Arquivos de Categoria: poemas

TERRA PROMETIDA – walmor marcellino / curitiba

TERRA PROMETIDA

 

Walmor Marcellino

 

Sempre fui palestino.
Era palestino
antes de saber meu destino,
e que existiram
Nabucodonosor, Ciro
seu pai Cambises
ou seu neto Artaxerxes,
o que eles sentiram,
ou o que dizes do rito
agora dos reis a quem serves.

Sempre fui palestino,
e tempos depois abissínio,
pele negra, sangue tinto
derramado em 1935.
Fui judeu estrelado em 40
e a cada sequente ano;
depois, moreno cigano,
ditos indigitados estranhos
a qualquer núcleo humano.

Tornei-me vietnamita
numa povoação calcinada;
desde a porta de entrada
procurei defender nossa vida
com fraternidade ativa:
bombas e napalm rasantes
à morte, traçantes,
tentamos
a resistência massiva
ante o terror imperialista.

Hoje é o mesmo inimigo,
pouco distinguimos ao vê-lo,
impondo ao povo castigo
quer arrasar a Palestina.
É um amargo pesadelo.

Novas tábuas do Sinai, a sina
vem na luz starfight do céu, na
estrela de seis pontas no tanque,
vai retornando essa malsina
com todo o poderio ianque.

(Maio 2002)

 

A MOLDURA DOS TEMPOS – de manoel de andrade / curitiba.pr

A MOLDURA DOS TEMPOS

 

                                                                                        Manoel de Andrade

 

 

 

 

 

Cada dia é um devir inquietante,

um enredo que anuncia a tempestade

e a bonança…?

ah! a bonança  é um barco num medonho temporal!

 

Uma egrégora maligna comanda o turbilhão,

é a frequência subliminar que domina o mundo,

a combustão da história,

o trágico espasmo da vida,

o tumulto e a fúria linchando as derradeiras utopias.

 

Na moldura dos tempos cada alma revela o seu retrato,

entre a incredulidade dos “sábios”  e a fé de uma criança,

transita a expectativa dos homens…

São dias sem bandeiras,

quando a verdade se envergonha da “justiça”,

as togas e os mandatos acumpliciados na ambição,

os crimes  lavados na corte dos “eleitos”

e os vilões absolvidos nesse palco de trapaças.

Até quando assistiremos a esse fatídico cenário?

Quem apagará as luzes dessa medonha ribalta?

Até quando, Senhor, suportaremos tanta ignomínia?

 

Nessa república de escândalos,

a corrupção gargalha da história.

Nos palanques da ilusão,

máfias partidárias e alianças promíscuas

maquiam seus patéticos contendores.

É um ritual insuportável,

onde o poder trama as suas dinastias,

as ideologias são negociadas

e nas tribunas se mascara a hipocrisia.

Eis o reduto oficial dos futuros saqueadores,

festejando sua agenda eleitoral em sórdidos banquetes,

ante a súplica inconsolável no olhar dos miseráveis.

 

Não quero o esquecimento,

não aceito o silêncio,

sou a acusação e a profecia

vivo num tempo de iniqüidades e presságios,

numa pátria humilhada pela impunidade,

comandada por homens sujos e soturnos

e eis porque hoje meu canto surge assim crispado,

testemunhando o impasse e esperando novos dias.

Sei  que não se engana a posteridade,

que nessa nau dos insensatos toda perfídia será nominada,

todas as máscaras cairão.

 

Sei também que um lento alvorecer anunciará o amanhã,

e que a fé e a decência viverão muito além desse holocausto.

Mas até quando, Senhor, combateremos esse combate?

Há uma “música” sinistra e constante,

martelando, sem limites, em toda parte,

e eu e tantos outros não toleramos essa assuada.

Canto para os homens honrados e para os cultores da beleza

e eis porque vos peço perdão pelo desencanto,

por  vos dar meu verso sombrio e indignado,

e esse febril retrato da esperança.

 

 

Curitiba, 04 de julho de 2014

O BARCO DA MEMÓRIA – de manoel de andrade – curitiba.pr

O BARCO DA MEMÓRIA

 

                                                                             Manoel de Andrade

 

A infância sempre volta na hora humana do crepúsculo…

Vem de um tempo silenciado,

é um eco que cresce,

um fantasma que ronda e volta comovido,

surge  remando no barco da memória,

abre na alma um sulco imaginário, tão formoso

e aporta para povoar a aldeia melancólica da saudade.

 

Traz consigo os seus inconfessáveis segredos,

as tardes azuis e açucaradas,

a dizer-nos que só se é criança uma vez na vida

e que tudo que lá ficou é  um mágico clarão,

um enigma que arde imperecível,

um nunca mais.

 

Em cada dia houve um tempo…,

um tempo em que o mar banhou minha inocência.

Herdei essa extensão entre o horizonte e o branco cinturão de areia,

herdei do mar essa salgada lembrança,

o mar, sempre o mar, meu mágico recanto,

aquele mar que tanto amei

e onde o coração navegou o meu encanto.

A praia, o território itinerante nos meus passos,

os botos, em cada dia, nadando para o sul,

o voo preguiçoso das gaivotas,

as velas ligeiras ante a paz invencível da paisagem.

o azul e a luz espelhados sobre as águas da manhã,

as canoas trazendo suas translúcidas escamas,

o mantra suave das ondas,

esse rumor ainda presente no caracol dos meus ouvidos.

 

Eu tinha quatro, cinco, seis e sete anos,

a alma banhada, as retinas submersas

e em cada gesto uma sílaba antecipada do meu canto.

Tinha as mãos cheias de caramujos, de conchas,

e a vigiar  meus olhos,  o espanto.

Tinha meus castelos,

a espuma espessa e flutuante

e três castas amantes para brincar.

Tinha os fulgores da aurora, os mistérios constelados,

uma pequenina lagoa

e um canal estreito por onde as tainhas entravam no inverno.

Eu tinha de minha mãe o seu regaço: mel e ternura repartidos.

 

Lembro meu avô cortando lenha, meu retrato mais antigo.

Eu o chamava Pai Trajano.

Um dia ele levou minha pobreza seminua pela mão,

e lá, além da ponte, na loja do Seu Abrão,

vestiu-me uma camisa colorida.

……………………………………………………………………………………………………

Não, Drummond, não se dissipa nunca a merencória infância.

 

Curitiba, 26 de janeiro de 2014

América, América… – de manoel de andrade / curitiba.pr

 

América, América…

Manoel de Andrade

 

 

 

Trago ainda na alma o mapa dos caminhos…

Meus versos riscam teu dorso para cantar um tempo único e perfumado.

América, América,

ali, entre os ramos e o penhasco, o abismo florescido,

acolá, o milho semeado e a colheita rumorosa.

Entre serras e quebradas vai o colla dedilhando sua flauta,

é seu hino à pachamama modulando o silêncio do altiplano.

 

Canto meu enredo de viandante,

passo a passo rumo ao norte e à alvorada.

Quantos atalhos, meu Deus, quantas fronteiras!

A travessia ao entardecer no Titicaca,

o Illimani batido pelo sol,

e aquela noite sob as estrelas em Macchu Picchu!

Ah! este aguaceiro vem agora molhar minha saudade,

e tudo me chega como um recanto do passado…

e se hoje digo amigos e digo hermanos,

ouço nossos passos ecoar pelas vielas seculares de Quito e de La Paz.

 

Ai, América, ainda não disse de ti quanto quisera,

abre teu cântaro, ó Poesia, e dá-me o frescor do rocio,

dá-me a magia e o lirismo…,

que canção para mim soará mais bela que tuas sílabas de encanto?

América, América,

Lembro-me do fulgor do teu rosto renascido da utopia,

tuas bandeiras de sonhos

feitas de plumas e veias transparentes.

Os campos todos semeados

e o porvir tatuado em cada gesto.

Tudo era aroma na gleba cultivada,

nos brotos germinava a esperança

e nossas pálpebras se abriam para o amanhã.

 

Canto a América que vivi,

entre alegrias e lágrimas, canto o continente ao sul de Anahuác.

Falo de uma América primeira,

asteca, quiché, chibcha, quéchua, mapuche e guarani,

essa América materna,

botânica e mineral,

sangrada por Cortez, Pizarro e por Valdivia.

Falo de uma só pátria,

a grande pátria de Bolívar,

pilhada e violentada,

submetida pelas garras perversas do Império.

Vi tuas trincheiras abertas

e depois as densas trevas caírem sobre o sul.

Sobreveio o chumbo cruel,

os labirintos da dor e as atrocidades.

Na penumbra gemiam os cravos, gemiam as rosas,

e agonizava a vida ainda em botão.

 

Canto para denunciar a verdade sufocada,

e eis que mancho este verso para nomear Garrastazu, Bordaberry, Videla, Pinochet

e seus rastros genocidas num tempo silenciado.

Canto para dizer das valas clandestinas,

das ossadas do Atacama

e dos “voos da morte” para o mar,

Meu réquiem para trinta mil argentinos,

meu canto para as “crianças da ditadura”,

para os sobreviventes e suas cicatrizes,

para a viuvez e a orfandade

para las Madres de Plaza de Mayo e suas lágrimas perenes.

 

América, América,

quarenta anos se passaram

e tuas feridas ainda emergem da tragédia!

E aqui declino a “operação” perversa dos “condores”

e os seus generais malditos.

Canto por ti, América,

por tuas aldeias de bravos e por teus calvários,

por teu nevado esplendor tantas vezes torturado,

América de tantos massacres e patíbulos,

ouço-te ainda na voz melancólica dos charangos, quenas e zamponhas,

chorando por la matanza de San Juan, em Potosi.

Uma América de martírios,

estrangulada em Cajamarca,

esquartejada em Cusco,

sacrificada em La Higuera.

executada em Trelew e El Frontón,

e nos rituais da morte em Villa Grimaldi e no Dói-Codi.

 

Por tanta dor nessas memórias

eu  vos peço perdão pelo meu canto.

Ele é também assim: um áspero clarim no entardecer.

Distante, tão distante,

no tempo e nos andares,

e hoje, em busca de mim mesmo,

ainda abrigo o mesmo combativo coração.

Não sei o que te espera, América,

os anos correram inquietantes e velozes

restando um mundo com seu som intolerável.

 

Busco meu íntimo silêncio,

e, por um momento, digo basta…,

meu pensamento em prece, e num lampejo, viaja ao sul do Chile.

Lá, muito além do Bio-Bio, há um golfo deslumbrante.

Vou em busca de Arauco,

lá lutaram meus heróis, Caupolicán e Galvarino.

Foi lá onde viveu Lautaro e onde vive Frederico.

Vou para rever o cone nevado do Antuco

rever o vale e a Cordilheira,

o seu dossel verdejante, onde se gesta a vida.

Vou para relembrar uma baía de barcos,

para construir uma paisagem na alma,

uma tenda de luz para um amigo.

 

 

                                    Curitiba, 22 de dezembro de 2.013

A MANIFESTAÇÃO DA CRIANÇA SAGRADA – de zuleika dos reis / são paulo

                              A MANIFESTAÇÃO DA CRIANÇA SAGRADA

                                                                                                             Zuleika dos Reis

O Natal nos liga à origem do Tempo Sagrado, onde está o Ser a Quem pertencemos, o Ser de Quem somos parte, independente do fato de termos clara em nós tal Ciência.

A manifestação da Criança Sagrada nos vem todo ano como Recordação e Presença; vem para nos lembrar  de que a Vida não tem fronteiras, nem de espaço, nem de tempo.

A manifestação da Criança Sagrada nos vem todo ano para nos mostrar que a Vida apenas É, a iluminar-nos desde Sempre, desde o Âmago, desde o Centro.

A manifestação da Criança Sagrada nos vem todo ano para nos incinerar das nossas misérias, por segundos que seja; para nos Iluminar, por segundos que seja; é preciso Coragem Desmedida para nos deixarmos incinerar, por segundos que seja, para nos deixarmos Iluminar, por segundos que seja; é preciso Desmedida Coragem, para que ousemos duvidar do brilho mais do que nunca ofuscante do imediato real, do brilho que, se descuidarmos, nos fará passar totalmente em branco este Tempo de Recordação e de Presença da Criança Sagrada, que vem para nos Lembrar. Que vem para nos lembrar, para nos lembrar de Nós.

 

GERONTION’s – de T. S. ELLIOT

GERONTION’s

Thou hast nor youth nor age, But, as it were,
an after dinner’s sleep, Dreaming on both.
(William Shakespeare, Measure for Measure,
“Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.”)


Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.

Tomaram-se os signos por prodígios: “Queremos um signo!”
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judéia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.

Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.

O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?

Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.

RONDAS DE UM FANTASMA – de zuleika dos reis / são paulo.sp

 

 

                                RONDAS DE UM FANTASMA

                                                                                               Zuleika dos Reis

 

 

Um fantasma de si mesmo

triste fantasma encarnado

em fria tarde, a esmo,

lembrava do próprio rosto

 

que perdera há tanto tempo

e se olhava, descarnado,

nas águas do fundo lago

no centro do bosque em torno.

 

Em verdade, não havia

nem bosque nem lago fundo.

Havia só pensamento

e o coração perplexo

 

de um fantasma encarnado

que perdeu o próprio rosto

no espelho de outro rosto

e agora jaz, descarnado

 

 

 

de si mesmo, há tanto tempo,

no centro do bosque em torno

imagem no fundo lago

que se esvai, só pensamento

 

de um fantasma que não olha

que não vê, que não deseja

bosque, lago, rosto, espelho,

que de mais nada se lembra

 

que do Amor não mais se lembra

triste fantasma perdido

dos rostos que tenha tido

na sina de Amor, medonha

 

mais medonha que se tenha,

pobre fantasma sem rosto

no centro da noite erma

de Lua, estrelas, conforto

 

pobre fantasma sem rosto

sem inveja de algum outro

que alguma vez tenha tido

pobre fantasma tão morto.

 

 

Fantasma, como te entendo

essas rondas, esse círculo.

Também se move, assim lenta,

esta morte em que me vivo

 

esta morte que me move

a mim, diversa de ti,

assim Memória que sofre

só Memória que não morre.

 

Tudo é Presença e morte

na vida que já não vivo

no presente que não vive.

Fantasma, como te entendo!

 

Entendo porque te sou

fantasma, mas, não te sendo:

Memória e Presença vou

vou também esquecimento

 

mas, nunca Esquecimento

que o rosto do meu Amor

luz e sombra, lume, Dor,

na vida erma, O Lamento.

A DOM QUIXOTE – de zuleika dos reis / são paulo.sp

 

                                                     A DOM QUIXOTE

                                                                                         Zuleika dos Reis

 

 

Por que Dom Quixote

por que tanta luta

por que tanta guerra surda

com a tua pobre, triste Dulcineia?

 

Dulcineia, tua estrela

esta que volta e meia

se vê transformada em poeira

 

não poeira de estrelas

crua poeira de estrada

 

dessas que viram lama

quando cai chuva farta.

 

Por que, Dom Quixote

por que?

Por que não vês, simplesmente,

minha triste face humana?

 

 

Tua cegueira

para a minha tão triste face humana

vem abreviando

há séculos sem pausa

meus dias sobre esta Terra.

 

Eu te vejo como és, Dom Quixote

e assim te tenho amado

com tua luz e tua sombra

com todos os teus moinhos

ah, alguns tão verdadeiros!

 

Com muita luta, é claro,

também o meu amor

que não é fácil

amar uma estrela

feita de paradoxos, como tu,

paradoxos compondo

a tua face humana

 

Paradoxos que, por amor,

passaram a compor, também,

a minha triste face humana, senhor.

 

Senhor meu

nunca acabará em ti

tal trajetória

 

de Dor e Dúvida

que nos contaminam de morte os dias

os anos, as vidas?

 

Nunca nos revelaremos

face a face

olhos nos olhos

a nossa verdade tremenda

 

essa verdade

que nos tem abalado, sempre, os edifícios de existir

que nos tem  fundado, sempre, os alicerces de morrer?

 

Seja como for, permite dizer-te

senhor meu:

Na hora de fechar meus olhos e meu corpo

em definitivo

para as sombras e as luzes desta Terra

será teu nome

 

homem do meu amor

Dom Quixote meu

minha estrela funda

a mais alta

estrela

 

 

nos meus lábios

o derradeiro nome

teu nome de carne

o nome de teu homem

o derradeiro nome

que habitará minha boca.

 

Depois, eu voarei.

Voarei, Dom Quixote.

Eu voarei

mas, não agora,

não ainda agora

Amigo meu.

Mim – de darci ribeiro / rio de janeiro.rj – póstumo.

Mim
.
O tempo transcorre em mim
Celeremente. Tão afoito que finda.
Acho que sei, afinal, a que vim.
E já me vou. Uma pena.
Não há tempo mais pra mim.
Volto à silente matéria cósmica
Que em mim, um dia, se organizou
Para me ser. Uma vez, uma vez somente.
.
– Darcy Ribeiro, em “Eros e tanatos”, Record, 1998.

EL PAYADOR PERSEGUIDO – de ataualpa yupanquí

 

EL PAYADOR

                                                                                                                                EL PAYADOR

HUMILDADE E ALTIVEZ DE DESERTOS – por zuleika dos reis / são paulo.sp

 

                             HUMILDADE E ALTIVEZ DE DESERTOS

                                                                                                 Zuleika dos Reis

 

 

 

Deixai-me, ainda, dizer nesta manhã,

desde o ventre da incomensurável cidade a devorar os filhos

na secura de edifício sem nome

sem biografia

sem história

desde o mais fundo dos ermos

desde a raiz das árvores  secas de inverno

árvores secas em secas alamedas de inverno

desde o fundo da alma em inverno

alma sem sonhos  nem esperanças quaisquer  de outros ciclos

 

 

deixai-me dizer

mais do que dizer, deixai-me  sentir, ainda,

algo, ainda, da humildade e da altivez dos desertos .

 

 

Não de um deserto real

de deserto inventado por sonho

que no universo de mundos pós-tudo

 

 

de almas pós-tudo

de tempos pós-tudo

não mais sequer desertos,  senão em sonhos inventados,

mas o meu, já que nem mais sonhos inventados  consigo,

será deserto meramente pensado

 

 

pensado

areal sem fim e sem começos

sem termos de acordo

sem oásis

ou melhor

 – para quebrar a onipotência das areias infindáveis –

com alguns pequenos e outros grandes oásis de pedras

oásis de pedras reluzentes

de altíssima chama

de duríssimos arco-íris

como nenhuns  outros

pedras como nenhumas outras

onde os pés descansem, fundo,

de todos os repousos

onde o sangue a jorrar

complete o cenário.

 

 

 

 

Altivos e humildes e sangrentos pés

deserto altivo, orgulhoso do seu areal sem fim

e de seus oásis de arco-íris pontiagudos

e de pedras redondamente  a espraiar outros tesouros de ninguém

deserto  a ofertar-se

a este pensamento quase delírio no início da tarde 

deserto-oráculo

amplo e sem muros como um deus  criado

amplo e sem muros.

Um deus criado no tempo deste poema, também ampla voz de nadas.

 

 

Um deus criado neste instante.

 

 

Deserto sem tendas

beduínos

camelos

sem o que quer que seja que configure em algum lugar para alguém deserto plausível

deserto anterior a si mesmo

como se não fora

deserto projetado para alívio

só no exato tempo e espaço desta escrita

que é mesmo uma coisa nenhuma.

 

 

Deserto altivo

deserto humilde

vento a espalhar areias e pedras pelo mundo e por não mundos

 

 

ofuscante céu de quase meio-dia a cegar as palavras

céu de obscuro verão vindo de teu hemisfério, deserto  pensado,

para cegar também cada um dos silêncios.

 

 

Deserto altivo e humilde

janelas de prédios que olham este instante no inverno

sem ver nada e ninguém

 

 

árvores de hirtos galhos

cruzes cegas na ainda manhã

cegas penitentes imóveis

cegas imóveis penitentes erguidas diante do seu deus. 

Diante do seu deus.

 

 

 

 

Poema escrito em 17 de julho de 2013.

A MORTE – de santo agostinho

A MORTE      –    de   santo agostinho

 

 

 

A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.

Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?

Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho…

Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.

(Santo Agostinho)

POEMA SONHADO – ALHO-PORÓ – por jorge lescano / saõ paulo.sp

ALHO-PORÓ

(poema sonhado)

 

Para Maria Aparecida

In memoriam Marguerite Duras

As folhas

finas

as nervuras

a cor

das folhas.

Verde.

Folhas e folhas

de alho-poró.

O talo:

fino

esbranquiçado.

O bulbo:

arredondado

fiapos ásperos

levemente amarelados:

A verdura.

O vento

nas folhas.

O cheiro

trazido pelo vento

nas folhas finas

da verdura.

O cheiro da verdura.

Na cozinha

O alho-poró

nas mãos

da mulher

que amorosamente

condimenta

a sopa da família.

Eis o poema sonhado nesta manhã nórdica de São Paulo. Quis transcrevê-lo como o recuperei na vigília antes que o dia me tomasse a mente. Com certeza mais tarde escreverei sobre as vertentes que reconheço como origem do sonho porque me apraz investigar essa coisa que alguns chamam de inspiração. Agora, no entanto, preferi referi-lo como eu o traduzia para duas ouvintes.

O engraçado do caso é que eu o traduzia do castelhano para duas mulheres bolivianas que poderiam ler o original. Curioso também que elas tivessem essa nacionalidade, pois não tenho contato com ninguém da Bolívia.

Na leitura onírica havia elementos visuais que embora não correspondam à realidade, a enriqueciam. As folhas sonhadas eram mais largas que as do alho-poró e tinham uma variação de cor que ia do verde escuro ao amarelo, esta variação cromática era observada pelos três personagens e devidamente apreciada. Isto tornava a planta, e o poema, mais sutis. Para ilustrar esta qualidade do sonho deveria aproveitar a imagem da folha de outra planta, com outro formato e outra textura.

Há, na gênese deste sonho, circunstâncias familiares e pessoais que o formaram. Estou trabalhando num relato que trata da tradução e por uma situação dolorosa penso constantemente em minha mulher, da qual estou separado há vinte anos, especialmente na hora em que preparo o modesto jantar na minha mansarda.

Três pessoas se apresentaram à memória para a dedicatória. A primeira é a que está estampada, as outras duas por motivos diversos. Uma é poeta e creio que apreciará esta minha incursão no seu quintal. A outra fez o seu doutorado em letras francesas com tese sobre Marguerite Duras, razão pela qual com ela compartilhei a leitura das obras de nossa amada escritora durante um longo período e que certa vez, para “ilustrar” um evento realizado com textos dela, me telefonou pedindo que localizasse uma receita de sopa de alho- poró em um dos seus livros.

Para que o leitor desta nota não fique em suspense digo que esse texto tem o título de A sopa de alhos-porros e se encontra no livro Outside (São Paulo, Difel, 1983).

MENSAGEM – de manoel de andrade / curitiba.pr

Mensagem

 

                                    Manoel de Andrade

                                           

 

Vós que aguardais a vida no ventre dos  séculos,

vós que sois a gestação da grande raça ainda por vir,

gerações futuras,

hoje é para vós que eu canto

porque hoje nós vivemos num tempo de mártires

granadas desabrochando  velozes

mil panteras famintas rondando nosso ventre

punhais atiçados em todos os punhos.

 

Homens do  futuro

é para vós minha esperança

minha certeza ardente

as rosas rubras dos meus lábios.

Vós que sois as  uvas

e o pão da justiça em nossos sonhos calcinados.

Vós que vireis para justificar o nosso  sangue

e a nossa dor.

 

Vai meu verso, vai…

porque hoje é triste demais cantar nas trevas

cantar com os gritos do meu povo

com o murmúrio dos oprimidos…

e com minha fala feita em prantos,

feita de pássaros torturados,

cantar com os corpos dos que tombam,

e sentir que morro tantas vezes

e saber que tantos já morreram

para que vós  piseis um dia  o chão da liberdade.

 

Vai veleiro, vai…

meus versos transformados num solitário barco

a vos buscar além de muitas luas.

Vou-me daqui

para não ver minha canção murchando.

Vou-me daqui

porque o  poeta tem que mendigar por uma rosa infinita

por um subúrbio qualquer da eternidade.

 

Gerações futuras

Hoje é para vós que eu canto

para um tempo de irmãos e camaradas.

Vou-me  daqui

para morar convosco na imortalidade da vida.

 

Vai veleiro, vai…

e não  encalhes a poesia nas águas rasas destes anos

porque aqui os poetas já não são ouvidos.

Navega em busca dos que virão  ainda,

leva meu sonho pelo imenso mar do tempo,

leva-me para bem longe das minhas lágrimas.

 

 

 

                              Curitiba, novembro de 1968

 

AMIGO – de gilda e. kluppel / curitiba.pr

Amigo

 

A vida nos apresenta vários amigos

ou que chamamos de amigos

ou pensamos serem amigos

os meio amigos ou amigos da onça

alguns dedicados, outros fingidos

tantos incompreendidos, mal resolvidos

os amigos do coração e os amigos do alheio

os amigos da alma e os amigos da matéria

os amigos de si mesmos, fechados em seus egos inchados

os que dizem serem nossos amigos por mais de mil vezes

e junto deles não precisamos sequer de um inimigo.

Entre tantos, existe um sentimento sagrado

de irmão, próximo e semelhante

daquele que respeita as diferenças

sabe compreender e rir das nossas bobagens

sem nos acusar de ridículo, sem cobrar atos perfeitos

não necessitamos pedir licença para a nossa existência

diante das falhas e fraquezas recebemos a delicadeza

de quem nos acompanha em coisas importantes

ou sem nenhuma relevância ou até em extravagâncias.

O amigo não está nas relações efêmeras

vencedor e vencido, ilusor e iludido

porque não é para o consumo,

mero material descartável

para se depositar cargas pesadas

e abandonar o fardo em seus ombros.

Amigo não é plataforma para se lançar

é porto para se ancorar

não é consumido pelo tempo

para mais adiante ser esquecido

amigo não tem muita explicação

mas, pode ajudar a explicar muitas coisas.

Cabe num poema, vale uma oração

não precisa ser encantado

apenas proporcionar muitos sorrisos.

Quando saímos da presença de alguém

sentindo a alma mais leve

este é o nosso amigo, simplesmente o abrigo

esteja sempre comigo.

 

Chão de Estrelas – silvio caldas / rio de janeiro.rj

Chão de Estrelas

Silvio Caldas

Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam estranho festival!
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão

.

http://www.youtube.com/watch?v=wvSsOpA7jm4

 

Choro Bandido – de chico buarque / salvador.ba

Choro Bandido

Chico Buarque

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão

E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons

 

Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida – de paulinho da viola /rio de janeiro.rj

Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida

 

Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração
Tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar…

Porém! Ai porém!
Há um caso diferente
Que marcou num breve tempo
Meu coração para sempre
Era dia de Carnaval
Carregava uma tristeza
Não pensava em novo amor
Quando alguém
Que não me lembro anunciou
Portela, Portela
O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou…

Ah! Minha Portela!
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Não posso definir
Aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar!

.

As Rosas Não Falam – de cartola / rio de janeiro.rj

As Rosas Não Falam  – CARTOLA

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Pra mim

Queixo-me às rosas
Mas que bobagem as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhavas meus sonhos
Por fim…

.

PRECE DE GRATIDÃO – de manoel de andrade / curitiba.pr

“Prece de Gratidão”

 

Eu te agradeço, Senhor,
ser filho do Teu amor
e herdeiro do Universo.
Ser cantor dessa beleza,
ter um lugar nessa mesa,
pelo sabor do meu verso.

Senhor, muito obrigado,
pelos  pais bons e honrados
e pelas lições da pobreza.
Pelo café com farinha,
por tudo que eu não tinha
e que fez minha riqueza.

Pelo meu corpo perfeito,
pela poesia em meu peito
e os anos da minha idade.
Por todo dever cumprido,
pelo amparo recebido
e o céu da imortalidade.

Eu Te agradeço também
pela semente do bem
plantada no meu pomar.
Pela doçura desse fruto
não ter me tornado um bruto
e ter aprendido a amar.

Pela água da minha fonte,
pela linha do horizonte
e um sonho de marinheiro.
Pelo meu mar de criança
e o meu barco de esperança
percorrendo o mundo inteiro.

Pelo pão, pelo abrigo,
pelo abraço do amigo,
por Teu carinho invisível.
Agradeço-Te com veemência
esta paz na consciência
e a minha fé invencível.

Pela luz que me ilumina
desde a antiga Palestina
na alegria e na dor.
Por quem sou, pelo que sei,
por Moisés trazendo a Lei,
por Jesus trazendo o amor.

Senhor, eu Te agradeço
pela dor e o tropeço
quando ensinam uma lição.
Ninguém paga sem dever
e a Lei obriga a colher
o efeito da nossa ação.

Pela sapiência contida
no pergaminho da vida,
na magia e na razão.
Agradeço-Te a minha parte,
pela ciência, pela  arte
e pela Grécia de Platão.

Por Cabral no rumo certo,
pelo Brasil descoberto,
pela pátria e o cidadão.
Pelo herói da Inconfidência,
o Grito da Independência
e a bênção da Abolição.

Pelas lições da História,
pelo povo e a sua glória
na busca da liberdade.
E pela Humanidade inteira,
quando erguer sua bandeira
pela paz e a verdade.

Grato sou por ter um sonho,
sonhar com um mundo risonho
numa paz contagiante.
Ver este Brasil fecundo,
como o coração do mundo,
em um porvir deslumbrante.

Agradeço o bom combate,
e ter encarado esse embate,
com o coração despojado.
Com Tua luz nos meus passos,
a fraternidade em meus braços
e o meu sonho preservado.

Contigo Senhor, sou forte,
tenho um fanal, tenho um norte:
amor, sensibilidade.
Eu moro na melodia,
na música, na poesia
e no farol da verdade.

Muito obrigado Senhor
pelo trabalho e o suor,
pelo que dei e recebi.
Quando chegar meu momento,
se eu tiver merecimento,
me leva pra junto de Ti.

Manoel de Andrade

DOIS POEMAS DE ZULEIKA DOS REIS – são paulo.sp

A FLAUTA

                                                             

 

A flauta funda

fértil fauno

a fecundar ninfas

a fecundar fábulas

fontes a jorrar

nadas nuncas.

A flauta é funda.

Nadas nuncas

que a flauta funda

feudos

flâmulas

feridas  a jorrar

formas fatídicas.

A flauta é funda

a forjar forjas

ferozes fendas

fronteiras filigranas

a fulgir, a jorrar

na funda flauta

informes formas

nadas nuncas

nadas nuncas

na funda flauta

fundidas faces

falo febre fogo

sêmen dos segundos…

sêmen dos silêncios…

sêmen… deuses assassinados.

================

                       

                

                                                                                      

O anel que tu me deste

Era vidro e se quebrou.

O amor que tu me tinhas

Era pouco e se acabou.

De Ciranda infantil

****************************

TROVAS DE SER-NÃO SER

A estrela que eu te dei

era cadente e sumiu?

A estrela que tu me deste

por onde anda no céu?

Anéis para os nossos dedos

eram invisíveis e os víamos

com os olhos da nossa alma

que não mais, nunca se acalma.

Nunca se acalma esta alma

que te dei, que tu me deste.

Onde os céus que se partiram?

Onde os anéis para os dedos?

Sei que houve outras estrelas

nestes céus da tua alma.

Nem todas elas me amam.

Tento sempre compreendê-las.

Ninguém mais fiel tiveste

aos teus segredos mais fundos

que são também meus segredos

e com zelo os guardo, todos.

Poupa-me do teu ciúme

que cego como o assum-preto

transforma em lama, a estrela

e o canto dela em negrume.

Só negrume a estrela-lama

canta, tal canta o assum-preto.

Teus passos pisam essa estrela

que te iluminava, bela,

as noites, de insônias longas,

os dias de insones sonhos,

a vida, de ouro antigo,

– céus de eternas turbulências

céus das mais fundas tristuras

céus de loucas esperanças

céus dos mais longínquos voos

que as nossas asas voaram

céus dos quais nunca voltamos

mas voltamos, obrigados,

para sempre estrangeiros,

eu mais que tu, que tens Pátria

outra, escolhida por alma.

Eu não, tu eras a Pátria

que me cabia por sina.

Sina: Pátrias adversas

e de destino mutante,

que me afirmas e me negas

às vezes no mesmo verso

na alma do mesmo instante.

      

O DIA DA POESIA o site homenageia com TORQUATO NETO / ilha de santa catarina.sc

COGITO
Torquato neto

.

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

ESCRAVOS – de fabio pereira

Ó república escravizada
Donde escuto escravos
Em murmúrio açoitados
Ao pelourinho indouto.

Encilham-nos o intelecto
A cabresto e a chibata,
Lampejos incultos fustigam
Nas tezes calejadas.

Sob a tenda do Pão e Circo armada,
Ali as massas anestesiadas,
Tementes à desvairada
Ditadura Midiática.

Ó república escravizada,
Toda a vida anoitecida,
Sem uma lua ou ponto de luz,
Restrita à noite desculta!

Por um 13 de Maio novo,
A alforriar mentalidades,
Libertando e nutrindo-as
A banquetes de crítica e cultura.

POEMA – de mario quintana / porto alegre.rs

 

 

Um poema é como um gole d´água bebido no escuro

Como um pobre animal palpitando ferido.

Como pequenina moeda de prata perdida para sempre

Na floresta noturna.

Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa

Condição de poema.

Triste.

Solitário. Único.

Ferido de mortal beleza.

O LOBO – de zuleika dos reis / são apaulo.sp

    O LOBO

                                                             Zuleika dos Reis

 

 

O lobo perdeu

a vez

a voz

o uivo.

 

 

O lobo se lembra da mata

não se lembra  mais de si

ao ouvir o uivo do vento

que lhe penetra os ouvidos

pelas grades da jaula.

 

 

O lobo

perdeu o uivo a voz a vez

perdeu-se de si

 

 

De si resta-lhe a jaula

que ele não reconhece como sua

 

 

de si resta o uivo do vento

lá fora

mas ele não mais o ouve

o lobo triste

que  um dia

foi  lobo livre

foi lobo feliz.

 

O FIM DO MUNDO ou a explosão global de 21 / 12 / 2012

 

a explosão

 

“Para encontrar a alma é necessário perdê-la”. (Alexander Luria, neuropsicólogo russo)

Segundo muitos exotéricos que interpretam tragicamente o calendário maia, produto de uma avançada civilização pré-colombiana da América Central, o mundo terá – ou teria ! – explodido no dia 21 de dezembro de 2012. No mundo inteiro há quem leve a sério esses maus presságios e locupletam algumas cidades, consideradas à salvo da apocalipse, congestionando estradas e devorando os escassos mantimentos que seus modestos estabelecimentos comerciais dispõem.  Uma delas aqui no Brasil, em Goiás: Alto Paraíso. Trata-se de uma bela cidade situada a nordeste do Estado de Goiás, a 230 km de Brasília, na Chapada dos Veadeiros, numa região rude e violenta que serviu de inspiração aos melhores contos e romances regionais do escritor Bernardo Ellis, o melhor deles “O Tronco”, levado às telas por J.Batista de Andrade.  Prova disso foi o assassinado do Prefeito da cidade há dois anos. Não obstante, situada sobre uma plataforma de cristal de rocha, no ponto mais alto do Planalto Central, Alto Paraíso há muitos anos atrai místicos do mundo inteiro que ali semeiam templos, tribos ou oficinas individuais dando um colorido diferente à pacata sociedade local. Lá encontrei, também,  em minhas inúmeras viagens,  vários gaúchos que povoam  o Centro Oeste lavrando o cerrado e contribuindo para fazer do Brasil o celeiro do mundo. Bom para o agro-business, ruim para a natureza, que se molda à mão do homem.

Para a Ciência, avessa às superstições e especialmente à Astrologia, o que haverá na fatídica data é apenas um mero alinhamento sideral. Entre os dias 21 e 23 de dezembro, com  ápice entre 11:16 hs e 11:26 hs da manhã do dia 22/12. nosso planeta Terra, a Lua e o Sol estarão alinhados com Alcyone, a estrela maior da Via Láctea, fato que ocorre a cada 25 mil anos. Mas , para os místicos, este seria um momento especial porque as energias planetárias estariam  se reorganizando  levando-nos à possibilidade de vivenciar  um momento cósmico  especial, com uma suposta extraordinária ortunidade para que muitos se iluminem passando  a vibrar em outras dimensões. “É esperado que milhões de almas se beneficiem desta oportunidade espiritual única”afirmam.

As religiões monoteístas firmemente estabelecidas também refutam essas proclamações de uma Nova Era e a condenam , tanto quanto a Astrologia, como mera superstição.  Alguns Governos laicos, como o da China, vai mais longe e está perseguindo com severidade as seitas que divulgam os prognósticos do fim do mundo.

Ciência, Governos laicos e Igrejas se unem, portanto, na reafirmação do destino não como fatalidade, mas como possibilidade, ou seja,  como resultado de  complexos fatores biológicos , ambientais e psicológicos sobre os quais se interpõe o livre arbítrio. Não fora isto, como julgar as ações humanas? Os filósofos vão mais longe: A condição humana assinalaria o aparecimento da consciência mediada pelo desejo, cuja raiz etimológica – de-sidere – marcaria a afirmação da vontade livre frente aos desígnios siderais, ou seja, a idéia mesma  de destino.   Para o Iluminismo, enfim,  sob cujas luzes ainda nos “ iludimos “, o homem é um ser moral dotado de plena capacidade para legislar com  autonomia sobre suas ações. A pós-modernidade já sepultou esta crença na capitulação do sujeito. Mas não capitulou à astrologia… E um novo fisicismo científico, igualmente pós-moderno, descrito como “tumor metafísico”por Eduardo Gianetti em seu livro “A Ilusão da Alma”, Cia. Das Letras. e cantado em verso  por Fernando Chuí, relança o tema da pré-destinação, mas mais  como determinação bio-genética do que rastro estelar  :

A Invenção da Alma

                                                                                                                                              Fernando chuí

                                                                                                    

 

Certa vez, um amontoado de átomos

adquiriu inexplicavelmente o desejo

de ser mais do que matéria em movimento.

.

O criador, curioso ao perceber tal rebeldia

submergindo da luz e do caos,

decidiu, quase em um tom lúdico,

enviar àquela manifestação sete fadas

para lhe presentearem com dotes que o auxiliassem

na engenharia daquele novo e improvável universo.

.

Voz, a primeira fada,

voou por entre os orifícios da cabeça

e soprou-lhe o dom de inventar sentidos próprios

nos sons que era capaz de emitir.

.

Mãos, a segunda fada,

atravessou seus poros até atingir seus ossos,

seguindo os braços até as suas extremidades

e lá deixou a habilidade de transformar as formas à sua volta

apenas pelo contato com seus dedos.

.

Paixão, a terceira fada,

rasgou-lhe o peito para lhe enfiar sua adaga

que continha o poder de se entorpecer e se entregar à cegueira

diante de um outro ser.

.

Conhecimento, a quarta fada,

nadou por toda a sua carne

espalhando por todo o corpo

a capacidade de salvar a sua história

por meio de escritos, imagens e objetos.

.

Política, a quinta fada,

mergulhou em seu sangue

e lhe inoculou a aptidão de se organizar socialmente

em sistemas, classes e disciplinas.

.

Karma, a sexta fada

(que também respondia pelo nome de Neurose),

escorregou pelo couro cabeludo para lhe derramar

a capacidade de lutar contra a própria felicidade.

.

Dor, a sétima e última fada,

beijou seus olhos

e lhe ofertou a capacidade de chorar.

.

Feliz com seu feito, o criador agradeceu

e despediu-se das fadas.

Porém, temeroso de ser alcançado

pelos poderes concedidos àquela nova criatura,

o criador lançou àquele ser um feitiço:

Não teria jamais a certeza de coisa alguma.

.

Feito isto, pôs-se a dormir, invisível.

.

E aquele ser que acordava

e já não aceitava mais a sua pureza atômica,

passava seus dias a inventar, tal qual vício ou peste,

novas estruturas lingüísticas, estéticas, políticas e tecnológicas

para a dominação de seu povo e da natureza à sua volta.

Estas que, via de regra,

sempre geravam indefectíveis desastres

faziam-no passar todo o tempo buscando novas invenções

para consertar os próprios erros de outrora.

.

E mesmo se multiplicando em ritmo absurdamente acelerado,

o ser inventou a solidão.

Sentia-se agora tão só

que inventou em si um novo talento,

o dom de inventar deuses.

.

Da voz, compôs uma reza.

Das mãos, moldou o altar.

Da paixão, lançou-se ao culto.

Do conhecimento e da política, teceu a religião.

Da neurose, fez a culpa, a vergonha e o castigo.

.

O ser derramou assim

sobre a terra azul e seca,

de alegria e melancolia,

a primeira e doída lágrima,

junto à primeira prece.

.

.

Elas, que aí estão;

Elas, que não têm mais fim.

Entre crenças, princípios científicos e vã filosofia enfrentemos, pois, o 21 de dezembro. E, se o mundo sobreviver e nós com ele, preparemo-nos para a boa semana de celebrações que lhe seguirá.

Ceia de Natal – de gilda kluppel / curitiba.pr

 

 

A mesa está posta

toalha e guardanapos

em tons vermelhos

para saudar aquele…

senhor das barbas brancas

ao invés de reis magos

somente os convidados.

Para seguir outra estrela

distante de Belém

e que conduz aos excessos

ao invés do perfume de mirra

o cheiro da comida.

Ele, de roupa pesada

torturado pelo calor de dezembro

largo cinturão preto

afrouxado para a ceia

os presentes no grande saco

as tantas quinquilharias

para alegrar uma noite

e talvez mais algumas horas

de fervoroso consumo

ao invés de Feliz Natal

agora se diz apenas Boas Festas.

Maria e José do lado de fora

espiam pela janela

procurando por Jesus querem saber

a cruz ainda pregada na parede da sala

alguém lembra do aniversário?

 

 

O CHAMADO DAS PEDRAS de CORA CORALINA

CORALINA  NAS PEDRAS

O chamado das Pedras

A estrada está deserta.
Vou caminhando sozinha.

Ninguém me espera no caminho.
Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite
de lá muito se apagou.

Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.
Sozinha…

Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.
Vêm do passado.

Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
Ouço um vagido de criança.
É meu filho que acaba de nascer.

Sozinha…
Na estrada deserta,
Sempre a procurar
o perdido tempo que ficou pra trás.

Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:

Volta…Volta…Volta…
E os morros abriam para mim
Imensos braços vegetais.

E os sinos das igrejas
Que ouvia na distância
Diziam: Vem… Vem… Vem…

E as rolinhas fogo-pagou
Das velhas cumeeiras:
Porque não voltou…
Porque não voltou…
E a água do rio que corria
Chamava…chamava…

Vestida de cabelos brancos
Voltei sozinha à velha casa deserta.

Cora Coralina, “Meu Livro de Cordel”, 8°ed., 1998.

A UM POETA – de olavo bilac / rio de janeiro.rj

 

A um Poeta

 

.

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma de disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

– Olavo Bilac, in “Poesias”

 

ABDIAS DO NASCIMENTO recebe homenagem poética de PAULO TIMM: “MISTÉRIO NEGRO” – torres.rs

no dia da CONSCIÊNCIA NEGRA,  o professror PAULO TIMM  homenageou o líder do MOVIMENTO NEGRO e SENADOR ABDIAS DO NASCIMENTO com este poema publicado em diversas mídias:

Mistério  negro

 

                                                           À Abdias do Nascimento

 

Meu país negro,

Tão cheio de cores,

Totalmente negro,

Desde a estupidez flutuante

Sobre tenazes de ferro,

Inspirando os salsos  tão brancos

Das montanhas de  açúcar,]

Dos fardos de algodão,

Dos punhos engomados da sociedade  ser-vil

 

Meu país negro

Tão cheio de dores

Totalmente negro,

Na insensatez hiante,

Sobre espirais de fumo,

Delirando ternuras brandas.

No auge de abolição.

No mito da integração.

Nos sulcos magoados da  república sutil.

 

Meu país negro,

Tão cheio de amores.

Totalmente negro,

Na tez dominante,

Sobre os corpos gemidos.

Inspirando suaves mentiras

Sobre a cordialidade,

Sobre a maldade,

Nos falsos argumentos de uma democracia senil

 

 

Meu país negro,

Sorrisos negros, negras em flor

Tão cheio deles por todas partes

Tão cheio deles por todas as artes

Cheio de negros em fétidas prisões

Cheio de negras na branca perdição

Cheio de meninos negros à espera da maldição

E só um carnaval para redimi-los.

Cumpri-los

 em sua impenetrável  ambição

PAULO TIMM é economista, professor da UNB e poeta.

SOU RAIZ – de cora coralina / goiania.go

SOU RAIZ      –     CORA CORALINA

 

 

.

Sou raiz, e vou caminhando

sobre as minhas raízes tribais.

Velhas jardineiras do passado …

Condutores e cobradores, vós me levastes de mistura

com os pequenos e iletrados, pobres e remendados …

Destes-me o nível dos humildes em tantas lições de vida.

Passante das estradas rodageiras, boiadeiros e comissários,

aqui fala a velha rapsoda.

Escuto na distância o sonido augusto do berrante que marca

o compasso das manadas que vão pelas estradas.

O mugido, o berro, o chamado da querência, a aguada,

o barreiro salitrado, a solta, o curral, a porteira,

a tronqueira, o cocho, o moirão, a salga, o ferro de marcar,

rubro, esbraseado. A castração impiedosa.

Eu sou a gleba e nada mais pretendo ser.

Mulher primária, roceira, operária, afeita à cozinha,

ao curral, ao coalho, ao barreleiro, ao tacho.

Seguro sempre nas mãos cansadas a velha candeia

de azeite veletudinária e vitalícia do passado.

Viajei nas velhas e valentes jardineiras

do interior roceiro, suas estradas de terra,

lameiros e atoleiros, seus heróicos e anônimos condutores

e cobradores, práticos, sabidos daqueles motores desgastados,

molas e lataria rangentes.

Santos milagreiros eram eles. Onde estarão?

Viajei de par com os humildes que tanto me ensinaram.

Viajantes das velhas jardineiras, meus vizinhos

das estradas viaje iras …

Meus trabalhadores: Manoel Rosa, José Dias, Paulo, Manoel,

João, Mato Grosso, plantadores e enxadeiros, meus vizinhos sitiantes,

onde andarão eles?

Andradina, Castilho, Jaboticabal, comissários e boiadeiros, tangerinos,

esta página é toda de vocês.

Fala de longe a velha rapsoda.

CHIMARRÃO – de vitor ramil e joão da cunha vargas / porto alegre/rs

Chimarrão

Velho porongo crioulo te conheci no galpão
Trazendo meu chimarrão com cheirinho de fumaça
Bebida amarga da raça que adoça o meu coração.
Bomba de prata cravada junto ao açude do pago
Quanta china ou índio vago dá água ao seu pensamento
De alegria, sofrimento, de desengano ou afago.

Te vejo na lata de erva, toda coberta de poeira,
Na mão da china faceira ou derredor do fogão,
Debruçado num tição ou recostado à chaleira.

Me acotovelo no joelho, me sento sobre o garrão
Ao pé do fogo de chão vou repassando a memória
E não encontro na história quem te inventou, chimarrrão.

Foi índio do pelo duro quando pisou neste pago,
Louco pra tomar um trago, trazia seca a garganta,
Provando a folha da planta, foi quem te fez mate amargo.

Foste bebida selvagem e hoje és tradição,
E só tu, meu chimarrão, que o gaucho não despreza
Porque és o livro de reza que rezo junto ao fogão.

Embora frio ou lavado ou que teu topete desande
Minha alegria se expande ao ver-te assim, meu troféu,
Quem te inventou foi pro céu e te deixou pro Rio Grande.

 

PÁSSARO AZUL – de bukowski / eua

CHARLES BUKOWSKI.

 

Pássaro Azul

 

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,

e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?

 

ORDÁLIO DE VERÃO,segundo o poetinha – de paulo timm / portugal.pt

Ordálio de verão, segundo o poetinha

 

                                   I

 

Meninas sozinhas, perdidas no mundo

e dentro de si., sufocantes.

Pés de açucena, mãos despataladas ainda  em botão.

Aurigas imortais ,

Cariátides suplicantes  

Púcaros de bacilos

Sob templos de lues irisadas de vergonha.

 

No  anúncio de  siringes lúgubres

Um abismo hiante:

Social?

Tropical?

Existencial e antropofágico.

Procelas devastadoras em verões sufocantes:

Suplícios, doestos,

Nas vascas de uma  agonia itinerante

 

Tantos cheiros, tantos…

Fragrância fria , distante

E que cores?

Lâmpadas também frias de uma luz cortante

Mas que peso! Que pressa!

Bebi de copo vazio e casto

E me sinto com gosto de lua minguante.

 

II

 

As estações chuvosas são assim.

Vê-se tudo pela janela.

Como esperas de dentista.

Sempre atento ao pior.

`As cinco da manhã , pior ainda:

A  angústia se veste de branco e fica como louca,

Doidona!

Sentada, em pe; sentada.., em pé…

Trocando pernas como quem dança um tango.

Espiando o perigo

De onde ele vem mesmo , menina?

Vai pra casa!

Mas minha fadiga encontra seu termo

E meu desejo de evasão se esvai , desejante,

Acovardado pelo enlevo que lhe consome.

O que mais precisa um homem senão

Deste lirismo  indizível da beleza

Cínica da madrugada?

Toda  desiludida de romance… .

                                           III

 

Releio Vinicius, meu grande poeta

Devorador de palavras difíceis e ternas

E sucumbo ao seu verso

Seu poema maior.

Como resistir?

Ao poeta?

Ao seu verso?

Ao poeta que vive como poeta e ainda por cima

Faz versos?

Como não lê-lo?

Como não segui-lo?

Como não plagiá-lo sem qualquer pudor?

Pelo pudor que não é, dá-se!

Como o tempo frágil

Nas mãos do filósofo que ele soube ser.

  

                                          Paulo Timm- Olhos d Água/GO , fevereiro de 2008

Para BERNARDO QUEIROZ de ANDRADE – de almandrade / salvador.ba

(para Bernardo Queiroz de Andrade de  4 anos)

1-

De olhos bem abertos
atentos
para ver
pela primeira vez
o mundo
a mãe
a vida
a luz.
O espetáculo
do seu próprio
nascimento.

Almandrade

—–
2-

Uma criança
e um rosto alegre
brincadeira e sonho
talvez eu
não seja
segredo
o menino distante
os olhos
descobrindo
as mãos
inventando
saudade e tempo
o futuro espera
e revela.

Almandrade
—–
3-

A CRIANÇA E A JANELA

De uma pequena fresta
da  esquadria
a imaginação infantil
não avista
descobre
o mar
horizonte comprometido
com a ingenuidade.
O que é visto
ganha um nome
olha o desconhecido
é o mundo
com seus pássaros.

Almandrade

Poeta GILDA E. KLUPPEL homenageia HELENA KOLODY no mes de seu aniversário de nascimento.

Na Janela com Helena

 

 

 

 

.

De olhos azuis

Helena ucraniana

Helena de luz

plena em frases curtas

rasgando o tédio do frio

Helena de cabelos brancos

neblina ao amanhecer

Helena curitibana

pelas entranhas da cidade

da janela para a praça

sonhava poemas

entre suas estrelas

traçadas em vidraças

compostas por gotas de orvalho

pintadas em muros

presenciou tantas mudanças

dos bondes elétricos

aos ônibus vermelhos

estações em cilindros de plástico

os arranha-céus cada vez mais altos

escondendo as torres da Catedral

e as carroças de Santa Felicidade

ainda trepidavam em suas lembranças

o tempo passa, Helena fica

nas palavras chamadas de pássaros

formaram em Curitiba

o ninho para seus versos.

AO PÉ do TÚMULO – auta de souza / natal.rn

Ao Pé do Túmulo 

 

 

 

 

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

Para que escrever poesia? Para quem? – LES MURRAY

Reprodução/Internet/Rogério Galindo.
Reprodução/Internet / Les Murray.
Les Murray.

O blog traduz mais um poema de Les Murray, torcendo para na semana que vem ele ser anunciado como o vencedor do Nobel…

O instrumento

Quem lê poesia? Não nossos intelectuais;
eles querem controlá-la. Não os amantes, não os combativos,
não os examinadores. Eles também roçam-na em busca de bouquets
e trunfos mágicos. Não os alunos pobres
que peidam furtivamente enquanto criam imunidade contra ela.

A poesia é lida pelos amantes da poesia
e ouvida por mais uns que eles levam ao café
ou à biblioteca local para uma leitura bifocal.
Os amantes de poesia podem somar um milhão
no planeta todo. Menos do que os jogadores de skat.

O que lhes dá prazer é um roçar nunca-assassino
destilado, principalmente versado, e suspenso em êxtase
calmo na superfície de papel. O resto da poesia
de que isso uma vez já foi parte ainda domina
os continentes, como sempre fez. Mas sob a condição hoje

de que seu nome nunca seja dito: construções, poesia selvagem,
o oposto mas também o secreto do racional.
E quem lê isso? Ah, os amantes, os alunos,
debatedores, generais, mafiosos, todos leem:
Porsche, plástica, Gaia, Bacana, patriarcal.

Entre as estrofes selvagens há muitas que exigem tua carne
para incorporá-las. Só a arte completa
livre de obediência a seu tempo pode te fazer dar piruetas
ao longo e através dos poemas maiores em que você está.
Estar fora de toda poesia é um vazio inalcançável.

Por que escrever poesia? Pelo estranho desemprego.
Pelas dores de cabeça indolores, que devem ser aproveitadas para atacar
por meio de seu braço que escreve no momento acumulado.
Pelos ajustes posteriores, alinhando facetas em um verbo
antes que o transe te deixe. Para trabalhar sempre além

de sua própria inteligência. Para não precisar se erguer
e trair os pobres para fazê-lo. Por uma fama não-devoradora.
Pouca coisa na política lembra isso: talvez
os colonizadores australianos reinventando o falso
e muito adotado voto secreto, no qual a deflação podia se esconder

e, como um portador do bem-estar, envergonhar as Revoluções da vala-comum.
Tão cortada a machado, tão cônsul-ar.
Foi essa uma brilhante vitória mundial da covardia moral?
Respirar em ritmo de sonho quando acordado e longe da cama
revela o dom. Ser trágico com um livro na sua cabeça.

O MAPA – de mario quintana / porto alegre.rs

 

 

Olho o mapa da cidade

Como quem examinasse

A anatomia de um corpo…

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei…

Há tanta esquina esquisita,

Tanta nuança de paredes,

Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E ha uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei…)

Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada

No vento da madrugada,Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar,

Suave mistério amoroso,

Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu

A-gosto – de paulo timm / portugal.pt

A –   gosto

                                               

 

 

Na tarde quente e seca deste agosto

No desgosto das incansáveis folhas desprendidas

Procuro em vão a meada do meu verso tosco

Na macarronada  fria das manchetes estendidas

 

Para algo servem os noticiários…

 

De repente ,descubro que, vivos , mesmo com seus vícios,

Drummond centenário

Nelson Rodrigues, 92 anos ,legendário,

Estariam , festivos, um de cada lado , celebrando a vida

 

Para algo servem os aniversários…

 

Drummond, esguio, esquivo , mineiro, à esgueira

Falaria de sua infância em Itabira, em oposição à máquina do mundo

Palmilhando o passo entre o cotidiano monótono dos Raimundos

E uma eternidade metafísica sem eira nem beira.

Para que serve mesmo a poesia…?

Nelson, cosmopolita assumido, destemido

Faria o contraponto da especulação na ruína do baixo ventre da cidade.

Profetizaria mazelas escorregadias da subjetividade

Com fé cínica no fato consumido

 

A vida serve para quem dela se serve.

O Grande Poeta, tímido e envergonhado de sua humana condição,

Pagando em imortal melodia a penitência pelo só existir

O Grande Cronista , desavergonhado e acima de qualquer servidão,

Num só afã de mostrar a vida, simplesmente, como ela é, no seu devir .

Ambos universais..

Senhores da nossa língua.

Da nossa alma.

                              Sirvam-se, por favor!

.

               (Paulo Timm,Olhos d Agua, GO 7/ago/2002)

COMPANHIA – de joanna andrade / boca raton.miami.eua

Viajo milhas em tua história só para não te deixar só

Tento seguir à risca o teu percurso para não te perder de vista

Fico para tràs em teu tempo que não consigo alcançar

Olho de longe meu amor por ti se dissipar nesse espaço etéreo

Em tua demência

Em tuas abstinências forçadas pelo acaso corroído da vida

Em tua liberdade enclausurada em ti mesmo

Bicho em semente sedada o qual tece em babas o único fio terra

Olhos estacados como divisória

tu em outro lugar

eu para cá contigo só

o afago

lavado em lágrimas

o olhar

na busca da alma

o adeus

a cada suspiro meu

o amor

no sorriso pela metade

na memória

 

.

JA/2010 ( Campo Mourão)
Joanna Andrade

amanheceu – de omar de la roca / são paulo.sp

amanheceu

 

 

.

Amanheceu um dia escuro,depois da chuva da noite.
E eu hesitei antes de olhar pela janela.
Medo do escuro,da chuva,do desanimo.
Mas abri as cortinas e olhei para o céu.
Havia um corte nas nuvens por onde escapava
um pouco de azul.Um pouco mais que um pouco.
Mas aquela fresta me disse tudo.
Ha dias escuros,onde nem um pedacinho de azul aparece.
Mas não hoje.Havia um corte azul,como uma cicatriz
numa face de fotografia.
E esse azul me encantou e me deu esperança de luz.
Depois,o sol saiu entre entre azuis e brancos
sorrindo meio encabulado entre as nuvens.
E eu fingi que ele brincava de esconde esconde comigo.

 

O LUTADOR – de crispim quirino / salvador.ba

 

 O LUTADOR
Quantos anos serão precisos para descrever Jorge Amado?
Quantos amores, desejos,prédios, imagens, flores, praias e trem?
Quantos amigos, guerreiros, quantos?
“Rebeldes” em seus 1923 pensamentos.
Matuto branco-mulato-homem.
Raízes de todas as horas.
Homem de esquinas e becos e ruas e vielas tortas…
Esse é o nosso amado.
Bendito seja seu canto,
sua roupa de gala,
seu barco à vela,
sua humanização.
Ó Bahia de nosso São Jorge!
Ó irmãos vingados!
Adeus para o eterno.
Um forte e fraterno adeus.
Aquele das mulheres nuas e estrelas falantes,
das casas de barro e meninos traquinos,
dos ventos e cores carnavalescas,
da Bahia.
Ó irmãos da terra!
Ó alma de nossos desejos!
Adeus irmãos vingados.
Adeus eterno baiano.
Adeus (Amado).

Quantos anos serão precisos para descrever Jorge Amado?
Quantos amores, desejos,prédios, imagens, flores, praias e trem?
Quantos amigos, guerreiros, quantos?
“Rebeldes” em seus 1923 pensamentos.
Matuto branco-mulato-homem.
Raízes de todas as horas.
Homem de esquinas e becos e ruas e vielas tortas…
Esse é o nosso amado.
Bendito seja seu canto,
sua roupa de gala,
seu barco à vela,
sua humanização.
Ó Bahia de nosso São Jorge!
Ó irmãos vingados!
Adeus para o eterno.
Um forte e fraterno adeus.
Aquele das mulheres nuas e estrelas falantes,
das casas de barro e meninos traquinos,
dos ventos e cores carnavalescas,
da Bahia.
Ó irmãos da terra!
Ó alma de nossos desejos!
Adeus irmãos vingados.
Adeus eterno baiano.
Adeus (Amado).

NATUREZA FLUTUANTE – de Almandrade / salvador.ba

NATUREZA FLUTUANTE

 

I

 

A chuva dispensa

o agasalho

um vício

na pele molhada

a febre chega

e brinda a dor.

 

II

 

 

Estilhaços sobre a velocidade

a idade sai

da ingenuidade do século

o ar que passa

arrasa a privacidade

das palavras.

 

 

III

 

A tarde

com seus conflitos

renega a partitura

do imutável

a voz do instrumento

brilha e veste

o que resta

de notas e acordes.

 

IV

 

O título é um achado

semeador de dúvidas

a linguagem acende

as coisas

e dá nome ao repouso

tapete de sombras

e sobras.

 

 

V

 

Na solidariedade do sono

descansa o solitário

o lençol é um consolo

 

 

VI

 

 

Segredos da transparência

luva de gesso

o impulso do imediato

flagra

através do tecido

a anatomia

do que é íntimo.

 

 

Almandrade

(artista plástico, poeta e arquiteto)

POEMA EM DESUSO – gilda kluppel / curitiba.pr

Poema em desuso

Posso cometer um abuso

ao contrariar a realidade

tentando escrever um poema em desuso

destes quaisquer que ninguém mais se interessa

considerado um mero intruso

delírios de quase ou pseudo-artistas

às vezes chamado de melancólico e confuso

 por não se aliar à vontade imediata

procedente da vaidade do corpo

estipulada por um preço à vista

e oferecida numa loja ou mercado.

Um poema destes quaisquer em desuso

sequer tem um nome famoso na etiqueta grifado

não tem prazo de validade para o consumo

e nem enfeita as pessoas pela vestimenta ou calçado

apenas se importa com algo que pouco aparece

e talvez por isso menos atenção desperte

mesmo assim se não existissem tantos poemas

desses quaisquer em desuso

sobrariam somente coisas não essenciais e pequenas

 marcadas por um suposto valor no atacado e varejo

para ostentar e misturar o corpo aos objetos

desalojando as necessidades da alma

jamais esquecida enquanto resistirem os poéticos.

EU VOS SAÚDO, AMIGOS MEUS – de zuleika dos reis / são paulo.sp

 

 

 

Eu vos saúdo, amigos meus,

pelas partilhas desta seara

que nos coube e que nos cabe

 

de sonhos perdidos

de sonhos semi-salvos

de dilúvios, de largos incêndios

 

neste banquete para mendigos

para ávidos e para parcos

para os que não se sabem

 

para os intoxicados de si mesmos

para os que se preenchem de espera

para os nostálgicos

 

para os que têm certezas

para os que abdicaram de tudo

para os que acompanham

 

todas as fases da Lua

e se consolam

para os que se calam

 

cântaros cheios de séculos

e de atropelos

nos vãos escorregadios das coisas

 

eu venho para saudar-vos

amigos meus, varões e senhoras

com seus pressentimentos

 

e calmarias repentinas.

Venho para saudar-vos.

Repartamos o gesto possível

 

a vida possível

a aurora que consigamos tecer

toalha para a refeição da manhã

 

e o pôr-de-sol mais belo

o mais belo pôr-de-sol

para a devida tessitura das estrelas.

 

Qual mulher? – de Day / rio de janeiro.rj

Qual mulher, não se importando se feia ou bela
Não quer, toda manhã, nua, abrir sua janela
E, como Quintana, ver a mesma paisagem
Mas numa nova tela, nova página, um novo homem…

A beleza não está no rosto zoom, nas pernas cruzadas
Mas no momento dos ‘ais’ sem fingimento, sem pudor.
O amor nasceu para mim e para você
Eros, éramos tão bem felizes, mas e agora?
Sentada na cadeira, a tarde inteira vira noite de terror,
Ama a madrugada e eu sozinha porque não vens.

Não vem um homem, não vem um corvo!
Desde quando é pecado falar de carne, de querências?
Sem rosto não posso ficar, sem corpo tu não me amas
Close, close em meu coração
Se tiro o roupão, para que banho a sós?

Se viesses, com bebida e Hilda de presente
Jantaríamos lagosta ou ovos fritos, afinal quem comeria?
Oh, meu querido, não vê que já cai a noite e estrelas hoje não!
Chove e berra o trovão – Não! Tu não virás.

Habite meu rosto, close das tristes, beleza não há
Se nada há que beijar, rosto para quê?
A não ser o espelho que envelhece comigo
Ninguém mais tem me querido.

E mesmo se houvesse, é a ti que amo,
E, ainda assim, anoitece e tu não vens
Matar meu desejo e desejar não é pecado
E se for, afasto-me de Deus por alguns momentos
E oro sobre teu dorso…
Mas tu não virás – Tu não virás!…

NOVO POEMA! – de gilda E. kluppel / cuiritiba.pr

Novo Poema

 

No encalço de um novo poema

para expressar a felicidade de um encontro

como o retorno de uma breve viagem

num tempo perdido, jamais recolhido

entre sofridas lembranças e ligeiras alegrias

duma miragem que me deixei conduzir.

 

Que através de um novo poema

possa fortalecer ao me envolver em seus versos

encontrar novos horizontes

uma profícua jornada em estradas floridas

distantes da superficialidade e da hostilidade

de um mundo sem renúncia e sem complacência

que por descuido, em alguns momentos, me envolvi.

 

Peço perdão se me deixei levar

por um canto vazio de sentido

cheio de enganos e danos

receba-me com toda a minha fragilidade

para caminharmos juntos

e se por algum motivo me afastar

acolha-me novamente

depositando brilho em meus olhos

com a escrita de um novo poema.

 

POEMA I – de joanna andrade / miami.usa

Vou deixar de lado todos os afagos e me converter

Aos  valores  de  uma bolsa de couro de crocodilo

calças de marcas salientes

chemisie de seda pura Channel

calçadas com minhas marcas em unhas compridas pintadas de vermelho carmim

e para arrematar um cadillac rabo- de- peixe cor de rosa claro para eu me arrefecer

com meus óculos retro  Gucci

e lenços coloridos  deixando ao vento  um rastro de charme misturado com bobagem

Sim, vou  sair  em busca do real que me convem

As maçanetas de minhas portas serão de ouro amarelo 24k

Minhas cadeiras ,de pele de algum animal em extinção

As mesas de Madeira de lei

E as ordens todas serão  dadas por mim

Com argolas no pescoço manterei  ereta a distinção do rei

Toda vez que o vento passar  eu me estirarei mais em minha cor esbraquiçada

Minha existência  será prolongada pelo poder

Mais sentimentos  ordinários, os quais medíocres e me matam de prazer

E a verve a qual me serve será convertida em oração

o  corpo em atração

a  alma em negação

Assim ,em um momento …………

NELSON CAVAQUINHO já dizia…

 

Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais

 

O DOCE SABOR DE UMA MULHER – de auber fioravante junior / porto alegre.rs

Face Orvalhada
Tem certos dias,
Que não sinto a caricia do vento
Murmurando pelos laredos d’ alma,
Comungando em segredo com silêncio
Amigo divagador do verso oriundo da brisa!

A bom bordo da nave,
Diante da praia ouço da areia a canção
Pairando dentre as estações,
Relíquias do tempo e do espaço
Dando aconchego ao olhar de solidão!

Mesmo incerto da próxima onda,
Deixo a este bordo, reversos perdidos,
Sem a imagem que inebria meus avessos
Mais insanos brotos já desabrochados,
E ainda altivos percebendo o orvalho das manhãs!

Em pequenos detalhes,
A poesia se formou, se fez flor,
Ensinou-me que o verbo
É tão grande quanto o universo!

Com as lágrimas que habitaram
E ainda habitam minha face,
Componho minha partitura em amor,
Clarividente na luz devaneando pelo luar!

Auber Fioravante Júnior_13/04/2012_Porto Alegre – RS

MAR – de omar de la roca / são paulo.sp

 

Que palavra é essa que se agita em mim?

Que mar é esse ?

Como uma onda que me cobre a cabeça,

E eu tenho que bater os pés com força para respirar

Ou como uma tábua de salvação

A que me agarro

E me desgarro quando o pé encontra o chão.

Como a onda que me leva boiando no espaço liquido.

Onde faço lentos movimentos circulares.

Onde sufoco um pouco, um pouco ofego

Sôfrego de luz e de palavras.

Como o barco, que só alcanço a borda

Sem força para nele me chegar

Fraco,tímido, sôfrego  de medo

Tremendo,querendo mergulhar

Mais fundo e mais e mais

Deixando que  a corrente me transporte.

Trazendo a tona a água dividida.

E quebro a onda, com meu corpo

Cujo destino é pedra. E alga.

Com a mão aliso a vaga

Que me levanta e a mim salga.

E sigo resistindo a sereia que se enrosca

Em meus tornozelo, e a mim puxa,

Para o fundo,para o fundo.

Mas me sacudo e me livro

 

Como faço com palavras que me incomodam

Pondo no papel, pondo ao vento

Como roupas a secar e a chuva molha,

Apelando ao perdido pensamento,

Sentimento que não volta.

Que mar é esse ?

Que palavra é essa?

Aceno a mão para o navio inexistente,

Querendo voltar ao porto que ainda não existe,

A água sobe e perco o pé, mais esforço feito,

para ficar a tona, cabeça de fora,nariz de fora.

Ar , que te quero puro.

Ar que é preciso, e eu preciso .

Que palavra que se agita

Em mim e logo grita,

Que mar, no qual me agito,

Muito alem de meu próprio grito?

O sol chia ao encostar na água lá no horizonte.

Logo será noite. Encontrarei areia. Bato os pés

Em desalinho,respiro,afundo.

Me agarro a um tronco. Devo estar perto de terra firme.

Bato os pés e vou seguindo.Vou seguindo.

Que palavra, que mar ?

Bato os braços,os  pés.

Chego lá ? Não sei,engulo água,

E ,me agito mais forte para respirar,

para alem de minha mágoa.

Que cor é essa com a qual escrevo?

Cor de água do mar.

E o papel ? Transparente ,de vidro.

Que mar ?…afundo.

Que palavra ? Surdo, de água.

Areia,concha,alga e pedra. Mar.

E no ar seguro de novo.

FÉLIX CORONEL e MARCO MACEDO batem papo em GUARATUBA.pr

Na foto, FelixCoronel e Marcos Macedo editor do jornal FOLHA DE SANTA FELICIDADE

.

Conheci o Felix Coronel como a gente conhece tanta gente nessa babel da internet. Sou curioso e ávido leitor. No site do jornal on-line Correio do Litoral me deparei com as crônicas do Felix. Irônicas, questionadoras e que mostravam uma cultura ampla, geral e irrestrita. Mas sem anistiar ninguém. Esse argentino portenho paranaense – que se autointitula ‘insuportável’, pero no mucho – , começou escrevendo no jornal La Crônica de Buenos Aires, desde lá seus 15 anos de idade. E agora, no exílio na bela Guaratuba do Paraná, escreve e escreve. Fui lá conversar com ele e conhecê-lo. Valeu a pena. Com sua simpatissíssima esposa Lúcia (que o suporta) tivemos horas e horas de boa conversa jogada fora à vista da praia central de Guaratuba. Do seu livro Como É Que É, tirei essa pérola da literatura. Veja como se deu este poema. Felix nos seus quase dois metros de altura foi levar um currículo para arrumar um emprego em uma empresa. Um jovem -bem -jovem, lhe perguntou: Qual é sua experiência? Ah, prá quê!!! A coisa só não acabou nos finalmente por que Felix Coronel num impulso zen arrefeceu os ânimos. Mais tarde, em casa, ele nos oferece essa genial CURRICULUM VITAE… Leia e se emocione. Ah! Felix Coronel vai nos dar a honra de ser CRONISTA do novo site da Folha de Santa Felicidade que, em breve, será inaugurado.

CURRILUM VITAE
Félix Coronel

Eu já dei risada até a barriga doer,
Já nadei até perder o fôlego,[
Já chorei com o rosto desfigurado.
Já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar,
Já me queimei bricando com vela.
Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto.
Já conversei com o espelho.
E até já brinquei de ser bruxo.

Já quis ser astronauta,
Violonista, mágico, caçador e trapezista.
Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora,
Já passei trote por telefone,
Já tomei banho de chuva,
E acabei me viciando.

Já roubei beijo,
Já fiz confissões antes de dormir
Num quarto escuro pro melhor amigo.
Já confundi sentimentos,
Peguei atalho errado
E continuo andando pelo desconhecido.

Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro,
Já me cortei fazendo a barba apressado,
Já chorei ouvindo música no ônibus.
Já tentei esquecer algumas pessoas,
Mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer.

Já subi escondido no telhado prá tentar pegar estrelas,
Já subi em árvore prá roubar fruta,
Já caí da escada de bunda.
Conheci a morte de perto,
E agora anseio por viver cada dia.

Já fiz juras eternas,
Já escrevi no muro da escola,
Já chorei no chão do banheiro,
Já fugi de casa pra sempre,
E voltei no outro instante.

Já saí pra caminhar sem rumo,
Sem nada na cabeça, ouvindo estrelas,
Já corri pra não deixar alguém chorando,
Já fiquei sozinho no meio de mil pessoas
Sentindo falta de uma só.

Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado,
Já me joguei na piscina sem vontade de voltar,
Já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios,
Já olhei a cidade de cima
E mesmo assim não encontrei meu lugar.

Já senti medo do escuro,
Já tremi de nervoso,
Já quase morri de amor,
Mas renasci novamente pra ver o sorriso especial de alguém especial.

Já acordei no meio da noite
E fiquei com medo de levantar.
Já apostei em correr descalço na rua,
Já gritei de felicidade,
Já roubei rosas num enorme jardim.
Já me apaixonei e achei que era pra sempre,
Mas sempre era um “para sempre” pela metade.

Já deixei na grama de madrugada
E via a Lua viral Sol,
Já chorei por ver amigos partindo,
Mas descobri que logo chegam novos,
E a vida é mesmo um ir e vir sem razão.
Foram tantas coisas feitas,
Momentos fotografados pelas lentes da emoção.
Guardados num baú, chamado coração.

E agora um formulário me interroga,
Encosta-me na parede e grita:
“- Qual sua experiência?”.
Essa pergunta ecoa no meu cérebro:
“- … experiência… experiência…”.
Será que ser “plantador de sorrisos” é uma boa experiência?
Não!
“Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!”

.

Por Marcos Macedo
Editor da Folha de Santa Felicidade

A TRIGÉSIMA MULHER – de zuleika dos reis / são paulo.sp

A TRIGÉSIMA MULHER

                                   Zuleika dos Reis

a morte

em  cada xícara

a face sem face

da trigésima mulher

árvore ave canção

sussurro das coisas mortas

em vão

a trigésima mulher

a derradeira

estrelas que estalam

noite que se quebra

cai

fragmentos

de nós

a dançar

ao redor de nós

ao redor de nós

as palavras sonhadas

as palavras sagradas

a morte que te quer

esta rival

teu grito

em mim

meu grito

em ti

os tempos de nós

que tento segurar

as xícaras

a porcelana da tarde

a tarde

vaso a se partir

o meu amor

partido

em ti

em ti

em mim

cacos de nós

o primeiro homem

a trigésima mulher

MERCADORIA – de gilda kluppel / curitiba.pr

Segue o seu caminho

apresenta as armas

em linhas verticais prepara o escudo

manipula a espada

e aglutina seguidores
dentre os que não conhecem seus fetiches

permeia relações e forja emoções

inúmeros painéis indicam

os sentidos captam sem demora

matéria à mostra

preço a prazo e longe da vista

num instante a aspiração

de uma vida cumulativa

objetos, coisas, troços…

rapidamente se tornam obsoletos

outra necessidade inventada

um novo ciclo inicia

na contramão do poema

segue a sua marcha mercadoria

seduz mais adeptos

para juntar o metal precioso

e acumular tempo perdido

em tantas dores recolhidas

empilhar-se de bens

e tentar saciar as infinitas cobiças

na ilusão de ser pelo que tens.

POEMAS DE V. KHLÉBNIKOV (1885-1922) – por mario francisco ramos / são paulo.sp

1)Из мешка
На пол рассыпались вещи.
И я думаю,
Что мир –
Только усмешка,
Что теплится
На устах повешенного.
(1908)De um saco roto
Vazou quase tudo.
E eu penso
Que o mundo
É só um riso maroto
Luz fraca nos lábios
De algum enforcado.

2)

Девушки, те, что шагают
Сапогами черных глаз
По цветам моего сердца.
Девушки, опустившие копья
На озера своих ресниц.
Девушки, моющие ноги
В озере моих слов.
(1921)

Moças, estas que marcham
Nos coturnos de seus olhos negros
Pelas flores do meu coração.
Moças que baixam as lanças
De seus cílios sobre os lagos.
Moças que lavam seus pés
Nas águas das minhas palavras.
(1921)

3)
* Fragmento do longo poema épico Zanguézi, escrito entre 1920 e 1922, última obra de Velimir Khlébnikov:

А вы, сапогоокие девы,
Шагающие смазными сапогами ночей
По небу моей песни,
Бросьте и сейте деньги ваших глаз
По большим дорогам!
Вырвите жало гадюк
Из ваших шипящих кос!
Смотрите щелками ненависти.
Глупостварь, я пою и безумствую!

E vocês, mocinhas botinolhas?
Com suas botas ensebrilhadas da noite
Pelo céu das minhas canções,
Colham e semeiem a grana dos seus olhos
Pelas estradas!
Arranquem o ferrão de serpente
De suas sibilantes tranças!
Olhem pelas frestas do ódio.
Ferestúpida, eu canto e enlouqueço!

4)
Я И РОССИЯ

Россия тысячам тысяч свободу дала.
Милое дело! Долго будут помнить про это.
А я снял рубаху,
И каждый зеркальный небоскреб моего волоса,
Каждая скважина
Города тела
Вывесила ковры и кумачовые ткани.
Гражданки и граждане
Меня – государства
Тысячеоконных кудрей толпились у окон.
Ольги и Игори,
Не по заказу
Радуясь солнцу, смотрели сквозь кожу.
Пала темница рубашки!

А я просто снял рубашку –
Дал солнце народам Меня!
Голый стоял около моря.
Так я дарил народам свободу,
Толпам загара.
(1921)

Eu e a Rússia

A Rússia deu a liberdade a milhares de milhares.
Que bonito! Por muito tempo lembrarão disto.
E eu tirei a camisa,
E cada arranha-céu espelhado dos meus cabelos,
Cada fresta
Da cidade do corpo
Estendeu tapetes e rendas.
Cidadãs e cidadãos
De Mim, eu-Estado
De mil janelas de madeixas apinhadas nelas.
Olgas e Ígores
Alegrando-se ao sol,
E não por ordem de alguém, espiavam pela pele.
Caiu a prisão da camisa!

Tão só a camisa tirada,
Dei o sol aos povos de Mim!
Nu, junto ao mar, foi assim
A liberdade aos povos dada,
O bronzeado às multidões.
(1921)

5)
* Fragmento do poema épico (supernarrativa) Zanguézi (1921):

Иди, могатырь! [1]
Шагай, могатырь! Можарь, можар!
Могун, я могею!
Моглец, я могу! Могей, я могею!
Могей, мое я. Мело! Умело! Могей, могач!
Моганствуйте, очи! Мело! Умело!
Шествуйте, моги!
Шагай, могач! Руки! Руки!
Могунный, можественный лик, полный могебнов!
Могровые очи, могатые мысли, могебные брови!
Лицо могды. Рука могды! Могна!
Руки, руки!
Могарные, можеские, могунные,
Могесные, мошные, могивые!
Могесничай, лик!
Многомогейные, могистые моги,
Это вы рассыпались, волосы, могиканами,
Могеичи — моговичи, можественным могом, могенятами,
Среди моженят — могушищ, могеичей можных,
Вьется один могушонок,
Можбой можеству могес могатеев могатых.
В толпе моженят и моговичей.

Вода в клюве! Крылья шумят ворона.
Тороплюсь, не опоздать бы!

Лицо, могатырь! Могай, моган!
Могей, могун!
Могачь, могай!
Иду можарищем, можарю можарство можелью!
Могачь, могай! Могей, могуй!
Иди, могатырь!
Мог моготы! Можар можавы!
Могесник, мощник!
Можарь, мой ум! Могай, рука! Могуй, рука!
Моган, могун и могатырь!

Vai, poderói!
Marcha, poderói! Possarda, possardor!
Possaz, eu podo!
Poderudo, eu posso! Podei, eu podo!
Podei, meu eu. Prumado! Aprumado! Podei, posseidor!
Poderandai, olhos! Prumados! Aprumados!
Desfilai, podeidades!
Marcha, posseidor! Mãos! Mãos!
Possálico, podivinoso semblante, cheio de pondorações!
Poderardentes olhos, posselhonários pensares, pondereiros sobrolhos!
O rosto dos podentreiros. A mão dos podentreiros! Possenvasores!
Mãos, mãos!
Possublimes, possálicas, podivinas,
Portenteiras, potenciosas, poderousadas!
Posserga-se, semblante!
Onipodentes, posserosas podeidades,
Vocês espalharam-se, cabelos, possindígenos,
Poderanos: poderdeiros, pelo possenhor podivinoso, por podescendentes,
No meio dos possinfantes: o potentaço, dos poderozes proverossímeis,
Enrosca-se um sapoderoso,
Possencantado por podivineiros podencantos de possentes posselhardários.
Na multidão de possinfantes e poderdeiros.

Água no bico! As asas da gralha fazem ruído.
Tenho pressa, não posso atrasar!

O rosto, poderói! Possai, poderoz!
Podei, possaz!
Possereiro, possai!
Em poderardor, possincendeio com potentochas o podereino!
Possereiro, possai! Podei, Possaz!
Vai, poderói!
Poderarde a podreria! O poderardor do possincêndio!
O possencanto, potentante!
Possarda, minha mente! Possai, mãos! Possejam, mãos!
Possaz, poderoz e poderói!

6)
* Fragmento do poema épico (supernarrativa) Zanguézi:

Они голубой тихославль,
Они голубой окопад.
Они в никогда улетавль,
Их крылья шумят невпопад.
Летуры летят в собеса
Толпою ночей исчезаев.
Потоком крылатой этоты,
Потопом небесной нетоты.
Летели незурные стоны,
Свое позабывшие имя,
Лелеять его нехотяи.
Умчались в пустыни зовели,
В всегдаве небес иногдава,
Нетава, земного нетава!
Летоты, летоты инес!
Вечернего воздуха дайны,
Этавель задумчивой тайны,
По синему небу бегуричи,
Нетуричей стая, незуричей,
Потопом летят в инеса,
Летуры летят в собеса!
Летавель могучей виданой,
Этотой безвестной и странной,
Крылом белоснежные махари,
Полета усталого знахари,
Сияны веянами дахари.
Река голубого летога,
Усталые крылья мечтога,
Широкие песни ничтога.
В созвездиях босы,
Там умерло “ты”.
У них небесурные косы,
У них небесурные рты!
В потоке востока всегдава,
Они улетят в никогдавель.
Очами земного нетеж,
Закона земного нетуры,
Они в голубое летеж,
Они в голубое летуры.
Окутаны вещею грустью,
Летят к доразумному устью,
Нетурные крылья, грезурные рты!
Незурные крылья, нетурные рты!
У них небесурные лица,
Они голубого столица.
По синему небу бегуричи!
Огнестром лелестра небес.
Их дико грезурные очи,
Их дико незурные рты.

Eles são a azul silencidade,
Eles são a azul quedad’olhos.
Eles voam pra nunquidade,
Suas asas rugem como foles.
Voaderos voam pros céuguros
Com os noturnos desapareseres.
Na corrente de aladas estasas,
Na torrente celeste de outralas
Voavam lamúrias liberaladas,
Esquecidos do próprio nome
A acarinhar malquereres.
Chisparam por ermos chamantes,
No semprante dos céus de asvezentes,
Da negante, terrestre negante!
Voasentes dos celementos!
A brisa, à noite, em secreditos,
Estérea triste em misterínios.
Passam no céu os correndicos,
Desaseiros bandos, liberalindos,
Na torrente voam pros celementos,
Vão pros céuguros em voamento!
O voaral das vistas potentes,
Com o estranho estaquele indigente,
De asas de neve, os marretadeiros,
Cansados do voo, os curandeiros,
De aureolantes soprenúncios dadeiros.
O rio azul do vôlo,
As asas cansadas do sônholo,
As grandes canções do nádalo.
Nas constelações descalças
A morte do “tu” se alça.
Têm firmamenteiras tranças,
E firmamenteiras bocarras!
Na corrente do leste semprante,
Voaram pro nuncamente.
Com os olhos terrestres da neguez,
Das terrestres leis negandeiras,
Eles vão pro azul em voarez,
Eles vão pro azul em voadeiras.
Envoltos em prefecias em vão,
Voam à foz da pré-razão,
Desaleirasas e roandeiras bocas!
Liberalasas, desaleiras bocas!
Têm firmamenteiras caras,
São a capital azulada.
Correndicos no azul altaneiro!
Afagosos faisqueiros do céu.
Seus olhos bem roandeiros,
Seus lábios liberaleiros.

7)
* Fragmento do poema épico (supernarrativa) Zanguézi:

Иверни выверни,
Умный игрень!
Кучери тучери,
Мучери ночери,
Точери тучери, вечери очери.
Четками чуткими
Пали зари.
Иверни выверни,
Умный игрень!
Это на око
Ночная гроза,
Это наука
Легла на глаза!
В дол свободы
Без погонь!
Ходы, ходы!
Добрый конь.

Solta a sapátada,
Sábio pocó!
Côcheda núveda,
Mórtida nôitida,
Pôntida núveda, tárdida vístada.
Contas num cântaro
Caem as manhãs.
Solta a sapátada,
Sábio pocó!
Bate na cara
Noturno toró,
Ciência tão clara,
Nos olhos, sem dó!
Livre é o vale
Rédeas na mão!
Marche, marche!
Bom alazão.

8)
* Fragmento de Zanguézi:

Верхарня серых гор.
Бегава вод в долину,
И бьюга водопада об утесы
Седыми бивнями волны.
И сивни облаков,
Нетоты туч
Над хивнями травы.
И бихорь седого потока
Великой седыни воды.
Я божестварь на божествинах!

A altinaria dos montes cinzentos.
A corrandeira das águas nos vales,
A nevarrasca caindo do abismo
Em grisalhos marfins de ondas.
E o agrisalhado das nuvens,
Outrasas nubladas
Sobre circundulantes matas.
E o pancar da corrente grisalha,
O grande grisalhar d’água.
Eu sou um divinomem em divinestâncias!

9)

Мне мало надо!
Краюшку хлеба
И каплю молока.
Да это небо,
Да эти облака!
(1912, 1922?)

A mim basta pouco!
Um naco de pão
E um tanto de mel.
E as nuvens que vão
No azul deste céu.
(1912, 1922?)

Mario Francisco Ramos. Docente de Literatura Russa na USP. Tradutor, publicou artigos sobre literatura russa e tradução de poema de Khlébnikov (revista Cadernos de Literatura em Tradução, no 2), traduziu a peça teatral “À Saída do Teatro…”, de Nikolai Gógol (Paz e Terra, 2002) e participou com a tradução de seis contos na recente Nova Antologia do Conto Russo (editora 34, 2011), com contos de Arkádi Aviértchenko, Velimir Khlébnikov, Boris Pasternak, Evguénii Zamiátin, Serguei Dovlatov e Vladimir Sorokin.

———————————————
Notas

[1] No poema será criada uma série de neologismos e associações de sentido com base em três formas radicais: motch (“мочь”) e mog (“мог”), além de moj (“мож”) e mochtch (“мощь”).
De motch (o verbo “poder”, em sua forma infinitiva), nasce a raiz de sua conjugação interna em primeira pessoa, mogú (“могу”, ou “posso”, em português), e da terceira pessoa do plural, mógut(“могут”, ou “podem”). Esta mesma raiz se expandirá, no texto, para sua função nos adjetivosmogútchii (“могучий”, que significa “potente”, “vigoroso”, “forte”) e também mogúchtchestvennyi(“могущественный”: “poderoso”, “potente”), além do substantivo moguchtchéstvo (“могущество”: “poderio”, “força”).
Moj , além de participar nas formas da conjugação do verbo “poder”, da segunda pessoa do singular à segunda do plural do presente do indicativo (por exemplo, em “tu podes”/ ty mójech/ “ту можешь” ou “nós podemos”/ my mójem/ “мы можем”), também está presente nas palavrasmójno (“можно”: “pode-se”, “é possível”) e vozmójnost (“возможность”: “possibilidade”).
Mog e moj estarão fortemente associadas, na formação de neologismos no poema do Plano X, entre outros casos, à raiz da palavra bog (“бог”: “deus”) e suas variantes, como, por exemplo,bojéstviennyi (“божественный”: “divino”) e bojestvó (“божество”: “divindade”). Etimologicamente, esta palavra está ligada, na língua russa, à formação do substantivo bogátstvo(“богатство”: “riqueza”), do adjetivo bogátyi (“богатый”: “rico”) e de bogátch (“богач”: “muito rico”, “ricaço”, “milionário”). Esta união gerou neologismos como mogátch (mog + bogátch) emojéstviennyi (moj + bojéstvienny).
O neologismo que abre o poema é de grande importância não só para o fragmento, mas paraZanguézi como um todo. Trata-se do neologismo mogatýr (“могатырь”), resultado da aglutinação de mog e bogatýr . Bogatýres eram os heróis das canções épicas antigas russas. Para o neologismo, utilizamos a construção “poderói”.
No caso de palavras nas quais ocorre a união das raízes associadas à idéia de “poder” (verbo ou substantivo) com outras palavras ligadas a “deus”, “divindade”, “divino”, como mojéstviennyi(“можественный”), mojestvó (“можество”), mog (“мог”), foram utilizadas as formas “podeidade(s)”, “podivino(so)”, “possenhor” e outras.
As uniões constantes formadas por “poder” associadas a “riqueza”, “rico”, “ricaço” e outras, comomogátch (“могач”), mogátyi (“могатый”), mogátstvo (“могатство”), a opção foi pelas variantes, entre outras, “posselhonário(s)”/ “posselhardário(s)”, “posseidor(es)”, “podereza”.
Também foi necessária a criação de formas verbais. Khlébnikov trabalha com ao menos três tipos distintos de neologismos que formam imperativos, a partir do verbo “poder”: moguéi (“могей”),mogái (“могай”), mogúi (“могуй”). As variantes possíveis de neologismos em português que mantivessem o mesmo sentido, na segunda ou terceira pessoa do singular (Khlébnikov utiliza a segunda pessoa do singular), não resultaram adequadas, seja por se assemelharem a formas já existentes em outros modos do verbo (como em “possa”), seja por simplesmente fazer recordar outros verbos (como na possibilidade de “poda”, que lembraria o verbo “podar”; esta possibilidade foi considerada inicialmente devido à relação com a criação do neologismo “eu podo”, em primeira pessoa). A opção adotada foi a criação de imperativos na segunda pessoa do plural, com as formas, por exemplo, “possai”, “podei”.

FLORESTA DE GENTE SER – de zuleika dos reis / são paulo.sp


 

Ai, que saudade

da Ternura

que era floresta

que era Amazônia

a perder de vista

a atravessar

a preencher

os múltiplos Estados

de gente ser.

 

Saudade da floresta

que era Ternura

floresta devastada

que em terra de predadores

floresta que era verde

toda funda de raízes

até o centro de gente ser.

 

Ai, que se enlouquece

sobre a terra que agoniza

ai, que se enlouquece

nestes animais que agonizam

nestes rios que sangram

nestes peixes, ai, assim cegos,

nestas sereias, ai, que não cantam mais.

 

Ai, que saudade

de gente ser.

Ternura verde

há-que reflorestar-te

há-que reflorestar

o ser.

Metrô de Nova York promove a poesia /new york.ny

DA FRANCE PRESSE

 

A autoridade que administra o metrô de Nova York anunciou o relançamento da iniciativa ‘Poesia em Movimento’ depois de um parêntesis de quatro anos.

Os poemas e frases serão acompanhados de detalhes de obras de arte e também aparecerão na forma de animação nos telões eletrônicos de algumas estações. Os telões serão colocados em caráter experimental nas estações Grand Central Terminal, Pennsylvania Station, Bowling Green, Atlantic Avenue-Pacific Street e Jackson Heights-Roosevelt Avenue.

“Nossos clientes vivem nos dizendo que até mesmo o menor investimento em arte e música no metrô faz uma enorme diferença para eles”, disse Joseph J. Lhota, diretor da Metropolitan Transportation Authority, empresa que administra o metrô.

Os primeiros versos, que já podem ser vistos nos vagões, são do poema “Graduación”, de Dorothea Tanning, uma poetisa americana que morreu este ano, aos 101 anos de idade, em Nova York.

Novos poemas serão exibidos a cada três meses em cartazes espalhados pelas composições. Os versos, além de serem acompanhados de uma foto de obra de arte, também aparecerão na parte superior dos bilhetes MetroCard.

Álvaro Fagundes
Vagão de metrô na cidade de Nova York
Vagão de metrô na cidade de Nova York

O dedo do anel roubado – de gilda kluppel / curitiba.pr


Vão-se os anéis, ficam os dedos

E de que modo ficam os dedos…

tremendo de medo.

Vão novamente usar os adornos

círculos de ouro, prata ou lata

para qualquer moldura

um olhar suspeito.

Vão apanhar a carteira da bolsa

o dinheiro contado

escondido no punho cerrado.

Vão indicar a ferida

a liberdade perdida.

Vão procurar a vingança

apertando o gatilho

numa violência atravessada

equivocada e nociva.

Vão segurar a caneta

denunciar o transtorno

e a tranquilidade roubada.

Vão permanecer sempre alerta

com receio e dedos ao alto

desconfiança constante

e a delicadeza falida.

A unha e a carne

agoniadas e acuadas

vão procurar abrigo dentro dos bolsos

ou permanecer inertes

atrás de um braço cruzado

temendo pela próxima vez

vão-se os anéis, não sobram os dedos.

ARTHUR RIMBAUD: MA BOHÈME (Fantasie) – paris.fr

 

E lá me ia, as mãos nos bolsos furados,
E meu casaco era também o ideal.
Eu ia sob o céu, Musa! e te era leal;
Oh! lá! lá! que esplêndidos amores sonhados!

Minha única calça estava em frangalhos
— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia
Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia,
Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.

Sentado à beira das estradas eu as ouvia,
Belas noites de setembro em que eu sentia
O orvalho em meu rosto como um vinho forte;

Quando compondo em meio a sombras fantásticas,
Como uma lira eu puxava os elásticos
De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!

Tradução de LEONARDO MAGALHAENS.

ORAÇÃO DE JOÃO MARIA – de jairo pereira / quedas do iguaçu .pr

 

Foi com teus olhos

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que vi o profundo da serra

Que conhei a larva da terra

E a extensão das fazendas vazias.

 

Foi com os teus pés

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que pisei o solo das estradas

Desconhecidas

Os carreiros úmidos das matas

Que senti os espinhos

Da sina de errante.

 

Foi com tua fome

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que comi o pão de milho

Na casa do pobre

E masquei a erva do sertão.

 

Foi com tua força

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que entendi a filosofia

Do princípio e do fim dos

Tempos

A razão natural que se expressa

E a ideologia do amor.

 

Foi  com tua cura

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que sarei o silêncio do triste

E o hilário do alegre

No campo sem fim de cada dia.

 

Foi com tua alma

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que senti a escuridão da noite

E o brilho do dia

A senda e o movimento

Das  multidões operárias.

 

Foi com tua análise ilógica

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que joguei a praga no padre

No político e no fazendeiro,

Naquela cidade onde os livres

Não são aceitos.

 

Foi com tua voz inaudível

De João e de Maria

Senhor João Maria

Que fiz tremer os governos, os exércitos,

E os poderosos civis.

 

Foi com teus olhos, pés,

Fome, alma, força e delírio,

De João e de Maria,

Senhor João Maria

Que cruzei rios, pontes, matas e serras,

Que fiz a mais bela apologia à terra

(que um homem jamais sonhou)

Porque a noite dos tempos

Era de minha exclusiva propriedade.

ROUBARAM UM PÓLO AO AMOR – de rosa DeSouza / ilha de santa catarina.sc


Ao amor um pólo foi roubado,

por ganância, medo, malícia

e escondido com muita perícia!

Povos – nalguns a mulher

apenas tinha de agradar

sem nada mais para receber e criar.

Noutros, a gueixa vivendo à parte,

deveria recitar poesia,

saber filosofia e arte.

O yang se enganava

julgando que aumentava

enquanto o yin diminuía.

O ocidente jazia.

 A sensualidade

a fogueira queimava,

no oriente apedrejava,

enquanto na escola…

apenas o homem aprendia.

Um pólo ao amor se roubou.

O homem viver fingia,

denegrindo sexo

até em filosofia.

No humano elemento

a natureza morreu.

Adão continuou

incompleto.

Darwin afirmou

a mulher não ter alma

e o amor

tem sido dor,

apenas embriagado poeta,

canção

boêmia.

Utopia.

Só na anima homossexual

timidamente sobrevivia,

como a mulher – sem liberdade.

Cheio de culpa e medo

via  pecado

naquilo que o pedófilo dogma

queimar e torturar queria.

Mulher era ressalva

de pouca duração,

camélia,

suspiro,

insatisfação.

Mas o que cai no chão

é o estrume do que começa.

Como a prostituta do templo

depois de ter sido deusa,

não poderia morrer,

porque é a própria natureza.

Enquanto a folha cai

a árvore aumenta

em contínuo crescer.

O titã está moribundo.

Eva quer viver;

Sem pólo a terra não é mundo

e a História só sofrer.

Um dia… o gênio da maldade

perguntou:

Para quê dividir o que o pai ganhou?

A mulher deixou de ter herança.

Deusas enterradas na lembrança.

O novo dogma castigava com dor

enquanto o útero enchia de tumor.

Ao amor o ódio foi polarizado,

mas o oposto do amor é medo.

O falo poderoso foi louvado,

torres de igreja foram crescendo.

Mas nem toda a mulher rendeu homenagem

ao enjeitado direito de suas filhas.

Devido a algumas impensável coragem

posso hoje escrever estas linhas.

 

PAULO – de gilda kluppel / curitiba.pr

 

Entre tantas escolhas

a mais difícil

ser um educador

retirando do cotidiano

a inspiração para as letras

não apenas adicionadas

e mal coladas

sílabas quaisquer

não pertencentes a ninguém

mas, agora construídas

formam

o tijolo do pedreiro

a agulha da costureira

a farinha do padeiro

sem o beabá dos outros

daquela cartilha estranha

sem a alma do povo

de repetidas palavras mudas

distantes da realidade de cada um.

E em boa hora se soletraria:

Ci-da-da-ni-a!

Paulo

fora dos confortáveis gabinetes

sempre misturado com gente

forneceu a trilha

da esperança

povo educado

corruptos envergonhados.

Sonho…utopia?

Ensinou

de que serve a vida sem ideais.

Este era Paulo

conhecido por peregrino

de sobrenome Freire.

BEN GAZZARA: CRÔNICA DE UM AMOR LOUCO / los angeles.eua

UM clique no centro do vídeo:

Morre poeta Wislawa Szymborska, Nobel de Literatura em 1996 / varsóvia

DA EFE, EM VARSÓVIA

A poetisa polonesa Wislawa Szymborska, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1996, morreu nesta quarta-feira aos 88 anos na Cracóvia vítima de um câncer de pulmão.

“Morreu em casa, tranqüila, enquanto dormia”, disse à imprensa seu secretário pessoal, Michal Rusinek, lembrando que a escritora foi sempre um fumante incorrigível apesar das constantes advertências dos médicos.

Embora Wislawa, nascida em Kornik, no oeste da Polônia, em julho de 1923, fosse a poetisa mais conhecida da Polônia, teve que esperar até a concessão do Nobel em 1996 para que sua obra chegasse ao resto do mundo.

A autora destacou-se por uma poesia cheia de humor e pela habilidade em usar trocadilhos, presente desde seu primeiro poema publicado em um jornal local em 1945.

Soren Andersson/Associated Press
A poeta Wislawa Szymborska fumando durante o banquete servido na entrega do Prêmio Nobel de Literatura de 1996
A poeta Wislawa Szymborska durante banquete servido na entrega do Prêmio Nobel de Literatura de 1996

JOÃO BELLO, uma imagem para você – de edu hoffmann / curitiba.pr

 

 

o saltimbanco
João Bello
bebeu muito da água
na nascente do sonho

sua cabeça nas nuvens de algodão
onde seu colorido chapéu alcança
faz a mão da memória bordar a lua
faz de cada pessoa uma criança

bela folia o João nos principia
espanta até banzo de Angola
ilumina em todas as caras um sorriso
quando canta cantorias na viola

eita João me faz perder a vergonha
me faz perder o siso, eu preciso…

Desejo de tolo – de gilda kluppel / curitiba

Tolos ambicionam o poder

e aos inocentes restam as lágrimas

nem em seus piores pesadelos

podem imaginar

as competições repugnantes

em palavras equivocadas.

Clausuram sentimentos

encerram as amizades,

iniciam parcerias,

unem-se aos assemelhados

ocupam os espaços

demarcam territórios

e consolidam acordos

para abrigar os indesejáveis.

Enfileiram as pessoas

como cartas de um baralho sobre a mesa

para tecer julgamentos espúrios

descartam os inconvenientes

que podem ser recolhidos

numa próxima rodada.

Caem as máscaras

na face a madeira bruta

sem verniz para disfarçar.

Espectros se levantam

sombras predominam

desonram os honestos

e a virtude é humilhada.

Sepultam ideais,

revestem-se de autoridade

e mudam atitudes.

Invertem a moral

espalham sofrimentos

e se regozijam na desgraça.

Mentiras se transformam em verdades,

verdades se ocultam atrás das mentiras,

meias verdades bastam

onde impera a hipocrisia.

Travestem-se de mártires

manipulam pessoas

inventam feitos heroicos

para conseguirem seguidores.

Oportunistas de ocasião se prevalecem

e reacendem a chama da vaidade

para obterem privilégios.

Logram irmãos

apedrejam supostos inimigos

e dormem sem consciência

na certeza da impunidade.

Deliciam-se em fétidas fossas

ao repartirem as migalhas

conquistadas após sórdidas disputas.

Orgulhosos se julgam poderosos

e em todos veem súditos,

prontos para lhes servirem

doses diárias de simulada gentileza.

Vendem a alma por qualquer bagatela,

em mais uma falcatrua.

Jazem em túmulos esquecidos,

pela vergonha da lembrança

ruborizam descendentes

com a memória da sua insignificância.

No mundo dos espíritos, no reino das trevas,

cercado de seus semelhantes

distantes da tolerância dos inocentes

encontram a sua verdadeira morada.

Interação no Masp – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

 


 

farejei
o mais perto que pude
o um quadro de Van Gogh,
tem um rico cheiro de roupas velhas, de suor
e tabaco.
Tem ainda o cheiro quente de Arles
e do quarto fechado e quente
em que foi feito.
As telas de Picasso cheiram a touro.

É importante, é importante
farejar,
Todo o quadro ou foto
toda imagem se boa,
tem um odor rico.
Se o cheio é ruim, a imagem é ruim.

Se puder, olho para os lados
e se não tiver ninguém
lambo
gosto de sentir o gosto das tintas.
Sinto necessidade de engolir
um pedaço da Capela Sistina.

E escuto,
coloco meu ouvido bem pertinho
batuco com os dedos,
tamborilar é atávico no homem
ouço o pulsar,
é maravilhoso sentir o coração de tela reviver.

E sim, toco ,toco porque
é o toque que transmite a compreensão.
O toque é um carinho,
não é um vândalo quem sente a necessidade de tocar um quadro
mas sim aquele que está sublimado.

Dor em salva – de omar de la roca / são paulo

 

 

A líquida curva cristalina,

o céu azul de mar ascenso

presenciam tudo.O encontro,a ameaça.

A neblina na alma, pé no chão descalço.

O mar profundo e o céu profundo se encontram

dentro de mim e me esvaziam de toda possibilidade.

A impossível possibilidade,

a impassível  passividade.

Pedras cortando, fio de prata zunindo.

O esquecimento da euforia ,

a despedida das lembranças.

A impotência de nada fazer.

Nada poder fazer senão aceitar.

Aceitar tudo.Esperar tudo.

A esperança, a espuma que volta,

o som das ondas que cessa,

Aceitar a água alta que bate forte por dentro.

Cumprir o ritual, linha a linha,

sem retorno.

Ainda a esperança que aos poucos se esvai.

A areia fofa,as pedras,a onda quebrando a pedra,

A tempestade que dilui todo o cinza em mais cinza

A névoa que encobre tudo e tudo revela

Mãos que trazem conchas, algas,veneno e cura.

A dor em salva.

fitas coloridas, roupas brancas,

a dor que nada poupa.

Segredos,religião única ,

o ar que falta.

Ardor que a nada salva.

A luz do farol que nada ilumina.

Múltiplos credos, sabores, cores vibrantes, Bonfim,

fontes e fortes.

Nada mais importa.Tudo importa .Tudo passa.

Mas tudo fica,que a imaginação não para.

A imaginação segue seu caminho.

Sem rumos, sem freios e sem fronteiras.

Ad infinitum.

Querendo voltar ao abismo solar, amarelo,límpido.

Querendo voltar no tempo, impossível tempo,

que a tudo vê,sempiterno.Sempre vivo.

Mas que inexiste quando os segundos congelam.

 

JESUS APARECIDO DA SILVA, EM AÇÃO – de jairo pereira / quedas do iguaçu.pr

JESUS APARECIDO

DA SILVA, EM AÇÃO

 

 

Estive com Jesus

na Assembléia dos Sábios

Consagrados pelo Governo

Jesus em pé encostado

numa coluna dórica

ouvia à todos em silêncio

:no silêncio mais profundo: 

opfshneoim

Jhejkfdnj

após todas as falas

Jesus :lux em esplendor:

tomou a tribuna e

sua voz fez-se presença

nos espaços lídimos do templo

Jesus vestia uma túnica de

juta branca pontilhada de finos

bordados e grossos remendos que lembravam

manchas pictóricas fauves

Jesus estava magro muito magro

acometido de gastrite

mas doce e manso como

sói poderia ser Jesus naquele dia

engoliu um comprimido

de leite de magnésio ellephilips

para alívio da dor na boca

do duodeno

a voz comum de Jesus

emanava altissonante      

primeiro falou das sementes

dos brotos das folhas

dos frutos tenros

da grande árvore da sabedoria

e deu pra ver as oliveiras

      cheias de olivas

      pingentes de maduras

:caminhantes noctívagos: saciados e adormecidos sob os galhos das ditas árvores imaginadas e que se podiam ver

após partilhou Jesus os pães e

os peixes com os presentes

:visão premonitória de Jesus:

da futura sociedade

que habitaríamos

visão de fartura exposta

                                      Jesus era realidade

                                      e era sonho era

                                      objetividade plena

e metáfora poética incorporada

:fluído simbólico apto a dizer

e denotar o mundo:

Jesus falou da vida

e da morte falou de fatos

atos trabalho saúde

alimento transporte educação

salário linguagem e pensamento

Jesus declamou poemas

cheirando à couro e deserto

poemas de estar na terra e no céu poemas de mansidão e conflitos                                                       alegria e tristeza                                                      Jesus decodificou hieróglifos nas pedras que trazia

pedras que o enganaram muitas

vezes pedras que o enganariam

para sempre e Jesus ainda não sabia 

depois descreveu os oceanos abissais e os rios

até o nosso :superamazonas:

  enfocou rio tomado de verde pra todos os lados falou dos peixes que os habitam peixes peixes muitos peixes :escamas-vidas:

peixes sempre multiplicados em míriades de incalculáveis cardumes

                                             contares infinitos:

   Jesus dispensou

o ábaco ou a máquina de somar com pedras pedrilhos

pois os números ficaram imensuráveis

tantos os peixes existidos no mar

e nos rios que falara mas que

o deserto não oferecia senão gafanhotos

pequenos gafanhotos lêmptos de cor amarelo-cinza gafanhotos que na véspera alimentaram São João Batista

Jesus não tinha mesmo muita fome

que a vida a ideologia pregada

o consumia no amar no pensar orientar e subverter o superpoder

estabelecido

Jesus absolutamente não

tinha muita fome

não se preocupe fora de tempo

Jesus nunca teve fome

a louca fome que sempre tivemos temos

Jesus orou com a

leveza de anjos azuis

 como pescador como operário de chãos  arenosos e de cal pedras britas carvões em minas

 ferros e cimentos

 Jesus expôs sentenças

 que a todos pareciam conhecidas e no entanto nunca as tinham ouvido lido nos papyros seculares

Jesus escondia as pequenas

pedras-eclipsemas mais

importantes sob a túnica

numa espécie de bolso

onde algumas moedas

                                     repousavam inúteis

Jesus falou com as

palavras-lagartas vivas que sabia

palavras simples tiradas

do dicionário do deserto

dicionário

de tempos de cogito solitário

nos amplos espaços de vento e areia

ventos e areias

Jesus suspenso no ar

em andaímes descomunais

tapumes cordas

ou cipós-açus

Jesus tinha os cabelos thurvos de areias pós brancos de cal

e cimento :resíduos

de britadeira: e ventos

o corpo suado e sujo das andanças e labores

no transfim a esmo

ou a conduzir magistrtal os rebanhos orientados pelo amor 

Jesus lívido etéreo

os olhos fixos num ponto acidental nas amplas

paredes como se

não enxergasse as pessoas

que na Assembléia dos Sábios Consagrados pelo Governo

os lábios de Jesus no

sadio movimento da fala tresandados tresandando Jesus semiótico Jesus poeta de cristal Jesus arauto dos novos tempos Jesus singelo adornado de precioso saber Jesus filósofo Jesus teólogo Jesus pai Jesus filho Jesus Maria Jesus irmão Jesus ideólogo Jesus messiânico Jesus político Jesus líder sindical Jesus professor Jesus enfermeiro Jesus advogado

:não: Jesus legisferante

Jesus cristão Jesus profano

Jesus Jesus

sua voz crescia

nos largos espaços do Templo Consagrado

à Sabedoria e ao Espírito Elevado os sábios no

máximo

assentiam com as cabeças

nenhum

importuno a contraditar alucinado as preleções

inusitadas de Jesus os vendilhões do templo

cairam em si e armaram feiras à beira dos caminhos depois da última que Jesus lhes aprontou 

impávido Jesus tratou das   relações dos homens entre homens sistemas e organismos

da sobriedade das estruturas frias da matéria do essencial do lixo

das mãos estendidas do amor em todas suas variantes:

amor dos beats amor hippie amor dândi amor business amor vertigem amor platônico amor nativo amor a deus amor proletário amor fraterno amor paterno amor materno

amor de   ficar amor de amar amor do amor em si

Jesus calou os sábios o canto hipnótico que

a cigarra funda: eu ali

high tec assim senti o saber

no espírito dos tempos a voz

do espírito santo o pathos do

canto o transe da voz inaugural dos novos tempos

um tempo de mãos unidas na

mesma senda de viver a vida

amar e laboriar para o futuro

:futuro o que persigo como poeta:

arrisquei um aparte na fala de Jesus ‘Jesus… sou poeta e os pulhas…

‘todos são

filhos de deus’ corrigiu-me impiedoso Jesus

e completou que esperasse paciente ‘o beijo do tempo’

que

‘nada era

de se antecipar’ nas

minhas tolas pretensões de ser

mais blasfemei sobre tantas

coisas

por não ter conseguido isso

e aquilo

Jesus

comiserado outra vez negou  minhas vãs pretensões de ser

‘mas Jesus Jesus…’

e Jesus ‘o filho do pai

que não acata a lição dos tempos não

merece sonhar não merece crescer

tua voz aparecerá quando for preciso

não corra na frente do signo

não adiante o pensamento

sem necessidade. A flor nasce

e morre no tempo certo

o vento espalha pétalas nos

espaços arbitrários

quando há nathural exigência

tens signos interiores de luz signos

ainda contidos que

devem ficar contigo no rebanho in constructo

da grande obra

dê tempo ao tempo

tempo aos ventos do

espalhar de pétalas da flor-

poética bruta que és’.

Tive que sair às pressas

antes que a turba me agredisse.

De fora do templo ainda ouvi Jesus finalizar

seu discurso dizendo que era ‘Jesus Aparecido da Silva

sindicalizado pedreiro alagoano desempregado

analfabeto sete filhos RG n.º 1880.521-4 IIDF

CTPF n.º 15582 série 276, residente em Estripulândia

cidade satélite de Brasília’.

OS MALABARISMOS DE UMA CONSCIÊNCIA INTENSAMENTE LÍRICA – por alexandre bonafim / são paulo.sp

A poesia de Almandrade faz-se, antes de tudo, daqueles temas
essenciais da condição humana, tão preciosos para os homens do nosso
tempo, distanciados da razão de existir. Uma perplexidade em constante
estado de nascimento acorda, aos olhos do leitor, uma realidade
múltipla e absurda. Ao lermos os textos do poeta baiano, deparamo-nos
com a densidade do real e com todos os seus limites e frustrações:
“cidade perplexa/ embalagem hostil/ inútil divertimento”. O eu lírico
dos poemas de Almandrade gasta-se nas arestas do mundo, rasga-se nos
ângulos dessa realidade limitada, em um viver de raríssimas
possibilidades de salvação ou transcendência (encontradas, como
veremos a seguir, apenas no erotismo e na epifania da palavra lírica):
“O andarilho inocente/ repete o caminho/ sem encontrar/ uma saída”.
Esse esgotamento das possibilidades do real lembra-nos dos angustiosos
labirintos Kafkianos, em que todas as direções nos encaminham, na
verdade, para lugar nenhum. O mesmo clima de abafamento, de
aprisionamento, entrevisto na ficção de Kafka, pode ser percebido
nesses poemas de agudeza existencial. Drummondiano, sem deixar de
possuir uma voz própria e peculiar, Almandrade recria, portanto,
aquele clima claustrofóbico da poesia do autor itabirano, tão bem
expresso pela persona inventada por Drummond, ou seja, o seu famoso
José.

Essa é uma poesia que, antes de instaurar a segurança,
desalenta-nos com as incertezas, com as dúvidas. Já na antiguidade,
Sócrates alardeava a importância do questionamento, em detrimento das
respostas. Pois bem, na poesia de Almandrade, temos a mesma sede de
indagação, a mesma escavação feita por perguntas que não se findam,
que instauram uma perpétua pesquisa do viver: Pensar é/ abrir portas,/
migrar/ para o desconhecido”. Em versos sucintos, verdadeiras farpas
de auto-iluminação, o poeta de Malabarismos das Pedras amplia a
potência do signo poético, como se a palavra funcionasse como um
verdadeiro golpe a acordar o leitor de sua letargia, de seu
sedimentado hábito de simplesmente estar no mundo: “Dormir,/ pode ser
uma covardia/ diante das circunstâncias/ e suas incertezas”. Essa
vigília em perene estado de exacerbação, funciona, portanto, como um
farol a desmascarar as farsas dessa nossa realidade tão estigmatizada
pela mídia e pela ideologia do consumo. Ao lermos Almandrade,
sublinhamos, em nosso âmago, a força da consciência e a sua capacidade
de detonar as verdades estereotipadas de nossa era pós-moderna.

Essa mesma consciência, vibrante, intensa, também vasculha a própria
fuga do tempo, e a revela, sem nos poupar e sem nos iludir: “a vida
quando vazia/ é um acúmulo de rugas”. Somos seres irremediavelmente
efêmeros e passageiros e, diante dessa situação existencial, resta-nos
somente a epifania da própria poesia, teia a nos interligar a um
eterno agora (apenas retido pela memória), momento pulsante,
orgiástico e, por isso, intensamente vivo mesmo em face da dissolução
do existir: “as coisas retidas na memória/ acariciam a eternidade”. É
dessa revelação da palavra, feita de som e fúria, que nasce um doce
erotismo, um terno desvelo pelo corpo feminino: “Em silêncio/ a
intimidade feminina/ acende o mistério/ que faz lembrar/ o aroma dos
devaneios/ que transporta/ o fim da tarde”. Dessa forma, diante das
amarras impostas pelo destino e pela realidade, nasce a iluminação do
desejo, energia a latejar o corpo, a incendiar a graça de ser: “Nem
mesmo/ a musicalidade dos pelos/ é maior que o apelo/ da cicatriz do
nascimento”.

A poesia de Almandrade, portanto, recorda-nos o mito de
Sísifo. O homem contemporâneo, acossado, muitas vezes, pelo vazio e
pela alienação, típicos em um tempo de consumismo desenfreado, está
condenado a rolar, em infinitas vezes, uma pedra ao topo de um monte.
Todavia, resta a esse homem, ao descer, de mãos vazias, a mesma
colina, a visão pródiga de um mar, feito de intenso azul, prazer e
glória a saciar-nos com o milagre da poesia: “Agora é dia, o sol
queima a letra”.

Alexandre Bonafim – Nasceu em Belo Horizonte. É mestre em literatura brasileira, poeta e professor universitário.

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A  RAZÃO  EM  COMA

Pobres bibliotecas vazias
sem títulos e sem Borges,
O tempo, indiferente
ao jogo dos relógios,
não é mais dos livros.
O saber é um desconforto
de uma civilização
que vive ao redor do imediato
e humilha a memória.

ALMANDRADE

A odisséia ou o erro do pavão – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

O pavão

de olhinhos nervosos

irrequieto bípede

tirou dolorosamente

suas queridas penas

uma a uma

e colou

em folhas de papel sulfite.

Despiu-se de suas jóias

transgrediu o pudor

sentiu frio

ficou só

sua família não agüentou

a verdade nua.

Não satisfeito

regurgitou a pouca quirela

do jantar

e vendo o vômito convulso e amarelo

lembrou-se de Van Gogh

e chorou.

Colou sua bile no sulfite

e com as folhas e penas e vômitos

profissionalmente encadernados,

a pobre ave implume

saiu a procura de editor.

Seria mais fácil, pássaro

achar editor

se deixasse as penas no corpo

e levasse as folhas em branco

profissionalmente encadernadas

sempre

profissionalmente encadernadas.

SAUDADES DE TI DIANTE DE TI – de zuleika dos reis / são paulo

 

Saudades de ti diante de ti

eu a olhar-te de leve

meu olhar sobre ti asas

a roçarem folhas, de passagem,

sem pouso permitido

asas a perderem o rumo

asas a perderem o prumo

asas num voo vertigem

direto  ao chão.

 

Saudades de ti diante de ti

eu a receber e a guardar

olhares de todos os cantos

canto chão

cantochão

no tempo sempre a escoar

sempre em fuga de nós

e do nosso outro tempo

aquele eterno, imóvel,

que nos cravou no mostruário

as asas de borboleta

para sempre em oculta exposição.

 

Saudades de ti diante de ti

esta história, nossa história

suspensa nos galhos da árvore

a perder de vista

a tocar o céu

no bico das aves

sempre a partir

nossa história

que não podemos tocar

a cintilar provisória

nos olhos destas pessoas

que também nunca a conhecerão.

 

Saudades de ti diante de ti

e em breve, muito em breve

nós, a circular em fotos

diante do mundo

e enquanto estas não nos chegam

volto para a casa

onde minha mãe me habita

onde não me habito há mundos

e vou-me, a ler teu livro

que não nos conta, mas nos diz

nos desdizendo

assim, nesta Dor que nos corrói,

para sempre,  assassinando.

 

Saudades de ti

e eu me dissipo

 

como se dissipam

 

ventos…

 

nas mãos

 

nossos fiapos…

BONDADE – de sergio bitencourt / curitiba.pr

Cada Ser Humano tem a uma Bondade, que é dele,
 E que lhe cabe.
É exercida com os seus que Ama,
E com outros que também Ama.
Ser Bom, é exercer a Bondade,
E não patrocinar a vontade dos seus ou fora deles.
Ser Bom é conhecer sem julgar,
Mas conhecer sem se arrepender,
É dar a cada qual o que lhe cabe naquele momento,
Bondade não tem Tempo.
A necessidade é de cada tempoi,
E irraigada com ele.
De modo que, a necessidade de cada qual,
Não tem vínculo com a Bondade se quer de um só.
A Bondade não é nem necessária,
Prescinde da necessidade,
E a necessidae não prescinde nem de sí.
Então, o que é Bom,
É Bom porque quer ser,
E fim.

UM POEMA – de gilda kluppel / curitiba.pr

Um Poema

Sou um ser estranho

ando pela cidade

encontro beleza no asfalto

em qualquer esquina,

numa rua, na sarjeta

exalo o cheiro de chuva na relva.

Sou um trovador

em versos e rimas

o motivo para um enredo,

experimento sensações

acalento sonhos, desvelo segredos

não uso disfarces, mas tenho muitas faces.

Sou uma saudade

quando os passos andam em desalento

amenizo as despedidas

entre tantas angústias

encontro o porto de chegada.

Sou um ser contraditório

caminho pela contramão

no sentido oposto da ambição

durmo ao relento

aprecio o brilho das estrelas

ou o céu lacrado, inviolável

canto felicidade, dores e mágoas

alegrias e tristezas da vida

as pequenas e as desmedidas

a perfeição me encanta

e também o mal acabado,

o desleixado, o jogado ao acaso.

Sou um abraço

sem amarras e cobranças

apenas afeto, o argumento convincente

meras palavras me realizam

entre tantas metáforas

tenho a força de um sentimento.

ESTOU APRENDENDO – de delinar pedrinho matuczak / quedas do iguaçu.pr


 

Eu pensei que a idade me trouxesse experiência.

Lembraram-me que na vida devesse pedir sapiência

Labutei pedindo experiência

Entendi depois de muito penar

Necessito sapiência, espero que esteja em tempo de aprender a ser sábio e a tentar ensinar isso a alguém.

cognita sum

Putabam me aetate usus.
Admonuit me sapientia vitam peterent
Vocatio experientiam laboraverunt
EGO animadverto multum laborem
Ut sapientiae sapere et spes discite tempus tellus sed do eiusmod aliqua.

O rumo do meu barco – de jamil snege / curitiba.pr

Já inspecionei a proa,
amarrei a carga,
desatei a vela.
O vento sopra forte e
enfuna meu coração
de alegria.
Agora é contigo, Senhor.
Toma o leme e risca
o rumo do meu barco – não
penses que irei por
este mar sozinho.

ROBERTO PRADO e sua poesia / curitiba.pr

A volta triunfal

aqui vamos fazer nossa casinha
ali a fábrica não ficará muito longe
uma escola com vista pra montanha
e o templo sem imagem nenhuma
desta vez não vamos sujar o rio
nem inventar leis desalmadas
apenas novamente simples heróis
descobrindo mundos, trocando fraldas
-.-
 
imperativo da primavera
humano, assuma o ar silvestre
época de amor conforme o calendário
flores façam tudo o que não digo
coração, aceite o eixo terrestre
ninho esta vida leve no bico
viva de brisa o papo sozinho
estações, aqueçam seu poeta
primaveras, passem com carinho
    -.-
 
 
dez mandamentos
delire na criança
não bula na flor
pense estrelas
não rele no bicho
gire o sol
não zombe do bem
sofra uma lua
não duvide do amor
acredite nos amigos
e não saia da sua
-.-
 
 
subtrações
que tal pegar tudo que temos
e deste todo fazer a grande falta
um salto que cai, uma queda que salta
essa soma assim sem mais nem menos?
por que não juntar o nosso nada
o eterno que move, o nunca que repousa
e fazer destas perdas somadas
o achado de alguma coisa?

NOSSO SERTÃO NÃO MERECE UMA USINA NUCLEAR – de climério lima / jatobá.pe

NOSSO SERTÃO NÃO MERECE UMA USINA NUCLEAR

 

Cordel de Climério Lima (Jatobá-PE/outubro-2011)

Lido durante a passagem da Caravana Antinuclear naquele município

Vocês que estão em Brasília

Com as rédeas da nação

Nos gabinetes trancados

Para tomar a decisão

Escutem a voz do povo

Sofrido deste Sertão

.

Nosso Nordeste é marcado

Por seca, fome, abandono

Para o país um problema

Um território sem dono

E o Sudeste com as riquezas

E as benesses do trono

.

No passado nós lutamos

Até de armas na mão

Tantas guerras nós travamos

Revoltas, revolução

E produzimos riquezas

Pra engrandecer a nação

.

Acham pouco, meus senhores

Nossa contribuição?

Usinas no São Francisco

Iluminando a nação

A custa do ribeirinho

Sem direito a irrigação?

.

Porque querem construir

Nessa terra renegada

Uma usina nuclear

Pelo mundo condenada?

Porque não constroem mais

Hospital, escola, estrada?

.

Venham melhorar os níveis

Da nossa educação

Melhor salário, emprego

Projetos de irrigação

Proteger o São Francisco

Veia de amor do Sertão

.

Uma usina nuclear

É um perigo constante

Na União Soviética

Numa explosão gigante

Matou e espalhou câncer

Numa área bem distante

.

Também nos Estados Unidos

O acidente aconteceu

Fukushima no Japão

Com uma explosão sofreu

Depois de um terremoto

Aquela terra tremeu

.

O lixo dessas usinas

É um resíduo fatal

Não pode ser reciclado

Jogado em qualquer local

Se posto na natureza

É perigoso e mortal

.

Esse tipo de energia

É, por demais, perigosa

A causa de uma explosão

É ligeira e desastrosa

A energia do Sol

É muito mais vantajosa

.

Todos sabem: Temos ventos

Abundantes no Sertão

Para gerar energia

Sem a tal poluição

Essa usina nuclear

É uma contradição

.

Ao povo de Itacuruba

Pra que não seja enganado

Tem político querendo

Esse projeto aprovado

Pensem: se tiver dinheiro

Quem é o beneficiado?

.

Eu repondo sem pensar

O povo é quem não é

O dinheiro vai pros ricos

Comprarem carro e chalé

E fugirem da cidade

Quando o perigo vier

.

A região vai sofrer

Belém, Florest e Jatobá

Petrolândia, Paulo Afonso

Sem dever irão pagar

Se o rio São Francisco

Vier se contaminar

.

Também a piscicultura

Será bem prejudicada

A morte tomará conta

Da água contaminada

Se isso acontecer

Ninguém pode fazer nada

.

Projetos de agricultura

Terão que paralisar

Sergipe também Bahia

Preços altos vão pagar

De Pernambuco a Alagoas

Até descambar no mar

.

O problema, como sempre

Sobra pro povo sofrido

Precisamos nos unir

Criar um grande alarido

Político só tem medo

Do povo que está unido

.

Desculpem-me pelas rimas

Se não são do seu agrado

Sou um poeta pequeno

Que não quer ver aprovado

Esse projeto maluco

Pelo Governo criado

Entre nós – de omar de la roca / são paulo

 

 

Outro dia distraído

Quando a dor me invadia

Lembrei-me de cicatriz antiga

Que há tempos não sabia.

( entre nós vou caminhando )

Estranhamento contido

Ri  do pálido recorte.

Que outra mais profunda

Por cima já havia.

( desviando de nós aqui e ali )

A primeira  funda na época,

Mas agora é sutil .

Riscos, as outras se confundem

Com a que já existiu.

( Vou lendo entre os nós)

Outras mais antigas,não.

São sagradas.

Intocáveis.

Doem todos os dias.

( nós entre nós )

Sem que eu tenha visto a arma,punhal,

Na mão que me feria.

Não há ungüento que cure,

(  desencanto,desacato,dez atado nó )

Ninguém que de alivio.

Cortes,recortes, não preciso deles.

Estão ali,testemunhos da dor,

Mas enganados por ela.

( nó , desenlace, laço ,nós ? )

Preso na garganta,

torcido nó.

Que de nós pouco entendo.

Que de nós desentendo.

( Que só sei de nós e só  sei de nós,

apenas o que vejo ) .

 

 

PRIMAVERAS – de joão batista do lago / curitiba


Há primaveras sem paixão onde o amor é solitário

Escondido sob nuvens escondidas sob rochas de cimento

Sob um azul cinzento e verticalizado chovendo rosas e flores incolores

Sem o ungüento das abelhas sem beijos para distribuir a fração da gera

 

 

Nestas primaveras surgem do nada o canto maior dos amores

Enquanto flores e pássaros se aninham sob um sol de nuvens torrenciais

Dançando sobre os telhados a valsa dos amores agora ansiados

Sob os olhares espantados dos que não aprenderam a amar

 

 

 

Nestes dias de primavera há um homem querendo amar

Assim como o vento ama ao espaço: infinitamente!

Sem a presunção de querer ser mais que o próprio de si: simplesmente amor!

 

 

Nestes dias de primavera um navegante solitário enfrenta suas tormentas

Num mar de lutas onde suas sereias teimam em não vê-lo (e)

Nadam rumo ao desconhecido imenso trapaceiro destino solitário

“A Queimada” – de lêdo ivo / rio de janeiro

“A Queimada”

 

 

“Queime tudo o que puder :
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose

 

os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.

 

Seja como os lobos : more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.

 

Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita”.

 

 

Ao Pé do Túmulo – de auta de souza / natal.r n

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

LEVA MEUS VERSOS – de solange rech / tubarão.sc

Leva meus versos, que nada pesam.
São carga leve, como isopor.
São luz de vela, são mãos que rezam,
Sorriem sempre, apesar da dor.

Leva meus versos, que não são nada
Perto da tralha que a gente traz.
Esses coitados não têm morada,
Pródigos filhos buscando paz.

Leva meus versos, trata-os com calma,
Pois só recebem desprezo e grito.
Vem das origens todo o seu drama
Já que nasceram de um pai aflito.

Leva meus versos, vê que me esforço
Por arranjar-lhes um lar fecundo.
Como pai deles, tenho remorso
De que se sintam párias do mundo.

Leva meus versos, guarda-os contigo.
Far-te-ão feliz nas horas tristonhas.
Nas tempestades serão abrigo
A resguardar o mundo que sonhas.

Leva meus versos e outros cantares,
tão desprezados, tão pobrezinhos.
Morrerão todos se os não levares
ou vão perder-se em ínvios caminhos.

Leva meus versos, são peregrinos
de almas sensíveis, como é a tua.
Que eles não sejam, como os meninos,
versos sem teto, versos de rua.

Leva meus versos, que nada pesam.
São carga leve, como isopor.
São luz de vela, são mãos que rezam,
sorriem sempre, apesar da dor.

-.-


SACERDÓCIO POÉTICO. Solange Rech, Editograf, Florianópolis – SC, 2004, p. 37. 

Solange Rech (Tubarão29 de maio de 1946 — Florianópolis29 de janeiro de 2008) foi um poeta catarinense contemporâneo.[1]

Apesar do nome ser normalmente feminino, Solange Rech era um homem. Aos nove anos surgiram seus primeiros versos e aos doze disputou, com adultos, concursos de trovas-repente. Aos dezesseis anos publicou seu primeiro livro, intitulado “Trovões Dolentes”, uma coletânea de 60 poesias. Foi funcionário do Banco do Brasil como fiscal agrícola.

Mario Quintana assim se expressa a seu respeito:

“Teus versos às vezes cortam como espada. Outras vezes lembram a doçura do açúcar. Mas são todos primorosos, especialmente os sonetos.”

Premiado em vários concursos literários, tem trabalhos publicados em diversos países e participou de mais de 35 antologias poéticas, inclusive no exterior. É chamado por seus colegas “O Poeta-Rei”.

Principais obras

  • “Para Matar a Noite” – 1987
  • “De Amor Também Se Vive” – 1999
  • “Os Espartanos de Deus” – 2000
  • “A História da FENABB” – 2000
  • “Serões na Rede” – 2002
  • “AABB – Florianópolis – Meio Século de História” – 2003
  • “Sacerdócio Poético” – 2004
  • “Meus Sonetos Premiados” – 2005
  • “A Hora da Colheita” – 2005
  • “Versos do Tempo Quase” – 2006

Não passarão! – de ademar adams / cuiabá

Não passarão!

 

Os corruptos não podem vencer esta,

Fazendo do cê, do ene e do jota,

No mundo da Justiça letra morta,

E do erário, um bacanal, uma festa.

 

A toga não pode ser a casamata,

De quem não é digno de trajá-la.

Patriotas, preparemos a batalha

Ou a nação o corrupto arrebata.

 

A guerreira levantou a sua voz,

E não segui-la nesta hora atroz,

É ceder o Brasil à empulhação.

 

Em frente passionária corregedora!

Branda a tua espada moralizadora!

À luta! Viva o Brasil! Não passarão!

PERFUME – de edu hoffmann / curitiba

chove chuva de chuveiro

é uma lisonja ensaboar

a quem a mui lejos foi monja

ela me disse que tudo passa

– passe bem de leve a esponja

melodias realejo

ambígua língua dançando

distraída no seu umbigo

  blues no azul do azulejo

 

 

 

 

 

 

ESTOU FICANDO LINDO! – de jorge barbosa filho / campo mourão.pr

ESTOU FICANDO LINDO!

(Heróica parte 1)

Não sei como você agüenta essa coisa de dar satisfação.

Não sei, não! Tudo que queríamos, era pura invenção.

Não sei da tua, como atuas, e disfarças os teus dias-a-dias,

Tuas mágicas são tão pequenas!

Ok! Corro o risco lembrando-me de você,

Quase me tornei um sapo… Bem, agora tou bem Safo!

Mesmo que isto tudo me encha o saco, pago…

Pra ver! Pra ter!  Pra ser!  Pra valer!

 

Todos teus disfarces, teus passes, teus toques sem faces!

Nunca acreditei um instantinho de tuas festinhas

Em nossa cama embolada de amor, amor?

Faço a correria do modo que gosto, e posso.

Vivo do meu talento e detesto quem é lento.

Repare que o mundo roda. Acorda! A corda!

O vento é meu amigo! Quero vê-lo bater no teu tento, agora!

Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!

 

Aposto que de nós não sobrou nada no espelho.

Quando passo por ele, apenas me vejo e me dou um beijo!

Fico cabreiro enquanto percebo alguns fantasmas…

Rezo para o Sempre e digo que isto é uma farsa, e passa

Pelo seu tranquilo metal e líquido, feito mera fumaça!

Sou aquilo que sei, sou, sonho e desejo,

Às vezes me despejo de tudo e de mim mesmo…

Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!

Mas não tenho medo de tentar a sorte, ou a morte.

Sinto-me forte apesar de todo enredo…

Vejo jacus britânicos e caiçaras americanos por todos os lados

Consumirem seus relógios, seus ópios, seus óbvios,

Descansarem sem culpa no interior de seus óbitos!

Deus dê longa vida aos necrológios e aos necromaquiados!

Pois eu vivo, vivo! De cara, na lata! Não finjo, não fujo, não!

Pra ver! Pra ter! Pra ser! Pra valer!

 

MAR – de omar de la roca / são paulo

MAR

 

 

 

Que palavra é essa que se agita em mim?

Que mar é esse ?

Como uma onda que me cobre a cabeça,

E eu tenho que bater os pés com força para respirar

Ou como uma tábua de salvação

A que me agarro

E me desgarro quando o pé encontra o chão.

Como a onda que me leva boiando no espaço liquido.

Onde faço lentos movimentos circulares.

Onde sufoco um pouco, um pouco ofego

Sôfrego de luz e de palavras.

Como o barco, que só alcanço a borda

Sem força para nele me chegar

Fraco,tímido, sôfrego  de medo

Tremendo,querendo mergulhar

Mais fundo e mais e mais

Deixando que  a corrente me transporte.

Trazendo a tona a água dividida.

E quebro a onda, com meu corpo

Cujo destino é pedra. E alga.

Com a mão aliso a vaga

Que me levanta e a mim salga.

E sigo resistindo a sereia que se enrosca

Em meus tornozelo, e a mim puxa,

Para o fundo,para o fundo.

Mas me sacudo e me livro

 

Como faço com palavras que me incomodam

Pondo no papel, pondo ao vento

Como roupas a secar e a chuva molha,

Apelando ao perdido pensamento,

Sentimento que não volta.

Que mar é esse ?

Que palavra é essa?

Aceno a mão para o navio inexistente,

Querendo voltar ao porto que ainda não existe,

A água sobe e perco o pé, mais esforço feito,

para ficar a tona, cabeça de fora,nariz de fora.

Ar , que te quero puro.

Ar que é preciso, e eu preciso .

Que palavra que se agita

Em mim e logo grita,

Que mar, no qual me agito,

Muito alem de meu próprio grito?

O sol chia ao encostar na água lá no horizonte.

Logo será noite. Encontrarei areia. Bato os pés

Em desalinho,respiro,afundo.

Me agarro a um tronco. Devo estar perto de terra firme.

Bato os pés e vou seguindo.Vou seguindo.

Que palavra, que mar ?

Bato os braços,os  pés.

Chego lá ? Não sei,engulo água,

E ,me agito mais forte para respirar,

para alem de minha mágoa.

Que cor é essa com a qual escrevo?

Cor de água do mar.

E o papel ? Transparente ,de vidro.

Que mar ?…afundo.

Que palavra ? Surdo, de água.

Areia,concha,alga e pedra. Mar.

E no ar seguro de novo.

CARNE CELESTE – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

                                                                       

Carne celeste

Sinto algo de santificador no céu,

os pássaros e pipas

são batizados por algo sublime.

O metal do avião,

o corpo do aviador

e dos passageiros,

quando molhado pelo azul

se tornam diferentes.

Há na pena,  no meteoro,

no satélite,

no alumínio esmagado

de um acidente aéreo

algo de sagrado.

Mesmo o lixo

quando elevado pelo vento

sublima-se.

Como é lindo ver

os papeis,as sacola plásticas

quando dançam sobre as cidades

num êxtase de cisnes.

Há em mim sempre

a vontade de apanhar granizos

de guardá-los com cerimônias,

e de beber

a água benta da chuva,

de acariciar balões e pára-quedas.

Sim,tenho em minha geladeira granizo

e nas gavetas todas as passagens aéreas,

e qualquer pedaço de papel sujo,

qualquer sacola plástica

que tenha visto dançar.

Em minha carteira

esta uma semente, destas emplumadas,

em uma manhã de domingo olhei ela descer do céu

calmamente,com graça

e pousar tão próxima que a apanhei.

Guardo,porque desconfio,

que como nos pregos

na lança e nos espinho,

fica em tudo que voa um pouco do divino,

por terem todos também

transpassado o corpo de Deus.

ASPIRAÇÃO – de zuleika dos reis / são paulo


  

 

Pairem minhas palavras

para sempre

pássaros sem assinatura

sonhos de poemas

jamais escritos

a serem colhidos

por mãos invisíveis

que possam escrevê-los

e assim se faça

a poesia

que nunca hei de ler

no anonimato

que ninguém saberá.

 

Assim me faça

desconhecida

nos poemas

de palavras anônimas

colhidas

por um autor a vir

que se saiba

ou que almeje saber-se

em tal sonho de ritmos

escritos por ninguém.

 

Em espaço onde pairem

sempiternas

as histórias

os silêncios

de tudo o que houve

e não

neste tempo em que eu

NÃO

assim fiquem também meus hiatos

meus vazios

 

ausências

que um poeta a vir preencha

com a própria respiração.

MÁXIMA FORÇA – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

                                                  Máxima força

 

O sonho e a força máxima.

O sonho é o deus infantil escondido atrás

do racional.

O sonho tece tratores

monta fábricas, compõe andaimes.

O sonho abre um shopping.

O sonho não é ingênuo.

O sonho rouba.

O sonho depreda.

O sonho angustia.

O sonho frusta.

O sonho quer ser eleito.

O sonho quer conhecer a África.

O sonho quer vender a cura de doenças.

O sonho planta quatro mil alqueires

de soja todo o ano.

O sonho quer escravos.

O sonho mata e desmata.

O sonho gerou esta era de desperdício.

O sonho é predador de outros sonhos.

O sonho quer mais.

O sonho mistura, aumenta, encolhe,

cães, gatos, bois e cavalos.

O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.

O sonho.

 

PLASTIKOS – de gilda kluppel / curitiba

Plastikos

O ícone da atualidade

dispensando a argila

moderno, termoplástico e elástico

este policloreto de vinila

adquire qualquer formato

por dentro correm as águas

reveste o piso, o teto e a parede

cria flores quase eternas

no frasco onde saciamos a sede

embalando diversos produtos

em tudo o ente plástico

o artificial artefato

descartáveis sintéticos

viram meros entulhos

a natureza em maltrato

no universo submerso

perversos com o meio ambiente

em suas inúmeras peças

formam um mosaico decadente

e nada que impeça

a paisagem em desarmonia

confundem as tartarugas marinhas

engolem seus piores pedaços

algas embrulhadas com plasticidade

como invadiu tantos espaços…

plastificará os mares por inteiro

assustando os marinheiros

de longas jornadas

nós, os passageiros

e o ser plastificador sorrateiro

querendo dominar o cenário

montanhas de lixo plastificadas

estáticas e petrificadas

pelos intrusos não biodegradáveis

realidade plastificante

pensou em seu uso e não no desuso

esquecendo da desplastificação

dos materiais macromoleculares

de longa decomposição

nada é justificável, apenas plastificável.

“ÁRIA ANTIGA” – de alceu wamosy / uruguaiana.rs

Chora o orvalho da luz sobre a rosa do dia
que se fecha. O jardim todo lembra um altar
para o qual sobe o incenso azul da nostalgia,
e onde os lírios estão de joelhos, a rezar.

Tu cantas para mim. Tua voz, triste e mansa,
vem trazendo, a gemer, dos confins da lembrança,
qualquer coisa de velho, onde a vida se esfume.

Quando a voz adormece um fantasma desperta.
A tua boca é como uma rosa entreaberta
que a saudade acalante e o passado perfume.

E essa velha canção que o teu lábio cicia,
no momento em que a tarde adormece no olhar,
enche o meu coração de uma vaga harmonia,
de um desejo pueril de ser bom, e chorar…

À FLOR DA PELE – de ana vidal / lisboa.pt

 

 

 

Toco, teço e entrelaço

Com dedos de descobrir

Lanço redes num abraço

À flor da pele me desfaço

Na vertigem de sentir

Tudo é matéria, se é tempo

De epidérmicas razões

Danço num sopro de vento

Rasga-me cada tormento

Gelam, queimam, emoções

 

E todavia, invisível

Eterno e primordial

Corre o rio do intangível

Imperioso, indefinível

Matriz de tudo, afinal

A RIVAL – zuleika dos reis / são paulo


 

Criei-te rival

odor transpirando

na pele do homem

que chamei de meu

sem poder para arrancar-te

de nós.

 

Criei-te outra fêmea

para o prazer do homem

que me chamou de sua

sem poder para arrancar-te

de mim.

 

Em nós

uma grande brecha

para abrigar-te assim

imensa como és.

 

Mulher assim transbordante

deste imaginário

na cama do homem

que em noites incontáveis

invisíveis

no sêmen

de segundos

foi entranha em mim.

 

Talvez por tão bela

antiga como não fui

talvez pela fragrância

na pele

no rosto

dos versos

Cântico dos Cânticos

 

mulher, quero amar-te

não por ti

não mais que

pela suspeita

de também habitares

a saudade do homem

que em noites incalculáveis

no bater dos segundos

do tempo  que não existe

chamei de homem meu.

Revelações no crepúsculo / de tonicato miranda / curitiba


 

a tarde cai de mansinho

saiba caem folhas de mim

vou me desfolhando no jardim

sou as folhas presas no ancinho

 

confesso jamais estive em Teerã

estou nas tristes folhas do galho

voando vou até mais um orvalho

quando a noite pousar na manhã

 

preso estou nesta janela e na dela

a esperar telefonemas ao meio dia

pois me encontre lá na chuva fria

serei o dedo esfregando a remela

 

a tarde vai, nada há mais para ver

o Sol foi brilhar outro lado do fim

deixou brotos de tristezas em mim

sou sorvete demorando a derreter

 

a tarde vai, morrerei no escurecer

serei na noite prisioneiro da ferida

terei aqui apenas palavras e bebida

pode até a luz não mais aparecer

 

a tarde se foi, é imensa a tristeza

rezo, não rezo, rezo por ninguém

darei de graça meu último vintém

comprarei com milhões sua leveza

 

Tarde! Demore-se mais por aqui

queria parir este último poema

dizer a ela da caçada a seriema

após tê-la nas mãos deixei-a fugir

 

Tarde esta foi mais uma bobagem

precisava revelar o novo dilema

amo a vela, não é tolice de cinema

tola é a vida, mas bela a viagem

 

Ah tarde, agora pode ir embora

já disse tudo, chutei muitos baldes

disse coisas na sala, nos arrabaldes

no quarto do olhar e até porta afora

 

TRANÇAGEM – de jairo pereira / quedas do iguaçu.pr

 

O fósforo

de tuas palavras

acende

iracriadora

no meu

coração.

A iracriadora

repercute no sempre

de todas as épocas

porque é voz lançada

ao infinito

transdiz o indizível

e revela os espaços

ocultos do orbe

em transe

de altosonhar.

Existe

o baixo sonhar

e sempre andei ali

escaravelhando

pós ardidos

de contigo, reergui

o gesto, a voz

o ímpeto e agora laboro

magmas alternados

de beleza e furor

explícitos zêlos

atônitas investidas

nos fatos.

Espírithos invictos no labor dos livros me desafiam

:golpes baixos no dizer:

agridem por mero deleite

a voz que poéticocircunda o entrelivros e delibera e torce as coisas de razão desrazão.

Comigo é assim despachado o despacho do dizer nos pacotes endereçados pra alguém no futuro que pouco ou nada me diz.

Na luta de facas, tu vinhas e eu me defendia com golpes marciais

as facas lampiavam na escuridão dos muquiviras e eu me defendia defendia. As lâminas finas, cromadas lampiavam na escuridão dos muquiviras e eu me defendia

defendia.                   

Em poeta e anjo e semioticista eu lançava mão de signos espérios ágeis no gatilho e mesmo assim tu te chegavas ostensivo, lampiando as facas afiadas no meu brilho.

Acrescente um punhado de feijão no prato, um punhado de arroz e um ovo frito fenomenal. Sacias a tua fome. Um poema como esse prato cheio, interfere em outras espheras. Interfere

educa o trauseunte peregrino. Um signo vive dum prato feito. Um signo, um homem, um centauro, um ente libertino. Dum prato feito a nossa fome. Dum prato feito, a nossa ira santa. Dum prato feito, o nosso amor. Dum prato feito, a imagem da musa crescida de sóis insuspeitos. Em poeta e centauro e ente reciclínio não me deixo abater pela cantilena negra do baixo espíritho. Uma proeza, a voz que poéticocircunda nossas ações de inventor

criador, filósofo pré promaduro, no caminho de todos os caminhos.

Luas e luas, sóis e sóis espelhos nos espelhos

linhas de pensar o impensado, tresandos de verbos novos fazendo pecado. Em poeta, me tentam imagens lindas. Me tentam, conceitos complexos, construções do alto espíritho. Mitigo

 a dor maior, mitigo a ilusão esplêndida que dói

frente ao objetário vida

 

Agora são os punhais que trançam vidamorte 

os punhais do baixo e alto espíritho. Um vaticínio falho: o futuro resolve o irresolvido. Um vaticínio grita: o bom pensamento regurgita como passarinho

regurgita

eiva de vícios a língua

linguagens

crispações de céus e luas

e sóis e virgu’s no virutago

martimanho’s

da enteléquia da proselítilica

e virgu’s nas telas

do phuturo, virgu’s

e fabulações.

Na terceira esphera

do entendimento-rio

galopei meu cavalo Tigre

noites insones

luas resídias

& os personagens

que imagino choram

os espinhos esfíquios

que afloram

verdores arbóreos

entre os dedos dos pés

irisadas hastes, irisadas

flores pelos cabelos

argila fresca nas unhas

e pós crispando a tez

de pedra

visofânica verthigem

:as personagens em transe:

 geradas árvores

 frutificantes nos

antecampos poéticos

do outro lado

do imenso cordão dos signos

onde havia só pântano &

caos

:espectros do irresoluto:

O signo por si só, não me basta. O signo, a morte seca na palavra, não me basta.

A vida me sobra, alcança

o foco, a face

do SOL que faz arder a criação.

 

 (De livro-poema inédito).

PERIQUITO SEM ASAS – de julio saraiva / são paulo

na contramão dos meus olhos
caminha uma mulher estupidamente bela
que jurou matar-me um dia
e disso não duvido  –  nunca duvidei
por isso evito sonhar quando ela está por perto

em sonho também se mata
em sonho também se morre
dependendo do azul do sonho
prefiro o horror do pesadelo

Canto Lampião a um Jaruga – de tonicato miranda / curitiba

 

para o poeta Rodolfo Jaruga

Desde as Baixas do Jacaré,

na caatinga mais desaquartelada

tomando emprestado a Virgolino Ferreira

e também a David Jurubeba

vou na narrativa emendando tudo

causos e estórias,

palavras desenredadas

alguma delas toma, beba e béba

ao estilo Rodolfiano Jaruguense,

porque esta não vai de memória

é uma história roubada da história

é contação de causo no suspense.

E me perdoe Anildomá de Souza,

também outros autores renomados

sobre a história do ex-almocreve

tornado cabra macho sem criados

um que terminou sua criação

nos muitos pós do chão do sertão

logo após

o assassinato vil

do pai.

Ai!

Quanto sangue!

Cortaram o pobre homem

na faca afiada com buril

e a sua morte redundou

um nada de tempo depois

na morte desgostosa da mãe.

E assim Virgolino

foi levado a juramentos

promessas de vinganças

até formar a grei lampiônica

trocando o cabo da enxada

pelo cabo da parabelum.

E logo passou a matraquear balas

como um sendero mortífero,

vagalume de não parar os dedos,

apenas apagado na traição de um

su-bor-di-nado,

cabra danado, endemoniado,

encantado com os mexericos nos Angicos

onde macacos vieram às dúzias

e tum-tum- tum

vieram terminar tudo, apaziguar

o que jamais será apaziguado.

E deixaram duvidas

Mas quais são elas?

… é preciso contar toda a história

Cegado por um garrancho de jurema

Lampião acendeu todo o centro do Nordeste.

Desafiou o Governador de Pernambuco,

ele que governasse

de uma banda do Estado para lá,

até as terras chegar no mar.

Ele governaria do sertão para cá.

Afinal era ou não capitão?

Padinho Cícero lhe nomeou,

ganhou insígnia, vestiu farda

mas a honraria sempre foi tarda

não lhe deram respeito como capitão.

Comandante Virgolino.

Senhor das hostes do cangaço

homem de balas entrelaçadas no peito

e facas de 40 cm nos quartos.

Teve tempo em que fugiu sim

lá para o oco do mundo

perdido nos cafundó do Ceará

nas caatingas mais desenfreadas

lá onde xique-xique, mandacaru

e muito cipó bravo era o tudo

onde havia abundância e criança

mas a água era pouca.

Também poucas eram as riquezas

para tê-las não bastavam estrelas

no chapéu de través em meia lua

sempre na cabeça pendurado,

tinha de assaltar

tomar dos coronéis fazendeiros

distribuir com os pobres

e com os comparsas

após luta encarniçada.

Depois era a danada da cachaça

xaxado varando a madrugada

e a poeira tapando.

Depois eram os muitos goles

e a maldita de não parar a bica

nem o amor das moças

vestidas de chita.

Teve tempo de fartura

onde o xaxado correu solto

noite adentro,

pela garganta da madrugada,

pelos quintos da escuridão

até ser vencido pelo cansaço

ou por uma sandália partida

ou um amor arregaçado

numa rede embalançada.

E que cheiro bom, seu moço

chita de menina moça,

encantada e encantadiça

como Maria Bonita.

Mas teve tempo ruim tamém

onde chegou nos rincões da Bahia.

Vinha com três coisas na algibeira:

fome, nudez e dinheiro!

A ele juntou-se a tristeza

e um vaqueiro todo encourado.

Mas eu paro por aqui

no convite ao poeta Jaruga

para comigo tomar um vinho do sertão

produzido no São Francisco,

ali no Paralelo 8,

pertinho de onde o cangaço

nasceu e morreu.

E vamos sem balas, cavalos ou esporas

palrear meio de lado, lua adentro

ou somente beber calados

como dois velhos cangaceiros

sem mais lembranças que o olhar distante

para o interior do Brasil

de Euclides, de Virgolino

e da Coluna Prestes.

Você vem, não vem?

Tenho um trem de palavras

para descarrilar

trilhas de cavalos a galopar

copos para encher

e esvaziar

esvaziar…

 

.

Curitiba, 25/Jun/2011.

Tonicato Miranda

TOQUE DO TEMPO – de lucrecia welter / toledo.pr

Deus, ó Deus,
Em qual berço balbuciei minhas manhãs?
Em qual prece reconheci Tua voz?
Em qual brinquedo guardei minha infância?
Em qual vestido deixei a adolescência?

Em qual beijo emocionei o amor?
Em qual paixão cedi ao desejo?
Em qual adeus conheci a saudade?
Em qual lençol fantasiei afãs e afagos?

Em qual sonho acalentei meus ideais?
Em qual poema consagrei meus versos?
Em qual magia dei à luz a graça de ser?
Em qual dor senti os meus filhos não só meus?

Em qual fé, ó Deus, vi a sabedoria de meus pais?
Em qual sorriso se desfez minha juventude?
Em qual alento aninhei meu colo aos netos?
Em qual retrato me congelaram o ser bela?

Em qual passo se calou a minha dança?
Em qual olhar perdi a ânsia da vida?
Em qual poente repousará minha lide?
Em qual estrela permanecerá minha luz?

Em qual, ó Deus?