarmonia
confundem as tartarugas marinhas
engolem seus piores pedaços
algas embrulhadas com plasticidade
como invadiu tantos espaços…
plastificará os mares por inteiro
assustando os marinheiros
de longas jornadas
nós, os passageiros
e o ser plastificador sorrateiro
querendo dominar o cenário
montanhas de lixo plastificadas
estáticas e petrificadas
pelos intrusos não biodegradáveis
realidade plastificante
pensou em seu uso e não no desuso
esquecendo da desplastificação
dos materiais macromoleculares
de longa decomposição
nada é justificável, apenas plastificável.
“ÁRIA ANTIGA” – de alceu wamosy / uruguaiana.rs
Chora o orvalho da luz sobre a rosa do dia
que se fecha. O jardim todo lembra um altar
para o qual sobe o incenso azul da nostalgia,
e onde os lírios estão de joelhos, a rezar.
Tu cantas para mim. Tua voz, triste e mansa,
vem trazendo, a gemer, dos confins da lembrança,
qualquer coisa de velho, onde a vida se esfume.
Quando a voz adormece um fantasma desperta.
A tua boca é como uma rosa entreaberta
que a saudade acalante e o passado perfume.
E essa velha canção que o teu lábio cicia,
no momento em que a tarde adormece no olhar,
enche o meu coração de uma vaga harmonia,
de um desejo pueril de ser bom, e chorar…
À FLOR DA PELE – de ana vidal / lisboa.pt
Toco, teço e entrelaço
Com dedos de descobrir
Lanço redes num abraço
À flor da pele me desfaço
Na vertigem de sentir
Tudo é matéria, se é tempo
De epidérmicas razões
Danço num sopro de vento
Rasga-me cada tormento
Gelam, queimam, emoções
E todavia, invisível
Eterno e primordial
Corre o rio do intangível
Imperioso, indefinível
Matriz de tudo, afinal
A RIVAL – zuleika dos reis / são paulo
Criei-te rival
odor transpirando
na pele do homem
que chamei de meu
sem poder para arrancar-te
de nós.
Criei-te outra fêmea
para o prazer do homem
que me chamou de sua
sem poder para arrancar-te
de mim.
Em nós
uma grande brecha
para abrigar-te assim
imensa como és.
Mulher assim transbordante
deste imaginário
na cama do homem
que em noites incontáveis
invisíveis
no sêmen
de segundos
foi entranha em mim.
Talvez por tão bela
antiga como não fui
talvez pela fragrância
na pele
no rosto
dos versos
Cântico dos Cânticos
mulher, quero amar-te
não por ti
não mais que
pela suspeita
de também habitares
a saudade do homem
que em noites incalculáveis
no bater dos segundos
do tempo que não existe
chamei de homem meu.
Revelações no crepúsculo / de tonicato miranda / curitiba
a tarde cai de mansinho
saiba caem folhas de mim
vou me desfolhando no jardim
sou as folhas presas no ancinho
confesso jamais estive em Teerã
estou nas tristes folhas do galho
voando vou até mais um orvalho
quando a noite pousar na manhã
preso estou nesta janela e na dela
a esperar telefonemas ao meio dia
pois me encontre lá na chuva fria
serei o dedo esfregando a remela
a tarde vai, nada há mais para ver
o Sol foi brilhar outro lado do fim
deixou brotos de tristezas em mim
sou sorvete demorando a derreter
a tarde vai, morrerei no escurecer
serei na noite prisioneiro da ferida
terei aqui apenas palavras e bebida
pode até a luz não mais aparecer
a tarde se foi, é imensa a tristeza
rezo, não rezo, rezo por ninguém
darei de graça meu último vintém
comprarei com milhões sua leveza
Tarde! Demore-se mais por aqui
queria parir este último poema
dizer a ela da caçada a seriema
após tê-la nas mãos deixei-a fugir
Tarde esta foi mais uma bobagem
precisava revelar o novo dilema
amo a vela, não é tolice de cinema
tola é a vida, mas bela a viagem
Ah tarde, agora pode ir embora
já disse tudo, chutei muitos baldes
disse coisas na sala, nos arrabaldes
no quarto do olhar e até porta afora
TRANÇAGEM – de jairo pereira / quedas do iguaçu.pr
O fósforo
de tuas palavras
acende
iracriadora
no meu
coração.
A iracriadora
repercute no sempre
de todas as épocas
porque é voz lançada
ao infinito
transdiz o indizível
e revela os espaços
ocultos do orbe
em transe
de altosonhar.
Existe
o baixo sonhar
e sempre andei ali
escaravelhando
pós ardidos
de contigo, reergui
o gesto, a voz
o ímpeto e agora laboro
magmas alternados
de beleza e furor
explícitos zêlos
atônitas investidas
nos fatos.
Espírithos invictos no labor dos livros me desafiam
:golpes baixos no dizer:
agridem por mero deleite
a voz que poéticocircunda o entrelivros e delibera e torce as coisas de razão desrazão.
Comigo é assim despachado o despacho do dizer nos pacotes endereçados pra alguém no futuro que pouco ou nada me diz.
Na luta de facas, tu vinhas e eu me defendia com golpes marciais
as facas lampiavam na escuridão dos muquiviras e eu me defendia defendia. As lâminas finas, cromadas lampiavam na escuridão dos muquiviras e eu me defendia
defendia.
Em poeta e anjo e semioticista eu lançava mão de signos espérios ágeis no gatilho e mesmo assim tu te chegavas ostensivo, lampiando as facas afiadas no meu brilho.
Acrescente um punhado de feijão no prato, um punhado de arroz e um ovo frito fenomenal. Sacias a tua fome. Um poema como esse prato cheio, interfere em outras espheras. Interfere
educa o trauseunte peregrino. Um signo vive dum prato feito. Um signo, um homem, um centauro, um ente libertino. Dum prato feito a nossa fome. Dum prato feito, a nossa ira santa. Dum prato feito, o nosso amor. Dum prato feito, a imagem da musa crescida de sóis insuspeitos. Em poeta e centauro e ente reciclínio não me deixo abater pela cantilena negra do baixo espíritho. Uma proeza, a voz que poéticocircunda nossas ações de inventor
criador, filósofo pré promaduro, no caminho de todos os caminhos.
Luas e luas, sóis e sóis espelhos nos espelhos
linhas de pensar o impensado, tresandos de verbos novos fazendo pecado. Em poeta, me tentam imagens lindas. Me tentam, conceitos complexos, construções do alto espíritho. Mitigo
a dor maior, mitigo a ilusão esplêndida que dói
frente ao objetário vida
…
Agora são os punhais que trançam vidamorte
os punhais do baixo e alto espíritho. Um vaticínio falho: o futuro resolve o irresolvido. Um vaticínio grita: o bom pensamento regurgita como passarinho
regurgita
eiva de vícios a língua
linguagens
crispações de céus e luas
e sóis e virgu’s no virutago
martimanho’s
da enteléquia da proselítilica
e virgu’s nas telas
do phuturo, virgu’s
e fabulações.
Na terceira esphera
do entendimento-rio
galopei meu cavalo Tigre
noites insones
luas resídias
& os personagens
que imagino choram
os espinhos esfíquios
que afloram
verdores arbóreos
entre os dedos dos pés
irisadas hastes, irisadas
flores pelos cabelos
argila fresca nas unhas
e pós crispando a tez
de pedra
visofânica verthigem
:as personagens em transe:
geradas árvores
frutificantes nos
antecampos poéticos
do outro lado
do imenso cordão dos signos
onde havia só pântano &
caos
:espectros do irresoluto:
O signo por si só, não me basta. O signo, a morte seca na palavra, não me basta.
A vida me sobra, alcança
o foco, a face
do SOL que faz arder a criação.
(De livro-poema inédito).
PERIQUITO SEM ASAS – de julio saraiva / são paulo
na contramão dos meus olhos
caminha uma mulher estupidamente bela
que jurou matar-me um dia
e disso não duvido – nunca duvidei
por isso evito sonhar quando ela está por perto
em sonho também se mata
em sonho também se morre
dependendo do azul do sonho
prefiro o horror do pesadelo
Canto Lampião a um Jaruga – de tonicato miranda / curitiba
para o poeta Rodolfo Jaruga
Desde as Baixas do Jacaré,
na caatinga mais desaquartelada
tomando emprestado a Virgolino Ferreira
e também a David Jurubeba
vou na narrativa emendando tudo
causos e estórias,
palavras desenredadas
alguma delas toma, beba e béba
ao estilo Rodolfiano Jaruguense,
porque esta não vai de memória
é uma história roubada da história
é contação de causo no suspense.
E me perdoe Anildomá de Souza,
também outros autores renomados
sobre a história do ex-almocreve
tornado cabra macho sem criados
um que terminou sua criação
nos muitos pós do chão do sertão
logo após
o assassinato vil
do pai.
Ai!
Quanto sangue!
Cortaram o pobre homem
na faca afiada com buril
e a sua morte redundou
um nada de tempo depois
na morte desgostosa da mãe.
E assim Virgolino
foi levado a juramentos
promessas de vinganças
até formar a grei lampiônica
trocando o cabo da enxada
pelo cabo da parabelum.
E logo passou a matraquear balas
como um sendero mortífero,
vagalume de não parar os dedos,
apenas apagado na traição de um
su-bor-di-nado,
cabra danado, endemoniado,
encantado com os mexericos nos Angicos
onde macacos vieram às dúzias
e tum-tum- tum
vieram terminar tudo, apaziguar
o que jamais será apaziguado.
E deixaram duvidas
Mas quais são elas?
… é preciso contar toda a história
Cegado por um garrancho de jurema
Lampião acendeu todo o centro do Nordeste.
Desafiou o Governador de Pernambuco,
ele que governasse
de uma banda do Estado para lá,
até as terras chegar no mar.
Ele governaria do sertão para cá.
Afinal era ou não capitão?
Padinho Cícero lhe nomeou,
ganhou insígnia, vestiu farda
mas a honraria sempre foi tarda
não lhe deram respeito como capitão.
Comandante Virgolino.
Senhor das hostes do cangaço
homem de balas entrelaçadas no peito
e facas de 40 cm nos quartos.
Teve tempo em que fugiu sim
lá para o oco do mundo
perdido nos cafundó do Ceará
nas caatingas mais desenfreadas
lá onde xique-xique, mandacaru
e muito cipó bravo era o tudo
onde havia abundância e criança
mas a água era pouca.
Também poucas eram as riquezas
para tê-las não bastavam estrelas
no chapéu de través em meia lua
sempre na cabeça pendurado,
tinha de assaltar
tomar dos coronéis fazendeiros
distribuir com os pobres
e com os comparsas
após luta encarniçada.
Depois era a danada da cachaça
xaxado varando a madrugada
e a poeira tapando.
Depois eram os muitos goles
e a maldita de não parar a bica
nem o amor das moças
vestidas de chita.
Teve tempo de fartura
onde o xaxado correu solto
noite adentro,
pela garganta da madrugada,
pelos quintos da escuridão
até ser vencido pelo cansaço
ou por uma sandália partida
ou um amor arregaçado
numa rede embalançada.
E que cheiro bom, seu moço
chita de menina moça,
encantada e encantadiça
como Maria Bonita.
Mas teve tempo ruim tamém
onde chegou nos rincões da Bahia.
Vinha com três coisas na algibeira:
fome, nudez e dinheiro!
A ele juntou-se a tristeza
e um vaqueiro todo encourado.
Mas eu paro por aqui
no convite ao poeta Jaruga
para comigo tomar um vinho do sertão
produzido no São Francisco,
ali no Paralelo 8,
pertinho de onde o cangaço
nasceu e morreu.
E vamos sem balas, cavalos ou esporas
palrear meio de lado, lua adentro
ou somente beber calados
como dois velhos cangaceiros
sem mais lembranças que o olhar distante
para o interior do Brasil
de Euclides, de Virgolino
e da Coluna Prestes.
Você vem, não vem?
Tenho um trem de palavras
para descarrilar
trilhas de cavalos a galopar
copos para encher
e esvaziar
esvaziar…
.
Curitiba, 25/Jun/2011.
Tonicato Miranda
TOQUE DO TEMPO – de lucrecia welter / toledo.pr
Deus, ó Deus,
Em qual berço balbuciei minhas manhãs?
Em qual prece reconheci Tua voz?
Em qual brinquedo guardei minha infância?
Em qual vestido deixei a adolescência?
Em qual beijo emocionei o amor?
Em qual paixão cedi ao desejo?
Em qual adeus conheci a saudade?
Em qual lençol fantasiei afãs e afagos?
Em qual sonho acalentei meus ideais?
Em qual poema consagrei meus versos?
Em qual magia dei à luz a graça de ser?
Em qual dor senti os meus filhos não só meus?
Em qual fé, ó Deus, vi a sabedoria de meus pais?
Em qual sorriso se desfez minha juventude?
Em qual alento aninhei meu colo aos netos?
Em qual retrato me congelaram o ser bela?
Em qual passo se calou a minha dança?
Em qual olhar perdi a ânsia da vida?
Em qual poente repousará minha lide?
Em qual estrela permanecerá minha luz?
Em qual, ó Deus?
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