Arquivos Mensais: maio \31\-03:00 2008

ELIO GASPARI ATACA: O terrorista de 1968 remunera-se em 2008

 

 

 

 

Quarenta anos depois do atentado a bomba contra o Consulado Americano em São Paulo, Sérgio Ferro, intitulando-se “único sobrevivente” do grupo terrorista que fabricou, transportou e detonou o explosivo, informa:1) Diógenes Oliveira e Dulce de Souza Maia não participaram dessa ação; 2) A ação foi iniciativa da ALN (Aliança Libertadora Nacional), e não da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária.Quem disse que Diógenes, o “Luís”, e Dulce de Souza Maia, a “Judith”, participaram do atentado, organizado pela VPR, foi o doutor Sérgio Ferro, em seu depoimento à polícia em 29 de março de 1971. Na ocasião, Ferro estava preso e a tortura era uma política de Estado para a obtenção de confissões, verdadeiras ou falsas. Passados 37 anos, Ferro julgou oportuno corrigir seu testemunho. Em 1969, na prisão, Pedro Lobo de Oliveira e Diógenes, ambos da VPR, revelaram suas participações no atentado. Diógenes admitiu ter fabricado a bomba, com “um ou dois quilos de dinamite”.

Quando Ferro incriminou Dulce de Souza Maia, sabia que ela estava a salvo, no exílio. Além disso, uma bomba a mais, uma bomba a menos, não faria muita diferença na carga que a polícia imputava à dupla mencionada por Ferro.

Diógenes e Dulce foram associados a dois retumbantes atentados terroristas. No dia 26 de junho de 1968, a VPR lançou um caminhão-bomba com 15kg de dinamite contra o Quartel General do II Exército, em São Paulo. Na explosão, morreu o soldado Mário Kozel Filho, de 18 anos. Dulce Maia contou sua participação nesse episódio numa entrevista a Luiz Maklouf Carvalho. Ela foi publicada no livro Mulheres que foram à luta armada, em 1998. Diógenes nunca falou publicamente sobre o caso. Os documentos conhecidos, que devem ser vistos com reservas, são os depoimento dele e de camaradas seus, todos presos. Diógenes admitiu ter fabricado a bomba. Onofre Pinto, que participou do atentado, disse que Diógenes acendeu o estopim.

Diógenes e Dulce também foram acusados de terem participado do planejamento e do assassinato do capitão americano Charles Chandler, em outubro de 1968. Na mesma entrevista a Maklouf, Dulce narrou sua colaboração no levantamento dos hábitos do capitão. Diógenes nunca discutiu esse atentado em público.

Contudo, Pedro Lobo de Oliveira, seu colega de VPR, contou aos organizadores do livro Esquerda armada no Brasil, premiado em Cuba em 1973, que eram três as pessoas que estavam no carro do qual partiram os assassinos do capitão: ele, que ficou ao volante, e mais dois, um com um revólver e outro com uma metralhadora. Pedro Lobo não os nomeou. Informou que a dupla só foi identificada quando um militante da VPR que “sabia quais companheiros haviam participado” contou o caso à polícia, na prisão. Esse “delator”, Hermes Camargo, tornou-se um colaborador do regime. Anos mais tarde, ele repetiu os dois nomes numa entrevista a O Estado de S. Paulo: os atiradores foram Diógenes Oliveira, o “Luís”, e Marco Antonio Brás de Carvalho, o “Marquito”, morto meses depois do atentado.

Assim como deve-se dosar o crédito às confissões de Sérgio Ferro e deve-se duvidar dos depoimentos de pessoas presas, é necessário registrar que a narrativa de Diógenes, preso, é semelhante à de Pedro Lobo, solto. Diógenes reconheceu ter sido um dos autores dos disparos.

Orlando Lovecchio, que teve a perna esquerda amputada abaixo do joelho por conta da explosão da bomba que Sérgio Ferro e seus camaradas puseram no Consulado Americano, recebe R$570 mensais da Viúva. Os pais do soldado Mário Kozel conquistaram em 2003 uma pensão de R$330, reajustada no ano seguinte para R$1.140 mensais.

Desde o dia 24 de janeiro, Diógenes ficou em melhor situação. Ele ganhou uma Bolsa Ditadura de R$1.627 mensais  (as vítimas, juntas, recebem R$1.710), com direito a R$400 mil de atrasados. Repetindo: há algo de errado na aritmética das indenizações e numa álgebra que acaba remunerando melhor o terrorista que participou de um atentado do que a família da sentinela assassinada ou o transeunte amputado.

Elio Gaspari

 

enviado por lucena borges.

RESPOSTA A ELIO GASPARI POR ALIPIO FREIRE

A Ditadura Reencarnada

O cronista Elio Gaspari reproduz de forma ampliada a destruição e desagregação iniciadas pelos torturadores, há 40 anos.

 

 

Tínhamos razão quando escrevemos, na edição anterior (leia artigo), que a situação do senhor Orlando Lovecchio Filho, que perdeu uma perna depois de ferido pela explosão de uma bomba colocada por um comando da Ação Libertadora Nacional (ALN) no Consulado dos EUA em São Paulo, era apenas pretexto para o artigo “ Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968”, do jornalista Élio Gaspari, publicado na Folha de S. Paulo.

Não fosse assim, depois das mensagens enviadas à Folha de S. Paulo, e do nosso artigo anterior, já teria o jornalista encontrado o caminho para garantir a reparação cabível ao senhor Lovecchio. Diga-se de passagem, este último também.

A gangrena que levou à amputação resultou do fato de haver sido o senhor Lovecchio retirado do hospital (onde era atendido) e levado para a Delegacia da Ordem Política e Social (Deops) para interrogatório, somente depois do que foi devolvido à casa de saúde, com o membro atingido já então em processo de gangrena; tendo em vista que explicamos, no mesmo artigo que “todo Estado é responsável pela integridade de seus cidadãos sob sua custódia e que, não cumprindo esse seu dever, pode e deve ser processado”; se o objetivo real fosse a defesa dos direitos da vítima, já teriam, cronista e/ou vítima, constituído advogado para processar o Estado.

Mas pela postura assumida pelo senhor Lovecchio que, ao invés de procurar seus direitos, foi pesquisar os depoimentos sob tortura dos que colocaram e dos que supostamente teriam colocado a bomba no Consulado; pelo novo artigo publicado na Folha e em O Globo, no domingo 23, pelo senhor Gaspari (“O terrorista de 1968 remunera-se em 2008”), onde tenta achincalhar – ainda que entrecortando o texto por frases de um bom-mocismo postiço – os militantes que acusa também a partir de depoimentos obtidos sob sevícias; fica cristalino que está muito longe da verdade que estejam movidos por qualquer objetivo de justiça.

 

Me engana, que eu gosto.

Não, não me engane,

pois eu não gosto

 

Não é de estranhar que o cronista trate esses depoimentos obtidos sob tortura e seus autores desrespeitosamente. Em “A ditadura escancarada”, segundo livro de sua tetralogia, sob o pretexto da ineficiência da denúncia moral da tortura, exime-se o escritor de condená-la desse ponto de vista, passando a abordá-la apenas de um ângulo funcionalista. Isto é, esforça-se em mostrar como a utilização da tortura pelos governos do pós-64, os levou a engendrar sérias contradições internas, pelas quais tiveram de pagar alto preço, sobretudo no momento da transição (quase lamenta). Um dos pressupostos é que parte da cúpula e setores intermediários do regime desconhecia e/ou condenava esses métodos ou, pelo menos, não sujavam as mãos, faziam vista grossa e/ou usavam de bom grado o método aplicado nos “porões”.

Ora, essa manobra diversionista tem, pelo menos, tripla conseqüência:

 

1. Retira o foco do central da questão, que é MORAL, e não “técnico-operacional”. Sim, é uma questão MORAL e faz parte da grande disputa de valores que temos de travar, para banirmos esse tipo de prática injuriosa do nosso país e do mundo.

 

2. Transforma torturadores e mandantes em vítimas de si próprios, de sua “inocência”, obliterando da cena o objeto de suas sanhas, os torturados.

 

3. Tenta nos fazer pressupor que aquele regime seria possível sem tais práticas.

 

Embora cansativo, é forçoso repetir: a violência – entre as quais, as torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres – não foi um acidente do regime. Ela era condição sine qua non para o sucesso do programa dos golpistas. Sabemos, através de pesquisa do Ibope realizada menos de um mês antes do golpe, que o país estava dividido em termos de opinião no que dizia respeito às reformas anunciadas pelo presidente João Goulart no comício de 13 de março, na Central do Brasil. A maioria (59%) apoiava as reformas .

 

A violência (incluídas as torturas) foi, assim, um dos elementos da racionalidade política do grande capital, do latifúndio, da maioria esmagadora da mais alta cúpula da Igreja Católica de então, da “direita ideológica”, dos políticos (civis) que empolgaram o 31 de março, da imprensa que conspirou e apoiou o golpe, da maioria dos altos comandos das forças armadas, dos seus aliados e apoiadores internacionais – em especial o capital e governo dos EUA.

 

Ou seja, aquelas torturas não fugiam ao controle dos dirigentes do País (civis e militares), não aconteceram “nos porões” sem a ciência, consciência ou planejamento dos governantes e/ou das lideranças das classes, setores, grupos e corporações que promoveram e foram base de sustentação do regime. Afirmar o contrário é tão tolo quanto dizer que os Orleans e Bragança e sua corte não sabiam o que acontecia nas senzalas e pelourinhos, ou que os capitães-do-mato fugiam do controle dos seus senhores.

 

Não é o torturador quem faz a tortura,

mas a tortura é que faz o torturador

 

Por fim, reafirmamos: ordena a MORAL que, quando se trata de emitir opinião ou dar informações sobre militantes que sucumbiram às torturas, nunca é demais observarmos que, se não tratamos adequadamente a questão, corremos o risco de reproduzir, de forma ampliada, a destruição e desagregação iniciadas pelos torturadores, o que costuma atingir não apenas o torturado, mas também seu círculo mais próximo de afetos (familiares e amigos).

É repugnante e eticamente intolerável imaginar que possamos em algum momento dar seqüência à obra iniciada pelos sicários.

Ao expor publicamente depoimentos obtidos sob tortura sem qualquer outro objetivo senão tentar remendar as mentiras apontadas em seu artigo anterior; sem outro cuidado com a matéria que não sua obsessiva persistência em qualificar aqueles militantes como “terroristas”; o cronista reproduz de forma ampliada (bem como o senhor Lovecchio) a destruição e desagregação iniciadas pelos torturadores, há 40 anos.

Ou seja, o jornalista Gaspari passa a torturar. Certamente não tem a intenção e não percebe que tem esse comportamento, pois não é um torturador. Mas, como ele bem conhece e cita de maneira oportuna em um dos seus livros, “Não é o torturador quem faz a tortura, mas a tortura é que faz o torturador” (J.P. Sartre).

 

 

Alipio Freire é jornalista, escritor e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato.

enviado por lucena borges.

 

Q.I. (Quociente de Inteligência), onde o GARRINCHA se encaixa? – por ricardo boessio dos santos

O que é ser inteligente? Será que a forma como se estabelece é a correta? Será que existir uma forma para determinar a inteligência de uma pessoa?Os testes que definem se uma pessoa é inteligente ou não são muito relativos. O que é ser inteligente? Para alguns testes é somente ser bom naqueles testes. Isso significa que se você é bom em lógica, passará com louvor nestes testes.

Só que é muito estranho você perceber que alguém como o Garrincha seria considerado não tão inteligente. O problema reside no fato de que não deve existir um ser humano que tenha visto o Garrincha jogar (ao vivo ou pela TV) que não o ache genial.

Foi pensando neste caso que comecei a “desconstruir“ meu próprio conceito de inteligência. Se um cara como ele, com aquelas pernas tortas e que conseguia fazer aquilo com uma bola, não era inteligente, quem é?

Comecei a pensar que na verdade não deveria existir um conceito pleno de inteligência. Não deveria ser uma palavra isolada, ela deve ser composta. Inteligência futebolística, inteligência matemática, inteligência musical e etc.

Existem mais casos a se pensar. No próprio futebol pode-se citar mais um caso interessante. Maradona foi um craque como poucos na história do futebol. Não importa se ele e os argentinos achem que foi melhor do que o Pelé, porque não foi. Independente disso, ele era um craque fenomenal. Um outro gênio.

Saindo do futebol e entrando na história (por favor, nenhuma referência ao Getúlio), um outro caso de genialidade foi o de Napoleão. Ninguém está julgando se o que ele fez foi bom ou ruim, nesta linha de raciocínio isso não importa. O que importa é que ele foi genial, um estrategista incrível. Conquistou quase toda a Europa com essa genialidade.

Lincoln é outro caso de genialidade advinda de uma pessoa considerada iletrada, portanto ignorante. Churchill, Roosevelt entre outros presidentes ou chefes de estado também. Porém Lincoln é o caso mais clássico. Vindo de família não nobre e tornando-se presidente dos Estados Unidos. É considerado um dos melhores presidentes americanos.

Nas artes encontraremos uma infinidade de exemplos.

O que eu quero provar com isso? Simples, que a inteligência é relativa. Alguns podem não ser tão bons com as letras, ou com os números, porém fazem coisas geniais em outros campos. Porque não considera-los inteligentes também?

Para provar essa teoria, terei que demonstrar o inverso nos casos clássicos de pessoas consideradas inteligentes.

Beethoven é um caso de inteligência fenomenal. Um músico extraordinário. Quem mais poderia compor uma sinfonia tão primorosa como a 9ª sendo surdo? Porém era uma pessoa de uma grosseria sem tamanho, totalmente desequilibrada.

Falando em desequilíbrio fica impossível dissociar das imagens de outros gênios como o psicodélico Salvador Dali, o pintor holandês Van Gogh que cortou as próprias orelhas e o totalmente desvairado Mozart. Porém sempre foram considerados inteligentes.

O que não dizer do pai da psicanálise? Freud foi (e é) considerado um gênio, pessoa inteligentíssima. Porém era um cara obcecado pela própria mãe e outro grosseirão de marca maior.

São numerosos os casos de escritores que não sabem fazer uma conta simples.

Também são numerosos os casos de pessoas que atingiram um grau de inteligência em um determinado campo que se acham no direito de espezinhar toda e qualquer pessoa.

Não estou dizendo, ou querendo insinuar, de forma alguma, que os supracitados não sejam pessoas de rara inteligência, ou que os produtos de seus esforços não sejam reais benefícios para a humanidade. Não se trata disso.

Estou pura e simplesmente afirmando que um Freud é tão inteligente quanto um Garrincha. Posso sentir os risos contidos (ou até não tão contidos) dos ditos intelectuais que se esmeram por décadas e mais décadas em estudos, pesquisas ou outras atividades se imaginando comparados a um ignorante como o Garrincha.

O que eu tento propor é que não existe esta comparação. Senão os mesmos intelectos privilegiados deveriam ir bater uma bola.

Este é exatamente o cerne da minha teoria: inteligência é incomparável. Você tem uma e eu tenho outra. Você é bom em algumas coisas que eu nem sonho em conseguir fazer, quiçá ser bom nelas. Já eu sou bom em outras coisas que você não é.

Esta teoria é tão lógica quanto certeira.

Enquanto temos algumas mentes privilegiadas na física quântica, temos outras no futebol, temos mais algumas na música e assim por diante.

Uma pessoa é ao mesmo tempo burra e inteligente. Burra em alguns aspectos e inteligente em outros. Não se pode avaliar somente por um lado, por uma vertente. É necessário enxergar o todo, e enxerga-lo de vários ângulos.

Uma última observação: Einstein, mesmo com a teoria da relatividade, era burro em vários aspectos.

PARCERIA EFICIENTE: escola e familia – por graziele ferreira

Só quem trabalha com adolescente sabe o que isso representa: atrasos, mau-humor, respostas agressivas e aquela preguiça diária. Vale lembrar que nem todos são assim, mas a grande maioria demonstra comportamentos semelhantes aos citados acima.Sabemos que a adolescência é uma fase de insegurança e que a agressividade constante, períodos longos de tristeza e desinteresse são normais e fazem parte do processo de crescimento.

O que têm preocupado professores, coordenadores e orientadores são as notícias de alunos que enfrentam e espancam professores e toda repercussão sobre o assunto, os casos são chocantes e reacendem uma discussão; Até que ponto a família é responsável por estes atos inconseqüentes?

 

Entendemos que o papel da escola é proporcionar o conhecimento e a socialização e nada pode justificar atos absurdos de agressividade. O que começa com uma leve indisciplina pode terminar em agressão física, por isso que a escola e a família devem trabalhar em parceria, para evitar que situações como estas aconteçam em seu dia a dia.A falta de limites faz com que o adolescente não respeite a autoridade de seus pais, então ele repetirá tais comportamentos em outros ambientes, e consequentemente na escola.

É importante ressaltar que a escola e a família devem ser parceiros, os pais não precisam se envergonhar de admitir suas inseguranças e pedir conselhos. Ser flexível e saber desenvolver a auto-estima desde a infância, é dar tranqüilidade e segurança para enfrentar desafios e situações novas.

TEMPORA poema de h. dobal/ teresina/piaui

Não foge o tempo ao que lhe cabe. Breve
as suas marcas sobre nós dispõe
como em seu gado um fazendeiro.E consequente
consegue mais do que a brasa do ferro
que só na pele se estampa.

Os seus sinais procuramos no ar, na mudança das folhas,
no correr das nuvens. E eles em nós se depositam
tão indelevelmente embora lentos.
E lentamente vamos trasnformando
a agitaçào maturação de sonhos
que lhe oferecemos. Somos das suas entregas

E marcados assim jamais nos tresmalhamos.
Paciente ele espera nossa vez
em sua partilha. E nos concede os domingos
onde acuados sonhamos com outros domingos

 

o site PALAVRAS,TODAS PALAVRAS e os PALAVREIROS da HORA se juntam à dor dos artistas e admiradores de h.dubal por ter, ele, entregue as moedas ao barqueiro.

HUIT COUCHÉ – poema de nina padilha/paris-fr

Ils étaient si secrets, ces hommes au cœur troublé !

Héritiers de la Terre, par le don des Etoiles,

Sentinelles du Temple, dont ils avaient les clés.

Versés dans l’Alchimie, la Magie, la Kabbale,

Gardiens de tous les Mondes et des Ecrits Sacrés.

Impénétrables et fiers, Chevaliers du Graal…

Ont-ils abandonné nos sentiers escarpés ?

Ne hantent-ils donc plus l’ombre des cathédrales ?

 

Ils étaient si secrets, ces hommes au cœur ardent !

Témoins de l’Univers et des Forces Astrales,

Détenteurs des Lumières révélées par les Grands.

Initiés aux Travaux de l’Art Philosophal,

Maîtres des Telluries et Voyageurs du Temps,

Puissants et solitaires, en ce règne animal…

La mort a-t-elle éteint leur regard de Géant ?

Ou bien sont-ils partis sans laisser un signal ?

 

Ils étaient si secrets, ces hommes au cœur divin !

Venus d’Hyperborée, de Mû et d’Atlantide,

Quand le nord était sud et Vénus était loin,

Quand les pommes doraient au ciel des Hespérides…

Leur parole s’est tue car le Verbe était vain.

Que reste-t-il enfin du savoir de ces Guides ?

Ils se sont détournés de notre genre humain,

Ou s’en sont retournés vers une autre Floride…

PALAVREIROS da HORA atendem ao chamado e vão às escolas- pela editoria

PALAVREIROS da HORA PARTICIPAM DE SARAU LITERÁRIO NO COLÉGIO RIO BRANCO, DE CURITIBA.

 

              parcial da sala.

 

 

Os poetas Manoel de Andrade, JB Vidal e João Batista do Lago, integrantes do site PALAVRAS, TODAS PALAVRAS participaram na tarde da última quarta-feira, 28/05/08, no Colégio Rio Branco, da rede estadual de ensino, de um sarau literário, organizado pelas bibliotecárias Deisi Mara Weis Belém e Lauzina Bomfin Lopes. O sarau literário foi coordenado pela professora de literatura, Neiva Terezinha Piacentini, que contou com o total apoio da diretora do Rio Branco, professora Ana Cláudia Michelin.

O sarau literário foi uma experiência inédita e a primeira de uma série que será desenvolvida pelo colégio com o objetivo de levar até os estudantes os escritores da atualidade e com eles promover debates sobre o papel e função da literatura. Neste primeiro encontro o tema foi “O que é Poesia?” que, segundo a professora Neiva, foi proposto pela comunidade dos alunos do Rio Branco.

Além de falarem sobre a temática proposta, Manoel de Andrade, JB Vidal e João Batista do Lago fizeram declamações de poemas de suas autorias. Ao final do encontro tanto os alunos quanto os professores e bibliotecárias, assim como os poetas convidados foram unânimes em admitir que o encontro alcançou seus objetivos e mostrou-se como uma experiência impar para o desenvolvimento intelectual dos alunos.

 

parcial da sala com a professora neiva terezinha no primeiro plano.

os poetas manoel, joão batista e vidal em atividade com os alunos. na parede o tema do dia.

*na página “sala de visitas/fotos” você vê mais fotos do evento.

PRELÚDIO DE NATAL PARA SEXTETO DE CORDAS – por zuleika dos reis

Ana solta nas noites, gazela. Lagarta no casulo das manhãs. Diante da janela, crisálida.

                        São Paulo, um dia a mais, estrela Vésper. Das metamorfoses, quem sabe o exato instante?

                        Ana lembrando-se de Daniel na evocação de Márcia, Márcia na fúria do ensandecido ciúme a escurecer-lhe os olhos castanho-dourados, olhar de Márcia sempre atento qual cão de caça diante de qualquer ser – mulher, homem, criança, bicho, coisa – que se aproxime de Daniel. Márcia, a que enlouqueceu de paixão, um pouco mais cada dia e todos em volta, principalmente Daniel, em quem tudo lhe começa e termina. Daniel, retendo ainda entre os dedos os derradeiros grãos de seu amor.

                        Versos de espanto, abandono, névoa, quando o ar falta, quando o rosto desaparece no espelho. Hotéis, taças de sombras púrpuras, bocas ávidas a refazerem o triângulo inaugurado pela primeira serpente. Daniel, o de olhos sombrios, rosto de musgo e neve, resgatando palavras à morte. Ana, a de olhos acesos, floresta de cabelos, canto buscando o futuro.

                        Daniel em fuga dos tempos perdidos, os tempos de Márcia, Ana, Rubem.  Daniel se ocultando de todos, longe, algures, cercado de lapsos, verbos, entrelinhas.

                        Rubem, o estrangeiro, com seu violino, as mãos longas colhendo silêncios e melodias sempre-vivas, plantando outras nas partituras. Ana se fazendo violino. Dos vários quadrantes, imagens musicais que os dois espalham pelas ruas, becos, bares, esquinas, países.

                        Ana vagueando por um sonho. Primeiro, a paisagem indistinta, aos poucos ruas, pessoas, ouro nos cabelos, azuis de muitos naipes nos olhos, nas bocas arranjos insólitos de consoantes e vogais.

                        Uma casa um vestíbulo uma sala uma janela um vulto uma mulher um nome: Elisa, a dos pés ciganos, a do corpo perfeito, a do riso aberto, a mesma que partiu há tempos do país do Sol, seguindo o outro estrangeiro. Recostada na janela, olha a neve caindo sobre o bosque onde na primavera os esquilos brincam – agora hibernam e hibernarão por todo o inverno, como no país vizinho, pátria do Papai Noel que as crianças remanescentes esperam, onde as noites vão se alongando…alongando…até durarem, em cada dia, duas vezes completas o círculo do relógio.

                        Rubem de repente, de um dos quartos. Acerca-se de Elisa, circunda-lhe a cintura, olha também os esquilos invisíveis. Então se voltam, diante de Ana. Elisa ri seu riso branco, estende as mãos, Ana se aproxima, os três, um único abraço. Por que Daniel não chega? De imediato compreende: o sonho é de Rubem.

                        Cheiro do pulôver de Daniel, dos versos no esconderijo da noite, dos cabelos, da pele, na pele de Rubem dormindo.

                        No sonho de Elisa, Ana chega à janela de Rubem e olha o Sol prédios letreiros antenas cruzamentos minúsculos passantes com pacotes de Natal. Da janela de Daniel e de Márcia, à deriva, as imagens são campos de neve no sonho de Ana. Por seu lado, Siegfried vê viagens de antepassados nos mares do Norte, sem aviso da incursão noturna de Elisa ao país do Sul.

                        Letreiros se acendem, o violino toca. Aos poucos, as notas escapam da pauta, voam, descem à praça, se esgueiram dos automóveis, dos semáforos, dos edifícios, dos mendigos e vão entrando no quarto de Ana, já em outra harmonia que, durante o trajeto, foram se perdendo do roteiro original.

                        Risos em fuga, Márcia. Dança do fogo, Elisa. Violoncelo de Siegfried, grave contraponto. Dialogam os violinos, piano, pianíssimo, vai nascendo a borboleta enquanto o céu tece a Lua, logo mais completa e branca como um haicai de Bashô.

 

PLANALTINA poema de tonicato miranda

de manhã bem cedo, vou

o sol na ponta do nariz

estou no centro do meu País

estou no centro da minha raiz

sou caule de guabirovu

tronco e galhos, nu, nu

e tu não estás aqui

na sombra do pé de pequi

ou atrás da minha orelha

por onde andarás, abelha

escondida em qual telha

em qual casa à frente do olhar

e eu tão longe de casa e do lar

quantos suspiros terei de arfar

quantas velas terei de inflar

neste meu barco interior

seguindo triste, quase a deriva

meu convés sem tu, lady godiva

de manhã bem cedo vou

ao encontro de tu, Planaltina

paixão, cerrado, menina

pele morena, cabocla e ginga

pote de barro, água de cacimba 

beijo de colibri na flor do campo

bois na canga no fundo do brejo

mornamente feliz, o azul eu invejo

saudade do menino com sarampo

dos beijos roubados à enfermeira

do futebol no meio da rua

desde manhãzinha até a bola virar lua

surgindo atrás da goiabeira

mas o sol continua na ponta da raiz

eu bem já sabia que sempre fui feliz

Planaltina é apenas a nave voando

o horizonte distante se elevando

ela está na ponta do meu nariz

OLAVO BILAC, ALBERTO DE OLIVEIRA E RAIMUNDO CORREA o trio parnasianista do Brasil – pela editoria

“Quero que a estrofe cristalina,
Dobrado ao jeito
Do ourives, saia da oficina,
Sem um defeito”
(Olavo Bilac)

 

 

Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia

 

 

 

Valorizando o emprego da palavra rara, do vocabulário precioso, da frase rebuscada, a poesia parnasiana teve, na preocupação com a perfeição da forma, a sua característica básica, ainda que em prejuízo da qualidade de sua expressão poética.

O estilo se define, portanto, pelo culto da forma e foi, sobretudo uma renovação poética. Esta renovação teve sua origem na França. Em l886, foi editada uma antologia, Le Parnasse Contemporáin, que reunia composições de diversas tendências, com uma linha comum: reagir contra o romantismo. Seus principais colaboradores, Leconte de Lisle, Theóphile Gautier, Théodore Banville, José Maria Herédia (de nacionalidade cubana), Baudelaire, Sully Prudhomme (ganhador do prêmio Nobel em 1901), Verlaine, Mallarmé, obedeciam a uma nova estética que pregava o principio da Arte pela Arte. Defendiam em última análise, uma arte que não servisse a nada, nem a difusão qualquer ideologia, nem a ninguém; uma arte voltada para si mesmo em sumo. O objetivo da “arte pela arte” é o Belo, a criação da beleza pelo uso perfeito dos recursos artísticos. Neste sentido, levam ao exagero o culto da rima, do ritmo, do vocabulário, do verso longo. Para o Parnasiano, a poesia deveria ser trabalhada até que resultasse perfeita.

Victor Hugo já conotava a posição de burilador que o poeta devia buscar e com ela se identificar:”Le poête est cizeleur, te cizeieur est poéte.”

 Características do Parnasianismo:

a) Objetividade e descritivismo

Reagindo contra o sentimentalismo e o subjetivismo românticos, a poesia parnasiana era comedida , objetiva: fugiadas manifestações sentimentais. Buscando esta impassibilidade( frieza), empenhava-se em descrever minúcias, na fixação de cenas, personagens históricos e figuras mitológicas.

b) Rigor formal

Opondo-se à simplicidade formal romântica, que de certa forma popularizou a poesia os parnasianos eram rigorosos quanto à métrica em rimas e também quanto à riqueza e raridade do vocabulário. É por isso que são freqüentes, nos textos parnasianos, os hipérbatos( ordem indireta), as palavras eruditas e difíceis, as rimas forçadas.

c)Retorno ao Classicismo

Abordando temas mitológicos e da antigüidade greco-latina, os poetas parnasianos valorizavam as normas e técnicas de composição e, regra geral, exploravam o soneto (poema de forma fixa).

d)Arte pela arte

 

ALTAIR DE OLIVEIRA colaborador deste site é publicado no blog do noblat.

clique em: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=herois_dias_amenos_-_altair_de_oliveira&cod_Post=103818&a=111

A ONDA PASSOU – poema de may waddington

a onda passou,

a terra parou de tremer 

e existe um lá fora fresco

onde eu posso ir…

pois é só abrir

a porta…

 

Fiquei presa

no momento que te perdi.

Presa na exclusão, não consigo sair.

Suas palavras dão voltas em minha cabeça,

verdades, açoites, relâmpagos,

temporal em mar noturno.

Como fui tão cega? Tão surda?

Como não vi o abismo em que me atirava?

As palavras ricocheteiam na caverna.

Fatais, definitivas.Tremendas.

O trovão estoura um “NÃO“.

O raio revela e cega.

A onda me lança

para o alto,

contra as rochas,

pesando sobre o corpo

arrastado ao fundo

areia, conchas,

escuro…

faz-se o silêncio.

Descubro a intimidade

de joelhos próprios

próximos,

meus.

Quem sabe

a onda me atira na areia?

existe ainda a ilha, praia minha?

Grécia branca e sagrada que me resgata?

Abro os olhos para a luz, ouço onda a farfalhar

doce como saias meigas na areia da costa.

Olho em volta reconhecendo partes

entre os destroços matinais que

me acompanharam no escuro

 

 

Ali, pedaço da proa atrevida,

busto de fêmea que se sabe amada…

Taboas ao léu, como eu, ao longo da praia…

Uma parte do mastro foi lançada sobre árvores!

Poderá servir de viga para um novo telhado?

Conseguirei uma fogueira, acesa pelo

fogo ancestral que saberei alimentar

com lascas, taboas, galhos?

Encontro, nessa ilha,

a menina que fui,

que conjugou com o mar

o maior de todos os segredos?

O único que realmente valeria à pena?

A lealdade primeira, tecida na entrega

do coração jovem à beleza, poder,

à santa ira das águas?

Menina, fiz a promessa maior

de ser toda sua, mar, no sentimento

triste – sim – mas todo puro e todo seu:

A lágrima me provava ser eu sua

Ser eu água, conter

eu também o sal.

Sentada na areia jurei,

do alto de meus nove anos,

para sempre ser eterna, sua assim:

amar as forças puras e terríveis,

a engenharia do molusco,

pulgas zarolhas na areia,

dança das aves finas e magras

atrás de tatuís na branca espuma…

vigor das asas em mergulhos certeiros,

brilho de escamas de peixes

alçados por bicos hirsutos!

Nunca esquecer a total saciedade

doada no gomo de tangerina,

com suas surpresas, cores e cheiros!

o segredo da florada mágica de copas inteiras,

a amizade do cão, a cumplicidade do amigo

selvagem, como o carangueijo escondido

ovo do lagarto guardado no banheiro!

 

Foi aí que jurei,

escolhi de que lado estava.

Fui dona dos meus próprios joelhos

Cúmplice do céu, da natureza toda, inteira.

Pois é  desse momento que não devia me afastar

não daquele carro, naquele posto de gasolina,

onde seus nãos agitavam tempestades

cujos raios revelavam a distância

que me encontro

das promessas

que fiz ao

mar.

 

POEMA de MÁRIO DE SÁ CARNEIRO

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo —
Luto, estrebucho… Em vão! Silvo pra além…

Corro em volta de mim sem me encontrar…
Tudo oscila e se abate como espuma…
Um disco de oiro surge a voltear…
Fecho os meus olhos com pavor da bruma…

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?…
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante.

ESTAR NA MIRA poema de darlan cunha


Onde anda você nesse dia tonto de maio, criatura
sem reforço no coração, nas pálpebras ? É preciso estar
forte e atento, sem tempo para memento
nem alusão ao fictício chegar
de estranhos, pra mim
basta menos que um dia, para que eu te complete o estupor
que é viver comigo, mas saiba
que a incrível história da cândida eugênia ainda está
por vir, por acalantos, troncos e barrancos,
ainda por mim será feita muita desgraça, por ti
uma viagem à idade só luzes não viva fora
de cogitação, que o nosso intramuros, nosso intramares,
nosso patamar é o além-lá da concórdia pura
e simples, da discórdia por etapas sociais, miúdas cerejas
.

QUERO poema de ana maria maruggi

Quero

a tua energia minguada

Teu suspiro

em fragmentos

Meu nome

em sussurros

Teus músculos

cansados

entornando

lampejos de abraços

 

Quero partilhar

cúmplice

de íntimos segredos

engendrar planos

Nosso veneno

Nossa existência

Esxudar sonhos adormecidos

Desfrutar lentamente

do seu corpo exangue

AS BARRICADAS que ABALARAM o MUNDO – por manoel de andrade

1968: Uma Revisão  – 4ª Parte:

O palco da história:

Ante o cenário imenso da Guerra Fria e a disputa pela corrida espacial, o Mundo, em 1968, parecia um grande teatro onde, bem distante das fronteiras de Saigon, se representavam as dramáticas cenas de muitos outros vietnams. Por trás do enredo de tantas tragédias, os atores mais jovens, empunhando suas bandeiras de sonhos, disputavam seu inefável território de esperanças contra os velhos generais que defendiam as milenares trincheiras do poder, da ganância e do preconceito. Das barricadas de Paris às agitações de Berlim, de Varsóvia, de Beirute, do Cairo, de Caracas, de Jacarta…; do outono carioca à primavera de Praga; da oratória inflamada de Rudi Dutschke ao lirismo armado de Evtuchenko; da “Sexta-feira Sangrenta” ao Massacre de Tlatelolco; da filosofia de Marcuse ao teatro de Brecht; da “Marcha sobre o Pentágono”, em fins de 67, à “Passeata dos Cem Mil”, em 68; dos mandamentos da Anti-Cultura aos postulados socialistas; da inconseqüência política da geração hippie ao pragmatismo das barricadas estudantis; das trincheiras abertas na América Latina às guerras contra o colonialismo português na África; do Apartheid às lutas contra a segregação dos negros, chicanos e porto-riquenhos nos EE.UU., por tudo isso e muito mais o ano de 68 marcou historicamente todos os quadrantes do mundo.

Todos sabem que os protagonistas que brilharam na ribalta daquele imenso drama chamado 1968 foram os estudantes do mundo inteiro. Não me estenderei sobre os acontecimentos que antecederam aquele ano, mas acho importante comentar que a revolta dos estudantes em Paris era apenas parte de um longo processo. Tudo isso começou em Roma, em 1960, continuou na agitada Berkeley de 62, seguiu-se 63, em  Pisa e Florença, com as primeiras ocupações da Universidade. Em 64, os estudantes americanos, liderados por Mário Selvo, fazem uma imensa manifestação ultrapassando os limites da famosa Universidade de Berkeley. Em junho de 67, por ocasião da visita do Xá da Pérsia (Irã) a Berlim Ocidental, a morte do estudante Benno Chnesorge incendiou a revolta no país inteiro e em dezembro, em Munique, o estudante Rudi Dutschke pintou, num memorável discurso — que já anunciava a sua grande liderança na Europa  — a Guerra do Vietnam com as cores mais sinistras. Contudo, foi somente no ano seguinte que todo este cenário se incendiou pelas barricadas em luta.

Os primeiros atos:

Já em janeiro, essa imensa bronca começou na Polônia, quando interditaram a apresentação da peça Dziady, do grande poeta romântico polonês Adam Mickiewicz. Na última representação, sob o reiterado grito de “Liberdade Artística”, muitos estudantes foram presos e posteriormente expulsos da Universidade de Varsóvia. Em conseqüência, na primeira semana de março, os escritores e trabalhadores se reúnem aos cinco mil estudantes no pátio da Universidade para exigir “Liberdade de Expressão” e entram em choque com a polícia. Nos dias seguintes a revolta se estende à Gdansk, Cracóvia e outras cidades onde grandes manifestações marcharam sustentando a bandeira da Polônia e ao som da Internacional Socialista.

Em fevereiro, em frente à Ópera de Berlim Ocidental, cerca de dois mil estudantes protestam com veemência contra a Guerra do Vietnam e dois deles sobem ao alto de um guindaste onde agitam a bandeira vietnamita.

Ainda em fevereiro, uma pesquisa na Universidade de Harvard, constatava que 69% dos estudantes procuravam por todas as formas escapar do alistamento para o Vietnam. Como se sabe, os estudantes de Harvard, que fecharam o campus da Universidade em 69 pelo comprometimento da instituição com a guerra, estiveram na vanguarda das grandes “marchas da paz” e das marchas contra a segregação racial nos Estados Unidos.

Em março, além das manifestações em Varsóvia, ocorrem também revoltas estudantis em Roma, Londres, Milão e Nanterre. Na Espanha, antigas reivindicações ecoaram entre os estudantes quando a Ditadura de Francisco Franco impôs o policiamento interno nas universidades. A Universidade de Madrid é fechada mas a panfletagem anti-franquista e as grandes barricadas marcam o enfrentamento brutal entre estudantes e policiais nas cidades de Valência, São Tiago de Compostela, Sevilha e outras.

No Brasil, em fins de março, a morte do estudante Edson Luiz e a sua missa de 7º dia, no Rio, acenderiam um rastilho de revoltas que explodiram em grandes batalhas campais de estudantes contra policiais em São Paulo, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, quando destruíram o Centro Cultural Brasil-Estados Unidos. (Os fatos mais relevantes dessas manifestações no Rio de Janeiro foram descritos nos dois primeiros artigos dessa série: a “Sexta-feira Sangrenta” e a “Passeata dos Cem Mil”)

Em abril, o grande fato político que abalou todo o movimento estudantil europeu foi o atentado, no dia 11 daquele mês, contra o jovem orador Rudi Dutschke, líder da União Socialista dos Universitários da Alemanha (SDS). Planejado pela polícia secreta da Alemanha Ocidental e pelo magnata da imprensa Axel Caser Springer, o atentado provocou violentas manifestações estudantis em todo o país impedindo a circulação dos jornais do “grupo Springer”. O fato provocou manifestações em Roma, Paris, Londres, Florença e Rudi morreu onze anos depois em conseqüência dos ferimentos recebidos. Naquele mês de abril estavam também em pé de guerra os estudantes de Caracas, Bagdá e Beirute.

Os grandes atores:

Em maio os atos mais dramáticos da revolta estudantil ocorreram no mais belo palco da cultura do Planeta e quem sabe por isso, e também pelo charme parisiense, teve um destaque tão grande. Em poucos dias as manifestações paralisaram a França. Os operários se uniram ao movimento estudantil entrando em greve e ocupando as fábricas. Os estudantes de Nanterre se tornaram os donos do Quartier Latin. Interrogado sobre os destinos das manifestações pelo filósofo Jean-Paul Sartre, o líder da revolta, Daniel Cohn-Bendit responde: “ O movimento tomou uma extensão que nós não podíamos prever no início. O objetivo é, agora, a derrubada do regime. Se conseguimos isso ou não, independe de nós. Se fosse também esse o objetivo do Partido Comunista, da CGT e de outras centrais sindicais, não haveria problema: o regime cairia em quinze dias, porque ele não tem nada para enfrentar uma prova de força contra todas as forças trabalhadora”.

Cohn-Bendit, aos 23 anos, celebrizado como líder do Movimento 22 de Março, cursava o 2º ano de Sociologia na Faculdade de Letras em Nanterre. Entre outros líderes como Jacques Sauvageot, com 25 anos e dirigente da União Nacional dos Estudantes Franceses e Jean-Pierre Duteuil, com 22 anos e um dos mais importantes líderes do movimento, Cohn-Bendit era o mais radical. Acreditava que a luta estudantil era apenas o primeiro passo para a contestação de toda a sociedade burguesa. Os estudantes seriam apenas o estopim deflagrador da revolução operária.

A revolta estudantil na França teve um curioso desenvolvimento. Suas reivindicações iniciais eram apenas o questionamento das relações opressivas dos professores para com os alunos e as questões relativas à estrutura, gestão e autonomia das Universidades. Mas em face do apoio popular, dos próprios professores e a violência da repressão policial, em duas semanas a situação mudou rapidamente e o que se pôs em cheque foi a política do General De Gaulle e o próprio sistema capitalista promotor da dependência, da alienação e da exploração da classe operária.

Em junho, o grande destaque da luta estudantil no Mundo foi a célebre “Passeata dos Cem Mil” nas ruas centrais do Rio de Janeiro. Foi, por certo, o maior movimento de massa que a cidade já teve em sua história. Celebrizou-se pela adesão dos mais variados segmentos da sociedade carioca integrando intelectuais, artistas, professores, jornalistas, religiosos, profissionais liberais e o povo representado pelas mais variadas organizações de classe que de braços dados com os estudantes desfilaram em sucessivos cordões pelas grandes avenidas. O grande destaque foi o papel que teve Vladimir Palmeira, presidente da UME, por seus vários e inflamados discursos ao longo de todo o percurso e pela sua condição de maior líder estudantil da época.

Em fins de agosto a Universidade de Brasília foi invadida e com o pretexto de prender estudantes procurados por subversão houve espancamento de alunos, professores e até de parlamentares que tentaram intervir.

Em setembro, o exército ocupou o campus da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a maior da América Latina. Os estudantes foram espancados e presos e o reitor, como protesto, renunciou.

No dia 2 de outubro, os estudantes de esquerda da Universidade de São Paulo entram em conflito com os estudantes de direita da Universidade Mackenzie. Nos violentos confrontos, que se seguiram no dia seguinte, além dos feridos, o estudante Jose Guimarães, de 20 anos, da USP, caiu morto por um tiro na Rua Maria Antônia, no centro de São Paulo.

Ainda em outubro, no dia 12, realizou-se em Ibiúna, SP, o trigésimo Congresso da UNE. A polícia faz o cerco da região e prende 920 estudantes. Levados para a prisão, muitos deles, mesmo feridos, são torturados e as mulheres violentadas sexualmente. Os parentes dos estudantes presos são ameaçados e fichados pelo SNI ao entrar com habeas-corpus. Foram demitidos do serviço públicos muitos pais de estudantes presos e repórteres que presenciaram cenas de violência tiveram seus equipamentos apreendidos e a proibição de publicar suas matérias.

As cenas da tragédia:

Contudo, foi ainda naquele mês de outubro, enquanto estudantes da esquerda e da direita se enfrentavam na Rua Maria Antônia que aconteceu o mais trágico e sinistro acontecimento na história dos estudantes em todo o mundo.. Em conseqüência da ocupação da UNAM e da longa repressão policial no governo de Díaz Ordaz, 15 mil estudantes de várias universidades mexicanas saíram numa marcha de protesto no dia 2 de outubro, cruzaram o centro da Cidade do México e no fim da tarde, cerca de 5.000 estudantes e trabalhadores chegaram à Praça das Três Culturas no Bairro Tlatelolco. Os estudantes traziam cravos vermelhos e entoavam canções de liberdade. Ao anoitecer, forças militares e policiais cercaram a praça com carros blindados e tanques, posicionaram-se e começaram a abrir fogo contra a multidão onde se encontravam não só estudantes mas também mulheres, crianças e transeuntes que atravessavam o local. Apesar de vários corpos caídos ao longo da praça, o som de fuzis e metralhadoras continuou ante a população tentando fugir, mas encontrando todas as saídas da praça bloqueadas. Os policiais invadiam apartamentos do grande bloco de edifícios populares que rodeava a praça em busca de estudantes. Testemunhas oculares dos fatos relataram que os cadáveres eram tantos que foram recolhidos em caminhões de lixo. Nunca se chegou a um número exato de mortos. Algumas fontes chegaram a calcular em 1000 mortos, mas há um consenso entre 200 e 300 vítimas. Muitos estudantes foram presos e jamais apareceram (vivos ou mortos). O massacre ocorreu sob o governo do presidente Gustavo Díaz Ordaz Bolaños. O escritor Otavio Paz deixa, naquele ano, o serviço diplomático em protesto contra o massacre. O autor destas linhas passou o primeiro semestre de 1971 no México, morou na praça do massacre e teve contato com pessoas que presenciaram os fatos mas infelizmente o espaço limitado deste artigo não permite que se relate considerações particularizadas sobre aquela tragédia. Em 71, o presidente do país era Luis Echeverría Alvarez, que fora Ministro do Interior de Díaz Ordaz, e que transmitiu a ordem para reprimir a manifestação. Durante seu governo se lançou uma forte cortina de silêncio sobre o assunto. Somente em outubro de 1997 foi criada uma comissão parlamentar para investigar o ocorrido. Echeverría reconheceu que os estudantes não portavam armas e deu a entender que tudo havia sido militarmente planejado para destruir o movimento estudantil o qual ameaçava fazer protestos durante os Jogos Olímpicos do México que se realizaram naquele ano de 12 a 27 de outubro. Em junho de 2006 Echeverría foi acusado de genocídio e colocado, sob judice, em prisão familiar. No mês seguinte foi inocentado da acusação com base numa legislaçao mexicana de exceção. Sobre o massacre muito se tem escrito. A escritora mexicana Elena Poniatowska publicou em 75 La noche de Tlatelolco, e o premiado cineasta mexicano Jorge Fons Pérez, em seu filme Rojo Amanecer, conta, através de uma família mexicana, moradora num apartamento da praça, todo o enredo dos fatos com base no depoimentos de vítimas e testemunhas.

Sobre o ano de 1968 há muitas outras barricadas além daquelas levantadas pelos estudantes em todo o mundo, mas o espaço que disponho não permite outra linha de comentários. Quero apenas registrar que em fins de janeiro a guerra do Vietnam foi marcada pela grande ofensiva norte-vietnamita contra os americanos e contra 36 cidades do Vietnam do Sul. Naquele início de ano a Checoslováquia tem a sua bela primavera socialista de reformas e liberdade mas em agosto começa a sua estação de horror com tanques e paraquedisdas invadindo Praga na calada da noite e, posteriormente, a cidade ocupada por seiscentos mil soldados, sete mil e quinhentos tanques e onze mil canhões. Em abril assassinam Luther King e infelizmente a sua bandeira de luta ainda tem muitas barricadas pela frente.

A crítica do espetáculo:

1968 – 2008: São quarenta anos de um processo histórico cada vez mais crítico e acelerado e a mobilidade conjuntural desse processo nos pede uma revisão periódica de valores. Nesse sentido é indispensável dizer que nem todas as sementes lançadas nas décadas de 50 e 60 geraram bons frutos. Muitos daqueles atalhos trilhados em viagens para o “paraíso” levaram quimicamente ao “inferno”. “As portas da percepção” — abertas com o aval da melhor literatura — se fecharam, posteriormente, no embotamento e na morte. Por outro lado, a formosa bandeira da emancipação da mulher — desfraldada com inadiável coragem ante uma cultura machista e de dependência foi, em algumas de suas trincheiras, hasteada somente em nome da mera sensualidade. O que equivale dizer que por trás das intenções inconfessáveis do erotismo, se lutava para dar cidadania a liberalidades que debocharam das razões do coração e jogaram no lixo o significado ontogênico da vida. Desfilando de mãos dadas, na ampla alameda dessas últimas décadas, a anti-cultura e a pós-modernidade exibiram — e ainda exibem — as aberrações conceituais da arte e uma sofisticada linguagem nas letras. Estes falaciosos paradigmas foram paridos pelo puro intelectualismo, pela irreverência e por uma obsessiva concepção de vanguarda. Chegaram afrontando os valores imperecíveis da estesia plástica e do discurso literário, descartando a expressão figurativa da própria arte e, sobretudo, maculando o encanto e o lirismo da poesia…, levando-a ao descrédito no qual se encontra. No campo ideológico nem todas as sementes caíram em terra fértil e muitos daqueles que, há quarenta anos atrás, hipotecaram a própria vida por um estandarte de luta, não resistiram às seduções insinuantes do poder. Poucos foram os que não negociaram suas convicções e se preservaram inteiramente da lama. E eis porque a época que herdamos traz as pegadas de heróis e de vilões. Um tempo em que os que mantiveram seus sonhos são governados pelos “sábios” de coração vazio. E num mundo comandado pela esperteza e pelo hedonismo é indispensável folhear os anais do pretérito para que as valores humanos, seus militantes e suas trincheiras não sejam esquecidos.

O ano de 1968 sobreviveu na memória de uma geração como um legítimo calendário de lutas. Aqueles que alistaram seus gestos e emoções, palavras e pensamentos não limitaram a dimensão de sua entrega. Prisão, tortura, desaparecimento, desterro e morte foi o preço incondicional de um sonho. O movimento estudantil, como um todo, causou um profundo impacto no mundo inteiro e notadamente na política francesa e norte-americana. O que caracteriza o ano de 68 é a sintonia. O misterioso fenômeno de uma revolta partilhada simultaneamente pelos estudantes de todos os quadrantes da Terra. No leste europeu contra o regime soviético e em todo o ocidente contra o capitalismo e seus prepostos militarizados, e contra um inimigo comum identificado pela unanimidade no repudio a Guerra do Vietnam. Quarenta anos depois nos perguntamos: o que ficou de toda aquela paixão pela justiça e pela liberdade? Ficou a mágica paisagem de um inconquistável território, de uma bandeira de luta que contagiou o mundo, mas restou, também, um desnorteado individualismo, um espírito de competição fechando os caminhos da solidariedade humana.

O resgate da história:

O individualismo contaminou nossa consciência da realidade. A noção de tempo está adoecendo. O mundo está presentificado, agorificado pela cultura da aparência e por um sofisticado e decadente consumismo. É contra esses vírus que temos de nos vacinar. Essa patologia está se tornando endêmica e ela é vital para a sobrevivência dos interesses manipuladores e perigosamente alienantes da globalização. Nossos problemas de hoje não podem ser resolvidos somente no hoje, somente pelas suas implicações imediatas, sem pensar nas suas causas e efeitos. Não somos saudosistas e nem somos descartáveis. Somos antes, durante e depois e por isso não podemos perder nosso sentido de historicidade e de transcendência. Nossa noção de tempo não deve ter um significado meramente cronológico de um tempo que passa e se esvai — mas uma consciência de duração. O tempo atemporal. O tempo que permanece. O tempo bergsoniano. Os nossos jovens de hoje já não têm mais sonhos, nem caminhos para o amanhã e eis porque se cansam e se irritam tão facilmente com tudo. Estão aprisionados pelo presente, pelas algemas da transitoriedade e pela agenda do entretenimento. E eis porque a vida de muitos se transforma numa aventura sem destino, numa estrada para o desencanto, na busca da liberdade por caminhos equivocados e impossíveis. Esse é, para eles, um momento difícil. Não só para eles, para todos os homens. Todos estamos vencidos. Vencidos pela insegurança. Vencidos pela corrupção. Vencidos pela impunidade. Essa é a hora da transição e do impasse e é urgente recolocar nas mãos da juventude, uma bandeira. Em alguma parte da pátria, em alguma parte do mundo, alguém deve estar abrindo novos sulcos e, por certo, já existem sementes germinando, mas a mídia não nos traz essas notícias. Cabe a cada um arar sua própria alma. A psicanálise do nosso tempo deve ser feita sobre o divã da filosofia das ciências humanas e, particularmente, pela História que, como já dizia Cícero, “é a mãe de todas as ciências”. Em todo o continente abrem-se as Caixas de Pandora e temos hoje muitos documentos e bons historiadores que lêem, denunciam e nos ensinam a compreender criticamente o passado, não permitindo que ele seja amordaçado mas sim interpretado dialeticamente como uma nova tese. Nesta ótica dos fatos deve-se salientar que apesar de todos os avanços que ultimamente se tem feito na integração geopolítica latino-americana, apesar da confortável presença de governos populistas na América do Sul e apesar dos governos do Uruguai, Argentina e Chile já terem abertos os escabrosos dossiês de suas ditaduras, é lamentável dizer que o Brasil é o único país da região que, inexplicavelmente, ainda não abriu os arquivos do regime militar. São chegados os tempos de reler a história, de rever nossas ações e omissões e dos pecadores buscarem o confessionário. Quanto aos sobreviventes, devem assumir com humildade essa trégua ou, se preferirem, essa retirada estratégica. As velhas ideologias agonizam em todo o mundo.Estamos no limiar da orfandade e, nessa transição, sequer esperamos por um Messias político. Alguém que nos acene com a redenção social, intelectual e moral da humanidade. Numa época em que nossos arquétipos antropogênicos parecem falar mais alto, é imprescindível redigir um novo código de ética que mostre, implicitamente, a todos nós o próprio significado darwiniano da evolução humana e nos ensine a praticar as imperecíveis verdades do Sermão da Montanha, como queria Gandhi.

Somos os sobreviventes da geração de 68, os herdeiros da saudade e da esperança e não sabemos como encontrar a porta de saída desse imenso shopping de ilusões em que se transformou o mundo. Sobrevivemos num tempo de perplexidades, pressentimentos e indagações. Diante desse angustiante impasse, perguntamos: como será o amanhã se já não temos hoje uma utopia? E eis porque é necessário participar com consciência desse torvelinho inquietante que é o tempo em que nos toca viver. É necessário lembrar aos nossos filhos as barricadas levantadas no passado. É também importante dizer a todos que é necessário perseverarem ainda…, porque num mundo sem utopia é imprescindível não esquecer os que sonharam.

1ª/4ª parte: A sexta-feira sangrenta – publicada aqui:

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/04/29/1968-a-sexta-feira-sangrenta-por-manoel-de-andrade/

2ª/4ª parte: A Passeata dos Cem Mil – publicada aqui:

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/05/1968-a-passeata-dos-cem-mil-por-manoel-de-andrade/

 

3ª/4ª parte:  Partidão versus Foquismo – publicada aqui:

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/12/1968-partidao-versus-foquismo-por-manoel-de-andrade/

 

 

 

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PARIS, MAIO DE 1968
A irreverência e a rebeldia dos estudantes franceses arrancaram paralelepípedos e deixaram sementes de mudança.

ilustração do site. fotos sem crédito.

REVISTA VEJA E A DECADÊNCIA na imprensa.

o editor internacional da revista Veja, Diogo Schelp foi publicamente humilhado pelo jornalista e biografo do guerrilheiro Che Guevara. Leia abaixo a troca de mensagens públicas e reveladoras entre o repórter Jon Lee Anderson e o editor Diogo Schelp:

 

“Caro Diogo,

Fiquei intrigado quando você não me procurou após eu responder seu email. Aí me passaram sua reportagem em Veja, que foi a mais parcial análise de uma figura política contemporânea que li em muito tempo. Foi justamente este tipo de reportagem hiper editorializada, ou uma hagiografia ou – como é o seu caso – uma demonização, que me fizeram escrever a biografia de Che. Tentei pôr pele e osso na figura super-mitificada de Che para compreender que tipo de pessoa ele foi. O que você escreveu foi um texto opinativo camuflado de jornalismo imparcial, coisa que evidentemente não é. Jornalismo honesto, pelos meus critérios, envolve fontes variadas e perspectivas múltiplas, uma tentativa de compreender a pessoa sobre quem se escreve no contexto em que viveu com o objetivo de educar seus leitores com ao menos um esforço de objetividade. O que você fez com Che é o equivalente a escrever sobre George W. Bush utilizando apenas o que lhe disseram Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad para sustentar seu ponto de vista. No fim das contas, estou feliz que você não tenha me entrevistado. Eu teria falado em boa fé imaginando, equivocadamente, que você se tratava de um jornalista sério, um companheiro de profissão honesto. Ao presumir isto, eu estaria errado. Esteja à vontade para publicar esta carta em Veja, se for seu desejo.

Cordialmente,
Jon Lee Anderson.

Caro Anderson,

Eu fiquei me perguntando, depois de lhe enviar um e-mail pedindo (educadamente) uma entrevista, por que nunca recebi uma resposta sua. Agora sei que a mensagem deve ter-se perdido devido a algum programa antispam ou por qualquer outra questão tecnológica. Também não recebi sua “carta” – talvez pelo mesmo problema. Tudo isso não tem a menor importância agora porque você resolveu o assunto valendo-se dos meios mais baixos – um e-mail circular. O que lhe fez pensar que tinha o direito de tornar pública nossa correspondência, incluindo a mensagem em que eu (educadamente) pedia uma entrevista? Isso, caro Anderson, é antiético. Vindo de alguém que se diz um jornalista, é surpreendente. Você pode não gostar da reportagem que escrevi; ela pode ser boa ou ruim, bem-escrita ou não, editorializada ou não – mas não foi feita com os métodos antiéticos que você usa. Eu respeito a relação entre jornalistas e fontes. Você não. E mais: parece-me agora que você é daquele tipo de jornalista que tem medo de fazer uma ligação telefônica (assim são os maus jornalistas), já que tem meu cartão de visita e conhece meu número de telefone. Se você tinha algo a dizer sobre a reportagem – e já que sua mensagem não estava chegando a seu destino – poderia ter me ligado.

Eu não sei que tipo de imagem de si mesmo você quer criar (ou proteger) negando os fatos que o seu próprio livro mostra, mas está claro agora que é a de alguém sem ética. Você pode ficar certo de que não aparecerá mais nas páginas desta revista.

Sem mais,
Diogo Schelp

Prezado Diogo Schelp,

Agradeço pela sua “gentil” resposta. Só agora percebo, o mal-entendido entre nós nasceu exclusivamente por conta de meu caráter profundamente falho. Eu jamais deveria ter presumido que você recebera meu e-mail inicial em resposta ao seu ou minha segunda mensagem a respeito de sua reportagem. Muito menos deveria ter considerado que você pudesse ter decidido ignorá-los. É evidente que você tem um sistema de bloqueio de spams muito rigoroso. Uma dica técnica: talvez devesse configurar seu sistema como “moderado” e não “extremo”. Se o fizer, talvez comece a receber seus e-mails sem quaisquer problemas. Lembre-se, Diogo: moderado, não “extremo”. Esta é a chave.

Você me acusa de ser antiético, um “mau jornalista”. Questiona até se posso ser chamado de jornalista. Nossa, você TEM raiva, não tem?

Enquanto tento parar as gargalhadas, me permita dizer que, vindo de você, é elogio. Permita, também, recapitular por um momento a metodologia utilizada por você para distorcer as informações que o público de Veja recebeu:

Você publicou na capa e na reportagem uma grande quantidade de fotografias de Che, aproveitando-se assim da popularidade da imagem de Guevara para vender mais cópias de sua revista. Para preencher seu texto, você pinçou uma certa quantidade de referências previamente escritas sobre ele – incluindo a minha – para sustentar sua tese particular, qual seja, a de que o heroismo de Che não passa de uma construção marxista, como sugere seu título: “Che, a farsa do herói”.

Para chegar a uma conclusão assim arrasa-quarteirão, você também entrevistou, pelas minhas contas, sete pessoas. Uma delas era um antigo oponente de Che dos tempos da Bolívia. Os outras seis, exilados cubanos anti-castristas, incluindo ex-prisioneiros políticos e veteranos de várias campanhas paramilitares para derrubar Fidel. (Um destes, o professor Jaime Suchlicki, você não informou a seus leitores, é pago pelo governo dos EUA para dirigir o assim chamado Projeto de Transição Cubana.) Percebi também que você prestou particular atenção no testemunho de Felix Rodriguez, ex-agente da CIA responsável pela operação que culminou na execução de Che. O fato de que você o destaca quer dizer que você o considera sua melhor testemunha? Ou terá sido porque ele foi o único que algum repórter realmente entrevistou pessoalmente? Com os outros, parece, Veja só falou por telefone. Mas como são rigorosos os critérios de reportagem de Veja!

Como disse em minha “carta aberta” a você, escrever uma reportagem deste tipo usando este tipo de fonte é o equivalente a escrever um perfil de George W. Bush citando Mahmoud Ahmadinejad e Hugo Chávez. Em outras palavras, não é algo que deva ser levado a sério. É um exercício curioso, dá para fazer piada, mas NÃO é jornalismo. Dizer a seus leitores, como você diz na abertura da reportagem, que “Veja conversou com historiadores, biógrafos, ex-companheiros de Che no governo cubano” passa a impressão de que você de fato fez o dever de casa, que estava oferecendo aos leitores um trabalho jornalístico bem apurado, que apresentaria algo novo. Infelizmente, a maior parte do que você escreveu é mera propaganda, um requentado de coisas que vêm sendo ditas e reditas, sem muitas provas, pela turma de oposição a Fidel em Miami nos últimos quarenta e tantos anos.

Minha questão não é política. Escrevi um livro, como você mesmo disse, que é “a mais completa biografia” de Che. Há muito lá que pode ser utilizado para criticar Che, mas também há muitos aspectos a respeito de sua vida e personalidade que muitos consideram admiráveis. Em outras palavras, é um retrato por inteiro. Como sempre disse, escrevi a biografia para servir de antídoto aos inúmeros exercícios de propaganda que soterraram o verdadeiro Che numa pilha de hagiografias e demonizações, caso de seu texto.

Não cometa o erro de me acusar de defender Che porque critico você. Serei claro: a questão aqui não é Che, é a qualidade do seu jornalismo. Sua reportagem, no fim das contas, é simplesmente ruim e me choca vê-la nas páginas de uma revista louvável como Veja. Seus leitores merecem mais do que isso e, se aparecerei ou não novamente nas páginas da revista enquanto você estiver por aí, não me preocupa. O que PREOCUPA é que, com tantos jornalistas brilhantes como há no Brasil, foi a você que Veja escolheu para ser “editor de internacional”.

Cordialmente,
Jon Lee Anderson.

MORREU CARRANO o autor de CANTO DOS MALDITOS que originou o filme BICHO DE SETE CABEÇAS.

 

da esq. para a dir. o dirigente do mov. negro saul, o poeta jb vidal, o artista visual retta, o escritor de CANTO dos MALDITOS que originou o filme BICHO de SETE CABEÇAS carrano e o artista visual claudio kambe.

Morreu ontem em São Paulo, aos 51 anos, o escritor curitibano Austregésilo Carrano Bueno, 51 anos. Ele estava internado desde segunda-feira no Hospital das Clínicas de São Paulo. Tinha câncer no fígado. Carrano é autor do livro “Canto dos Malditos”, que originou o filme “Bicho de sete cabeças” (2001), dirigido por Laís Bodanzky e que tinha Rodrigo Santoro no papel principal. Numa longa entrevista dada ao signatário para uma reportagem publicada na revista Capital, disse que, nas andanças com o galã para o lançamento do filme na Europa, faturava mais corações do que o ator. Durante parte da sua vida, dedicou-se a uma luta insana contra os tratamentos que considerava desumanos nos hospitais psiquiátricos. Uma das grandes conquistas da sua vida foi ter ser reaproximado do pai, a quem acusava de ter sido o responsável pelo internamento que resultou no livro.

fonte: http://jornale.com.br/zebeto/

o site PALAVRAS, TODAS PALAVRAS e os PALAVREIROS da HORA, lamentam profundamente a morte prematura do escritor e bom amigo austregésilo carrano que além das obras publicadas preparava o lançamento de mais um livro para os próximo dias.

AMIGOS poema de cleto de assis

 

Ao Manoel de Andrade, com a emoção do reencontro. Após 40 anos de saudades

O poema é de antes. A ilustração saiu agora do forno da imaginação, com a

mãozinha (ou mãozinhas…) de Michelangelo.

 

Tem gente que a gente conhece e esquece.

Tem gente que é parte da gente e não merece.

Tem gente de todo tipo: perto da gente e tão longe,

                                   longe da gente e bem perto.

 

Tem gente que ainda nem sabemos,

mas já deixou saudades.

 

Ai,ai, se eu pudesse escolher

esconderia a pouca gente que me deixa contente

no bolso de tesouros do piá que ainda corre dentro de mim

e que sempre pensou: ter amigos é a melhor coisa que existe.

 

 

Curitiba

Janeiro/2008

 

 

 

UM NOME A ZELAR conto de deborah o’lins de barros

Mônica tem 22 anos, dinheiro e um diploma recente em Cinema pela PUC. Tem amigos moderninhos, também. Seu ideal de vida era muito parecido com o de outras garotas da sua geração: a arte, o belo e a estética, boa música e drogas lícitas. Um maço de Carlton Red, um chope e um Smirnoff Ice por dia. Ela também tem um objetivo, claro, que é trabalhar fazendo roteiros e edição de filmes. Estamos em São Paulo e o mes é dezembro de 2005.

O dia da apresentação de seu curta-metragem de seu grupo, como trabalho final da faculdade foi um barato. O filme era sobre um grande mal-entendido, que acabou sendo a grande graça da história. Mônica ficou toda prosa por mostrar seu trabalho para a família e amigos. Estava quase que pensando em cancelar sua viagem para fazer uma pós na Inglaterra, só por que não os veria durante tanto tempo. Aconteceu que nesse dia, Alex, seu quase-irmão,  a chamou para uma festa. Mônica, naturalmente, aceitou. É aí que começa:

 

– Vai ser num barzinho “da hora”, você vai, né?

– Claro né, Alex. Perder showzinho do meu melhor amigo, ninguém merece…

– Conto contigo lá. Vai ser uma jam session.

 

Só tem um problema: Mônica não sabia o que era uma jam session. Sendo assim, ao chegar em casa com o canudo na mão, entrou no MSN e não comentou com ninguém sobre seus programas para aquela noite. Só tinha certeza que ouviria uma mistura de jazz e rock, que era o que Alex mais gostava de extrair do contrabaixo que tocava.

 

– Tchau, pai! Já tô indo!

– Tem hora pra voltar?

– Não, mas meu celular tá ligado.

– Você não vai num pagode, vai?

– Claro que não, eu tenho um nome a zelar, né? Vou numa jam-session.

– E o que é isso?

– Sei lá. Tchau.

 

O bar era estreito, comprido e tinha um mezanino. Em baixo ao fundo, um palco e no centro do salão mesinhas redondas com três cadeiras. O bar ficava à direita e ao lado havia a escada. Em cima, mais mesas no centro e poltronas vermelhas confortáveis encostadas na parede. Mônica gostou de primeira, achou o lugar bem agradável. Alex, que já tinha chegado e estava conversando com uma turma, foi recebê-la:

 

– Até que enfim você chegou, Kikinha! Deixa eu te apresentar um pessoal.

 

Mônica se enturmou rápido com os amigos de Alex. Ainda mais com a quantidade de drinks que passavam pela mesa. Lá pelas tantas, já mais extrovertida, ela admitiu que nem era tão espontânea assim, mas queria comemorar a sua formatura e a partida para a Inglaterra em fevereiro.

 

 

***

 

 

A música estava ótima, as pessoas se divertindo, Alex inspiradíssimo e Mônica enchendo a cara. Depois tudo ficou mais calmo, aconchegante, e depois silencioso. Quando acordou, Mônica estava ouvindo apenas sua respiração quando, ainda meio tonta, ouviu som de seu telefone:

 

– Alô, mãe?

– Filha, você vai almoçar em casa?

– Ahn? Vou sim, mãe. Vou almoçar em casa.

 

Desligou o telefone, se ajeitou de novo e só aí percebeu: aquele teto não era da cor do teto de seu quarto. Olhou para o lado, viu um lustre. Não havia lustres no seu quarto. Olhou para o outro lado. Era Alex? Não… não poderia ser. Alex sempre foi meio mulherengo, mas a Mônica era sua quase-irmãzinha. Espere, ele está acordando. Agora, Mônica pode ver quem é.

 

– O que? Junior?

– Ahan… Bom dia, Mônica, o que foi?

 

Ela não poderia acreditar. Ela, justamente ela, Mônica, recém-formada em cinema, leitora de Jack Kerouac e Jean-Paul Sartre… Acordando ao lado de Junior? Podeira ser qualquer outro, mas justo o da dupla Sandy & Junior? Ela não queria acreditar que isso pudesse ser verdade.

 

– Mônica, você quer uma aspirina? Acho que você estrapolou um pouquinho ontem.

 

Junior senta e veste um calção. Depois se levanta e vai até o banheiro. Oh, não! Agora que  Mônica não queria acreditar mesmo. Estava agradecendo a Deus por não ter levado ninguém ao bar e porque sabia que Alex guardaria segredo de que ela havia, digamos, chegado às vias de fato com o Junior.

 

– Oi… aqui está o comprimido. Beba a água toda.

– Obrigada. Olha, eu queria falar uma coisa.

 

Na verdade, Mônica não sabia muito o que falar. Tudo o que ela queria era que aquilo fosse um trote ou coisa parecida. Mas não era. Sendo assim, tudo o que ela poderia dizer era que não tinha ficado com ele por ser um cara famoso. E foi o que fez. Junior, por sua vez, confessou que adorou ter conhecido uma menina como ela. Disse que Mônica era inteligente e simpática, além de linda. Também se comprometeu a não comentar com Alex, que na sua opinião foi o baixista mais original com quem havia tocado naquela noite.

 

 

***

 

 

O almoço foi tranquilo. Os pais de Mônica não perguntaram nada e ela, por sua vez, também não falou sobre o que havia acontecido. Durante a tarde, depois de tomar uma pílula “do dia seguinte”, só por desencargo de consciência, ela ficou pensando, tentando lembrar não só de o que aconteceu, mas como.

O telefone toca. A Bina acusa que é Alex quem chama. E agora, atender ou não? Eis a questão. E se for tudo uma brincadeira que fizeram com essa pobre menina rica? Ai meu Deus, oh dúvida cruel…

 

– Alô, Mônica?

– Oi Alex, tudo bem?

– Tudo… Foi mal por ter te deixado sozinha ontem. Mas eu tive que sair logo depois de tocar por que tinha que fazer um monte de coisas hoje de manhã. Você me perdoa?

 

O Alex, pedindo perdão? É, isso não poderia ser um trote. Para ele falar assim, só poderia ser verdade. Mônica conhece como ninguém seu melhor amigo.

 

– Não, Alex, está tudo bem, eu me diverti bastante. Fiquei batendo papo com uma galera que conheci.

– Ah, que bom. Olha, eu preciso desligar. Depois a gente se encontra para falar como foi o último dia da faculdade, acabou que a gente nem conversou direito ontem, né?

 

Alex não era bom mentiroso. Ele realmente não sabia de nada. Mônica suspirou aliviada e decidiu que, a partir daquela noite, não mais ultrapassaria seu limite clássico de um chope e uma vodka ice, para garantir que isso nunca mais aconteceria. De repente, Mônica tomou um susto. Se pegou pensando em Junior. E agora? O que fazer? Bem, pelo menos ele se mostrou bem mais gente boa que aquele namorado que havia dispensado umas semanas atrás. Mas não! Mônica não poderia gostar de um cara que canta “vamos pular” com a Sandy.

 

 

***

 

 

No dia seguinte Mônica resolveu “se purificar”, visitando o MASP. Museu mais bonito que esse só o de Belas Artes, no Rio de Janeiro, que visitou nas férias de julho. Viajando no tempo e nas telas, Mônica se viu novamente pensando em seu segredo. Tinha que admitir, ao menos para si mesma, que sentia vontade de encontrar Junior de novo. Ao ver um quadro de Di Cavalcanti, “Cinco Moças de Guaratinguetá”, pertencente ao seu movimento arístico favorito, seus pensamentos viajaram de novo; pensava nos estudos que começaria na Europa.

Mesmo assim, seus anseios reprimidos se concretizaram. Com quem ela esbarra, repentinamente, no museu? Exatamente.

 

– Oi, Mônica, tudo bem?

– Oi, Junior… tudo… Ué, achei que você vivesse fazendo shows por aí…

– É, mas não às vésperas do Natal, né?

– É, tá certo, claro…

– Você vem sempre aqui?

 

Os dois riram. Embora extremamente constrangida, com medo de alguém pegá-la de surpresa, batendo papo com o Junior da duplinha cafona que não suportava, Mônica conversou com o rapaz. Mantendo sempre uma distância e fazendo-se de difícil, Mônica debateu sobre a arte clássica e moderna com a pessoa mais “pop” que já conheceu. E novamente agradeceu a Deus por ninguém tê-la visto ali, com ele.

As “coincidências” continuaram a acontecer. Mônica começou a achar estranho que Junior aparecesse na maioria dos lugares que ela freqüetava e que nunca o viu antes. E a forma como ele a tratava, parecia que já eram amigos íntimos… Não isso só poderia significar uma coisa: Junior estava sacaneando Mônica, fazendo com que ela ficasse sem reação na frente das outras pessoas, para que todos percebessem que eles tinham algo mais. Bem, pelo menos era isso que Mônica pensava.

O fim da picada aconteceu no aniversário de Mônica, quando ela foi com os amigos num barzinho que ela nunca tinha ido com sua turma antes. Mesinhas com três cadeiras, palco ao fundo, mezanino…

 

– Oh, não! Eu já tinha vindo aqui antes! Aquele dia, com o Alex… – pensou.

 

Sentados no balcão estavam Alex e Junior, batendo papo. Mônica só viu o primeiro e foi direto falar com ele. Mas Junior foi o primeiro a falar.

 

– Finalmente te encontrei no meu habitat foi aqui que nos conhecemos, lembra?

 

Aquela piscadinha ridícula, depois da frase, foi para acabar. Como esse cara pôde chegar a esse ponto, esse grau de baixesa? E agora, o que Alex ia pensar de Mônica?

 

– Não sabia que eram amigos. Sente conosco, Mônica! E parabéns pelo seu aniversário.

– Obrigada Alex, mas estou com um monte de gente… Depois passa lá na mesa para trocar uma idéia.

 

Mônica não sabia se ignorava Junior, se falava com ele. Acabou que só deu um sorriso rápido e saiu logo. Logo depois chega o garçon na mesa em que ela estava sentada com sua turma.

 

– Boa noite, com licença… a rodada de Ice.

– Boa noite… mas ninguém pediu isso, garçon.

– Foi presente daquele menino ali. – e apontou para Junior – Você que é a aniversariante, não é, moça?

 

O garçon deixou as garrafas e copos, entregou um guardanapo e saiu. Ai meu Deus, pior que piscadinha estilo “olhar 43”, só cantada em guardanapo. Só filho de Chitãozinho ou Xororó pra fazer uma coisa dessas… Ainda bem que estava escrito apenas “feliz aniversário, ass. Junior”, pois todos da mesa queriam saber quem era o patrocinador do gole.

 

– Kikinha, é “aquele” Junior?

– É…

 

Mônica precisava disfarçar, inventar qualquer coisa… Agora!

 

– Ele é amigo do Alex. O conheci quando fui ver uma jam-session, mês passado. A gente trocou uma idéia.

 

Bem, omitir é menos pior que mentir…

 

– E não rolou nada?

– Rolar assim, não rolou nada. Vocês não acham que eu iria namorar com o irmão da Sandy, acham?

– Mas ele é tão gatinho, depois você me apresenta?

– Apresento, sim… Ele é até gente boa, sabiam? Mas deixa eu contar mais da minha viagem mês que vem.

 

Pronto. A melhor coisa a fazer é sempre mudar de assunto.

 

 

***

 

 

Mônica estava em casa, pensando na morte da bezerra, quando o telefone toca. Ih, e agora? É o Junior! Ela decidiu atender.

 

– Oi, Mônica…

– Oi.

– Tá de bobeira?

– Tô, por que?

– Tem como a gente se encontrar agora? Preciso falar com você.

 

Junior foi de carro até a casa de Mônica e os dois conversaram na garagem. Foi um papo sério e, logo depois de entrar no elevador, Mônica lembrou do fim da personagem Scarlet O’Hara, do filme “E o vento levou”.

O que os dois conversaram, ou melhor, o que Junior falou foi quase que esclarecedor. A começar pelo dia em que eles se conheceram: eles apenas se beijaram. Todo mundo sabe que quanto mais se bebe, menos se tem vontade de fazer sexo. Simplesmente não rolou, mas o susto que Mônica teve a levou a pensar que todas as hipóteses que ela criou, realmente tinham acontecido. Outra coisa, todas as vezes em que Junior aparecia, não eram para “humilhá-la”, mas sim para apenas conversar com ela.

Mônica pediu desculpas por ter pensado isso, mas não foi o suficiente para fazer Junior ficar. Ele só queria explicar as coisas para poder começar uma nova turnê musical sem consciência pesada. Já Mônica, com vergonha de ter ouvido tudo o que ouviu de um cara, como ela diz, que canta “vamos pular”, apenas disse que iria para a Inglaterra.

 

– Posso te fazer uma pergunta?

– Pode, Junior.

– Pô, Mônica, eu gosto de você pra caramba. Você vai viajar é pra esquecer de mim?

– Que?

– Você gosta de mim, não gosta?

– Junior, vou para Londres para fazer uma especialização em Cinema. E eu gosto, gosto muito do Junior que eu conheci.

 

Mônicase despediu, deu um tchau com a mão e pegou o elevador. Junior, por sua vez, ligou o carro e foi embora, mas pediu para o zelador do prédio entregar um papel para Mônica. E o cara esqueceu.

 

 

***

 

 

Os dias passaram. Chegou o dia da festa de despedida de Mônica e todas as suas amigas perguntaram pelo famoso que estava ausente. “Ah, sei lá, deve estar em turnê” era a resposta clássica. Alex percebeu que seu falar diziam uma coisa; seus gestos, outra. Mas achou prudente não falar nada, afinal, Mônica estava passando sua última noite em São paulo. No dia seguinte, àquela hora já estaria dentro do avião.

 

 

***

 

 

Aeroporto Internacional de São Paulo. Mônica chegou com duas malas e uma bolsa de mão. Apenas seus pais a acompanhavam e depois ela se despediu deles. Queria ficar sozinha nesses últimos momentos. Droga, a pior coisa que poderia acontecer, aconteceu: o vôo atrasou. Bem, então Mônica decidiu tomar um lanche para fazer hora. Deus salve o dono da lanchonete, a melhor coisa para fazer passar o tempo é assistir televisão.

Começou um programa de entrevistas. Tevê a cabo é outra coisa, não mostra só porcarias, mas também… O que? O Junior na televisão? Tudo bem, não há nada mais natural que isso, mas é muita ironia, não? Na entrevista ele falou que muitas pessoas o vêem apenas como integrante da dupla Sandy e Junior, esquecendo que ele é uma pessoa. Na verdade, isso foi o foco do programa. Mônica ficou tão sem graça que acabou de lanchar o mais rápido possível e saiu dali.

A voz bonita do aeroporto anunciou o novo horário do vôo. Daqui a vinte minutos? Então dava para dar uma olhadinha na lojinha ali em frente. Havia umas prateleiras cheias de cd’s nacionais, próprios para turistas esquecidos e brasileiros saudosos. Mônica, sem intenção de comprar nada, deu uma rápida olhada antes de ir para o portão de embarque. Mas parou alguns instantes e, sem querer, ficou olhando o cd de seu “amigo famoso”. Finalmente, Mônica admite para si mesma que está apaixonada, mas ao olhar o nome das músicas, arqueia a sombrancelha e sai.

Agora Mônica está no avião. Olha aquele céu cinza da cidade em que nasceu, pensando no fim de inverno que iria pegar na também cinza Inglaterra. De repente, ela abre a bolsa e tira, vejam só, o cd que tinha visto na loja. Algumas coisas têm de ser feitas discretamente, como comprar uma coisa desse tipo. Ela abre a caixinha, ignora o cd e folheia o encarte.

 

– É, acho melhor eu ir para a Inglaterra, mesmo. Tudo bem, ele pode até ser legal, mas Sandy e Junior, ninguém merece. E eu tenho um nome a zelar, né?

 

 

AS DUAS PRAGAS de ÉDER EGIPTO por alceu sperança

O aeroporto está encruado desde a década de 50, o que por si só é uma praga

 

É claro que você conhece o Éder Egipto. Ele vive zanzando pelo Calçadão. Para uns, é um gênio. Para outros, meio doido. Sabe aqueles câmeras chatos de TV, que são pautados para ir ao Calçadão fazer filmagens circunstanciais de transeuntes? Certa vez filmaram o Éder e botaram a imagem como “circunstancial” de uma reportagem sobre aids. Daí que no dia seguinte todo mundo começou a evitar até respirar o mesmo ar que o Éder respirava.

Em outra ocasião, a reportagem era sobre o El Niño e lá estava de novo a imagem circunstancial do Éder. Daí que o pessoal só falava com ele em portunhol, achando que fosse paraguaio ou algo assim.

Mas agora você já sabe quem é o Éder Egipto. É esse mesmo. Um sujeito que nasceu em Cascavel, o próprio ovo da serpente, para quem Cascavel não é uma cidade, mas um país. Aeroporto para ajudar Toledo? Nem pensar: Éder Egipto quer que Toledo se dane. Integração regional? BaleIa: coisa que os toledanos investiram para prejudicar Cascavel. Costa Oeste? Só se forem as margens do rio Cascavel. Turismo? Bobagem esses estranjas perderam tempo com as Cataratas, que todo mundo já viu em cartão-postal, e deixar de ver nosso maravilhoso Lago Municipal. Mais bairrista impossível: para ele a Sanepar não existe, só o antigo Departamento Municipal de Água e Esgoto. E a Unioeste é uma farsa montada no deserto do Arizona, como a chegada do homem à Lua. O nome da universidade é Fecivel Forever., E fim de papo.

 

É Esse Mesmo o Sujeito. Vamos à História.

     Você está cansado de saber quem é o Éder Egipto. Vamos então à nossa história da semana.

O Éder certo dia estava ali no Bar dos Irmãos Werlang deitando falação sobre teatro. O tema do dia era Aristófanes, que alguns ouvintes confundiam com o Estefano. Lá pelas tantas, Éder lembrou que Aristófanes viveu ali por volta do final do século V antes de Cristo e alguém surpreso comentou: “Mas como esse Estefano está conservadinho!”

Éder Egipto estava especialmente febril ao discorrer sobre três peças de Aristófanes: As Vespas, As Aves e As Rãs. Seu fanatismo era tão grande que cada irmão o expulsou do bar duas vezes. Seu interesse maior era pela peça As Vespas (escrita em 422 antes de Cristo), pela dicotomia com a Cascavel de hoje: a peça retrata uma Atenas democrática injuriada com seu sistema judiciário. Basta dizer que as vespas que dão título à peça são os juízes. A peça tem também uma briga entre pai e filho parecida com a briga entre Tolentino e Frangão (o pai se chama Filocleão, um juiz). Há também Cleão, o líder político que para Éder Egipto lembraria Salazar.

Diga-se em favor de Éder Egipto que ele destacou o valor da passagem em que Filocleão se disfarça de fumaça para fugir por uma chaminé, o que dá bem testemunho da ginástica com que nossos políticos se viram para sair de situações difíceis.

Eis que uma Tragédia (Não-Grega) Acontece.

Ali pela quinta expulsão, Éder Egipto bateu com a cabeça no meio-fio e começou a delirar. Cascavel, para ele, era uma Atenas que traíra a si mesma e precisava ser castigada. Viu-se no cenário e no figurino da Atenas antiga enquanto percorria o Calçadão.

– Cadê aqueles câmeras circunstanciais que nunca se vê no Calçadão quando se precisa deles?

Ao lado da grande cruz, Éder Egipto esquentou uma chaleira de água debaixo de um liquinho. Meteu dois saquinhos de chá da lndia na         chaleira e gritou:

– Chazão!

Um raio desceu do alto e atravessou Éder Egipto de alto abaixo._E ele se transformou num daqueles heróis de histórias-em-quadrinhos, com a missão específica de “lutar em defesa de Cascavel” contra o inimigo Toledo, que queria roubar nosso aeroporto desde a década de 50.

Espera lá, dirá o leitor: o Billy Batson (e não Willy Barth, diria Éder) se transformava no Capitão Marvel quando pronunciava a palavra mágica Shazam e não Chazão… Acontece, leitor complacente, que aqui é terra do amargo. A palavra mágica só podia ser mesmo Chazão!

Pois o que é o chimarrão, no fim das contas, mais do que um baita dum chá muito do macho? O chá da Índia foi só para disfarçar, mas não colou. Era mate, mesmo, vamos confessar.

Então Sobreveio a Primeira Praga.

Éder Egipto se viu dotado de uma capa e no peito um grande C, que Darci Israel chamaria de Cascavelão. Era, afinal, o defensor de Cascavel, a boazinha, contra os malvados toledanos que pretendiam desviar nosso aeroporto, beijar nossas mulheres e batizar nossos filhos.

Logo começou a perceber a extensão de seus poderes heróicos: ao gritar Chazão! de posse da obrigatória cuia, ele se transformava no Capitão Cascavel. De sua língua emanava um poderoso veneno. Das pontas dos dedos saíam vespas, como na peça do Estefano, quer dizer, de Aristófanes. Percebeu, com o treinamento de seus dotes heróicos, que ao seu comando mental qualquer tipo de inseto podia sair de seus dedos estendidos do mesmo jeito que outros heróis emitiam raios laser.

– Que sobrevenha a primeira praga contra os que não me deram ouvidos e entregaram o aeroporto para Toledo: os besouros vão tomar conta de tudo!

E foi aquela besourada tomando conta de Cascavel exatamente como, Éder Egipto praguejou.

Então Sobreveio a Segunda Praga.

Por um instante Éder tentou imaginar qual seria a segunda praga. Pensou em uma infestação monstruosa do Aedes agypti, mas acreditou que seria uma praga óbvia demais, recorrente ao seu nome e sobrenome. Preferiu que das pontas de seus dedos saíssem bandos de borrachudos.

Era a segunda praga. Como os poderes de Éder derivavam do mate e ele não chegou a tomar a cuia inteira, como reza a tradição, não conseguiu rogar todas as sete pragas regulamentares em histórias desse gênero. Voltando a seu estágio comum de mero Éder Egipto, foi abordado por um repórter, acompanhado de seu câmera circunstancial:

– Conta pra nós essa história das duas pragas, meu caro Éder Egipto.

– Por enquanto é só besouro e borrachudo. Se vocês continuarem a entregar tudo que é nosso pra Toledo e Foz do Iguaçu, as próximas pragas serão um estouro de rinocerontes e uma catingueira de gambá. Por enquanto foram apenas pragas voadoras porque a minha raiva era aérea, por causa do Aeroporto. E vão fazendo a pista, porque senão eu dou mais uma mamada aqui na bomba e grito Chazão! outra vez!

 

EQUILIBRISTA por helena sut

Cinco da tarde. A chuva traz cores sombrias ao céu espelhado nas ruas asfaltadas. Cidade vazia, um vento cortante, uma esperança, um pensamento esquecido… Quase como uma sombra que se multiplica, a trajetória de um louco encontra o destino em um beco sem saída e fica suspensa na tênue linha da razão abandonada ao meio-fio.

 

Um ranger de porta, talvez uma fresta escondida na lembrança do personagem. O homem equilibra um verso no limiar do horizonte tardio. Uma solidão reescrita na face nua… Uma marca de expressão se sobressai no rosto talhado de tempo. Sorri um riso adormecido, uma recordação reanima o corpo e o poeta lança um grito cerzido de palavras mudas espelhadas no chão.

 

Um pingo de chuva cai no escrito imaginário, uma lágrima reencontrada no caminho. Uma trovoada interrompe o silêncio suspenso. Mais um pensamento está fadado ao esquecimento. Descompasso, o coração dispara em dissonância com os pausados passos.

Uma encruzilhada e mais um beco sem saída. Perdido de suas representações, o louco abandona sua sombra. Liberto de si, percebe que o porvir está além da limitada reprodução e ousa trilhar outros espelhos já anoitecidos.

 

No portão, um ancião cuida das horas. Deixa o olhar vagar nas ruas desertas e reencontra, no corpo cambaleante, um movimento juvenil. O desejo de uma antiga ruga abre uma janela iluminada no dia cinza. Um sorriso embriagado de sonhos rasga o desamparo.

 

Um carro com faróis apagados surpreende os personagens. Passa como passam todos os movimentos. Lança a água do asfalto e lava o instante com um susto anônimo. As janelas escuras aprisionam algumas faces, talvez um solidão, talvez uma loucura… O carro desaparece na esquina de um horizonte anoitecido.

 

O poeta atravessa o poema de sua existência na calçada e o ancião compreende, numa leitura silenciosa, que a tarde desvirginada os condenou ao único reflexo.

DESANDANÇAS poema de altair de oliveira

Sou desde cedo incompleto

perto de estar descontente

busco no todo e no sempre

tomar um tento do incerto.

 

Esgrimo por entre as gentes

conserto meus desconcertos

e eu tento, de todo jeito,

manter um sonho por perto…

 

Disfarço meus embaraços,

enfrento mil contratempos

Num tempo de pouco tempo

Contemplo o pouco que faço.

 

Mas inda trago esperanças

que a sorte um dia me alcance

onde, apesar de impedâncias,

eu possa dançar…e não dance!

 

Altair de Oliveira – In: O Lento Alento

 

 

CARTA ao amigo JB VIDAL – de ánton passaredo

Meu Caro Vidal,                                                                                                                  

 

Você me pediu para inaugurar um novo estilo literário em  “nosso blog”, tão ricamente construído nesses seis meses de atividade ininterrupta. Ontem voltei do “Stuart”, agora transformado em Bar Portenho, pensando cá com meus zíperes – será que devo aceitar tal desafio? Serei eu a pessoa indicada para realizar tal tarefa? Sem elucidar a dúvida, eis-me aqui no Escritório das Penas Eternas a dedilhar palavras missivistas. Entendo estar arriscando apenas a possibilidade da escolha sobre minha pessoa para este tão intrigante compromisso. No entanto, mesmo sendo ela apenas mera hipótese, sigamos à lira, toquemos o barco.

 

Queria, então, meu caro amigo, bordar comentários livres sobre nosso encontro na tarde/noite de ontem. Começo pela visão tida ainda no táxi, ao virar da Visconde de Guarapuava para a Marechal Floriano. Lá no final da Marechal, para os altos da Praça Tiradentes, coroando a passarela de prédios, de carros e pedestres em disputa pelo horizonte baixo, a figura majestosa da Igreja do Rosário. Sem dúvida, uma das belas imagens de Curitiba. Contrastando com a algaravia dos automóveis e do concreto dos edifícios, com suas linhas retas e comuns em direção a um céu sem pombas: a igreja. Ela, com suas linhas ligeiramente curvas, a torre pontiaguda, fincou em definitivo a beleza arquitetônica sobrevivente dos portugueses de outrora. Magnífico!

 

Lembro que comentei com você do livro “Traçando Porto Alegre” do Veríssimo e da oportunidade em repetir aqui, não com desenhos, mas com literatura vinculada à imagem o que o autor gaúcho já fez com um arquiteto em terras mais ao sul. Pois adianto, meu caro Vidal, cantar e mostrar os recantos de cidades em forma de crônica, conto ou outra forma de expressão é sempre tarefa a ser repetida. Ainda mais quando se consegue, minimamente, atingir os bordos da arte. E digo bordo porque a arte é um espaço indefinido, jamais decifrado no seu todo. Às vezes conseguimos ligeiramente tocar sua pele, outras vezes nem sequer a alcançamos.

 

Lembrando ainda da nossa conversa, recordo que tecemos considerações sobre as agruras do trânsito e da sua dificuldade em chegar ao “Stuart” no horário combinado. Devo revelar, e desculpe-me pela indiscrição, mas você se atrasou meia hora. De fato, marcar compromisso às 17h 30m para quem ainda está atrelado às quatro rodas é um pouco cruel. O trânsito maluco de uma sociedade doente e cada vez mais motorizada torna aquele que chega ao compromisso, mesmo que atrasado, um sedento por algo forte, um uísque ou uma cachaça. E nós somente queríamos tomar uns vinhos, como de fato tomamos.

 

Interessante os tempos modernos. Não faz muitos anos atrás, acho que menos de dez, escrevi várias cartas para a Helena Kolody e o fazia do próprio punho, de forma manuscrita. Agora tento escrever no micro e o alto-corretor me ajuda sublinhando de vermelho a todo instante que cometo um erro. Quando fazia manuscritos quase não errava, e se o erro ocorria logo uma pequena rasura se interpunha, ou entrava em cena o “Erro-ex”. Lembra? Agora não. Tudo está diferente. A maravilha da informática para mim, já seu criado há mais de quatorze anos, é o “back-space”, o “delete”. Maravilha! Por isto apanhei um pouco com a palavra “uísque” já aportuguesada. Não precisei consultar o Aurélio de papel, pois meu dicionário de bordo me conduziu a um porto seguro gramatical. Muito bom, mas confesso ainda sou viciado em papel, para horror dos ambientalistas e dos ecologistas.

 

Sobre este último assunto lembro que também comentamos no “Stuart” a nossa renúncia à compra de jornais de papel, sendo ambos adeptos da leitura das notícias pela Internet. Parece claro, se temos um “blog”. Mas se há o “blog” por que não iríamos fazer uso dos outros instrumentos que a Internet nos oferece? Coisas como as notícias frescas, sangue ainda quente espremido das más notícias, além de novidades a todo instante, entre futebol, mulheres peladas e fofocas dos artistas, muito lixo misturado à arte, que por sua vez mistura-se à boa informação e à oportunidade de pesquisa.

 

Meu caro Vidal, esta é apenas uma primeira carta e sinto que devo começar a brecar o carro das palavras. Se tivesse uma máquina de escrever das antigas, teria de “puxar ou travar o carro”, efetivamente. Mas teclando no “notebook” o termo terá de ser outro. Terei de parar com a barra de espaço, colocar ponto final, acessar a Internet e encaminhar como anexo as palavras já salvas num arquivo de nome igual ao título da carta. É isto. Adianto que foi um grande prazer tomar duas garrafas de vinho com você ontem no “Stuart”. Quem sabe para o mês não possamos repetir a dose? Mas certamente em outro horário menos congestionado e até mesmo com outras companhias de gente amiga. Porque gente, como já disse Maiakovski foi feita para brilhar.

 

Um Grande Abraço!

Saudações @palavreirosnobardostuart.comliteratura

Ánton Passaredo

CANNES:brasileira ganha prêmio de melhor atriz

 A diretora de “Linha de Passe”, Daniela Thomas, recebe, do ator francês Jean Reno, o prêmio de melhor atriz, em nome da brasileira Sandra Corveloni.

O prêmio de melhor interpretação feminina do 61 Festival de Cannes (França) foi entregue neste domingo a Sandra Corveloni por seu papel no filme brasileiro “Linha de Passe”, de Walter Salles e Daniela Thomas. O festival deu o prêmio de melhor filme a “Entre les murs”, dirigido por Lauren Cantet. O prêmio voltou a um cineasta francês depois de 21 anos, quando o prêmio havia sido dado a “Sob o Sol de Satã”, de Maurice Pialat.

Walter Salles e Daniela Thomas olharam-se no palco do Grand Théâtre Lumière com cara de quem se pergunta – “Será que ouvimos direito?” – quando Jean Reno, chamado a apresentar o prêmio para a melhor atriz do 61º Festival de Cannes, anunciou que o troféu ia para Sandra Corvelini, por Linha de Passe. O filme que o diretor tantas vezes chamou carinhosamente de “pequeno” já havia sido muito bem recebido pela crítica internacional, mas faltava o aval do júri presidido por Sean Connery e ele veio sob a forma de um prêmio para a atriz de teatro que faz sua estréia no cinema interpretando a mãe de quatro filhos (grávida do quinto).

Salles e Daniela subiram ao palco, ambos muito emocionados. Salles agradeceu a contribuição de Sandra, dizendo que ela foi realmente uma mãe para os quatro jovens atores. Daniela, falando em português, disse que a atriz vencedora não pôde vir a Cannes por causa de uma gravidez interrompida, mas que seria muito importante, num momento desses, receber reconhecimento por uma entrega que foi tão visceral.

fonte: gazeta on-line.

LUAR poema de marilda confortin e marco guiraud

 

O teu clarão entra pela janela

Invade as profundezas do meu coração

Que bate forte, feito bateria

Num concerto ao vivo, cheio de emoção

Me faz lembrar, o tempo em que a vida

Era curar feridas feitas pelo amor

E que habitavas todas as esquinas

Como lamparina a me fazer cantor

 

Mas que saudades da viola linda

Que te faz infinda como o céu e o mar

Das madrugadas, todas encharcadas

Com beijos de fadas, sempre a me amar

Das caminhadas pela noite adentro

Com tua presença a me acompanhar

Balet mais lindo, vinhas me seguindo

Um passo atrás do outro até quase alcançar

 

Estou sentindo aquela nostalgia

Parece magia, que me faz sair

Viola em punho, o sangue fervendo

Coração batendo, querendo explodir

Vem minha musa, sou teu seresteiro,

Vem, me toma inteiro, me faz recordar

Mais que amantes, éramos errantes

Sempre que o dia vinha nos matar

 

Mas que saudades, da viola linda

Que te faz infinda como o céu e o mar

Das madrugadas todas encharcadas

Com beijos de fadas, sempre a me amar

Minhas lembranças vão me absorvendo

E eu quase cedendo, acho que vou chorar

Não sei se vale, mas tô com vontade

De matar saudades de você, luar.

 

A REVELAÇÃO de MARILYN SEMIÓTICA por jairo pereira

ao poeta Mário Lemanski

(Ensaio sobre poema do mesmo nome)

Estava no repasto

dos meus signos

:mesmos signos de sempre:

quando Marilyn Semiótica

apareceu, aparecida

apareceu e me encaixou

em sua vida…

A semiótica hoje, pobre semiótica, apesar do esforço de inúmeros artistas que muitíssimo bebem da sua água, ainda está aprisionada ao velho e ambíguo conceito de Peirce de teoria (ou) ciência geral dos signos. Conceito a persistir, vagar, dilacerar em teses acadêmicas e discussões inócuas no meio universitário e diletante. A mim, o abduzido e a muitos outros meio-sabidos, que não tem compromisso com ninguém, a não ser com seu pobre pensar e fazer artístico, cabe dizer que a dama semiótica existe de forma menos etérea e sofisticada, pendendo para mais pragmática que teorética, como verdadeira ferramenta/instrumento de solução a toda problemática existente no universo artístico, e por isso habilito-me a tecer não um conceito complexo, definitivo sobre a mesma, mas algumas palavras e fundamentos de como a vejo, eu poeta, na contemporaneidade, revelada, ebúrnea, nua, sob os claros da lua, quando estou a compor poesia, pintura e literatura. Menosprezada no conceito antigo persistido, de uma suposta teoria ou ciência geral dos signos, a dama atuante das linguagens (semiótica) enclausurou-se no esforço doutrinário de entendê-la, explicá-la. Sem vida ativa reconhecida e demonstrada, restou proto ou ficto-ciência de mera curiosidade, quanto muito, tímida disciplina ou objeto de estudos acadêmicos. Comigo não. Comigo na relação com a dita, outros fenômenos ocorreram, dentre os quais destaco a sua aplicação prática no fazer arte, vida pelas linguagens, vida, vida:

de símbolos transternecidos

do dizer, um tal de reduzir o

discurso ao necessário

mezzotelegráfico choque

refratário, onde nada pode

sobrar pra poesia que invento

todo dia:…

Importa distinguir entre uma ficto-ciência que existe meramente nos calhamaços repaginados pelo tempo de entendê-la, e a ferramenta pronta (semiótica) como a conheço, apta a reger e angariar o mundo. Em primeiro lugar é de se ver, que o sujeito que conhece os objetos, faz quase-que-intuitivamente a seleção nathural dos signos mais importantes ao seu dizer. Em segundo lugar, tal seleção relâmpago de signos, irá compor o majoritário dos elementos da obra. Implica portanto, a semiótica em sua práxis, de ferramenta (meio) utilizado a um fim nas artes, a priori numa seletividade sígnica/simbólica. Após tal seletividade, que é a bem da verdade muito intuitiva, prazerosa até, do sujeito que apreende os objetos de acordo com sua psique e postura no social, além das condicionantes subjetivas (infância, hereditariedade, totalidade do empírico, habilidade lingüística e de composição…) é que se pode atingir a realização semiótico-poética. Aí sim, a partir desse ato de seleção imediata dos signos, a semiótica deixa de ser a bandeirola com ilustração ornamental e exótica, estendida na parede, que ninguém sabe porque existe e a que veio, para tornar-se ferramenta/instrumento apto à criação e desenvolvimento do artístico. A semiótica induz ao teleológico, ao finalístico, que na pior das hipóteses é melhorar o nível da criação artística, em vista do arsenal signo/simbólico utilizado pelo artista.

Não há dúvidas quanto a semiótica haver dado um salto quântico, quando Morris, incorporou-a às teorias comportamentais, abrindo o arcabouço fechado das teses ao utilitarismo da semiótica (ciência aparente de todas as linguagens). Um primeiro passo, ali fora lançado, como no caso do behaviorismo (teoria comportamental) aplicada as linguagens, ou melhor, as linguagens tomadas das atitudes de grupos sociais, de sujeitos, condicionamentos psicológicos, na relação do conhecimento, comportamentos díspares, etc.

A seletividade sígnica/simbólica a que me refiro, reduz o discurso a planos de pré-visualização imagética. Ou seja, num exemplo a grosso modo: a poesia longa, literesca, deixa de ser extensa e passa a ocupar espaço de maior significação na página branca. Diminuída no acervo sígnico/simbólico em extensão, mas geometricamente estendida no grau de significação, pela elevada qualidade dos signos escolhidos pelo artífice. Na pintura, os símbolos em quantidades menores, em vista da qualidade hígida da significação dos mesmos, reverberantes no espaço bidimensional da tela.

Entendendo assim como a vejo e sinto, a semiótica, é de se dar o grato adeus aquela poesia:

florida espasmódica

panfletária repartida

esparramada sem

condicionantes visuais ou

metáforas pré-definidas

Marilyn Semiótica puthícida

Peirceana, Morrisiana, ancas a mostra

loura eburnecida

calcinha de filigranas, vírgulas

focos de ver, entretecer, reter

prismas, semas,

semantemas…

Semiota sim, mas não extremista, de maneira a fechar os olhos e o ímpeto criativo ao longo discurso. Na escritura densa, de verve prolífera e na arte de contingência, ou superpopulação sígnica/imagética, caso de certa pintura ou escultura, se verifica também a tridimensionalidade semiótica de significação.

Necessárias as condicionantes visuais ou metáforas pré-definidas? Sim e não. Sim, pela destreza do artista que já selecionou previamente, ou concomitantemente no fazer, meio-que-intuitivamente os signos, elaborou os planos de ação no compor da obra, etc… Não, porque inconscientemente a ação ergonathuralíssima ocorrerá pelo simples comando do querer fazer. Importante acima de tudo a tomada de consciência de que a semiótica já existe como práxis na vida do faber, o criador, que além de deixar-se estar no processo, deve provocar em si a seletividade sígnica/simbólica/sinalística, mais apropriada ao seu existencial de artista e em alguns casos ao que pretende realizar (relação com temas, projeções ficcionais, etc…).

Loura, ebúrnea, calcinha de filigranas, é uma reverência apenas que faço a Marilyn Monroe (americana) e ao próprio Morris, Peirce (americanos), que ganharam noites e dias debruçados sobre a teoria geral dos signos, antevendo sua utiliarteralidade futura, como ciência velada, localizada mais no mundo interior do sujeito que conhece (vê, entrevê, desvê) do que propriamente no mundo exterior, os signos/símbolos em si. A semiótica é o olho que vê, revê, desvê, sob a lógica/ótica da significação do sujeito que conhece. Ouço as vozes de um passado distante, ressonantes em minha vida de símbolos transternecidos do dizer:

Missimbolaravia de vozes

transfinitas, a convergência

universal das línguas

nuclearização icônica dos

símbolos

convergidos na sutileza do ver

apreender

estava no repasto dos meus

pobres signos quando Marilyn

apareceu aparecida, nua de

repente

sob os claros da lua….

De todas as vozes que freqüentam o artista é de se cometer o ato de escolha. Escolher os sígnos aptos a estender o universo do dizer na arte que elegeu e tem a ver consigo. Missimbolaravias de vozes transfinitas, nos tomam dia-a-dia e é de se nuclearizar iconicamente os signos/símbolos/sinais convergindo-os na particularidade do dizer de artista convicto, a caminho do sem caminho ou do caminho que traçou em sua vida. Os signos não podem matar a vida. A semiótica não pode obscurecer a visão, cercear a significação, pelo contrário, abrir canais, seletivamente redimensionar os signos, são funções nathurais afeitas a si, como pastam os bois o verde capim da campina:

Marilyn Semiótica a dama

da superlinguagem futura

bela e nua a minha frente

caída dos céus para o poeta

tropiprolico, trupitorvilhante

que fui e sou, sempre embaixo

das guaviroveiras cheias

Marilyn Semiótica nua,

impura nos truques, sentenças

das palavras corridas na frente

do pensamento

da concreturde dos símbolos

comprimidos…

Por que a dama da superlinguagem futura? Porque os canais estão abertos. Porque a língua, as vistas (olho que vê, desvê, revê) o ímpeto induzem ao dizer sem precedentes, e precisamos da ferramenta superpotente da semiótica, no desafio de adentrar os espaços do indizível. Trazer significações do mundo do incriado para dentro de casa. Esta (semiótica) a ciência que se habilita e veio e já cumpre seu mister de engrandecer o mundo das linguagens. O signo comprime-se, nucleariza-se, iconiza-se e alardeia a significação, como propulsor megasêmico.

Megasêmica, a semiótica faz o signo correr na frente do pensamento e depois justifica o ato do conhecer.

Seletividade nathuralísssima dos signos, primeiro requisito para o ato semiótico se concretizar. Segundo: o juízo de valor do signo na composição. Valoração, categorização, que não traz nada daquela doentia preocupação (mania) Kantiana de divisões e sub-divisões conceituais, categóricas, etc.

A própria seletividade sígnica, impõe os juízos de valores ao sígnos/símbolos escolhidos, já que são os selecionados.

Marilyn esbanjada na feira

das intenções megacósmicas

o poema futuro escrito a luz

no espaço libertino do céu

módulos comunicantes

instantâneos na palma

da mão

:a esquerda de preferência:

a mão que prenuncia

o novo

no repasto de meus mesmos

signos…

Refiro-me as intenções megacósmicas, no sentido de artista que busca o máximo de resultado na criação. A semiótica é hábil na direção, projeção do ímpeto, instinto primário, que ganha espaço transfinito no exercício semiótico, de total (máximo) aproveitamento sígnico.

Os módulos comunicantes, são destino comum a que as linguagens certamente chegarão. Não haverá desperdício vocal, imagético na arte proposta e promovida, graças a dama loura platinada.

Um mínimo de signos, para expressar o muito.

a noite da aparição repentina

a dama loura platinada

transversada na razão

dos símbolos

nua e repetida em minha vida

Marilyn a louca que ataca

depois do milésimo poema

a louca imprevinida

a louca da língua sexínica

do sexo reconvergínio

aberto

ao transe da poesia.

O terceiro requisito, que entendo necessário ao ato semiótico nas artes, é a funcionalidade sígnica/simbólica. No caso do poeta, a seletividade dos signos não deve ser de modo a formar acervo ininteligível, de comunicabilidade quase-nula, deve operar-se, isso sim, de maneira a que propicie a expansão de significação do conjunto sígnico.

Ciência que está em ser, e acredito sempre estará, a semiótica, não deve impor regras parcimoniosas, limites para sua aplicação prática, postulados para sua existência. Está no olho que vê, transvê, desvê, como já disse acima, e repercute mais na ótica da significação do artista do que no mundo exterior, trazendo contributos técnicos e de expandir da significação incalculáveis.

Atacar, ataca a semiótica, depois do milésimo poema. Para o poeta jovem, sem consciência dos recursos de linguagens e do aproveitamento do ato semiótico, não é de se esperar grande alcance de significação, aos signos arrebanhados ao seu dizer. Por isso a ironia, ao expressar que a doida da língua sexínica, a louca imprevenida (semiótica) só comparece após certo esforço mínimo de entendê-la, utilizá-la na composição poética.

Seletividade de signos/símbolos, juízos a priori de valor, ato instantâneo esse de ver e valorar, mais a funcionalidade que se deve buscar dos signos no contexto da obra, são algumas das preocupações que o artista deve ter, cultivar no exercício e realização plena do ato semiótico.

Aviso aos navegantes: alô poetas, pintores, escultores, escritores, músicos e outros artistas, o poema aí decupado é meu mesmo, a exegese e suas falhas também. Vá por mim, a proto ou ficto-ciência chamada semiótica, é tanto minha quanto tua, não tem dono definido, princípio, meio ou fim. Respeitados sempre o ponta pé desenvolvido de Peirce, o toque de bola de Bahktine, Saussure, o já citado Morris e muitos outros. Convoca todos os sentidos, principalmente o olho que vê, desvê, transvê, vive da ótica de tua significação, artista. Teu acrescento mínimo é ver o mundo, contemplá-lo, interpretá-lo, nisso incluídos os virtuais defeitos de significação. Semiota. Deténs o poder de semioticar as relações. Emissor de signos, também és um ser semiótico. Cuidado com o que dizem as professoras, os filólogos bem comportados, os catedráticos, filósofos, antropólogos, os grandes semioticistas e semiologistas que ainda naufragam no conceito fossilizado da “ciência/disciplina”, sem dar-lhe a merecida razão de viver e servir ao homem. Ao homem (artista) compete a ferramenta do fazer. E a semiótica nasceu para andar ativa nos passos de nosso caminhar rumo a futuridade. Que minhas míseras palavras avancem sobre teu céu blue star semiotikamente espiritadas para que as converta, em arte, ante-arte, anti-arte, sobre-arte, destarte.

Fecho este ensaio com meu intuído proto-conceito de semiótica:

Ciência informal decorrente da apreensão dos signos no mundo (realidade, fenômenos) pelos sentidos, convertendo-os em linguagem, (linguagens) constructo humano. Faculdade inata do homem e que se realiza por ato consciente & inconsciente do sujeito no exercício do ver e apreender as coisas e de posse das linguagens que domina, sendo hábil na seletividade signo-simbólica-sinalística para concepção de obra artística, técnica, antropológica, etc… categorizando em importância os signos apreendidos e dando-lhes funcionalidade no contexto do trabalho executado. Dinâmica, evolui conforme o homem, os códigos (linguagens) e as sociedades evoluem. Nucleariza o conjunto sígnico apropriado, potencializando-o, no tempo e no espaço, expandindo significação. Sua execução resulta no máximo aproveitamento dos signos no trabalho realizado.

Observação importante: Se alguém quiser utilizar o conceito acima, citá-lo, colocá-lo no plano cósmico, epigrafar/ilustrar alguma tese, transcrevê-lo na pedra do tempo, que cite com dignidade seu autor e querendo mandar “algum” por todo o sofrimento evitado na faina de encontrá-lo (o conceito), envie para a conta 21.572-4, agência 2507-0, Banco do Brasil S/A, em nome do signatário abaixo:

jAirO pErEiRa

Autor de O abduzido e

outros.

Rumorejando (Um chimarrão e outro encarcando) por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Não se pode confundir calor com colar, muito embora aquela dondoca, quando se deu conta que ninguém havia falado do seu colar de pérolas – verdadeiras, diga-se de passagem – que havia custado uma fortuna, disse no meio do chá filantrópico: “Com este aquecimento global, está tão forte o calor que eu vou ter que tirar o meu novo colar”. A recíproca para esses casos ostentativos-arriscados pode até ser verdadeira. Desde que não ocorra numa praia, no verão, quando todo mundo usa roupas mais despojadas. Alguns afetos ao naturismo, segundo os moralistas, despojadas até demais…

Constatação II (3ª Idade).

O septuagenário, ex-sexagenário, ex-qüinquagenário, etc. esquece de soltar totalmente o freio de mão que meio puxado e, depois, conclui que o motor do carro não tá puxando o suficiente. Coitado!

Constatação III

Mulher lendo jornal: “Praxedes, aqui tá escrito que um médico removeu duas manchas da têmpora esquerda do presidente norte-americano, George W. Bush”.

Marido, assistindo futebol na televisão sem desviar os olhos: “E ele vai colocar elas aonde?”

Constatação IV (De uma dúvida crucial).

Por que será que as mulheres gostam tanto de buzina, já que elas costumam buzinar não só no trânsito como também no ouvido dos seus respectivos maridos?

Constatação V (Ah, esse nosso vernáculo).

O esforço dela para encher o balde furado foi debalde?.

Constatação VI

Deu na mídia: “Países mais felizes têm menos problemas de pressão”. Data vênia, como diriam nossos juristas e, no caso, talvez os médicos também, mas Rumorejando acha, então que, em nosso país, pelo menos no carnaval, a pressão do pessoal deveria baixar e, no entanto, com aquela escassez de roupas, ela sobe a níveis assustadores… Se alguém souber explicar o fenômeno, por favor, cartas ao escriba, via e-mail ou outro meio, (josezokner@rimasprimas.com.br). Obrigado.

Constatação VII

Rico se apaixona; pobre, convive.

Constatação VIII

Rico tem alergia; pobre, ataque de coceira.

Constatação IX

Rico sente a ausência; pobre se acostuma.

Constatação XII

Rico faz conjecturas; pobre, chuta.

Constatação XIII

Rico maneja seja lá o que for com perícia; pobre, com estultícia.*

*Estultícia = “atributo, característica do que é ou se apresenta de modo estúpido; tolice, parvoíce, estupidez”. (Houaiss).

Constatação XIV

Rico é coadjuvante; pobre, é cúmplice.

Constatação XV

Rico adverte; pobre, ameaça.

Constatação XVI

Rico faz profecias; pobre não tem futuro.

Constatação XVII

Rico infere; pobre, inventa.

Constatação XVIII (Quadrinha para ser recitada depois que acabar o foro privilegiado, aposentadoria com poucos anos de exercer um cargo, voto secreto, concessão do governo para os ditos de rádio e televisão, trabalho cinco dias da semana, salário compatível com quem ganha salário mínimo, fim dos privilégios, etc. etc.)

Senador, governante ou deputado

Têm o mesmo comportamento

Deixam o povo inconformado

De tanta falcatrua todo o momento.

Constatação XIX (Quadrinha para ser recitada numa reunião importante com a presença de garotas, preferencialmente, adolescentes).

Se elas não fazem, de casa, a lição.

Tampouco, vão para o colégio

Arriscam casar com um toleirão,*

Inclusive perdendo algum privilégio.

*Toleirão = “que ou aquele que é muito tolo; pateta, palerma” (Houaiss).

Constatação XX

“Desfeito está nosso trato”,

Disse ela pro namorado,

Que o motel já havia pagado,

Deixando ele obstupefato.

Coitado!

*Obstupefato = “tomado de espanto, de surpresa; pasmado, estupefato (Houaiss).

Constatação XXI

Pelo corpo inteiro

Passou um perfume barato,

Querendo a mina impressionar

“Você tem que ir, de fato,

Sem ser retardado,

Sem se atrasar

Correndo, já, agora, ao banheiro.

Pra desse e do seu natural

Como sempre, habitual,

Aliás, tradicional

Mau-cheiro,

Se separar”.

Coitado!

Constatação XXII

Quando viu a mulher

Nos braços dum qualquer.

Ficou atoleimado

Aplacou seus estupores

Com pouco desvelo,

Com remédio contra as dores

De corno e de cotovelo.

Coitado!

Constatação XXIII

E como dizia aquele banqueiro para o filho de 40 anos que só vivia “mordendo” o pai: “Eu juro que te esconjuro se você não me pagar com juro”.

Constatação XXIV

Tinha uma pele esbranquiçada

De tanto tomar purgante

A todo e qualquer instante

A base de limonada.

Coitada!

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

TEORIA DO PALADINO por jorge lescano

Para Zuleika dos Reis

 

– O que é isto? Desejais nos dar morte?

Era isso precisamente o que queriam que lhes acontecesse,

que morressem imediatamente e ali mesmo, no jogo de pelota

 Popol Vuh –  Livro de Origem dos Quichés

Chovia gatos e cachorros nos arredores de Londres. O clássico de futebol havia sido cancelado porque o sistema de drenagem do campo não funcionava a contento. Na sala de fumantes da sede falava-se das quantias bilionárias gastas pelo clube na contratação de jogadores e dos salários pornográficos destes, em detrimento da manutenção do campo, tabuleiro de nossas esperanças semanais. Devo dizer que nem sempre concordo com tal maneira de considerar estes assuntos. De fato, culpar a diretoria de gastos excessivos na equipe, razão de ser do clube é, no mínimo, injusto. Parece que os dramas da natureza predispõem à desforra, modo primário de afastar a sensação de impotência. Falou-se de craques do passado. Naturalmente, neste item houve discordâncias. Como compensação, talvez, surgiram nomes de atacantes e defensores sobre os quais coincidiam as opiniões adversas, porém, também se falou do “Magrão” Domínguez, do “Russo” Goldbaum, do Sublime Amadeo e do Grande Rugilo, cognominado “O Leão de Wembley” pelos próprios inventores do esporte em pauta; todos eles goleiros internacionais que defenderam nosso time. O Doutor Jotas, que em sua juventude foi declarado rei dos artilheiros por ter marcado seus tantos gols, lembrou goleiros de atuações irregulares. Obviamente, o mau tempo azedara seu humor.

Para restabelecer a justiça das opiniões, L., modesto Conselheiro da Comissão de Frente, pediu licença para intervir. Concedida a vênia, inspirado como um repentista antigo, falou:

Nunca fui inconstante nem falso, Excelência, apenas velei pelo rigoroso cumprimento das escrituras. Não me escapa que deve parecer excessivo. A Lei existe para ser violada, reza  célebre aforismo de um prócer nacional. Se Vossa Excelência não leva a mal, deixe-me dizer-lhe que ainda vivemos na idade da obediência, falta-nos muito para chegar à do Respeito, à do Direito. Sobrevive-se da ilegalidade: o tal jeitinho. Porém, eu sempre usufruí a Lei de acordo com a minha consciência e o meu conhecimento estrito do regulamento, o que já diz muito ao meu favor, reconheço. Nunca permiti que a apatia, a preguiça, o cansaço, a conveniência, encampassem a minha fé no estudo da Lei e na sua aplicação rigorosa. Essa é a verdade, Excelência. Palavra de goleiro!

            Vossas Excelências, que apreciam a boa literatura, devem saber que dois grandes romancistas do século vinte, um judeu-russo e o outro franco-argelino, este, filósofo, de lambuja, foram goleiros amadores na sua juventude. O primeiro, do Esporte Clube Russo, em Berlim, o outro em sua África natal. E o filósofo, Prêmio Nobel também, porém não de goleiro, esclarece a resenha, declarou que de suas experiências da vida, a que mais lhe ensinou foi o futebol. Notem Vossas Excelências a importância maiúscula da prática do esporte mais popular do mundo na vida intelectual!

            Hoje sou um reles espectador, não torcedor teleguiado, pois pretendo levar para o túmulo meu senso de eqüidade. Defronte ao vídeo analiso cada jogada sem paixão alguma, como o crítico acadêmico vê um filme sem graça, e a julgo segundo o regulamento. Assim concluí que o cartão amarelo é pouco usado, do vermelho nem falar! Se eu fosse o árbitro, outro galo cantaria, podem crer!

Eu por mim tenho que na primeira jogada brusca deve-se aplicar o cartãozinho amarelo ou o vermelho, se couber. O jogo começa com o primeiro apito do juiz e acaba com o último, o tempo entre esses dois momentos são a partida propriamente dita, nesse tempo se aplicam todas as regras do jogo. Aquele que cometeu a falta conhece, ou deveria conhecer, as leis que regem seu rico ganha pão. Cometeu falta?, seja advertido: da próxima vez será expulso. É a regra, clara, precisa, publicada em letra de forma. A punição faz parte do jogo. Quem entra em campo deve estar ciente disto.

Tenho a honra de informar Vossas Excelências que fui goleiro do União de Floresta, time do meu bairro, e isto não por muito tempo. Conseqüência do meu conceito ético, da minha pirraça, na interpretação dos meus detratores.

Diziam que as minhas atuações eram irregulares porque desconheciam o que ora revelo com exclusividade a Vossas Excelências (e ao nosso respeitável público, de ricochete): minha ética profissional e meu profundo respeito aos direitos do adversário. Opino que se abusa das exceções. Recursos, como direi?, paliativos?, atenuantes? Falo do escanteio, lateral, bola recuada, impedimento forjado, proteção de bola com o corpo, intenção de falta, sic, retenção de bola, assim se chamava à cera na minha terra; a desobediência cívica, especialmente na marcação de faltas graves e as intervenções dos assistentes, o gandula não menos que os técnicos, sempre vistos como autoridades laterais, para não dizer secundárias, porém, autoridades.

(Voltemos ao relato como o goleiro ao tiro de meta)

Os que julgavam minha atuação segundo padrões físicos, táticos, estratégicos, avaliavam meu comportamento por estreitos conceitos esportivos. Outro era o meu ponto de vista. Para aperfeiçoá-lo, habituei-me a ver os jogos de trás do gol, assim ficava mais perto de suas peripécias. Eu era a sombra do goleiro de turno, seu duplo. Aliás, acho que o filósofo supracitado deve ter aprendido muito de dramaturgia e direção teatral por jogar nessa posição privilegiada.

 Houve uma idade em que o esporte era exercício de cidadania, ainda mais, um dever sagrado. O que entendo por isto? O exercício dos direitos, Excelência! Eu vivi essa idade de ouro, como todo mundo. Explico-me, as circunstâncias excepcionais: escanteio, lateral e outros que tais, são subterfúgios do jogo quando provocados propositadamente. Eu nunca cedia escanteio se podia evitar. Devolvia a bola para o campo, com o risco de um atacante colocá-la lá dentro. É o meu jeito de ser: tudo pela justiça! Parecia-me desonesto colocar a bola fora de jogo quando a expectativa era a de continuar. Não apenas o público esperava tal comportamento, também o time adversário. Era questão de honra cumprir este requisito. Sentia que fugia à natureza do jogo apelando para um recurso escuso, se posso dizer assim. A grande defesa que evitava a bola balançar a rede, era a minha alegria íntima, se bem que fogo pálido para minha torcida. Que nem sempre conseguia meu filantrópico objetivo e a bola brilhava lá dentro, é verdade, é da natureza deste esporte viril; mas eu sabia que me havia esforçado tanto quanto possível para que isto não acontecesse, e que mais uma vez tinha contribuído para a beleza do espetáculo, mesmo a custo da derrota momentânea ou definitiva. Agir de outro modo seria deslealdade para com o adversário e o espectador, que havia deixado sua oferenda para ver a gorduchinha rolar na grama. A bola ia bater no travessão? Deixa ela! O deus da esfera, deus minúsculo, porém anárquico e rigoroso como qualquer outro, exigia que eu me expusesse ao perigo. O obstáculo definia o limite físico da legalidade. No altar estava eu, vítima e sacerdote, último guerreiro defensor da pátria exorcizando a conquista da cidadela.

Atrevo-me a dizer que historicamente o goleiro é signo de civilização. Chutar a bola para frente qualquer cachorrinho vira-lata faz, estamos cansados de ver isto no circo. Atacar é o ofício do bárbaro. Defender pressupõe um paradigma da urbe. Exige uma legislação adequada ao mesmo e inclui funções especializadas para os cidadãos, dentre as quais, certamente, a defesa não será de somenos. Vossas Excelências conhecem melhor do que eu as cidades muradas e os condomínios fechados. Mesmo nestes, Ele é necessário. Precursor de Clark Kent, herói de pacotilha, e do messiânico Conselheiro euclidiano! Sempre haverá Tróias e Eróstratos, sitiadores e incendiários internos e externos que tornem imprescindível a existência atribulada do porteiro e seus guardas suíços, ditos zagueiros. Todavia, a injustiça acompanha a existência do goleiro desde o seu nascimento, hoje não menos que outrora. Vede que não é ele quem escolhe o gol de início de partida, oh, não! É a Autoridade, o Capitão do time. E ao catador de frangos, soldado obediente, cabe acatar a imposição sem questionamentos, feito menor de idade! Quão poucas vezes suas funções de goleiro coincidem com as de Capitão nem é preciso mencionar. Houve alguma vez um goleiro com o título de Melhor Jogador do Mundo? Desculpem a minha ignorância magna. Esclareçam-me, Excelências, se isto por acaso já foi cogitado nas instâncias pertinentes e eu ser-lhes-ei grato per saeculo seculorum! Vossas Excelências tenham a fineza de dispensar este parágrafo inflamado e erudito!

Se pela camisa diferente e minhas prerrogativas funcionais lembrava um Mestre-Sala, sabia que era o último arqueiro da linha de defesa. Posto grave e ingrato. Quando o goleiro defende a bola envenenada disparada a queima roupa pelo fuzileiro do outro lado, ainda que a bola pese setenta quilos, nada mais fez do que cumprir seu dever, mas se a danada entra, não há outro Cristo para partilhar a culpa. Nada o libera da crítica, sequer a sua colaboração para a beleza do drama. Vossas Excelências sabem melhor do que eu que está assim de jornalistas querendo fazer a gente de besta! O gol pode ser resultado de uma jogada belamente arquitetada, porém a atitude do goleiro contribui em muito para a realização eficiente do ritual. Veja-se como vibra o estádio quando este soldado se estica para alcançar o dardo certeiramente dirigido sem alcançá-lo. Poucas vezes o aplauso consagra seu feito, essa é que é a verdade. Este comportamento é completamente diverso no caso do gol-acaso, quando nosso protagonista, surpreendido em sua boa fé, seja pela retaguarda, por acreditar na imperícia alheia ou qualquer outra circunstância atenuante, semelha um terceiro poste encravado no vazio de mais de quatorze metros quadrados, alvo de qualquer franco atirador. Ei-lo, estático, de gelo, pétreo, a bem dizer! Neste caso o gol nem tem graça, é ou não é?

Eu estava devotado à pureza do espetáculo. A preservação dos meios legítimos do jogo sempre foi a minha justificativa para atuações julgadas apressadamente de irregulares. Nada havia de irregular se era justa, e se era justa era bela. Tudo fora pensado à luz do regulamento, da regra, da lei, em suma. Como Vossas Excelências podem notar, o jurista habitava em mim tanto quanto o guerreiro, travestidos de árbitro e goleiro, com uma pitada de artista. Minha conduta era a magra compensação pela frustração de não exercer o Direito Internacional. A total ausência de recursos não me permitiu seguir estudos superiores em tempo regulamentar, sempre vivi restringido pelos meus parcos meios financeiros; assim, advoguei em causa própria segundo meu bom senso, dentro de minha jurisdição. Vede quantos impedimentos fazem uma carreira!

Como juiz eu seria excessivamente rigoroso, especulava a crônica oral do meu bairro. Ignorava-se que há muito eu já me julgara no exercício de minha humilde posição.

Desconhecem espírito estóico do goleiro aqueles que o acusam de exibicionista. Nada sabem da  solidão do rei! A torre está exposta a ventos e marés, e não há fosso nem ponte levadiça que a proteja, apenas ele de atalaia.

Não pode imaginar a verdadeira dimensão daquele retângulo vazado quem nunca enfrentou, ou se expôs, melhor dizendo, ao artilheiro na hora crucial do pênalti. Já naquela época era permitido se movimentar em vaivém sobre a linha de cal. Eu não desperdiçava a regra. Dava pulinhos de lá para cá, mor de confundir o verdugo. Porém, para este caso extremo, eu havia adotado três atitudes do meu modesto arsenal técnico, e as colocava em prática de forma alternada. Contrariamente à maioria dos colegas, que decidem mergulhar num dos lados da meta de forma aleatória, a la diable!, digamos assim, apesar da afirmação de Herr Hand que apenas imaginou, sem que se tenha notícia de  jamais ter sentido a angústia do guarda-redes no cadafalso futebolístico (Preclaro Leitor, não vos incomodeis se vez por outra me valho do vernáculo lusitano para variar um pouco meu dizer). Vossas Excelências sem dúvida terão notado que este lado é sempre baixo, pois não? Mergulho ou salto mortal às vezes recompensado por coincidir com a escolha do anti-herói. Eu, ao contrário, pulava para um dos ângulos superiores do gol. Vossas Excelências hão de convir comigo que, do ponto de vista geométrico, tal comportamento é mais lógico, se bem que menos estético, pois ao cair, caindo, cobria toda a altura do gol do lado escolhido Perdido por perdido, tanto dava no porão ou no andar de cima. Isto provocou não poucos risos, muitos mais do que aplausos, em todo caso, pelas poucas vezes que tive êxito. Outro jeito era ficar imóvel no meio do gol. As estatísticas indicavam em números quão poucos marcadores escolhiam aquela direção para dirigir o dardo, apesar de contar com a queda do guardador do túmulo num dos cantos inferiores. Creio que a presença do goleiro naquele local no momento anterior perdurava na visão deles como um espectro de mau agouro. Eu, previdente, não descuidava aquela área tabu. A terceira tática consistia em apontar o ângulo de minha opção, desafiando, tentando induzir, instigar, enfim, o cobrador, a me vencer naquela zona escolhida, segundo fazia, com sucesso variável, um goleiro caolho da segunda divisão. Demais está dizer que no meu caso isto rendeu mínimos frutos: faltava-me a autoridade do caolho. Aplicava estas pequenas astúcias de forma alternada, como já tive a honra de informar Vossas Excelências. Aquele chutador que me conhecesse poderia contar com estes truques, sem, contudo, jamais estar certo à qual deles eu recorreria dessa feita, e isso já era algo que poderia perturbá-lo, facilitando as coisas para mim.   

 Pênalti? Pelotão de fuzilamento a doze passos de distância, Excelência! Pelo menos metade do estádio deseja a crucificação do goleiro. Comemora-se seu sacrifício antes mesmo de apitar o comandante da execução. Se a sorte, ou o acaso, fazem que a bola suba demais ou decida alargar seu percurso beirando o poste ou a trave, pode se sentir feliz, a crítica vai desancar o pobre fuzileiro. Mas se a esfera demoníaca balança a rede pelo lado de dentro, sempre haverá quem culpe o defensor de incompetência. Destino cruel o deste peão avulso.

Bola recuada, diz Vossa Excelência. Sim, algo disso. Esse ficar entre os três paus da canoa furada à beira das águas revoltas sem poder intervir diretamente, a menos que a tal bola recuada ou  El Niño invada a área, e aí é um Deus nos acuda e salve-se quem puder mulheres e crianças primeiro!

Não queiram saber das bolas paradas do outro lado da barreira! Imaginem o invisível artilheiro preparando o movimento do cavalo, ensaiado à exaustão nas escaramuças da tropa para enganar a defesa. E imaginem a este humilde servidor sob a fina linha que demarca o limite superior do baluarte. Homem de carne e osso, não de borracha. O goleiro, para compensar sua falta de elasticidade, voa, literalmente voa, para impedir que o dardo alcance sua meta fatal, e assim, pássaro atingido em pleno vôo, contribui para a beleza do gol adversário. Cruel destino, Excelências, podem crer! É o momento máximo do atirador oculto por trás da muralha de homens ou solto em algum lugar do campo para disparar o seu canhão a cento e vinte quilômetros por hora. Vede o Cabeça-de-bagre que aproveita o tsunami dentro da área para ficar na banheira e criar fama de oportuno, de homem de finalização, de torpedo, enfim, graças ao azar do vigia do reduto, nosso semelhante, abandonado pelos seus anjos da guarda tanto quanto pelos zagueiros Rozencrantz e Guildenstern. Eis a queda! O goooool! Palavra breve que bem ilustra o tempo necessário para a rainha ultrapassar a linha fronteiriça da vitória à derrota. Então o herói corre para a beira do campo de batalha e agita a camisa qual flâmula entre ovações e exibe o torso nu e suado de gladiador romano a comemorar a morte do leão diante da tribuna de Calígula. Para ele todos os confetes e serpentinas. Eis a horda a despregar estandartes e bandeiras e a bombardear os ares com seus tiros de festim, e às vezes, lamentavelmente, verdadeiros. Agora observe nosso homem, desolado, cabisbaixo, recuperando a bola já fora do desenho da alcatifa verde. Enquanto a turba vocifera delirante, para ele sobram os apupos da nação adversária, não poucas vezes acrescidos dos da sua própria torcida, que vê nele a encarnação do Iscariote. Nesse momento, a alma cai aos pés. Deseja-se que a terra se abra e nos trague para sempre. Os poucos passos que separam a linha fronteiriça do fundo da rede são uma peregrinação dolorosa ao Santo Sepulcro, se não vos ofende a sacra comparação, Excelência. Mais de uma vez vi Sísifo derramar lágrimas nessa via crucis. Tal o sofrimento do último defensor da praça. Ninguém está disposto a dividir com ele a responsabilidade, a culpa, a traição, o pecado original (digamos assim para melhor impressionar nosso leitor!) São tais sentimentos os que me fazem ser condescendente com esses companheiros de infortúnio defronte ao vídeo. Sinto que pertencemos à mesma estirpe de heróis vencidos, ou em desgraça momentânea.

Acusam-me de ser um homem revoltado, grande equívoco. Apenas sou alguém que clama por justiça diante daqueles passes curtos, repetidos entre dois ou três jogadores que parecem desfrutar com o desconforto do prisioneiro do estado de sítio, e deixam que a bola role indefinidamente, da esquerda para a direita, ora penetrando de leve na área, ora se afastando para retornar pela lateral direita ou esquerda; os atacantes trocando de lugar enquanto a bola, como a peste, repete seu percurso pendular. Diástole! Sístole! O joguinho desses passistas é a lição do Mestre que à beira do tabuleiro gesticula e grita e pula adoidado feito Diretor de Harmonia. Isso vira as tripas de qualquer um! Segundo me dizem, esse chove e não molha parece conto de certo escritor duplamente anglo-americano de séculos passados. Vossa Excelência, Mr. Albert, apesar de sinólogo certamente ouviu falar dele, pois seu funeral foi realizado na Velha Igreja de Chelsea, e Vossa Excelência, professor Volódia, que aprecia o tênis e as belas letras, deve saber de quem se trata, uma vez que estudou em Cambridge. Seu estilo, dizem, belisca o assunto sem se decidir a concluí-lo. Chutar ao gol, quero dizer, que é a finalidade da vanguarda de todo time competitivo e verdadeira razão de ser do guarda-redes. E a torcida do outro bando a gritar com mofa Olé!, Olé!, como se nossa esquadra de fornidos atletas fosse um bando de ninfetas se deleitando com castanholas e balalaicas nesse balê inconseqüente. É de chorar! Vossas Excelências desculpem os dedos pingando mas esqueci o lenço.

Às vezes acontecem acidentes de trabalho incompreensíveis para o leigo. Como a bola passar quicando ao nosso lado feito frango travesso, oportunidade ou evento que a imprensa não se cansa de mostrar para regozijo das tribos adversárias. Dá-se também o azar de, querendo jogar depressa com nossos companheiros, servimos o inimigo, que aproveita a falha para enfiar a bola no fundo da rede, e isto pode acontecer depois da cobrança de um escanteio, quando na pequena área surgem protuberâncias ósseas por todos os lados, cujo único alvo é o corpo do goleiro. Punhos cabeças ombros joelhos pés cotovelos feito aríetes atacam não a porta, o próprio porteiro do castelo, sem elmo ou armadura que o proteja. Tais os ossos desse ofício. Doeu? Vai-se queixar ao bispo! E se a bola afundou na rede, acusam-no de caçar borboletas! Não quero aborrecer Vossas Excelências contando todos os sofrimentos do goleiro (apenas cito os fatos mor do leitor ficar ciente deles).                    

Vossa Excelência quer saber a origem deste meu azar crônico? Pois bem, digo-lhe de fonte segura, meu amigo O Astrólogo fez meu mapa astral, e o que descobriu? Nada menos que seis planetas conspiram contra mim como um ataque reforçado no tempo suplementar em final de campeonato. Caso raro, disse-me a modo de consolo, original. Não conheço ninguém com este quadro; você é um eleito, cuide-se. E não me refiro apenas aos frangos resfriados ou gripados dentro e fora do galinheiro em que transformaram o campo de batalha, outras são as agruras, Excelência.

Já disse, nunca abusei das exceções: elas sempre me pareceram pobres recursos de quem não tem ética profissional. Naquela época não sabia que estas eram qualidades apreciadas pelos técnicos. Verdadeiras recomendações para conseguir a vaga na equipe titular. Segundo a minha concepção do jogo, estes eram subterfúgios, álibis, atenuantes, qualquer coisa beirando o ilegal. O correto era defender as traves sem deixar a bola sair do tabuleiro. Para mim, a bola só podia sair do campo por um chute sem direção ou, caso extremo, para permitir a atenção de algum jogador machucado. Tal é ainda o meu credo, compartilhado, pelo que me disse o doutor Marcelo Pasquali, por famoso ex-artilheiro alemão, que nunca recuava a bola nem a chutava para fora do campo. Ele e eu pertencemos à legião dos justos!

Vossa Excelência pergunta de onde tirei esta concepção esdrúxula do direito. Pois eu lhe digo: de ver todo dia, a toda hora, em todo lugar, o abuso do mais forte sobre o mais fraco. A prepotência do uso da lei me fez conceber um código de proporção humana, quero dizer: para benefício dos homens, não para o bem do Estado. Vossas Excelências já perceberam que com esta moral, ou poética do jogo, minha carreira não podia ir muito longe. Acertaram em cheio, donde concluo que direito e esporte não se coadunam. A bem dizer, não sei se é o esporte que não combina com o direito, ou se são as marcas nas camisas. Tem gente que confunde a marca com o nome do time. Pelo que sei, os jogadores têm hoje mais obrigações sociais com o patrocinador do que com a torcida. Isto, somado ao pensamento anterior, faz prever para breve a congregação cantarolando o rifão da marca ao invés do hino do time (suspeito seja essa a próxima grande jogada dos marqueteiros dos patrocinadores). Algum país engata seu Deus salve a Rainha! à imagem de herói inimigo para vender o refrigerante nacional. Ai de mim!, há algo de podre no reino do futebol.

Eu, menino pobre em fim, tive as minhas ilusões: jogar na seleção e depois, talvez, naquele time multinacional que revolta os nacionais porque todos os jogadores são estrangeiros. Ainda hoje não me conformo com a mediocridade dos rapazes que se incorporam ao time de várzea sem almejar outra coisa. Jogam lá como uma fatalidade. Eu sonhava, porém, o sonho devia caber no meu senso de justiça. Jamais aceitaria jogar na seleção contra a ética. Depois compreendi que a tal ética tornaria impossível a minha escalação oficial. Deixei o futebol…, fiquei fora de forma… A musa me abandonou, essa é que é a verdade!    

Hoje acompanho na telinha, como numa sessão contínua de cinema, jogo após jogo, o momento supremo do ritual. Comemoro simultaneamente o triunfo do ataque e a derrota da cidade sitiada representada pelo estrangeiro, o estranho, ali alocado para maior glória do artilheiro.

 

O depoimento fora deveras comovente, o doutor Jotas enxugava os olhos. Alguém reclamou da fumaça dos charutos.     

PRESENTACIÓN de LIBROS en MONTEVIDEO

              

Ediciones Botella al Mar

 

 

Tiene el agrado de invitar a Ud (s) a la presentación de los libros

 

“Una Mirada al Este” de Rocío Cardoso Arias

“Montevideo al Sur” de Alfredo María Villegas Oromi

 

Presentarán el  Senador  Ing.  Ruperto  Long

 

 

y  el   poeta  Rafael  Gomensoro

 

Recital poético a cargo de los autores

 

Con la actuación de Erika Büsch y Mario Paz

 

 

Miércoles 28 de Mayo de 2008                      Espacio Cultural La Spezia

    

19.30 horas                                      Libertad 2479 y B. España

                                                                                

                                                                                 Montevideo

 

 

Se invita a compartir un Brindis

 

 

 

Ediciones Botella al Mar

Ramòn Massini 3328, Of. 003

Tel: 709. 96. 00

    

CAMPOS DE TRIGO poema de bárbara lia

 

 

 

 

 

Os campos de trigo continuam azuis a florescer pássaros

e acalentar o pão que aquece a alma

de quem ama e de quem não ama.

Os campos de trigo seguem embalando a lua

com uma sonata ao futuro sem fome.

Os campos de trigo esqueceram Van Gogh,

pois não há mais dor no homem.

É tudo realidade consentida.

Ninguém mais ergue sua obra para que o mundo

floresça em primaveras

que o artista não pode viver.

Nem mil girassóis de Van Gogh

vão calar a dor que assola

Ninive, Candahar, Bagdad,

o sertão, o chão desumano da Pátria,

Nigéria, Haiti, Etiópia…

Os campos de trigo não necessitam mais espantalhos.

O homem não necessita mais proteger o coração

para que o amor não o devore.

Pois o amor foi sepultado na última primavera.

Espantalho colorido

alardeando um campo-minado-coração,

varrido pelas máquinas da indiferença que regem

o sarcástico-mundo-cão.

 

Os campos de trigo, indiferentes,

seguem solares,

seguem em chama,

espalhando grãos,

dançando ao vento das almas ignaras.

 

A PITONISA poema de zuleika dos reis

A cantora que não sou

espera-me no palco

vazio de instrumentos

vazio de partituras

vazio de microfones

vazio de músicos

vazio de estantes

cenário de Beckett.

 

Deixa-me dizer-te ao pé do ouvido

(para que o nosso outro ouvido, mallarmaico, não nos ouça):

A pós-modernidade, às vezes,

dói-me tão profundamente

em fundo tal da alma careca

que, por abissais sejam os seus poderes,

nenhum adepto de Jung alcançaria, lá

onde o meu inconsciente coletivo

esteja a dançar um funk da periferia.

 

“Cair-me-ia a cara se no baile

o funkeiro vis-à-vis

começasse a falar de Mallarmé.”

 

Que me comece a cair a cara desde já

face à enorme probabilidade

da ocorrência efetiva do fato

mencionado de passagem e entre aspas

na estrofe anterior.

 

Eis que, repentina,

do mais fundo do fundo

do meu inconsciente coletivo

ergue-se a voz de Frida Khalo:

Lembra do nervo do tendão

da tua perna esquerda, aquele

atrofiado de nascença?

Nunca te houve tempo de rock

nem de quadra de samba.

Pela lógica do plano aqui embaixo

deveria, certamente, haver à tua espera

um baile funk, porém,

por mais que a vista force

me está sendo impossível vislumbrá-lo.

Assim, ainda que consigas

outorgar a teu self

outra espécie de dias transgressores,

cala para sempre a todo ouvido

teu destino malogrado

de Madame Bovary.

ATEÍSMO: MITOS e VERDADES – por sam harris

Várias pesquisas indicam que o termo “ateísmo” tornou-se tão estigmatizado nos EUA que ser ateu virou um total impedimento para uma carreira política (de um jeito que sendo negro, muçulmano ou homossexual não é). De acordo com uma pesquisa recente da revista Newsweek, apenas 37% dos americanos votariam num ateu qualificado para o cargo de presidente.

Ateus geralmente são tidos como intolerantes, imorais, deprimidos, cegos para a beleza da natureza e dogmaticamente fechados para a evidência do sobrenatural.

Até mesmo John Locke, um dos maiores patricarcas do Iluminismo, acreditava que o ateísmo “não deveria ser tolerado”porque, ele disse, “as promessas, os pactos e os juramentos, que são os vínculos da sociedade humana, para um ateu não podem ter segurança ou santidade.”

Isso foi a mais de 300 anos. Mas nos Estados Unidos hoje, pouca coisa parece ter mudado. Impressionantes 87% da população americana alegam “nunca duvidar” da existência de Deus; menos de 10% se identificam como ateus – e suas reputações parecem estar deteriorando.

Tendo em vista que sabemos que os ateus figuram entre as pessoas mais inteligentes e cientificamente alfabetizadas em qualquer sociedade, é importante derrubarmos os mitos que os impedem de participar mais ativamente do nosso discurso nacional.

 

1) Ateus acreditam que a vida não tem sentido.

Pelo contrário: são os religiosos que se preocupam freqüentemente com a falta de sentido na vida e imaginam que ela só pode ser redimida pela promessa da felicidade eterna além da vida. Ateus tendem a ser bastante seguros quanto ao valor da vida. A vida é imbuída de sentido ao ser vivida de modo real e completo. Nossas relações com aqueles que amamos têm sentido agora; não precisam durar para sempre para tê-lo. Ateus tendem a achar que este medo da insignificância é… bem… insignificante.

 

2) Ateus são responsáveis pelos maiores crimes da história da humanidade.

Pessoas de fé geralmente alegam que os crimes de Hitler, Stalin, Mao e Pol Pot foram produtos inevitáveis da descrença. O problema com o fascismo e o comunismo, entretanto, não é que eles eram críticos demais da religião; o problema é que eles era muito parecidos com religiões. Tais regimes eram dogmáticos ao extremo e geralmente originam cultos a personalidades que são indistinguíveis da adoração religiosa. Auschwitz, o gulag e os campos de extermínio não são exemplos do que acontece quando humanos rejeitam os dogmas religiosos; são exemplos de dogmas políticos, raciais e nacionalistas andando à solta. Não houve nenhuma sociedade na história humana que tenha sofrido porque seu povo ficou racional demais.

 

3) Ateus são dogmáticos.

Judeus, cristãos e muçulmanos afirmam que suas escrituras eram tão prescientes das necessidades humanas que só poderiam ter sido registradas sob orientação de uma divindade onisciente. Um ateu é simplesmente uma pessoa que considerou esta afirmação, leu os livros e descobriu que ela é ridícula. Não é preciso ter fé ou ser dogmático para rejeitar crenças religiosas infundadas. Como disse o historiador Stephen Henry Roberts (1901-71) uma vez: “Afirmo que ambos somos ateus. Apenas acredito num deus a menos que você. Quando você entender por que rejeita todos os outros deuses possíveis, entenderá por que rejeito o seu”.

 

4) Ateus acham que tudo no universo surgiu por acaso.

Ninguém sabe como ou por que o universo surgiu. Aliás, não está inteiramente claro se nós podemos falar coerentemente sobre o “começo” ou “criação” do universo, pois essas idéias invocam o conceito de tempo, e estamos falando sobre o surgimento do próprio espaço-tempo.

A noção de que os ateus acreditam que tudo tenha surgido por acaso é também usada como crítica à teoria da evolução darwiniana. Como Richard Dawkins explica em seu maravilhoso livro, “A Ilusão de Deus”, isto representa uma grande falta de entendimento da teoria evolutiva. Apesar de não sabermos precisamente como os processos químicos da Terra jovem originaram a biologia, sabemos que a diversidade e a complexidade que vemos no mundo vivo não é um produto do mero acaso. Evolução é a combinação de mutações aleatórias e da seleção natural. Darwin chegou ao termo “seleção natural” em analogia ao termo “seleção artificial” usadas por criadores de gado. Em ambos os casos, seleção demonstra um efeito altamente não-aleatório no desenvolvimento de quaisquer espécies.

 

5) Ateísmo não tem conexão com a ciência.

Apesar de ser possível ser um cientista e ainda acreditar em Deus – alguns cientistas parecem conseguir isto –, não há dúvida alguma de que um envolvimento com o pensamento científico tende a corroer, e não a sustentar, a fé. Tomando a população americana como exemplo: A maioria das pesquisas mostra que cerca de 90% do público geral acreditam em um Deus pessoal; entretanto, 93% dos membros da Academia Nacional de Ciências não acreditam. Isto sugere que há poucos modos de pensamento menos apropriados para a fé religiosa do que a ciência.

 

6) Ateus são arrogantes.

Quando os cientistas não sabem alguma coisa – como por que o universo veio a existir ou como a primeira molécula auto-replicante se formou –, eles admitem. Na ciência, fingir saber coisas que não se sabe é uma falha muito grave. Mas isso é o sangue vital da religião. Uma das ironias monumentais do discurso religioso pode ser encontrado com freqüência em como as pessoas de fé se vangloriam sobre sua humildade, enquanto alegam saber de fatos sobre cosmologia, química e biologia que nenhum cientista conhece. Quando consideram questões sobre a natureza do cosmos, ateus tendem a buscar suas opiniões na ciência. Isso não é arrogância. É honestidade intelectual.

 

7) Ateus são fechados para a experiência espiritual.

Nada impede um ateu de experimentar o amor, o êxtase, o arrebatamento e o temor; ateus podem valorizar estas experiências e buscá-las regularmente. O que os ateus não tendem a fazer são afirmações injustificadas (e injustificáveis) sobre a natureza da realidade com base em tais experiências. Não há dúvida de que alguns cristãos mudaram suas vidas para melhor ao ler a Bíblia e rezar para Jesus. O que isso prova? Que certas disciplinas de atenção e códigos de conduta podem ter um efeito profundo na mente humana. Tais experiências provam que Jesus é o único salvador da humanidade? Nem mesmo remotamente – porque hindus, budistas, muçulmanos e até mesmo ateus vivenciam experiências similares regularmente.

Não há, na verdade, um único cristão na Terra que possa estar certo de que Jesus sequer usava uma barba, muito menos de que ele nasceu de uma virgem ou ressuscitou dos mortos. Este não é o tipo de alegação que experiências espirituais possam provar.

 

 Ateus acreditam que não há nada além da vida e do conhecimento humano.

Ateus são livres para admitir os limites do conhecimento humano de uma maneira que nem os religiosos podem. É óbvio que nós não entendemos completamente o universo; mas é ainda mais óbvio que nem a Bíblia e nem o Corão demonstram o melhor conhecimento dele. Nós não sabemos se há vida complexa em algum outro lugar do cosmos, mas pode haver. E, se há, tais seres podem ter desenvolvido um conhecimento das leis naturais que vastamente excede o nosso. Ateus podem livremente imaginar tais possibilidades. Eles também podem admitir que se extraterrestres brilhantes existirem, o conteúdo da Bíblia e do Corão lhes será menos impressionante do que são para os humanos ateus.

Do ponto de vista ateu, as religiões do mundo banalizam completamente a real beleza e imensidão do universo. Não é preciso aceitar nada com base em provas insuficientes para fazer tal observação.

 

9) Ateus ignoram o fato de que as religiões são extremamente benéficas para a sociedade.

Aqueles que enfatizam os bons efeitos da religião nunca parecem perceber que tais efeitos falham em demonstrar a verdade de qualquer doutrina religiosa. É por isso que temos termos como “wishful thinking” e “auto-enganação”. Há uma profunda diferença entre uma ilusão consoladora e a verdade.

De qualquer maneira, os bons efeitos da religião podem ser certamente questionados. Na maioria das vezes, parece que as religiões dão péssimos motivos para se agir bem, quando temos bons motivos atualmente disponíveis. Pergunte a si mesmo: o que é mais moral? Ajudar os pobres por se preocupar com seus sofrimentos, ou ajudá-los porque acha que o criador do universo quer que você o faça e o recompensará por fazê-lo ou o punirá por não fazê-lo?

 

10) Ateísmo não fornece nenhuma base para a moralidade.

Se uma pessoa ainda não entendeu que a crueldade é errada, não descobrirá isso lendo a Bíblia ou o Corão – já que esses livros transbordam de celebrações da crueldade, tanto humana quanto divina. Não tiramos nossa moralidade da religião. Decidimos o que é bom recorrendo a intuições morais que são (até certo ponto) embutidas em nós e refinadas por milhares de anos de reflexão sobre as causas e possibilidades da felicidade humana.

Nós fizemos um progresso moral considerável ao longo dos anos, e não fizemos esse progresso lendo a Bíblia ou o Corão mais atentamente. Ambos os livros aceitam a prática de escravidão – e ainda assim seres humanos civilizados agora reconhecem que escravidão é uma abominação. Tudo que há de bom nas escrituras – como a regra de ouro, por exemplo – pode ser apreciado por seu valor ético, sem a crença de que isso nos tenha sido transmitido pelo criador do universo.

 

tradução de alenimo.

APRESENTAÇÃO poema de solivan brugnara

                                          Nasci

                                           no útero da Via Láctea,

                                             neste óvulo fecundado pelo sol

                                                  chamado terra

                                                                   como todos.

                                          Era fraco,

                                      mantive-me vivo graças às vitaminas, proteínas

                                                                   e sais minerais

                                               contidos nas orações de minha avó.

                                       Meu corpo é feito de folhas, carne

                                                                              ar, sol e água.

                                         Meu primeiro medo foi que das sementes

                                                                              engolidas nascesse

                                         pela minha boca um galho carregado de laranjas.

                                            Das etapas

                                        já mastiguei a doce infância, a amarga adolescência

                                              estou roendo o osso da vida adulta

                                                      e roer osso é saboroso.

                                       Amanhã morrerei

                                           aliás absolvo a morte,

                                      é a morte que renova a vida.

                                            Por fim

                                       sou poeta

                                                 porque gosto de lamber

                                                      folhas em branco,

                                           lembra-me leite materno.

QUERO VOCÊ poema de regina lyra

Quero você
Como quem deseja,
ar que respira
mão que afaga
beijo que inspira…

Quero você…
Como quem deseja
último dos homens,
sendo o primeiro
– companheiro.

Carinho na boca
deixa louca…
Anoitecer na língua
sofre a míngua,
paixão longínqua.
Natureza intensa.

Quero você…
passando a mão
no seio,
fazendo loucuras
no sexo…

Quero você…
Para entrelaçar-se
às minhas pernas,
sentir o pulsar do amor,
consolar a dor…

Deixar-me sentindo
– por dias
penetração infinda
coisa mais linda,
delícias do amor.

Sentir o orgasmo
desejo espasmo,
mundo por um beijo,
lábios partilhados.
Sabor dos meus
untados aos seus…

Quero você,
para me ter
inteira,
saber da companheira,
íntimas emoções
profundidade e sabor…

Conhecer meus segredos
sem medos
parceiros dos seus…

Quero você
por que não sei se existe
algo assim,
que entenda por fim,
o que há entre nós.

Quero você só para mim,
sem saber a causa,
confunde,
desnorteia
ou ilude…
Apenas acalma.

Sei apenas que lhe quero,
neste querer dos amantes
sem fazer da vida errante,
quero para sempre.
Momentos de felicidade
– constante!

 

                                                

Do livro Tempo de Encanto. João Pessoa: Ed. Universitária (UFPB), 2004.

Diogo Mainardi encampa discurso neo-racista brasileiro – por ismar c. de souza

Com ataques cuidadosamente dosados contra a política de cotas universitárias implantadas no Brasil – que está sob julgamento no Supremo Tribunal Federal –, e, na verdade, querendo atingir todas as lutas do negro brasileiro, o colunista da revista Veja, Diogo Mainardi, encampou de vez o discurso neo-racista brasileiro. “É uma chance para acabar de vez com o quilombolismo retardatário que se entrincheirou no matagal ideológico das universidades brasileiras”, afirma ele em “O quilombo do mundo” (edição 2057, 23/04/2008).

Mainardi se soma a outros jornalistas da Veja (impressa e on line) e a demais pessoas que recebem espaço na revista de maior circulação nacional para mover um combate sem tréguas à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, à política de cotas universitárias, à figura de Zumbi dos Palmares, ao Dia da Consciência Negra e, enfim, à causa da reparação das injustiças cometidas contra a comunidade negra ao longo da História brasileira.

Entremeando afirmações tendenciosas e citações do livro “Não Somos Racistas” (acredite quem quiser…) do guru do combate ao movimento negro brasileiro, o diretor de Jornalismo da Rede Globo Ali Kamel,  Mainardi se mostra ainda mais parcial quando tenta apoiar sua tortuosa racionália numa frase do senador de ascendência africana Barak Obama:

– Se olharem minhas filhas, Malia e Sasha, e disserem que elas estão numa situação bastante confortável, então (raça) não deveria ser um fator. Por outro lado, se houver um jovem branco que trabalhe, que se esforce, e que tenha superado grandes dificuldades, isso é algo que deveria ser levado em consideração.

Tratou-se de um comentário superficial e meio confuso, proferido durante um debate eleitoral. A conclusão de que Obama “quebrou um tabu e defendeu abertamente o fim das cotas raciais” é uma óbvia forçação de barra.  Mainardi subestima a inteligência dos seus leitores.

Agora vejamos o que a Veja, preconceituosamente, em sua página de internet, via outro jornalista da turma do Mainardi (Reinaldo Azevedo, postado em http://www.veja.com.br/reinaldo, no dia 07/01/2008, 15h51), opinou sobre o mesmo senador e candidato a candidato do Partido Democrata:

– Que diabo se passa com o Partido Democrata americano, que tem como favoritos uma mulher e um negro com sobrenome islâmico e nenhum homem branco para enfrentá-los? (…) Para bom entendedor: tomo o par “homem branco” como apelo simbólico à tradição e à conservação de um modelo que, inegavelmente, deu certo e fez a maior, mais importante e mais rica democracia do mundo, que venceu, por exemplo, o embate civilizatório com o comunismo.

Como esse preconceito mal dissimulado ofende a qualquer ser humano digno desse nome, só restou à  tropa de elite  da Veja buscar o apoio da trupe dos conservadores raivosos, dos reacionários empedernidos e de alguns parlamentares influenciáveis que estão tentando barrar a implantação do Estatuto da Igualdade Racial.

Políticas de incentivo à integração do negro
Foi apenas em junho de 1998 que o Brasil empossou seu primeiro ministro de Estado negro, o mineiro Carlos Alberto Reis de Paula. Num país de aproximadamente 183 milhões de habitantes, com 11,5 milhões (6,3%) de negros, isto comprova que o Brasil é sim, um país racista, ainda que de uma forma dissimulada.

O certo é que só recentemente o problema da integração e participação digna do negro na sociedade passou a ter visibilidade nacional como política de Estado. E já produziu efeitos, pois agora são cinco os negros que participam como ministros do Governo Federal. Antes, só entravam como empregados subalternos.

Os interesses e idiossincrasias de nossa elite conservadora produziram convicções escravocratas que se tornaram estereótipos, ultrapassando os limites do simbólico e incidindo sobre os demais aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão dos negros na escala social, por menor que seja, sempre deu lugar a manifestações veladas ou ostensivas de ressentimentos.

Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por muito tempo, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar a inconformidade, vista como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolheu a discriminação ou preconceito.

Cotas raciais nos EUA e no Brasil
A campanha pelos direitos civis nos Estados Unidos, que ganhou notoriedade internacional com a marcha de quase meio milhão de pessoas até Washington em 1963, foi o embrião da política oficial de cotas raciais, implementada a partir de 1970.

Em 1965, quando foi assinada a lei permitindo o voto e a eleição de negros nos EUA, a esmagadora maioria era pobre; assim, na primeira eleição, pouco mais de uma centena deles conquistou mandatos públicos. Hoje são mais de 8 mil.

Primeiro país a implantar o sistema de cotas, os EUA contam com uma candidata negra, Cynthia Mckinney, candidata pelo Green Party (Partido Verde estadunidense) à presidência da república e com Obama tendo grande chance de se tornar o postulante do Partido Democrata. 

Se lá, como aqui, o sistema de cotas possui falhas e não resolveu todos os problemas raciais da nação, com certeza motivou um grande debate nacional e alavancou uma melhor participação dos negros em sua sociedade, tanto que estes já têm presença marcante na classe média, ao contrário do Brasil.

O reacionário Mainardi, contra tudo e contra todos
 Na contramão dos grandes pesquisadores e educadores brasileiros, o colunista da Veja chegou ao cúmulo de propor que o Brasil siga o exemplo dos EUA, extinguindo totalmente a gratuidade no ensino superior:

– Se é para macaquear os Estados Unidos, temos de macaqueá-los por inteiro. A universidade pública americana cobra mensalidade dos alunos. Quem pode pagar, paga. Os outros se arranjam com bolsas, empréstimos ou bicos.

Como se fosse possível equiparar dois países em estágios de desenvolvimento econômico tão diferentes! E como se os estudantes daqui tivessem a mesma facilidade em levantar recursos por meio de “bolsas, empréstimos ou bicos”!

Bem se vê que Mainardi, habitando ou não no Brasil, estará sempre a anos-luz de distância de nossa sofrida realidade… o que não o impede de tentar, arrogantemente, ensinar a nós, nativos, como devemos viver, segundo o figurino da metrópole.

A violência policial e o silêncio cúmplice dos neo-racistas
Negros de qualquer classe social, no Brasil, são tratados da forma mais preconceituosa e arbitrária pelas autoridades policiais – vide o caso do dentista Flávio Ferreira Sant’Ana, assassinado em 2004 na zona norte paulistana apenas por suspeitarem que tivesse roubado o luxuoso carro que dirigia. 

É nas estatísticas da violência policial contra os negros que as contradições da sociedade brasileira se mostram mais agudas, como se depreende, por exemplo, de uma pesquisa que o Datafolha realizou em 1997 na cidade de São Paulo:

§                             a escolaridade e condição financeira têm pouca influência sobre a freqüência e incidência das revistas policiais e da violência praticada pela polícia;

§                             entre os da raça negra, quase metade (48%) já foi revistada alguma vez. Desses, 21% já foram ofendidos verbalmente e 14%, agredidos fisicamente por policiais;

§                             os pardos superam os negros em ofensas: 27% deles foram ofendidos verbalmente e 12% agredidos fisicamente. Ao todo, 46% já foram revistados alguma vez;

§                             a população branca é menos visada pela polícia. Entre estes, 34% já passaram por uma revista, 17% ouviram ofensas e 6% já foram agredidos, menos da metade da incidência entre negros.

Sobre a violência seletiva aplicada em muito maior escala e intensidade contra a população negra pelas polícias estaduais, os neo-racistas se calam, não escrevendo uma palavra sequer. Tais fatos não entram nas elocubrações deles, as vidas ou direitos destas pessoas não lhes interessam, pois na verdade não têm o que dizer sobre este assunto. Nem mesmo o guru Ali Kamel, que parece ter fixação por estatísticas, encontrou justificativa para estas.

Final rancoroso e melancólico
Como já fizera no título, Mainardi termina seu artigo dando uma conotação pejorativa à palavra quilombo:

– O Brasil se refugiou no passado. O Brasil é o quilombo do mundo.

Quilombo, segundo o dicionário Aurélio, é “estado de tipo africano formado, nos sertões brasileiros, por escravos fugidos”. Para nós, quilombo simboliza toda uma luta por liberdade e justiça. Ademais, como em alguns quilombos também viviam índios e brancos simpatizantes, pode ter sido o primeiro lugar no Brasil onde pessoas de raças diferentes conviveram harmoniosamente.

Destruidor de quilombos foi o bandeirante Domingos Jorge Velho, matador de negros do século XVII, até hoje relacionado entre os maiores assassinos de nossa História. Seus seguidores, como Mainardi, Reinaldo de Azevedo e Ali Kamel, atiram-se com o mesmo furor homicida contra a imagem dos quilombos. Só que, em vez de apertar gatilhos, comprimem teclas.

Não percebem, entretanto, que jamais conseguirão deletar as páginas de heroísmo escritas pelos negros, nem sua possibilidade de obterem agora o que lhes foi negado durante séculos.

Mas estão deletando a si próprios da civilização, eles sim refugiados num passado vergonhoso: aquele em que os preconceitos raciais ainda podiam ser expressos impunemente. Hoje, pelo contrário, só despertam perplexidade, indignação e asco.

Ismar C. de Souza é militante do Movimento Negro e articulista.

A DESCOBERTA e SACERDÓCIO – mini contos de raimundo rolim

A descoberta

 

            Jamais alguém tinha ousado tanto. Nem fora possível ousar mais. Não havia quem pudesse deslocar aquela tamanha pedra. O nó górdio. Ficava exatamente bem no meio do caminho. Era imperativo desviar primeiro para a esquerda e depois, chegava-se ao outro extremo para se avaliar como aquilo fora parar ali. Desbravadores, piratas, gente cordial, poetas e pintores por lá já haviam estado com a única intenção de descobrir como naquele ermo, aquela pedra se estabelecera lá. Diziam que um disco voador já havia pousado nas paragens e que criaturinhas de poucos centímetros tiraram retratos. A turba se arrastava nos finais de semana para apreciar. Carrinhos de sorvete barato feitos artesanalmente e às pressas pululavam ao redor da mesma para que muitos matassem sede e curiosidade com o bico doce ao menos. Vendedores ambulantes de quinquilharias se amontoavam e tinham os seus pontos fixos que não trocavam mesmo a peso de ouro. Romarias de confessos adoradores do intangível arranjavam um jeito de circundar a pedra que tinha um lado já meio gasto, de tanto passarem a mão. Diziam que energizava, pois achavam que a coisa tinha vindo como um sinal dos céus. Um dia apareceu um cidadão munido de fios, uma infinidade de ferramentas esquisitas e uma maleta cheia de tranqueiras. Semeou um pozinho escurozinho por debaixo da imensa pedra. O homem terminou o serviço e correu pedindo para que a enorme assistência procedesse de igual modo. Debandada geral. Muitos se atropelaram. Houve pisaduras, luxações, hematomas e arranhões que não eram nada, perto do que estava para acontecer. E a coisa explodiu. A pedra foi fragmentada em milhares de pedacinhos que se espalharam às centenas, talvez a bilhares de metros. Estava descoberta a pólvora. Bem que o homenzinho com seus experimentos tinha os olhinhos meio puxadinhos, assim pro amendoado e tal !

 

              Sacerdócio

 

O padre não havia pecado ainda! Desde menino, dos tempos de seminário. Sua conduta irrepreensível era de há muito sabida. Douto em conhecimento litúrgico, confissões, encomendação de corpo, batizados e o diabo de quatro. O padre era imaculado, manso, finamente educado. Encantava a todos que se acercavam para ouvir-lhe as prédicas. O homem era impecável. Batina e sandálias sempre limpas e rigorosamente conservadas. Mãos finas, firmes e compridas, unhas sempre bem aparadas que casavam com o andar gracioso do corpo magro, esguio e alto; o que fazia dele um ícone sagrado aos compêndios da estética. Ainda que não dissessem, era considerado um semideus. Ah, mas naquele dia não houve jeito. O padre caíra em tentação e o negócio foi estupendo. O que tornava o fato muito mais espetacular era que o santo homem tinha esquecido de rezar como o fazia todas as manhãs e para o bem do seu pecar, fora confessar logo a jovenzinha de olhar de veludo e boca púrpuro-virginal. O que a mesma não sabia, ou não se dava conta, era que carregava nos olhos, todo o poder de sedução possível numa só pessoa. E o padre pecou. Ouviu-se do interior da capela, urros e gemidos, que se espalharam rapidamente para todos os outros ouvidos que não eram poucos nem moucos. E o padre sumiu-se com a mocinha beatazinha. Correu um boato que o mesmo fora feliz e para sempre e que a moça ainda geme e urra sempre que se confessa com o maridozinho, a sós, na capela que fizeram nos fundos do quintal. E é ali que ele sacrifica a vivente para as delícias da carne e do pão e do vinho e da luxúria e do proveito das prédicas ao pé do ouvido delicado, febril, daquela que ruge e implora mais e mais, cada vez mais ad infinitum et peremptorium… Fundum… Mais fundum…

TERCEIRA PEDRA poema de jorge barbosa filho

inscrevo nessa pedra

com saliva e suor sereno

o epitáfio vivo e ingênuo

do meu nome e do meu ser em volta.

 

inscrevo, ainda mais, nela

com sangue e sêmen de astronauta,

a história dos vôos da alma

naquilo que serei, sou e era.

 

essa coisa que no céu levita

e no nosso ser navega,

uiva em tuas mãos aflitas:

as línguas do mar e da terra.

 

uma lua cheia de lua nova,

fúria de imperfeita forma

que no fundo, é um afago que te acalma

onde quer que eu esteja,

 

pois nela não há alguma ciência:

há apenas a terceira pedra,

a distância que nos integra

em nosso olhar de reticências.

O DIA EM QUE O CÉU DO ORIENTE CHOROU FOGO – poema de joão batista do lago

Procurei todas as razões para entender as guerras

Nunca encontrei qualquer motivo que as justificassem

É por isso que não as entendo…

É por isso que não as compreendo.

Jamais aceitei a idéia da guerra como recurso para a paz. Jamais!

Nenhuma guerra é capaz de traduzir a paz. Nenhuma!

Todas são evolução da ignomínia do homem. Todas!

Em todas há a obsessão dada do poder e da ganância. Todas!

Não há razões para o fazer da guerra!

 

Que direitos são esses do Ocidente sobre o Oriente?

 

Oh, noite das noites!

Noites que se fazem meteoritos de estanho

Noites que se matam as crianças

Sem lhas dar as chances de saber da esperança

Oh, noite das noites!

Não posso cantar-te em meus versos

De ti resta-me o odor do sangue escarlate

Que jorra da terra como ouro negro

E que se compraz perseguir a alma dos mortais

 

Noite em que balas dançam pelos céus dos esquecidos!

 

Quem dera fosse essa noite o Apocalipse de João.

Quem dera!

Não teríamos o amanhã para chorar os sete arcanos

O céu não fumegaria o horror das bombas atómicas:

Buuuuuuuuuummmmmmmmmm…

Aqui uma cabeça; ali uma perna; mais adiante um braço…

Diante de mim vejo o corpo do amor no seu último abraço

Viro o rosto para não gravar tamanha desgraça…

Mas cai à minha frente um coração que pulsa: brasa!

 

Noites que rompem o tempo e se fazem espaço de guerras!

 

Pilhas de corpos que se amontoam sobre a relva

Corpos que depois de lavados são plantados em covas rasas

Covas que darão árvores daninhas no alvorecer do amanhã

Árvores que produzirão frutos de carnes humanas

Frutos que serão no teatro da vida o prato de predileção

Teatro onde se há-de encenar o ato seguinte da nova guerra

Guerra que consumará a vitória dos senhores donos do mundo

Vitória que será húmus da miserável guerra que renascerá na terra.

Ó, Senhor de todos os céus, será assim eternamente a sina dos mortais!?

 

Noites de miseráveis guerras! Noites assassinas da Paz!

 

AS EMOÇÕES NOS ANIMAIS por marta follain

Pessoas que experimentam contato com animais, não têm nenhuma dúvida de que eles demonstram amor, alegria, mau humor, raiva, ciúmes, gratidão, bom humor, tédio, medo, etc. claramente e, de forma semelhante à dos seres humanos.Com essa assertiva, concordava Charles Darwin em “The Expression of the Emotions in Man and Animals”, afirmando que algumas de nossas expressões de sentimentos, são resquícios herdados de antepassados primitivos comuns tanto ao homem quanto a outros animais. Senão, como explicar que, ainda hoje, mostremos os dentes caninos  quando enfurecidos, como fazem os macacos e os cães, apesar de não nos servirmos desses dentes para brigar ?

O escritor contemporâneo e veterinário Richard Pitcairn reitera as afirmações de Darwin : “É uma verdade inegável o fato de que os animais têm estados emocionais e sentimentos. Quem convive com eles, pode ver isso facilmente, embora não seja algo de que as pessoas precisam estar intelectualmente convencidas. Não existe dúvida, na minha mente, de que os animais apresentam o mesmo leque de emoções que as pessoas: amor, medo, raiva, tristeza, alegria, e assim por diante “.

Um estudo recente, realizado na Universidade de Bristol, coordenado por John Webster, professor de Reprodução Animal em Bristol, e autor do livro “Animal Welfare: Limping Towards Éden”, mostra que as vacas têm vida sentimental que inclui emoções como a amizade, rancor e frustração. Os pesquisadores constataram que as vacas formam, dentro de uma manada, pequenos grupos de amizade e trocam cuidados entre si. Esta descoberta foi apresentada numa conferência científica em Londres, em março de 2005.

Ainda, segundo este estudo da Universidade de Bristol, os animais estão mais próximos dos seres humanos, sob o ponto de vista emocional, do que até aqui acreditava-se. Duro golpe na presunção do homem de ser a única espécie com sentimentos do reino animal !

Keith Kendrick, professor de Neurobiologia do Instituto Babraham, em Cambridge, descobriu que as ovelhas conseguem estabelecer relações de amizade com humanos, entrando em depressão por separações longas e, festejando a volta do dono, mesmo  depois de 3 anos de separação.

O psicólogo de animais, Patfield, afirma que bois possuem memória emocional. Em sua experiência, um boi e um bezerro presenciaram a matança de 150 bois. O boi foi mantido isolado e o bezerro colocado num rebanho. Passaram-se 2 anos. Após esse tempo o boi reconheceu os abatedores que haviam matado seus companheiros. Ele gemia e urrava  de medo, com a aproximação daquelas pessoas. No rebanho, o bezerro foi o único animal que fugiu quando os homens (abatedores)  aproximaram-se e, desembestou em pânico.

Sendo assim, a afirmação de que um animal pode utilizar suas emoções significa que seu cérebro reage a certos eventos de maneira particular. Os sentimentos surgem da mente analítica.

Mas, o pesquisador Jaak Panksepp, especialista em comportamento da Universidade Estadual de Bowling Green, Ohio, não acredita que sentimentos surjam apenas da reflexão. Ele sustenta que a raiz das emoções encontra-se em regiões do cérebro tais como o sistema límbico (área cerebral que produz e regula as emoções), muito antigo do ponto de vista evolutivo e presente em todos os mamíferos. O sistema límbico é uma estrutura cerebral antiga, e o fato dele desempenhar papel importante no cérebro, indica que a emoção é parte fundamental na vida dos animais.

Estudos sobre o metabolismo do cérebro  fornecem evidências de que os sentimentos dos animais, talvez não sejam muito diferentes dos sentimentos dos seres humanos pois, entre eles há processos cerebrais comuns. Pesquisas mostram que o neurotransmissor “dopamina”  é importante no processamento de emoções como alegria e desejo, tanto em humanos como em outros mamíferos.

Ainda não é possível provar, através de observação, se um animal possui sentimentos conscientes, como também não se pode provar o que uma pessoa sente no seu íntimo. Porém, experimentos de laboratório indicam que, pelo menos, alguns animais dispõem da capacidade de autoconsciência. Podemos supor que talvez, tenham consciência de suas emoções.

E, se os animais são capazes de sentir emoções, temos mais uma razão para tratá-los com respeito, dignidade e carinho.

Alguém duvida da alegria que um cão experimenta quando seu dono chega em casa ? Ou o prazer que demonstra um gato, quando acariciado ?

Os animais são como nós, mas ao mesmo tempo diferentes, porque são melhores. Muitas vezes descobrimos que os animais são “mais humanos” do que muitos seres ditos humanos, refletindo melhores impulsos de humanidade –  não mentem,  não enganam, demonstram lealdade, gratidão, um amor incondicional e, são bem poucos os humanos que conseguem exibir esses sentimentos.

 

Martha Follain – Formação em Direito,

Neurolingüística, hipnose, regressão.

Terapia floral – animais e humanos.

Terapia reikiana – animais e humanos.

CRT 21524.

 

CIÊNCIA e RELIGIÃO por fred seifert

Discussão antiga, que continua atual. Deixo minha opinião.

Dizem que ciência e religião podem, no máximo, coexistir, mas, para mim, são complementares, com modos diferentes de atuar. Têm o mesmo valor, e acredito que chegaremos a um ponto em que ambas serão uma uníca coisa, uma única forma de análise e síntese da realidade.

Stephen Jay Gould disse que “a ciência estuda o céu, enquanto a religião é como chegar ao céu”. Ou seja, a ciência se baseia na busca do conhecimento empírico enquanto a religião fica com os campos da ética e da moral.

Não podemos esquecer que toda e qualquer ciência é humana em sua essência. Dizem que a maior descoberta da ciência foi a própria ciência, ou seja, apesar dela ser uma forma de análise da realidade, seu metódo científico é humano. Seus alicerces foram construídos pelo homem, a ciência, assim como tudo, não existe por si só.

O mesmo Jay Gould disse: “a ciência cobre o reino empírico; do que o universo é feito (fato) e como funciona (conceito)”. Vamos partir daí:

[As regras do jogo…]

Muitos cientistas, como Einstein, viam Deus como a ordem universal. Deus era a soma de tudo, era como tudo funcionava. E é fácil entender por que muitos pensam assim.

Apesar de sabermos muito pouco acerca do universo, sabemos que ele funciona perfeitamente sobre uma linha que beira o absurdo. Na verdade, era muito mais provável que não existisse nada do que existisse alguma coisa. William (ou Guilherme) de Occam em sua teoria, a Navalha de Occam, dizia isso. É mais ou menos assim: o universo segue o caminho mais simples, embora Deus possa escolher o mais difícil de vez em quando.

Não é bem aí que eu quero chegar, não acredito em Deus só por isso e não e a isso que Einstein se refere quando “louva” Deus através da adoração a ordem universal.

O que é importante ressaltar da sua natureza, e o que mais nos fascina e mais intriga todos os cientistas, é a estética matemática. Como tudo no universo consegue ser expressado em termos matemáticos de maneira regular e previsível, com fórmulas e equações. Esse é o Deus de Einstein.

Isso significa o seguinte: a verdade é uma só, assim como deve existir uma única maneira de expressá-la. O que nos foge não é a resposta em si, e, sim, como procurá-la. Não estamos fazendo a pergunta da maneira certa, se a fizermos, teremos a resposta final.

O que eu quero dizer com isso é temos várias respostas, várias equações, que não deixam de ser verdadeiras, mas não são completamente verdadeiras. Vou usar uma metáfora para me fazer entender melhor: quando um homem se interessa por uma mulher e quer saber se esta está envolvida em algum tipo de relacionamento, pergunta: “você é casada?”. Bom, e a mulher responde: “não”. O homem acha então que pode se aproximar, pois não tem nada o impedindo. Mas imagine outro homem, também interessado, e tem a mesma dúvida, mas pergunta: “você está solteira?”. E ela diz: “não, tenho namorado”. Veja que ambas perguntas foram válidas, e suas respostas igualmente verdadeiras, mas que a primeira pergunta apenas abrangiu uma pequena parte da verdade, e não ela toda. É assim que nos encontramos. Apesar da metáfora ser bem fraquinha, acho que deu pra entender.

Deus não muda as regras do jogo depois do jogo já começado, não é como a Rainha de Copas de Alice no País das Maravilhas. A ciência tenta descobrir quais são as regras e o fundamento do universo através do empirismo.

[E a religião?]

O que seria então a religião? Ao meu ver, defino religião como uma forma de conhecer a verdade também. Mas não de forma empírica, mas, sim, de forma espiritual. Descobrir também respostas, mas não exteriormente, mas interiormente. Agradecer pela existência nossa e também das perguntas que a ciência faz. Porque se não fosse por uma força maior, não existiria o que perguntar.

Prefiro deixar claro que também não acredito num deus de forma humana, que criou o homem do barro, etc. Aliás, no meu modo de pensar, vejo a ciência criacionista como uma grande contradição.

Acredito, assim como Einstein, que Deus é a ordem universal, que está em cada coisa e em todos os lugares. Mas para mim ele não é só isso, ele transcende esses limites e essa realidade. Deus é a verdade última, criador das regras do universo e responsável pela existência de tudo. Mas como disse no meu primeiro post, a realidade física é apenas uma projeção do que realmente somos e do que tudo realmente é. As regras de Deus estão também aqui no mundo físico, e muito bem delimitadas, aliás, incrivelmente delimitadas. Cabe a nós fazermos as perguntas certas, tanto exteriormente (mundo físico) quanto interiormente (alma, plano das possibilidades), para descobrirmos a verdade, a resposta que realmente queremos.

[Concluindo meu pensamento…]

A verdade é uma só, mas não se encontra “parada” em apenas um lugar. Assim como um artista visualiza uma obra de arte em um bloco de mármore, o cientista visualiza equações regendo o universo e os religiosos visualizam em Deus a verdade. E por que não juntar essas visões de mundo? Estão todas corretas em certa extensão, a sua união só traria benefícios à humanidade.

Cabe a nós perguntarmos, e a Deus responder. Se fizermos a pergunta da maneira certa, Ele não ocultará a resposta. Aí está Deus, na ordem universal, mas Ele está além disso também. Ele está conosco a cada momento, e essa ordem incrível que nos rege é apenas um reflexo disso.

A ciência e a religião podem ter seus atritos, mas têm a mesma essência. A verdade é uma só. Acredito que ela esteja em Deus e que é através do método científico e da fé religosa combinadas que chegaremos a encontrá-la.

Non, je ne regrette rien/Não me arrependo de nada – tradução de marcos fontinelli

Composição: Michel Vaucaire/Charles Dumont

 

 

Non, rien de rien                                       Não, de forma alguma
Non, je ne regrette  rien                            Não, eu não me arrependo de nada
Ni le bien quõn m’a fait                             Nem o bem que fizeram,
Ni le mal, tout ça m’est bien égal              Nem o mal, tudo é  igual

 

 

 

Avec mes souvenirs                                 Com minhas lembranças
J’ai allumé le feu                                       Eu alimentei o fogo
Mes chagrins, mes plaisirs                       Minhas aflições, meus prazeres
Je n’ai plus besoin d’eux                           Eu não preciso mais deles

Balayés mes amours                                Varri tudo, meus amores
Avec leurs trémolos                                  Junto com seus aborrecimentos
Balayers pour toujours                              Varri para sempre                          

 

 

Je repars a zero                                         Eu recomeço do zero
Non, rien de rien                                       Não, de forma alguma
Non, je ne regrette  rien                            Não, eu não me arrependo de nada
Ni le bien quõn m’a fait                             Nem o bem que fizeram,
Ni le mal, tout ça m’est bien égal              Nem o mal, tudo é  igual

 

 

Non, rien de rien                                       Não, de jeito nenhum
Non, je ne regrette rien                             Não, eu não me arrependo de nada
Car ma vie, car me joies                           Pois minha vida, minha felicidade

Pour aujourd’hui ça commence avec toi   No dia de hoje começam com você                                       

 

A CRIANÇA e o PRAZER DE LER – por graziele ferreira

Para que uma criança obtenha o interesse pela leitura, é necessário que ela entenda que a leitura não é uma obrigação e sim uma satisfação. O interesse pela leitura começa antes mesmo de seu ingresso em uma escola, pois a criança tem uma curiosidade natural por tudo que a cerca. A leitura deve ser vista como uma atividade prazerosa e não algo que lhe seja doloroso.

A família que lê para a criança histórias, contos, poesias, ou revistas de seu interesse, incentiva nela o hábito e a simpatia pela leitura. A leitura precisa ser incentivada na infância pelos pais, pela família. Mas sabemos que isso é algo complicado, pois muitos pais não possuem o hábito de ler e, na maioria das vezes, nem o sabem. Sendo assim, resta à escola criar metodologias e projetos, não somente em sala de aula, mas na escola como um todo, para educar os alunos para a prática da leitura. Também é importante que os objetos de leitura estejam sempre ao alcance das crianças.Na escola a professora deverá descobrir uma maneira de mostrar as crianças que a leitura é uma fonte de prazer.

Ela pode habituar as crianças a entrarem na biblioteca, descobrir o cantinho da leitura, folhear os livros, saber dos livros novos que chegaram desde o início do ano.

 

Mostrar-lhes a importância de entrar em livrarias, mesmo sem a intenção de comprar, só para olhar, ler as contracapas e saber dos últimos lançamentos.

É preciso descobrir o prazer de ler, é preciso redescobrir o gosto pela leitura. Novos escritores podem surgir a partir desses bons leitores. Precisamos de novos leitores e escritores com uma nova visão, precisamos de escritores capazes, com uma visão crítica, com uma visão ampla do mundo que os cerca. Precisamos de pessoas que escrevam e leiam, mas por prazer, pelo simples prazer de ler e escrever.Em muitos casos, na escola o grande problema na verdade não é a falta de interesse da criança pela leitura, mas da professora. Quem não gosta de ler dificilmente ensina alguém a gostar de ler. O incentivo a leitura é de suma importância, se a professora não gosta de ler, terá que aprender, ou mudar de profissão, pois a criança precisa saber que a leitura é uma entrada fantástica para um mundo cheio de realidades e encantos.

ENSAIO AOS SÓS – poema de vanessa lima de carvalho

Imenso tratado da solidão,

Outorga leis irrevogáveis.

Não responde a nenhum questionamento,

Muito menos a poucas lágrimas.

É insensata,

Ingrata e

Oferecida.

Não cede aos apelos dos dramáticos

Nem aquebranta-se perante o tempo.

Assusta os distraídos,

Abranda os desalmados.

Famigerada solidão,

É caso sério no leito dos loucos,

Das beatas e dos bêbados.

Essa mulher, formosa em poesias,

Quando atravessa as multidões,

Traz um silêncio sepulcral.

Não tarda a chegar o dia

Em que numa sala vazia

O seu ruído atravessa a porta.

 

TRABALHAR CANSA / LAVORARE STANCA – por darlan cunha

Já não é tão incomum ficarmos sem notícia de quem fica noutro lado da cidade durante toda a semana, por ela ser tão grande que não compensa ir e vir para casa todo dia. Sem notícia de quem não vê filhos e filhas, senão quando dormem, quando chega e quando sai, apertado coração e algo indefinido na mente. Lavorare stanca / trabalhar cansa é o título de um livro do italiano Cesare Pavese (1908-50).

Sim, trabalhar cansa, leva-nos para longe de nós mesmos, ao mesmo tempo em que é visível o fato de que nos aprimora ao acertar nossas mãos e pernas, para as ações, obriga o cérebro a aprender e estender todo o aprendizado para além-lá da individualidade (embora nem sempre se dê assim, porque é forte e antigo, mais, é genético o egoísmo), ensina a decodificar enigmas que logo se tornam coisas corriqueiras.

O que realmente nos guia os dias, nos move em direção ao que não sabemos ao certo o que é e nem onde está, pois sempre mutantes estamos ? Lá vou eu nesta estrada… diz a canção Ave Cantadeira, do mineiro Paulinho Pedra Azul.

EUSEBIUS e FLORESTAN (Homenagem a Schumann) – por helena sut

 

Florestan e Eusebius marcam as biografias de Schumann como as personalidades contrastantes do grande representante do romantismo alemão que, segundo Carpeaux, foi consagrado como o poeta do piano. O compositor presenteou a humanidade com obras como Devaneios (Träumerei) nas Cenas Infantis Op. 15 (Kinderszenen) e o divino Concerto para piano em lá menor.

Criados pelo compositor como pseudônimos para assinar os artigos na Nova Revista de Música (Neue Zeitschrift für Musik) fundada por Schumann em 1834, Florestan e Eusebius eram os heterônimos do articulista e significavam as próprias faces do compositor. Personagens imaginários que encarnaram os aspectos de sua natureza ambígua e oscilaram entre suas crises de profunda depressão e seus períodos de intensa criatividade. O enérgico e o sonhador, o arrebatado e o reflexivo, o dionisíaco e o apolíneo…

Com o sentimento projetado num jogo de espelhos coloridos, sua música era a concepção fiel de sua personalidade, uma subjetividade que não se ajustava às formas definidas, um caleidoscópio de palavras, sons e idéias. Ora Florestan, ora Eusebius, porém nunca um ser morno, sem paixões ou reflexões, adaptado aos padrões da época.

O filho do livreiro, que viveu imerso na literatura durante a adolescência, poderia ser poeta ou advogado, como queria sua mãe, mas foi na composição musical que encontrou o tecido perfeito para cerzir definitivamente o som com a idéia. Schumann era um intelectual.
 
Robert Schumann protagonizou o mais belo idílio amoroso da história da música com a exímia pianista Clara Wieck Schumann, mas o amor não foi suficiente para fazê-lo esquecer da proximidade da loucura. O medo escrevia o seu desfecho.

Sofria perturbações psíquicas cada vez mais graves que culminaram nas alucinações em que ouvia harmonias que lhe chegavam do céu trazidas pelos anjos e percebia os demônios que o ameaçavam com o inferno. A razão e a impulsividade do homem, que sempre se inspirou em histórias imaginárias, cheias de duplos, tomavam rumos irreversíveis e o lançaram no rio Reno em 27 de fevereiro de 1854 numa desesperada tentativa de suicídio.

Privado dos sonhos e da clareza da realidade, Schumann desistiu de tentar vencer a loucura e pediu para ser internado num sanatório para doentes mentais em Endenich perto de Bonn. Distante dos seus, talvez a terceira personalidade pouco conhecida, Meister Raro, o moderador, que tantas vezes interveio como conciliador de Eusebius e Florestan, tenha tentado resgatar o gênio, mas a vesânia venceu e, dois anos após, em 29 de julho de 1856, o mundo se despedia do grande compositor romântico e de seus duplos.

 

 

 

ONDE FOI PARAR NOSSA TRIBO? por janos biro

Os seres humanos passaram muito mais tempo vivendo em tribos que em cidades. O modo de vida tribal é inseparável da espécie humana. Não é de estranhar que se adaptar à vida urbana é tão difícil e exija tanta dedicação e sacrifício. Não chegamos a esse modo de vida da mesma forma com que chegamos ao modo de vida tribal ou da mesma forma com que as aranhas chegaram a criar suas teias. Não foi um trabalho da criatividade improvisada e adaptação. Fizemos tudo com planejamento racional baseado em supostas leis imutáveis, lutando contra nossa herança “animalesca”. E nesse caso todos os problemas ambientais resultantes são meras reações colaterais necessárias. São resultados de nossa evidente superioridade, não de um desequilíbrio crescente. Um preço que o planeta deve pagar pelo nosso exclusivo bem estar. Talvez seja isso que faça nossos pensadores imaginarem que a evolução siga algum tipo de plano, ou então que o ser humano de alguma forma superou a evolução, se tornou “livre” da natureza. Como se tivéssemos atingido um novo estágio, um estágio superior a todas as formas de vida até agora. Para que uma mudança tão drástica com a mudança da tribo para a cidade como forma de organização tipicamente humana tenha sido resultado da evolução, teríamos que estar diante de um fato realmente extraordinário. Acreditar que a civilização é o destino inevitável da humanidade é acreditar numa exceção inexplicável como se fosse um fato banal. Nós insistimos nessa idéia apesar de todos os sinais negativos, pois temos um monte de desculpas convincentes e convenientes. Preferimos uma existência desesperada e destrutiva que uma vida “primitiva”.

Mas como vivemos a maior parte do tempo em tribos, ainda estamos mais bem adaptados para a vida tribal que para a civilização. Por isso investimos tanto em doutrinação: para que nossa natureza permaneça sobre controle. Aqueles que não se entregam facilmente à doutrinação se sentem deslocados. E realmente estão, pois o lugar do homem em sua forma selvagem não é a cidade. Aqui é o lugar do homem domesticado. No fundo ainda somos tribais tentando nos adaptar, com variados graus de sucesso. Ainda temos as mesmas necessidades instintivas que foram importantes na vida tribal. Essas necessidades são preenchidas com substitutos insatisfatórios ou inadequados para a relação original entre homem e meio, criando todo tipo de vícios. Ainda temos a necessidade, por exemplo, de pertencer a um grupo e obter reconhecimento. Ainda temos a necessidade de compartilhar experiências e recursos, nos envolver emocionalmente ou fisicamente com a comunidade, testar nossas habilidades, imaginar, criar, cuidar. Temos necessidade de apoio mútuo, de amizade, de afeto, e de muitas outras coisas que são decisivas na organização social de qualquer primata, especialmente de humanos. Essas qualidades não necessitam de recompensas ou reforços morais, foram selecionados pela evolução. Estes “valores” não fazem parte de um direcionamento moral coercitivo. Uma vez que o modo de vida tribal não dá vantagem alguma para atitudes negativas ou prejudiciais, não há motivos para coagir alguém a não agir de tal forma. Só a sobrevivência pode julgar o que é benéfico e o que maléfico. Conviver bem é recompensa por si só. Mas nosso modo de vida civilizado foi construído sem a menor consideração por essas relações. É realmente vantajoso para um membro de nossa sociedade que ele seja mesquinho, por mais que isso traga desvantagens para outros, é preferível a sofrer as desvantagens que ele sozinho terá se insistir em ser desapegado. Somos fortemente influenciados a ser ambiciosos e individualistas, para nosso próprio bem. A maioria da população nem sequer participa dos “benefícios” que esse modo de vida traz. Digo “benefícios” porque não são realmente ganhos que preenchem necessidades, mas sim contingências criadas pelo próprio modo de vida. Nem os mais ricos podem ficar plenamente satisfeitos. Estamos diminuindo nossas chances de sobrevivência em longo prazo e insistindo com todas as forças em algo que não será completamente aproveitado.

Não precisamos ser introduzidos novamente à vida em tribo, não há regras a seguir e passos necessários para se voltar à tribo. Tribo é simplesmente o único nome que temos para se referir a uma organização social não civilizada. Uma vez que superemos este “desvio de comportamento” e voltemos ao nosso modo de vida natural, ele provavelmente se parecerá estruturalmente com uma tribo, porque é isso que nossos genes estão preparados. Não significa que vamos morar em ocas ou vestir tangas. Significa sim que nossa construção civil e nosso vestuário, por exemplo, precisam ser simples, baratos e fruto de trabalho local. Não é possível ser sustentável se ainda existirem corporações produzindo tudo em larga escala, visando lucro. O futuro sustentável é feito à mão, não por empresas “ecologicamente corretas”. Atualmente temos o acúmulo e a expansão como fundamentos econômicos. Criar tal ciclo vicioso não foi difícil, só é incrivelmente difícil sobreviver por muito tempo com ele. Os fundamentos da vida tribal ainda estão em nós, e não são mantidos por coerção. Eles permeiam nosso inconsciente. Não é preciso sair das cidades fisicamente, mas é preciso “desarmá-las”. Esse processo não é linear. Inclui como atividades importantes: sonhar, brincar, dançar, amar, transar, conversar, rir, subverter e eventualmente transgredir. Podemos começar rejeitando todo tipo de doutrinação, questionando a civilização e instigando o questionamento. Todos nós queremos muito mais do o máximo que ela tem a nos oferecer. Podemos nos recusar a pôr mais lenha na fogueira da civilização e ao mesmo tempo nos dedicar mais a nós mesmos. Isso me parece sensato por enquanto, mas não podemos arriscar colocar todos os ovos na mesma cesta. Devemos diversificar as soluções possíveis, mantendo ao mesmo tempo a mente aberta e a autocrítica.

Finalmente, não precisamos converter as pessoas. É bom falar sobre o que aprendemos porque isso ajuda a entender melhor nossas próprias idéias, desenvolvê-las e descobrir novas. Eu leio e escrevo sobre crítica cultural faz mais ou menos oito anos, a aprendo coisas novas o tempo todo. É aprender novas coisas que me impulsiona a continuar. Nossa tribo não saiu do lugar. Temos agora que enfrentar o desafio de voltar a viver naturalmente, não como invasores ou dominadores, mas como seres humanos.

CASA no LÍBANO poema de fátima tardelli

 

Minhas cartas foram escritas, mas não postadas,
Temo a resposta do destinatário,

Meus verões tornaram-se invernos,
Tão triste é minha solidão,

Está meu coração para sempre marcado,
Marcas não comerciais, marcas estranhas, ininteligíveis e indeléveis.

Não há mais púlpito,

Não há mais público,
Não há mais a quem converter!

Meus armários….vazios!
Estou nua, desnudastes minh’alma…

Equinócios se seguiram sem teu retorno,
não vejo flores, não vejo folhas, não vejo sol, só invernos!

Gastei minha fortuna, meu soldo,
à tua procura….
Milhares de guinéus se foram em recompensas,
nenhuma resposta que me indicasse o caminho!

Orei à Deus,
Aos santos, às virgens,
pedi à dinvidades, deidades.
Nenhuma resposta….chorei, desisti!

II
Longe da bainha.
Abandonastes a peleja.
Foi ela sussurrada, ficou agora sem sentido.
Está ela arada, à espera do semeador

Roma tem vários caminhos,
A estante só tem dois livros.
Doces grilhões as prenderam,
à distância, contemplando…

III
Presos na garganta.
Fechadas neste inverno.

que louca ciranda!

IV
Vide supra: eis tuas respostas.
Enviei cartas (2)
sem obter respostas!

V
Venha a mim que te curo,
Chegue aqui que te amo,
Volte a mim que te ressuscito,
Pouse em mim que te cuido!

O navegante encontrou a ilha,
seduziu a índia,
tomou a terra,
fez nela sua morada,

depois foi ele seduzido por nova estrada,
abandonou o que tinha, apostou o que não podia,
perdeu tudo numa jogatina, numa mão do carteado!

VI
flutuando ao vento, à procura de teu olfato,
vislumbrando o horizonte, em busca de certa embarcação,
chagas abertas no peito, a dilacerar um pobre coração atormentado!
Onde estão os hilários ciúmes?
A terra não navega, desconhece os mares!

VII
Palavras emprestadas:
Estar junto não é estar ao lado,
É estar do lado de dentro.

 

 

 

INSULANTE poema de walmor marcellino

Terra não sou, mínimo pedaço

sesmo em degrandeza ou desfastio:

sou imodesto húmus, levedura

da natureza.

Esse humílimo fermento

aguardando formatação,

de serial avalanche

em minha translação.


 

CINCO HAICAIs de edu hoffman

 

alguma festa

 

onde leva essa fila

 

    de formigas

 

 

 

    beira do lago

 

  bicicleta espera

 

o passeio da tarde

 

 

 

 

    velha tartaruga

 

  apesar da couraça

 

   desliza na água

 

 

 

 

 

        água límpida

 

mancha roxa na coxa

 

       quatro trutas !

 

 

 

 

        

          vem de longe

 

       d  e  v  a  g  a  r

 

       se vai ao monge

 

A LINGUAGEM ESQUECIDA DOS SINTOMAS por flávia albuquerque

A quantidade de diagnósticos e remédios nunca foi tão numerosa quanto na atualidade. Desde transtornos, que encerram o sujeito numa verdade que se estabelece como indiscutível entre médico e paciente, até medicamentos que bloqueiam uma possibilidade de manter sintomas necessários para o questionamento fundamental: ‘a que servem na vida do sujeito queixoso?’.

            Sintomas comuns como apresentar atitudes que se repetem, rituais que se tornam sagrados a ponto do sujeito não conseguir deles se libertar, o uso de substâncias químicas que funcionam como um apoio indispensável, ou mesmo cuidados com o corpo que beiram o excesso são vistos como uma emergência de cura sem antes serem questionados.

            A psicanálise vem recolocar em cena a condição humana: estar submetido à linguagem. Esta linguagem na qual o sujeito se insere é transmitida por aqueles que o antecedem. O bebê é falado pela mãe e pelo pai ainda no momento anterior à sua concepção e permanece ‘sendo falado’ ao longo da gestação, nascimento e vida. Esta fala é impregnada de desejos e possibilita inaugurar no infans um sujeito de desejo. Certas falas terão peso de verdade para o sujeito em constituição com a ressalva de que não virão atreladas apenas a sentidos dados pelos locutores em questão, mas serão adicionadas de sentidos que o próprio sujeito poderá construir. Com isso, é preciso lembrar do que Freud insistia em dizer a seus leitores: é preciso tomar cada caso como único.

Não há exame clínico que possa dar conta do diagnóstico dos males da alma ou da dor de existir, como preferirem. O psicanalista lança mão da fala por saber que o diagnóstico é, sobretudo, um efeito da linguagem. Até os nomes dados aos medicamentos podem somar a uma afirmação como esta. Estão a venda remédios para controlar a hiperatividade ou o aumento de peso com nomes bastante sugestivos. O paciente consome além da substância uma mesma ou maior dosagem do significante que a pílula carrega. Fato este confirmado com a eficiência dos placebos que atingem o efeito esperado a partir de sugestão através… da linguagem.

Para as ‘mazelas’ modernas que se apresentam cada vez mais numerosas, demandam-se soluções rápidas. Afinal, daqui a alguns dias haverá outras e as anteriores precisam ser curadas. Na carona desta urgência, revistas e jornais – dos mais lidos – convocam profissionais com a tarefa de informar com a máxima clareza a respeito das patologias atuais. Tudo o que se consegue com matérias de títulos bombásticos, tabelas que listam fenômenos muitas vezes corriqueiros na vida da maioria das pessoas, é encerrar o sujeito na constatação de que ele É uma doença – na melhor das hipóteses, apenas 1.

Lidar com o sujeito de uma forma padronizada e fenomenológica é ficar engessado em um saber que não se constrói além do constatado. É acreditar que o humano possui instinto como algo padronizado e comum aos semelhantes exatamente como ocorre com os animais, sem considerar que toda necessidade humana, seja ela qual for, vem carregada de desejo. Afinal, temos fome, mas como bem questionaram os Titãs: ‘você tem fome de quê?’ Há uma escuta que precisa ser privilegiada para dar lugar à importância das leis da linguagem as quais o humano está submetido. Os sintomas podem ser semelhantes assim como os significantes ofertados, mas o uso que se faz deles são como os significados: incontáveis.

Buscar um saber para além do corpo é se reconhecer único. É trazer à tona a diferença fundamental normalmente escamoteada pela cobrança de uma igualdade burra dentro de uma sociedade que privilegia a imagem em diversos sentidos. É preciso lembrar que a imagem é enganosa. O que parece ser uma solução rápida pode estar, muitas vezes, servindo de alimento a um mal maior.

 

 

 

Flávia Albuquerque é psicanalista.

Pós-graduada em Clínica Psicanalítica

fmaa@uol.com.br (21) 9792-8326

ÔNIBUS DO CORINTHIANS É PINTADO DE ROXO – por josé zokner (juca)

RUMOREJANDO:

 

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I (Ah, esse nosso vernáculo. Com a participação, imprescindível, do Dicionário Houaiss).

Depois de pechar [“dar ou receber um encontrão; abalroar(-se), chocar(-se)”] com o meu carro a loiraça teve a coragem de pechar (“pedir dinheiro a”) minha pobre, inculpável e inocente pessoa para que eu pagasse os prejuízos dos dois carros. Que pechado, digo, que pecado!…

Constatação II

Um dos mais famosos advogados de Curitiba, que este assim chamado escriba considera como irmão, ainda que ignorando se a recíproca é verdadeira, mandou confeccionar no pé de papel de carta da sua pessoa física mais ou menos os seguintes dizeres: “Fulano de Tal desde o ano tal sem interrupção”. Há muitos anos atrás um médico também famoso de Curitiba, ao dar entrada no hospital para atender os seus doentes fez uma parada cardíaca. Os médicos que lá se encontravam, aplicaram massagem cardíaca com intensidade tal que chegou a quebrar uma de suas costelas e ele, digamos, voltou. Evidentemente, com a costela quebrada, se deu conta do que havia acontecido e, inclusive, achou graça no fato de que havia morrido e ressuscitado. Este médico, como muitos casos semelhantes, não poderia escrever o que o advogado escreveu…

Constatação III

Não se pode confundir cara falso com cadafalso, muito embora nossos políticos, com suas promessas compridas e não cumpridas se enquadram no primeiro caso, deixando os eleitores no segundo, isto é, com a corda no pescoço. Informaremos, e não é apenas uma vã promessa igual à retro mencionada, sobre a recíproca em época oportuna. Aguardem, pois.

Constatação IV

Na calada

Da noite

Mesmo com medo

Do açoite

Da mulher,

Uma fera,

Uma megera,

Ele foi até a geladeira

E sem um ruído qualquer

Comeu toda a salada,

De pepino azedo.

Foi a maior asneira.

Deu-lhe uma baita azia

Que há muito não sentia.

Que o deixou estuporado

Até noutro dia.

Coitado!

Constatação V

O septuagenário, ex-sexagenário, ex-qüinquagenário, etc, mesmo com essa idade, nunca se considerou um velho (rico é idoso; pobre, é “veio”), até a hora que seu médico prescreveu um remédio, chamado gerioton que é essencialmente constituído de ginseng. Caiu do cavalo, digo, em si. Coitado!

Constatação VI

Deu na mídia: “Ônibus do Corinthians é pintado de roxo”. Como já disse o ex-presidente Fernando Color de Mello, de triste memória: “Tem que ter certos negócios roxo”. Será que ele também é corintiano como o atual presidente da República? Quem souber a resposta, por favor, não se comunicar que este assim chamado escriba, também corintiano sofredor, não tem interesse algum em saber pra quem o ex-presidente torce. Obrigado!

Constatação VII (COISAS QUE PRECISAM SER INVENTADAS).

-Método de ensino de matemática de modo que todos, sem exceção, aprendam e, consequentemente, ninguém, jamais em tempo algum, seja reprovado.

-Leis de Mercado que não descambem para a selvageria.

-Leis econômicas que eliminem, de vez, a pobreza, através de programas que reduzam substancialmente a diferença entre ricos e pobres.

-Método democrático que dispense os inócuos Congressos. Se não for possível,     deputados e senadores com vergonha na cara.

 -Cavalheiros distintos; damas, que se comportem como tal.

-Reputação ilibada.

-Ufanismo e vaidade que não seja imbecil.

-Jovens que não se orgulhem de não ter lido um livro sequer em todas suas vidas.

-Governantes não demagogos e operantes.

-Ministros que não falem incongruências do tipo “relaxe e goze”, “Não existe caos aéreo. É que houve aumento de passageiros” e coisas desse jaez.

-Mídia, de qualquer espécie, que não bisbilhote a vida alheia e se atenha, a ajudar na resolução dos problemas sociais.

-Relógios, todos de casa, que marquem horas mais cedo, quando a gente chega mais tarde para que não se leve bronca da cara-metade, quando ela der uma espiada pra ver a que horas a gente tá chegando.

-Abolição definitiva da demagogia.

-Demandas judiciais que recebam um parecer de quem de direito, julgados no Direito, em prazo compatível, isto é, a curto prazo.

-Contador de causos que não fuja dos fatos verdadeiros.

-Jogador de truco que ganhe deste assim chamado escriba, várias vezes campeão do referido jogo.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

MANOEL DE ANDRADE, PALAVREIRO nato, é SUCESSO na AMÉRICA LATINA

MATÉRIA DO “JORNAL OPINIÓN” de BOLIVIA DO DIA 12/05/08:

MANOEL DE ANDRADE ES UN POETA DE VERDAD.

por Martha Urquidi Anaya.

La indeleble imagen de la vida y el territorio mágico del alma

 

 


Hacia 1969 llegó a Bolivia, huyendo de la dictadura que imperaba en su
país, un joven poeta y trovador brasileño llamado Manoel de Andrade, quien se dio a conocer con sus versos en foros universitarios, culturales y sindicales bolivianos, mediante recitales y conferencias. Participando, asimismo, en el Festival de Poesía Internacional que se realizaba en Cochabamba. Llamo la atención por la fuerza de su poesía luchadora y apasionada; eran sus “Poemas para la Libertad”, el primer testimonio de su creación literaria, como reacción al abuso de los poderosos contra los oprimidos. Moderno juglar, sólo tenía como instrumento de lucha revolucionaria, sus palabras ardientes, su voz contestataria.
Aquí fue muy bien acogido entre la juventud estudiosa y las clases trabajadoras, las que habrían alcanzado un nivel de conciencia política y social.
El poeta nacional Jorge Suárez reconocido ya como un alto exponente de la literatura del país, tuvo oportunidad de conocer su principal obra poética y consideró valiosa su publicación en un libro, al que enriqueció con un elogioso prólogo en el dice textualmente de manera profética: “Andrade será un puente espiritual de esta América de las nieves y de las rocas y el inmenso Brasil que percibimos a través de las neblinas de los Andes, para un tiempo nuevo en que la revolución latinoamericana borre sus fronteras”, anunciando la futura importancia de su poesía. La obra de Manoel de Andrade fue editada en 1970, por la Universidad Mayor de San Andrés de La Paz. Hoy, soplan nuevos tiempos de libertad y democracia por toda América.
Algo semejante hizo Suárez con la obra de Edmundo Camargo, poeta fallecido prematuramente a los 27 años, cuya obra salvó del olvido contribuyendo a la publicación póstuma de ella y un significativo prólogo en el que anuncia a Edmundo Camargo como a un gran poeta surrealista, dentro de la literatura latinoamericana. Su exitosa reedición, luego de treinta años así lo confirma.
Tanto el poeta boliviano Camargo como Manoel de Andrade el brasileño, se muestran hoy como dos grandes poetas de nuestro continente. No estaba equivocado Jorge Suárez al anunciarlos así.
La obra de Manoel de Andrade “Poemas para la Libertad”, escrita en español y publicada inicialmente en Bolivia en 1970, tuvo tres ediciones más en Perú, Colombia y Ecuador; pero curiosamente ninguna en el idioma natal del autor. En la actualidad Manoel de Andrade tiene el propósito de hacerlo, ahora, que reaparece después de varias décadas de silencio literario haciendo la presentación de su nueva obra “Cantares” recientemente dada a conocer en el Brasil, con gran resonancia en los medios y la crítica especializada.
Queremos recordar la singular aventura literaria que realizó Manoel de Andrade hace treinta años cuando el continente estaba plagado de regímenes dictatoriales, munido solamente de sus versos revolucionarios y su pasión literaria, recorriendo quince países de Latinoamericanos en medio de las mayores amenazas y peligros, (con una inteligencia política que actuaba a nivel internacional a favor de las dictaduras) promoviendo debates, clamando por la justicia social, llamando a la resistencia y a la lucha, siempre perseguido y hasta encarcelado, arribó finalmente, exiliado a México donde tuve nuevamente oportunidad de encontrarlo. En 1972, volvió al Brasil acogiéndose a una amnistía política que le obligó a retirarse a la vida privada y familiar, y al desempeño de su profesión de abogado. Hoy, después de una “Abstinencia poética y literaria”, como él la llama, vuelve a la palestra con “Cantares”, su última producción la cual llegó a nuestras manos y nos permitimos comentar brevemente. Pudimos comprobar que hoy en Manoel de Andrade permanece intacto el genio poético.
Sólo la temática es distinta; además de las bellas reminiscencias de su infancia; “indeleble imagen de la vida, el territorio mágico del alma” como afirma, de su sueño eterno de marinero frustrado, pues nunca lo fue, pues sólo viajó por mar en la “nave de la imaginación” de la que hablaba el poeta cubano Lezama Lima, nos presenta nuevas visiones del presente y del futuro del hombre y del mundo, con banderas de lucha para este tiempo, como las de la defensa de la vida y del Planeta, seriamente amenazados hoy. Le preocupan los cambios climáticos, los daños ecológicos irreversibles”. ¿”Qué sabor tendrán los frutos la próxima estación”?, se pregunta. Se pregunta también hacia donde nos lleva esta cultura globalizada y cibernética que nos obliga a vivir cada vez más en un mundo virtual y deshumanizado, sin substancia, en el que predominan la falta de valores morales y el hedonismo y nos obliga a presenciar” el escándalo nuestro de cada día”.
Sus poemas dedicados al mar y su descripción, como testigo y síntesis de la actividad humana a través de la historia, son de gran hallazgo emulando al célebre BARCO EBRIO del francés Rimbaud. El mar resumen del planeta Tierra, que más que tierra es agua y al que pinta como una pequeña lágrima flotando en el universo:“apenas un húmedo punto en el infinito”
 
 

 un acuoso respiro
un minúsculo acuario
un minuto ondulante en la eternidad
hace billones de años
una gota salada suspendida en el universoSu poesía oscila entre lo clásico y lo vanguardista, pero es una voz singular, única, que se ha hecho más universal y definitiva con el tiempo. Hay en ella un contenido filosófico e ideológico profundo, pero siempre en el ámbito mágico de una poesía de alta calidad estética y humana. Manoel de Andrade sigue siendo ayer y hoy un poeta de verdad.

 

O QUE SÃO OS ESTADOS UNIDOS? – por anselmo heidrich

Em DST’s, sexo, moraleiros & negócios, o autor diz:

“A América é outra terra. Cada vez que me sento à mesa com americanos, fala-se de Bíblia e “valores cristãos”, ou fala-se de dinheiro. Não me espanta que os EUA, com tão entranhada inclinação para moralizar, tenham 30% das raparigas com menos de 25 anos com uma DST e que para se alcançar a cúspide de um dos centos de igrejas-empresa se coloque como requisito possuir conta bancária e património milionários. O negócio está-lhes entranhado no sangue. Sem aristocracia e tradições aristocráticas, os EUA produziram uma ética de desembaraço que tudo desculpa e isenta no plano da reprodução do dinheiro, mas exige uma ética sexual que dir-se-ia mosaica. Contudo, nada ali é mosaico. Aquela sociedade acostumou-se de tal maneira às públicas virtudes e pecadilhos privados que não sabemos onde começa uma e a outra acaba. É o preço de 400 anos de calvinismo e duzentos de negócios. Se há na cultura americana coisas que verdadeiramente me seduzem – cuidado com a palavra – tais como a bela filmografia e a excelente literatura, outras levam-me a questionar se estamos perante uma derivação do Ocidente, ou de uma civilização absolutamente distinta feita de sobras e refugo do pior que a Europa mercantilista produziu; aquela Europa dos mercadores e da caça às bruxas do século XVII que persiste sobreviver para além do razoável. Talvez seja tempo para os republicanos irem dar uma volta!”O post é interessante. Mas, me pergunto qual sociedade não apresenta a dualidade moral/sexo? Só que representada de modo diverso, bem diverso como podemos ver no caso brasileiro dentre tantos outros. Li numa National (Geographic), matéria em que o fotógrafo americano fora indagado sobre sua origem pelo taxista moçambicano que asseverou como admirava seu país. Ao lhe perguntar se gostaria de se mudar para lá, o motorista respondeu que sim, mas que morava com seus pais e estes não suportariam viver daquele jeito, pois “eram muito cristãos”. O narrador levou um choque, pois se apercebera do abismo existente entre o que achamos que somos e como os outros nos vêem.

 

Eu em minhas viagens sempre tive que me explicar muito sobre como é o Brasil para quem tinha uma vaga idéia, na melhor das hipóteses e estereótipos, na pior. Assim me pergunto, se o que vemos dos EUA quando os julgamos não corresponde mais a algo que supomos existir do que o que realmente são.Sim, os EUA são diferentes porque são o país do excesso. Tudo lá é “mais”, o que é reflexo de sua economia. Ou sua economia é que é reflexo de seu ethos? Não sei… Veja, quando se fala em liberdade, muitos utilizam esta palavra em termos muito abstratos para o meu gosto. Há, na verdade, “liberdades”. Da mesma forma como é muito comum vermos nos EUA, um pastor empunhar sua Bíblia justificando a Pena Capital, o que é fruto de sua liberdade de expressão, temos o jogo e a prostituição. Mas, também, de forma aparentemente paradoxal, temos a liberdade de legislar contra o que pode se entender como perversão. Aí entram as aparentes contradições que, com rapidez no julgamento, chamamos de “hipocrisia”.

Um antigo aluno me falava, indignado, que fora barrado na porta de um cassino em Las Vegas… “Como aqui pode ser chamado de ‘país da liberdade’ se não me deixam andar na rua?” Detalhe: ele estava parado quando foi abordado. Menores de idade não podem ficar no cassino, apenas passar por eles. Contradição? Penso que não. Trata-se, sim, de algo diferente. Ruim, bom, errado, certo? Isto é relativo. Quando dei aula num curso em Santos fiquei impressionado como as meninas se vestiam, extremamente à vontade. No entanto, a cidade tinha uma igreja em cada esquina. Já, subindo a serra cerca de 100 km, em São Paulo, elas usavam calças, mas eram muito mais liberais. Em Os Confins da Terra, o excelente Robert Kaplan fala do Irã que, em sua visita ao país era comum os convidados serem agraciados por uma dança do ventre executada pela esposa do anfitrião. Observou também o contraste entre as cidades mais religiosas e aquelas, como Teerã, onde as mulheres namoravam em parques públicos com suas unhas delicadamente pintadas. Exceto pelo uso do véu (não tão ostensivo quanto na Arábia Saudita), é muito parecido com nosso país. Afinal não temos “cidades carolas” como São João del Rey, MG e outras mais libertinas. Em que pese toda a repressão sexual no mundo islâmico, sírios e sauditas são conhecidos por seus excessos em casas de prostituição, especialmente quando saem do país. É como se fora daquele ambiente cultural, deus fizesse vistas grossas.

Outro amigo que esteve em Miami falava-me da venda livre de cachimbinhos metálicos para crack nas lojas. Ao que protestei: “Como? A droga não é proibida?” Sim, mas não a venda de cachimbos, me replicou. Custei para aceitar e custei mais ainda para entender: uma lei não pode contradizer outra. Não me perguntem quais leis, estou “inferindo”, chutando em bom português, mas acho que é isso mesmo. Da mesma forma que o policiamento ostensivo não pode ir contra a 2ª Emenda, a garantia constitucional de portar armas. E há quem defenda que a 1ª Emenda só existe devido à existência da 2ª…

Por outro lado, o que importa são os atos. Isto é interessante e muito diferente do que temos aqui. Um nazista pode divulgar suas idéias, pode fazer seu proselitismo de ódio tranqüilamente. Só que se pisar fora da linha é preso. Pensemos… Nazistas existem, o ódio sempre existirá. O que é melhor, então? Proibir o uso da suástica ou permiti-la, vigiando quem faz apologia nazista? No Canadá e na Alemanha, a saudação nazista é proibida, mas isto garante que suas hostes não se formem ou estão certos os americanos que os permitem, mas os prendem tal como já desbarataram a KKK no passado?

A Ku Klux Klan continua ativa, embora bem mais fraca e desacreditada. No entanto, ela se forma novamente… De um ponto de vista sociológico a la Durkheim, os americanos e seu sistema jurídico estão certos, pois certa dose de crime aprimora os mecanismos de repressão. E me perdoem pelo “raciocínio organicista” que lançarei mão, mas sem pegar nenhuma gripe, o dia que nos depararmos com um viruzinho qualquer padeceremos tal qual um ianomâmi.

Para aqueles que não gostam de drogas, sexo, prostituição há o dry county onde é proibida a venda de bebidas alcoólicas. Ou seja, há a “liberdade de proibir”, o que parece um brutal contra-senso. Não é, se levarmos em conta que os EUA não são apenas um país liberal, conservador, mas também democrático. País no qual vigora esta “ditadura da maioria”, como os liberais (no sentido europeu do termo) gostam de se referir à democracia, tratando-a como engodo.

Isto é de suma importância, pois a democracia, em meu conceito, não serve apenas para estabelecer consensos, mas também (o que é o outro lado da moeda) para regular dissensos, regular conflitos. Eu endosso isto, desde que, é claro, haja lugares onde eu possa migrar e me ver livre daqueles com quem não partilho princípios comuns.

Mobilidade me parece um conceito chave para entendermos aquele país, tanto no sentido literal, físico – Ride to live, live to ride diz o lema da Harley Davidson -, como no sentido de ascensão social (ou sua queda…). Assim, tenho facilidade para migrar ao procurar emprego (o que a UE também almeja, mas muito mais “burocratizadamente” porque, afinal, são vários países) ou para me encontrar em um estado, condado, cidade, bairro que tenha mais a ver com meu estilo pessoal de vida.

O entendimento deste conceito, a democracia tem como pré-condição o afastamento dos dogmatismos socialista e liberal. Trata-se de procurar entender uma espécie de “engenharia social” típica daquele país que aceitou o federalismo, ou seja a União sacrificando a total autonomia que outras colônias poderiam ter e substituindo-a por outra que portasse a liberdade dentro de um imenso território sem fronteiras. Caso não existisse este princípio de agrupamento com manutenção de certas peculiaridades, talvez tivéssemos mais países comuns aos modelos já conhecidos e experimentados.

Em suma (baita pretensão…), os EUA são isto, um mix de equilíbrio entre tradições religiosas, seculares, liberais, conservadoras, democráticas e realistas. Esta última característica, se levarmos em conta seu intervencionismo externo.

Para entendermos aquela particular formação social cabe admitirmos que não é um “equilíbrio perfeito”, harmônico, no qual não existem tensões. Mas, no final das contas, “o troço” acaba funcionando. Mal ou bem está aí, em forma.

PS: Quanto aos “30% das raparigas com menos de 25 anos com uma DST”, nada encontrei, por enquanto… Exceto, se ele estiver pensando em fungos como Candidíase (muito comuns). Ou seja, uma coceirinha daquelas que qualquer um já teve…

 

VOLTAIRE: VIDA E ESCRITOS – pela editoria

François Marie Arouct, que adoptou o nome de Voltaire, nasceu em Paris a 21 de Novembro de 1694. Foi educado num colégio de jesuítas e ingressou bastante jovem na vida da aristocracia cortesã francesa. Mas uma disputa com um nobre, o cavaleiro de Rohan, fê-lo ir parar na Bastilha. Nos anos de 1727-29 viveu em Londres e assimilou a cultura inglesa da época. Nas Cartas sobre os ingleses, ou Cartas Filosóficas (1734), registra os vários aspectos daquela cultura insistindo especialmente sobre os temas mais característicos da sua atividade filosófica, histórica, literária e política. Defende assim a religiosidade puramente interior e alheia a ritos e cerimônias dos Quacres (Lett., I-IV); põe em relevo a liberdade política e econômica do povo inglês (1b., lX, X); analisa a literatura inglesa e traduz poeticamente alguns trechos da mesma (1b., XVI11-XX111); e, na parte central, exalta a filosofia inglesa nas pessoas de Bacon, de Locke e de Newton (Ib., XII-XVII). Comparando Descartes a Newton, exalta os méritos de matemático de Descartes, mas reconhece a superioridade da doutrina de Newton (Ib., XIV). Descartes “fez uma filosofia como se faz um bom romance: tudo parece verossímil e nada é verdadeiro”. No mesmo ano de 1734, Voltaire publicou o seu Tratado de metafísica, no qual versa os temas filosóficos que já abordara nas Cartas sobre os ingleses. Em 1734 foi viver em Cirey, na casa da sua amiga Madame de Châtelet, e foram esses os anos mais fecundos da sua atividade de escritor. Voltaire publicou então numerosíssimas obras literárias, filosóficas e físicas. Em 1738 apareceram os Elementos da filosofia de Newton, e em 1740 a Metafísica de Newton ou paralelo entre as opiniões de Newton e Leibniz.Em 1750, aceitou a hospitalidade de Federico da Prússia em Sans-Soucie e aí permaneceu cerca de três anos. Após o rompimento das suas relações de amizade com Federico e várias peregrinações, estabeleceu-se na Suíça, no castelo de Ferney (1760), onde prosseguiu a sua infatigável atividade graças à qual se tornou o chefe do iluminismo europeu, o defensor da tolerância religiosa e dos direitos do homem. Só aos 84 anos voltou a Paris para dirigir a representação da sua última tragédia, Irene, tendo sido acolhido com honras triunfais.
Faleceu a 30 de Maio de 1778. Voltaire escreveu poemas, tragédias, obras de história, romances, além de obras de filosofia e de física. Entre estas últimas, além das citadas, são importantes o Dicionário filosófico portátil (1764), que nas edições subsequentes se tornou uma espécie de enciclopédia em vários volumes, e O Filósofo Ignorante (1766), o seu último escrito
filosófico. Mas também é bastante notável pelo seu conceito de história o Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações (1740), a que antepôs mais tarde uma Filosofia da história (1765) em que procura caracterizar os costumes e as crenças dos principais povos do mundo.
Outros escritos menores de um certo relevo são citados adiante. Shaftesbury dissera que não há melhor remédio contra a superstição e a intolerância do que o bom humor. Voltaire pôs em prática melhor do que ninguém este princípio com todos os inexauríveis recursos de um espírito genial. O humorismo, a ironia, a sátira, o sarcasmo, a irrisão aberta ou velada, são por ele empregados de vez em quando contra a metafísica escolástica o as crenças religiosas tradicionais. Na novela Candide ou de L’optimisme, Voltaire narra as incríveis peripécias e desditas que põem à prova o otimismo de Cândido, o qual encontra sempre maneira de concluir, com o seu mestre, o doutor Pangloss, que “tudo corre o melhor possível no melhor dos mundos”. Num outro romance, o Mícrómegas, do qual é protagonista um habitante da estrela Sírius, zomba da crença da velha metafísica segundo a qual o homem seria o centro e o fim do universo e, nas pisadas do Swift das Viagens de Gulliver, aborda o tema da relatividade dos poderes sensíveis, relatividade que pode ser superada somente pelo cálculo matemático. Num Poema sobre o desastre de Lisboa (1755), escrito a propósito do terremoto de Lisboa do mesmo ano, combate a máxima de que “tudo está bem” considerando-a como um insulto às dores da vida, e contrapõe a esperança de um melhor futuro construído pelo homem.
“Muda é a natureza que em vão interrogamos. Não é preciso um Deus que fale ao gênero humano. Só a ele cabe sua obra explicar, aconselhar o débil, o  sábio iluminar… Nossa esperança é que algum dia tudo esteja bem: Mera ilusão é que hoje tudo esteja bem.

O MUNDO, O HOMEM E DEUS

Diz-se habitualmente que Voltaire, no decurso de toda a sua vida, passou do otimismo ao pessimismo e que, sob este aspecto, os seus últimos escritos marcam uma orientação diferente da dos primeiros. Na realidade, não é possível distinguir oscilações dignas de relevo na atitude de Voltaire sobre este ponto. Ele sempre esteve convencido de que o mal do mundo é uma realidade tão inegável como o bem; que é uma realidade impossível de explicar à luz da razão humana e que tinha razão ao afirmar a insolubilidade do problema e criticar implacavelmente todas as possíveis soluções do mesmo. Mas, por outro lado, esteve também sempre convencido de que o homem deve reconhecer a sua condição no mundo tal qual ela é, não já para se lamentar e para negar o próprio mundo, mas para alcançar uma serena aceitação da realidade. Nas Anotações sobre os Pensamentos de Pascal (1728), que é um escrito juvenil, não pretende refutar o diagnóstico de Pascal sobre a condição humana, mas apenas extrair dela um ensinamento muito diferente. Pascal, com efeito, inferia desta situação a negação do mundo e a exigência de se refugiar no transcendente. Voltaire reconhece que tal condição é a única condição possível para o homem e que, portanto, o homem deve aceitá-la e dela tirar todo o partido possível. “Se o homem fosse perfeito, diz ele, seria Deus; e as pretensas contrariedades a que vós chamais contradições são os ingredientes necessários de que se compõe o
homem, o qual é, como o resto da natureza, aquilo que deve sem. É inútil desesperar por não ter quatro pés e duas asas. E as paixões que Pascal condenava, em primeiro lugar o amor próprio, não são no homem simples aberrações porque o movem a agir, visto que o homem é feito para a ação. Quanto à tendência do homem para se. divertir, Voltaire observa: “A nossa condição é Precisamente Pensar (…)”.

Pascal e Voltaire reconhecem, ambos, que O Homem, pela sua condição, está ligado ao mundo; mas Pascal quer que ele se liberte e afaste do mundo, ao passo que Voltaire pensa que ele o deve reconhecer e amar. A diferença está toda nisto; o pessimismo ou o Otimismo Pouco têm a ver com a questão.

Voltaire toma os traços fundamentais da sua concepção do mundo dos empiristas e dos deistas ingleses- Decerto que Deus existe como autor do mundo; e, conquanto se encontrem nesta opinião muitas dificuldades, as dificuldades com, que depara a opinião contrária são ainda maiores. Voltaire repete a este propósito a argumentação de Clarke e dos deístas (que reproduz o velho argumento Cosmológico): ” Portanto existe alguma coisa de eterno já que nada se produz a partir do nada. Toda a obra que nos mostre meios e um fim revela um artifício: portanto, este universo composto de meios, cada um dos quais tem o seu fim, revela uni artífice potentíssimo e inteligentíssimo” (Dict. phil., art. “Dieu”; Tra@té de Mét., 2).
Voltaire repudia, portanto, a opinião de que a matéria se tenha criado e organizado por si mesma. Mas, por outro lado,  recusa-se a determinar os atributos de Deus, considerando ambíguo também o conceito de perfeição, que não pode decerto ser o mesmo para o homem e para Deus. E não quer admitir qualquer intervenção de Deus no homem e no mundo humano. Deus é apenas o autor da ordem do mundo físico. O bem e o mal não são ordens divinas, mas atributos do que é útil ou nocivo à sociedade. A aceitação do critério utilitarista da verdade moral permite a Voltaire afirmar terminantemente que ela não interessa de modo algum à divindade. “Deus pôs os homens e os animais sobre a terra, e eles devem pensar em conduzir-se o melhor possível”. Tanto pior para os carneiros que se deixam devorar pelo lobo. “Mas se um carneiro fosse dizer a um lobo: tu desprezas o bem moral e Deus castigar-te-á, o lobo responder-lhe ia: eu procedo de acordo com o meu bem físico e, pelo visto, Deus pouco se importa que eu te coma ou não”

É do interesse dos homens conduzirem-se de modo a tornar possível a vida em sociedade; mas isto requer o sacrifício das paixões próprias, que são indispensáveis, como o sangue que lhes corre nas veias; e não se pode tirar o sangue a um homem, porque pode ser acometido de uma apoplexia.

No que toca ao conhecimento, Voltaire considera, tal como Locke, que o seu ponto de partida são as sensações e que de se desenvolve mantendo-as e dando-lhes forma. Voltaire repete os argumentos que Locke empregou sobre a existência dos objetos exteriores; e acrescenta um, por sua conta: o homem é essencialmente sociável e não poderia ser sociável se não houvesse
uma sociedade e, por consequência, outros homens fora de nós. As atividades espirituais que se encontram no homem não permitem afirmar a existência de uma substância imaterial chamada alma. Ninguém pode dizer, de fato, o que é a alma; e a disparidade das opiniões a este propósito é muito significativa. Sabemos que é algo de comum ao animal chamado homem e àquilo que se chama animal. Este algo poderá ser a própria matéria? Diz-se que é impossível que a
matéria pense. Mas Voltaire não admite tal impossibilidade. “Se o pensamento fosse um composto da matéria, eu reconheceria que o pensamento deveria ser extenso e divisível. Mas, se o pensamento é um atributo de Deus dado à matéria, não vejo que seja necessário que tal atributo seja extenso e divisível. Vejo, de fato, que Deus comunicou à matéria outras propriedades que não têm nem extensão nem divisibilidade: o movimento, a gravitação, por exemplo, que atua sem corpo intermediário na razão direta da massa o não da superfície, e na inversa do quadrado das distâncias, é uma qualidade real demonstrada, cuja causa é tão oculta como a do pensamento”.

Além disso, é absurdo sustentar que o homem pense sempre; sendo assim, é absurdo admitir no homem uma substância cuja essência seja pensar. Será mais verossímil admitir que Deus organizou os corpos tanto para pensar como para comer e para digerir. Posta em dúvida a realidade de uma substância pensante, a imortalidade da alma converte-se em pura matéria de fé. A sensibilidade e o intelecto do homem nada têm de imortal; como se poderia, pois, chegar a demonstrar a eternidade? Não existem certamente demonstrações válidas contra a espiritualidade e a imortalidade da alma; tais demonstrações são destituídas de toda a verossimilhança e é injusto e despropositado pretender efetuar uma demonstração onde somente são possíveis conjecturas. Além disso, a mortalidade da alma não é contrária ao bem da sociedade, como o provaram os antigos hebreus que consideravam a alma material e mortal

O homem é livre, mas dentro de limites bastante restritos. “A nossa liberdade é débil e limitada, como todas as nossas faculdades. Nós fortificamo-la habituando-nos a refletir e este exercício torna-a um pouco mais vigorosa. Mas, apesar de todos os esforços que façamos, nunca poderemos conseguir que a nossa razão impere como senhora de todos os nossos desejos; existirão sempre na nossa alma, como no nosso corpo, impulsos involuntários. Se fôssemos sempre livres, seríamos o que o próprio Deus é”. Na sua última obra filosófica, Le Philosophe Ignorant (1766), Voltaire insiste na limitação da liberdade humana, que não consiste nunca na ausência de qualquer motivo ou determinação. “Seria estranho que toda a natureza, todos os astros obedecessem a leis eternas, e que houvesse um pequeno animal com a altura de cinco pés que, a despeito destas leis, pudesse agir sempre como lhe aprouvesse, segundo o seu capricho. Agiria ao acaso, e sabe-se que o acaso não é nada; nós inventamos esta palavra para exprimir o efeito conhecido de toda a causa desconhecida” (Phil. ign., 13).

A HISTÓRIA E O PROGRESSO

No decurso da sua atividade historiográfica, Voltaire dilucidou sempre os conceitos em que ela se inspirava. É como filósofo que ele pretende tratar a História, isto é, colhendo, para lá do amontoado dos fatos, uma ordem progressiva que revele o significado permanente deles. A primeira exigência é a de depurar os fatos de todas as superestruturas fantásticas de que o fanatismo, o espírito romanesco e a credulidade os revestiram. “Em quase todas as nações, a História é desfigurada pela fábula até ao momento em que a filosofia vem iluminar os homens; e quando, por fim, a filosofia surge no meio destas trovas, encontra os espíritos tão obnubilados por séculos de erros que mal logra esclarece-los; deparam-se-lhe cerimônias, fatos, monumentos, estabelecidos para sustentar mentiras” (Essais Sur les Moeurs, cap. 197). A filosofia é o espírito crítico que se opõe à tradição e separa o verdadeiro do falso.

Voltaire manifesta aqui com idêntica força a exigência histórica e antitradicionalista que Bayle representara. Mas a esta primeira exigência junta-se uma segunda, a de escolher, entre os próprios fatos, os mais importantes e significativos para delinear a “história do espírito humano”. Deste modo, cumpre escolher, na massa do material bruto e informe, o que é necessário para construir um edifício; é mister eliminar os pormenores das guerras, tão nocivos como falsos, as pequenas negociações que são apenas velhacarias inúteis, as aventuras particulares que abafam os grandes acontecimentos, o é preciso conservar apenas os fatos que, pintam os costumes e fazem nascer desse caos um quadro geral e bem articulado. Voltaire seguiu este ideal, sobretudo no Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações, em que dá o máximo relevo precisamente ao nascimento e morte das instituições e das crenças fundamentais dos povos. Mas em toda a sua obra historiográfica o que importa a Voltaire é pôr em luz o renascimento e o progresso do espírito humano, isto é, as tentativas da razão humana para se libertar dos preconceitos e erigir-se em guia da vida social do homem. O progresso da história consiste precisamente e apenas no êxito progressivo de tais tentativas, já que a substância do espírito humano permanece inalterada e imutável. Resulta de quadro, diz Voltaire, que tudo o que concerne intimamente à natureza humana se assemelha de um extremo ao outro do universo; que tudo o que pode depender dos costumes é diferente e se assemelha apenas por acaso. O império do costume é muito mais vasto do que o da natureza; estende-se aos hábitos e a todos os usos, e expande-se na sua variedade por todo o universo. “A natureza manifesta assim a sua unidade: estabelece por toda a parte um pequeno número de princípios invariáveis, de modo que o fundo é em toda a parte o mesmo, mas a cultura produz frutos diversos”. Na verdade, o que é susceptível de progresso não é o espírito humano nem a razão, que é a essência dele, mas sim o domínio que a razão exerce sobre as paixões em que se radicam os preconceitos e os erros. A História apresenta-se assim a Voltaire como história do iluminismo, do esclarecimento progressivo que o homem faz de si mesmo, da progressiva descoberta do princípio racional que o rege; e implica uma alternância incessante de períodos sombrios e de renascimentos.

O conceito voltairiano da História liga-se estreitamente ao iluminismo, porque, na realidade, não é mais do que a historicização do iluminismo, o seu reconhecimento no passado. Mas com isto não se pretendeu aniquilar a problematicidade da História, e Voltaire sente-se ele mesmo um instrumento daquela força libertadora da razão, cuja história pretende descrever.
 
 
 

 

TARDE DEMAIS – poema de jorge barbosa filho

velo esta tarde engomada

florida com tanto alinho

que parece que o homem

é o último dentro do inútil agora.

 

meu olhar vestido de terno

acompanha o cortejo

e tenta crer com respeito

no suspiro final da cidade.

 

o sol que eternamente enterro

na carne de minhas palavras

é o nosso morto presente

 

e feito fóssil fogo-fátuo.

sussurra baixinho meu epitáfio:

– tarde de mim, tarde de tudo, tarde demais.

 

SEM AS POEIRAS DE VOLTAIRE – poema de tonicato miranda

Uma mariposa cinza

com a ponta de uma das asas quebrada,

mas com um desenho magistral,

mais trabalhado que kambé,

mais variado do que Roman

mais surpresa do que Poty,

mais elegante do que Mazé,

muito menor do que o sorriso da Desi

desceu em queda livre

de Piraquara a Morretes.

 

Depois de quase ser comida por um pombo,

uma gralha sobrevivente

e um gavião ancião;

depois de quase cair num canavial,

quase beijar uma grande pedra

às margens do Marumbi,

após a descida vertiginosa do cimo

dos picos da Serra do Mar,

pousou a teu pés.

 

Não declamou para ti

Ana Cristina César,

como era de se esperar,

mas Voltaire

eu não beijo a poeira dos vossos pés,

porque vós quase não caminhais,

vós levitais nos meus pensamentos“.

A ARTE ESTÁ DE LUTO, MORREU MÁRIO SCHOEMBERGER

                  Aos 56 anos, morre o ator curitibano Mário Schoemberger.

 

                   foto de Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo.

Com trabalhos em inúmeros filmes e peças de teatro, ele foi um dos representantes mais importantes de sua geração. Versátil, com currículo extenso e atuações na televisão, teatro e cinema. Mário Schoemberger, ator curitibano capaz de transitar com tranqüilidade entre papéis cômicos e trágicos, que já passava por problemas de saúde há mais de um ano, morreu nesta quarta-feira (14) aos 56 anos.

O velório está marcado para esta quarta-feira (14) às 23h, na Sala de Exposições do Teatro Guaíra (Praça Santos Andrade, s/n.º). O corpo do ator deixa o teatro às 16h desta quinta-feira, e segue para o Crematorium Metropolitan em São José dos Pinhais, onde será cremado.

Carreira longa no teatro, televisão e cinema

Em sua carreira de longos 37 anos, Schoemberger já passou pelos palcos do teatro, pela telinha da televisão e pelo cinema.

Alguns destaques dentro de seu vasto currículo no teatro, destacam-se a obra “Memória Póstumas de Brás Cubas”, com direção de Nauttíulio Portela, “Pinha, Pinhão, Pinheiro”, sob direção de Fátima Ortiz, “As Bruxas de Salém”, trabalho dirigido por Marcelo Marchioro, “A Casa do Terror”, de João Luiz Fiani e as mais recentes “Jantar Entre Amigos (Pequenos Terremotos)”, de Felipe Hirsch e “Três Versões da Vida”, com direção de Elias Andreatto.

Ele trabalhou também como diretor teatral em várias montagens como “O Processo”, com texto de Fátima Ortiz, “A Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas e “Trancentina II”, de Enéas Lour.

No cinema, pode ser visto no curta “A Loura Fantasma” e no média-metragem “Vítimas da Vitória”, com direção de Berenice Mendes. Schoemberger também pode ser visto no filme “Trair e Coçar É Só Começar”, “O Cheiro do Ralo”, e também na comédia “Os Normais – O Filme”, no qual faz um oficial do navio.

Na televisão, seu trabalho pode ser visto em várias séries da TV Globo, como no seriado “Os Aspones”, “A Diarista” e “A Grande Família”. Ele já recebeu o Troféu Gralha Azul na categoria ator pela peça “Os Mistérios de Curitiba”, obra baseada no texto de Dalton Trevisan e pelo qual recebeu ótimas críticas, entre outros prêmios.

 

por Angela Antunes e Irinêo Netto.

fonte RPC.com

DARLAN CUNHA é PALAVREIRO DA HORA e vem da bela MINAS GERAIS

Nasci em Medina, MG. Moro em Belo Horizonte. Apraz-me aprender algo com a Psicanálise / Psicologia; atenho-me em apreender o que posso das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Etnologia). Tenho com a Literatura um enleio antigo (severo nas escolhas).

Escrevi os primeiros textos aos 30 anos. Arranho um violão, componho. Dos lugares em que toquei, do que me lembro com mais simpatia é Ouro Preto, num show feito há muitos anos, numa segundona, no mais antigo teatro das Américas, onde, naturalmente, “não se deixa qualquer um tocar = palavras ouropretanas… hehe). Devo isto ao meu falecido amigo engenheiro André Roelens. Show informal, coisa de estudantada. Uma beleza. Gente pelo ladrão, papo com Inconfidentes ressucistados, e por aí vai… hehe.
Em vias de publicar primeiro livro.
 
 
 
 

 

 

 

COLOQUEI MEU COLCHÃO NO SOL   

Vivo quase sempre cantando, mas, contráriamente àquele popular ditado, não consigo espantar meus males – pelo menos não todos. Sou físsil, e sei disso; incréu, e sei disso; devagar, e sei disso, mas o acre meneio das curvas caras ao minuto somente ao minuto, e o falso-sólido conceito de reta não vigem de graça ou impunes aqui neste elo não vencido em seu tempo de encantamento. Vivo em estreito conluio com o que de mim se afasta, mesmo se não retorna.

 

 

 

 

TRIPÉ

Mera partilha de abusos e ranços,
o dia desencaminha ardores maiores
do que o salto da pulga
atrás da orelha, hoje
e a partir de hoje, só mesmo a cal
como pertinaz tempero, sim, de enterrar
amores, viver.

 

os PALAVREIROS da HORA dão as boas vindas ao companheiro de viagem e batalhador das letras DARLAN CUNHA, que compreendeu a finalidade pública e solidária do PALAVRAS, TODAS PALAVRAS, de divulgar os “deserdados” do famoso “mercado editorial.”  mais um âncora, agora, da bela Minas Gerais. sê bem vindo DARLAN.

 

 

ALBERT EINSTEIN e a ARTE

Ser suficiente artista é ter capacidade de desenhar a imaginação. A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação envolve ao mundo.

OFERTÓRIO -VISÃO / poema de jb vidal

 

 

 

ofereço a quem possa interessar

este olhar esgotado de tanto ver,

um olhar milenar sobre o conhecido,

cravejado de imagens,

poucas majestosas,

as demais dignas de olhos cegos,

 

um olhar universal sobre a insignificância

sobre um mar sereno, azul turquesa

e um rio de sangues, caudaloso,

ofereço um olhar ao Himalaia, branco nevoso

e outro, a um Kilimandjaro feito de cadáveres,

antes, miseráveis, famintos, podres,

 

um olhar sobre vales acariciados por brisas

saídas da boca de um deus sonhador,

outro sobre  guerras fedendo  gases mortíferos

nascidos na cobiça das fezes de gravata,

afirmo ter visto um planeta indescritível

e um mundo lamacento, porco, nojento, risível

 

ofereço um olhar atento e cansado,

bom e mau, vivo e disfarçado,

um olhar que se cravou no chão

descalço andou, andou e andou,

detendo na retina o perfume das flores

e os cheiros próprios dos mortos

 

NAGUS – poema de jairo pereira

anafriolanthu’s lhidimalhis zigudófilis

as flores estacionaram no ponto em que estavam

neferquithis limbarrus zefenhís

o predador aéreo repassa o jardim

trúsbitas enésimas persecutions zambronas

olhos de não ver vendo

sentidos de não-sentir sentindo: rastreamento

larvas ciscos pólipos

lesmas escriturárias

thercíades velutípteros in versus

a colcha de terra virada ao contrário

vidas em movimento vida-morte

letalli’s o verbo acids lingsthifólios

mortal a linguagem das plantas

ácida a saliva espessa

os crisântemos crispados de tempo & vento

nagus : o nada :

 

 

 

CHEGAR AONDE FESTEJAS – poema de altair de oliveira

Por tanto que te desejo

Pareço quem te conhece

Quem sabe onde começas

E cresce onde festejas

Quem quer ser teu endereço

E estar onde quer que estejas…

 

Nos penso cheios de ardores

Te lembro  e sinto que adejo

Te almejo de maio a maio

E ensaio que te alvejo

Te faço feixes de amores

E te deixo mantos de beijos.

 

Pressinto-te e até latejo

Onde florindo retardas…

Lá onde guardas meus beijos

Onde teus beijos me aguardam!

 

 

do livro recém lançado O LENTO ALENTO.

 

DE ALLEG A JULIUS FUCIK E GRAMSCI – por walmor marcellino

“Lá onde Maquiavel exprime a verdade política autoritária, La Boétie formula a possibilidade de sua vertente libertária” (Michel Onfray in “A Política do Rebelde)

Henri Alleg se transformou em memória revolucionária, e pela obra de Jean-Paul Sartre, num símbolo da Resistência Argelina contra o colonialismo francês; Julius Fucik, militante político revolucionário e resistente à invasão colonialista-nazista (Tchecoeslováquia), se fez um mártir da violência capitalista-imperialista e um herói paradigmático com seu “Testamento Sob a Forca”; Antônio Gramsci se mostrou militante marxista inteiramente dedicado a seu projeto social, mártir e paradigma de ação política, prática crítica e prática intelectual, com um legado que enriquece nossa humanidade. Do paradigma para os seres da planície nas pessoas politicamente ativas, podemos destacar que os modelos de conduta nos engrandecem ou envilecem e que são fanais apenas para os integrados nas causas sociais; os demais os apontam sinceramente como modelos a serem imitados ou renegados, ou acusados blandiciosa e maldosamente, como faz o fariseu oportunista com algumas “referências ético-políticas” para situar-se socialmente e obter vantagens em discursos políticos e exaltações éticas; o radicalismo de palavras é cevado com esse oportunismo da impostura cínica.

Todavia, esses paradigmas políticos foram e são casos concretos, em que o perde-e-ganha da política e dos seus projetos sociais se apresentam como situações. A serem julgados pelos coadjuvantes envolvidos na própria causa de cada ativista como um “herói” modelar, nédio militante ou “vilão infame” mas não por estranhos ao processo; estes só admissíveis quando, de uma “exemplaridade social” exposta, se se conhecerem o fato, suas nuances e seus compromissos programático-políticos. O resto são coivaras.

O que as pessoas diretamente envolvidas relatam e dizem de si ficará em suspeição – tanto quanto as afirmações levianas e as moralidades covardes dos juízes “à outrance” – porém os fatos objetivos com visões estratégicas e relatos comprovados pelos deuteragonistas é que afirmarão e desafirmarão o sentido das ações e condutas em causa; isso que se constitui fato e sua apreciação política sempre necessária. O resto correrá à conta da ignorância, perversão política, mistificação ética quando uns “passageiros de agonia” ou espectadores embuçados assumirem o papel de juízes.

Do Dr. Zequinha (não da anedota de estilingue) falarão os que o conheceram na militância política contra a ditadura e a repressão política, onde ressaltou sua coerência político-ideológica; e em episódios semelhantes evidenciaram-se Clair da Flora Martins, Hasiel Pereira, Jair Ferreira de Sá, Aldo Arantes, Paulo Wright, João Batista Drumond, Duarte Pacheco, Altino Dantas, Jorge Leal, Vinicius Brandt, Rubens Leal e outros tantos em ações definidas e responsabilidades revolucionárias e não simples discordâncias com o regime ou alegações. Seus claros projetos revolucionários, estratégia e tática, podem ser julgados ainda hoje como “projeto de sociedade-projeto de nação”, independente de diferenças interpretativas de sentido e participação objetiva na luta direta de classes; e assim, entre os “resistentes à ditadura de 1964” existiram a intenção e a dissensão, a persistência e o abandono, a luta real com seu martírio e as vacilações e desistências. E sobre esses tantos fatos as falácias burguesas e pequeno-burguesas do “auto-heroísmo de esquina” e seus paradoxos sociais.

Aqui, a par desses relances ético-críticos, ativistas políticos como Paulo Gustavo Carvalho, José Carlos Brianezzi, Divo Guizzoni, José Angeli, Narciso Pires, Vera Weisheimer, Isamu Ito, Dirlei de Luca, José Zanetti, Hamilton Farias, Paulo Sá Brito, Elba Ravaglio e tantos outros pagaram preço na resistência política, uns com privação da liberdade e/ou tortura, outros com sevícia e morte.

E haverá muitos auto-heróis alguns com ações não-dimensionadas outros com várias incertezas e até invejas críticas; e os de cujo “exemplo”, não tão incomum, se montou alguma “tragédia” ou “epopéia” de vítimas, com depoimentos “histórico-políticos”, em relatos pessoais “fidedignos” e até livros: num circuito da fabulice alienada, de mistificação ideológica e mentira política.

OS PASSAGEIROS por zuleika dos reis

                                                                                                                  Para Jorge Lescano

 

 

Não, não se parecem com amantes em pleno ato de amor, nem com amigos no momento do reencontro, ainda que a epiderme de cada um toque fundo a epiderme de cada outro. Talvez se pareçam com passageiros de um ônibus, às seis da tarde, em direção à periferia, ou às cinco da manhã, em direção ao centro.

                        Aqueles que não se assemelham a amigos nem a amantes e que sugerem certa analogia com passageiros, têm com estes apenas alguma proximidade no que se refere à aderência dos corpos, e isto levando-se em conta somente os passageiros em pé que, com os sentados, dois cotovelos colados aqui, duas coxas coladas ali, toda e qualquer comparação perde consistência, porque os corpos que não se assemelham a amantes nem a  amigos  não aderem dois cotovelos aqui, duas coxas ali.

                        Observando-se o interior do ônibus de modo desatento, poderíamos interpretar o conjunto de passageiros apenas como bloco imóvel de múltiplas peças imperfeitamente articuladas, espécie de máquina inoperante, interpretação que se desfaz quando o ônibus pára no ponto para a entrada de novos passageiros visto que estes, ao se inserirem no referido veículo, geram desestruturação na tal máquina pois, na medida em que dois corpos, não podendo ocupar simultaneamente o mesmo lugar no espaço, novos corpos, ao se inserirem, desloquem os mais antigos da posição em que se encontram.Processo análogo, em sentido inverso, ocorre antes de algum corpo sair do veículo, porque também se depara com a necessidade de separar muitos e muitos outros para atingir a porta traseira e, em seguida, descer cada um dos degraus até retornar, na calçada, à condição de peça individual. Às vezes, há entradas e saídas não concomitantes que, ainda quando sincrônicas, nos permitem rápidos vislumbres das reestruturações e desestruturações sucessivas no bloco imóvel ao olhar distraído, as quais instituem no âmago do ônibus, aquilo a que chamamos movimento.

                        Algo distinto ocorre aos que não se parecem com amantes nem com amigos. Se se assemelham aos passageiros em pé dentro do veículo, pelo fato de não precisarem entrar nem sair de veículo nenhum, conservam-se o mesmo bloco, aderidos e imóveis sempre, situação alterada apenas por uma Força de natureza diversa, que aparece e retira este ou aquele do local que ocupam, causando – como no ônibus – desequilíbrio nos imediatamente próximos. Não cabendo a tal Força a palavra passageiro e cumprindo a nós a tarefa de imaginar que nome lhe dariam, se fossem aptos para fazê-lo, os que não se parecem com amigos nem com amantes,  surge-nos a expressão “deus ex machina”, aparição súbita e exterior ao enredo, em certas peças gregas, vinda a fim de solucionar situações de total impasse para seus personagens.

                        Deus Ex Machina caminha pela calçada, seguido pela silhueta dos veículos, dos arranha-céus, das luzes de néon e da lua cheia. Caminha devagar, com um pacote contra o peito, como se estreitasse o amigo ou a amante, sabendo-se cronópio, degenerado e em extinção (1). Ei-lo que chega a casa, abre a porta e, mesmo antes de ir ao banheiro, desfaz o referido pacote, retira-lhe do interior objetos já pretéritos – ainda que seus fabricantes continuem a convencê-lo da contemporaneidade dos mesmos (2) – e os vai colocando horizontalmente sobre seus pares em pé, estes companheiros de segredos (como os amigos certos, os amantes verdadeiros) cujos corpos, porque não possuem a flexibilidade dos que continuam seguindo no ônibus, já não admitem a inclusão, na vertical, de qualquer novo exemplar de sua espécie, por mais delgado que seja, isto conferindo aos objetos recém-chegados grande vantagem sobre os passageiros do veículo anteriormente referido visto que, se estes possuem a autonomia de entrar, de permanecer, de sair do tal veículo, só lhes é possível nele estar verticalmente ou, alguns poucos, nos assentos. Nenhum pode deitar-se no teto, ressalvando-se que acomodações deste tipo já vêm sendo utilizadas em trens da Central do Brasil, mas apenas por passageiros clandestinos e sobre o teto pelo lado de fora; no que se refere ao seu usufruto, em ambas as variantes (por fora e por dentro), em ônibus e trens do metrô, ainda não dispomos de estatísticas confiáveis. Voltando aos recém-ingressos à casa que será, doravante, o seu verdadeiro lar, são deitados de modo confortável, ou nem tanto, sobre seus pares, como a Pátria no esplêndido berço… enquanto o escriba salva, no disquete, uma das crônicas de costumes da cidade de São Paulo, no final dos anos oitenta do século XX (3).

(1)   – Os gêneros, por tradição, pertencem aos famas. Ambos, famas e cronópios, existem desde sempre, sendo que estes últimos devem seu nome ao escritor argentino Julio Cortázar. Os primeiros constituem a grande maioria; dos segundos, perpetuamente ameaçados de extinção, restam bem poucos e esparsos, fato do qual os ecologistas, espécie benéfica em florescimento no Planeta, ainda não se deram conta. (Nota do Autor)

(2)    Provavelmente, tal leitura apocalíptica seja equivocada, à semelhança do ocorrido quando da invenção da       Imprensa. (Nota do Autor)

(3)    Esta crônica foi encontrada em agosto de 1999, por funcionário doutorando em História Natural, no Setor       de Achados e Perdidos do Metrô; por mero acaso, chegou às mãos de um dos organizadores desta Coletânea. (Nota do Editor)

                                                                                                   

 

LATINIDADE? por jorge lescano

A  raça é um conceito  zoológico:  refere-se ao tipo  físico.

Otto Klineberg As diferenças raciais

 

Periodicamente entram em circulação termos que, analisados de perto, revelam-se dúbios, quando não desprovidos de significado. Latino, latinidade, estão neste caso.  

Segundo a antropologia, nunca houve uma raça latina, apenas língua latina. O espírito de síntese, ou a preguiça mental, acabaram identificando o nome da língua com o tipo racial do povo que a falava. Assim, os romanos passaram a ser latinos.

Costuma-se afirmar a existência de línguas neolatinas, contudo, não é inadmissível a teoria de que tais línguas seriam anteriores à conquista romana. As línguas neolatinas, então, seriam apenas línguas latinizadas. Isto é, teriam sido formalizadas pela gramática do império. Na época da conquista da América, a normalização daquelas línguas pela gramática latina é um fato irreversível. Contudo, na opinião de Ricardo Rojas: quando a civilização espanhola começou a ser transferida para o Novo Mundo, não estava constituída nem a unidade racial nem a consciência idiomática da metrópole.

A história da América Latina teve início no dia do desembarque dos navegantes europeus nas ilhas Bahamas, mais precisamente na rebatizada de San Salvador, atual Watling Island, à qual os nativos chamavam de Guanahani. A  ocupação inicia-se pela palavra. “Assimilar” a cultura dos povos conquistados sempre foi uma prática sutil de dominação. Alterando-se os significados dos símbolos originais, torna-se possível implantar uma nova ideologia. Consumada esta primeira usurpação, foi fácil para os novos senhores impor outra escala de valores e assumir pelas armas os destinos das populações autóctones.

         Os ibéricos chegam ao continente com a aura de Cultura Superior (hierarquia atribuída por eles mesmos) pois têm a herança da civilização romana acrescida da verdade “incontestável” de possuir o Deus verdadeiro. A identificação com Roma, duas vezes sacramentada, produz o “esquecimento” das diferenças raciais. Lusos, galegos, catalães, vascos, italianos em geral, são agrupados sob o rótulo latinos, ad majorem dei gloriam, presumivelmente. O curioso, se não cômico, é que o insigne genovês, que segundo a lenda perambulou pela Europa tentando o patrocínio sem ser levado a sério, somente foi reconhecido como Gênio da Raça, arquétipo de uma era, ao se perceber que chegara ao continente errado. Nessa altura, os aborígines já haviam sido denominados índios, pela única “razão” de que o Grande Almirante acreditou até a morte haver aportado na Índia.

A política colonial torna necessária a “purificação” do continente. As mais de duas mil línguas faladas na América antes da chegada dos europeus, são silenciadas pelo cristianismo. Por algum tempo circulará a expressão Ibero-América, mais tarde quase desaparece. Consagrado pelo uso nada casual, o latino impõe sua prosápia à terra mestiçada; e seus habitantes são meio brancos, pelo menos lingüisticamente. Os grandes manipuladores da história (políticos, militares, cronistas) operam o milagre da transformação racial segundo a etnia dos dominadores. O tempo, ajudado por estes taumaturgos, apaga aos poucos o termo americano que ainda identificava as populações falantes das línguas ibéricas nestas plagas. Hoje, o conceito latino, apesar de difuso, define etnia(s), comportamento e características psicológicas.

Também o nome do continente foi deturpado. Paul Herrmann, depois de noticiar a descoberta de Vespuccio (Temos seguido estas costas por um trecho de 600 milhas, e se estendem tão longe que ninguém pode prever seu término; sou do parecer que não se trata de uma ilha, mas de uma vastíssima terra firme(1)), detém-se a considerar a origem do seu prenome. Com suspeitosa naturalidade comenta: a extravagância dos Vespucci manifestou-se de modo ingênuo, por exemplo nos nomes de batismo dado aos descendentes varões. O pai de Amerigo se chamou Anastásio(2), nome extinto ou pelo menos raríssimo desde há séculos na Europa Central. O filho recebe o de Almerigo, italianização do germânico Almerico, também fora de uso desde tempo imemorial. O tom casual da referência sugere aquiescência unânime quanto ao nome, ou pelo menos à divulgação do fato, que torna desnecessário outros testemunhos. O pressuposto permite que encerre o assunto no parágrafo seguinte afirmando: E nada tem de ilógico que o geógrafo alemão Waldseemüller proponha aos cientistas de sua época se dê à nova terra do Ocidente o nome de batismo de Vespucci: América, isto é, a terra de Amerigo.

Uslar-Pietri, por sua vez, comenta o fato da seguinte forma: Martin Waldseemüller  necessitava um nome para acompanhar o da Europa, da Ásia, da África, e como quem o havia revelado a Europa era Amérigo, pensou que podia chamar a esse continente com o nome desse personagem. Considerou denominá-lo Amérigen, mas achou que os nomes dos continentes eram femininos e se decidiu por América. […] Assim, Amérigo veio a ter, sem sabê-lo, o dom supremo dos deuses, o de dar vida e destino através da palavra que nomeia. 

Inútil citar outros textos que divulguem tal versão, esta é a verdade oficial. Há, entretanto, autores que a põem em dúvida, se não a refutam categoricamente.     

Ricardo Palma cita as Cartas de Índias, documento publicado em Madri em 1877. Diz ele:

Trata-se de provar que a voz América é exclusivamente americana e não um derivado do prenome do piloto maior de Índias Albérico Vespuccio. […] América, ou Americ é nome de lugar na Nicarágua e designa uma cadeia de montanhas na província de Chontales. A terminação ic (ica, ique, ico, quando castelhanizada) encontra-se freqüentemente nos nomes de lugares nas línguas e dialetos indígenas da América Central e das Antilhas. Parece que significa grande, elevado, proeminente,  e se aplica aos cimos montanhosos não vulcânicos.

[…] Quando em 1522 publicou-se na Basiléia a primeira carta marítima com o nome de América província, Colombo e os seus principais companheiros já haviam morrido.

[…] Também é possível presumir que este nome de América tenha ido se espalhando pouco a pouco até se generalizar na Europa, e que não se conhecendo outra relação impressa descritiva dessas regiões, que a de Albericus Vespuccius, publicada em latim em 1505 e em alemão em 1506 e 1508, acreditassem ver no prenome Albericus a origem, um tanto alterada, do nome da América.

Na Europa, América não era nome de batismo de homem ou mulher, e chamando-se Vespuccio Albérico, fica claro que se fosse ele a dar nome ao Novo Mundo, este deveria ter-se chamado Alberícia, por exemplo, e não América.

         Segundo o historiador visconde de Santarém, o florentino Vespuccio veio pela primeira vez ao Novo Mundo em 1499, na expedição de Cabral, e a descrição que escreveu destas regiões foi publicada por Waldseemuller, em Lorena em 1508. Foi Waldseemuller então que teve a injustificável idéia de sobrepor o nome do descritor ao do descobridor.

         Quem era, afinal, este Vepuccio? Albérico ou Albérigo – não Amérigo nem Almerigo –  Vespuccio nasceu em Florença em 18 de março de 1452;  até 1496 foi diretor do escritório bancário dos Medici em Sevilha. Faleceu nesta cidade em 1512. 

O historiador Francisco de Arce diz: Foi simples desenhista a serviço de Juan de la Cosa, piloto de Santonha e, aproveitando-se da exagerada modéstia – muito própria da raça – do piloto de la Cosa, assinou as cópias que fazia dos seus mapas, acabando por se apropriar delas, assim como das observações e narrações de viagens do seu patrão, e talvez das de outros navegantes hoje esquecidos.

         […] A idéia de dar o nome de América ao então chamado Novo Mundo, deve-se à proposta do cosmógrafo Martin Waltzemüller, em sua obra Cosmographie Introductio (Saint-Dié, 25 de abril de 1507), e aceita tacitamente por geógrafos e historiadores contemporâneos.

         O tempo fez esquecer estes detalhes, e os partidários e discípulos do florentino Albérigo Vespuccio batizam-no Américo, pela assinatura de alguns dos seus mapas, apócrifos, como temos dito, trouxeram o erro muito divulgado de que América deve seu nome ao cartógrafo Vespuccio.   

E o continente, mais uma vez, teve o seu nome espoliado.

Inversamente, porém com as mesmas intenções dos antigos romanos, o habitante das ex-colônias britânicas na América se apropria, em pleno século XIX (1845-48), de territórios do México como já havia feito com o nome do continente para se identificar como nação. Para compensar, um século mais tarde Hollywood, localizada em ex-território mexicano (Los Angeles, Califórnia) criará o latin lover, encarnado, segundo acreditamos, primeiro pelo italiano Rodolfo Valentino e depois pelo mexicano César Romero (3),  entre outros.

O latino hoje ainda fala castelhano e português, o americano,  inglês, por assim dizer.  No Brasil, a língua portuguesa está sendo substituída paulatinamente por um dialeto composto de inglês ignorado com português esquecido, devidamente complementado por uma gestualidade simiótica (sic). Dia chegará em que falaremos uma mixórdia incompreensível, a julgar pela contaminação das culturas praticada pelos meios de comunicação de massa. A tal de globalização. O latino agora tem  o tipo físico do  maputche, do tcharrua, do quéchua, do aimará, do maia… E às vezes é congo, mandinga, carabali. O americano é loiro. Operou-se a substituição de identidade sem prejuízos para o dominador de turno, pois é ele o administrador da língua.

Concluindo: aceitar nossa latinidade é admitir a necessidade, no século XXI, do xerife convocar os cruzados para defender nossa (!) ideologia, nosso (!) mercado e nossos (!) hábitos de consumo do fanatismo da raça portadora de turbante, alfanje de plástico e bactérias.

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1 – Provavelmente o autor alemão se refere ao seguinte trecho da Mundus Novus, pretensa carta de Vespuccio a Lorenzo de Medici em 1503 (?): Lá aquela terra soubemos não ser ilha mas continente, porque em longuíssimas praias se estende não circundantes a ela e de infinitos habitantes está repleta. Cumpre salientar que não se tem notícia do original deste documento.

 

2- Por respeito às fontes, mantemos as divergências de datas e grafias dos nomes próprios.

 

3- O nome  espelha o texto: césar, este cargo sintetiza Roma; Romero (romeiro) é quem vai a Roma.

 

Bibliografia:

Rojas, Ricardo; Eurindia, Editorial  Losada, Buenos Aires, 1951

Herrmann, Paul, Historia de los descubrimientos geográficos, vol. 2; Editorial Labor, Barcelona, 1967.

Vespuccio, Américo (sic) Novo Mundo, Cartas de viagens e descobertas; L&PM, Porto Alegre, 1984

Uslar-Pietri, Arturo, Valores Humanos, Vol. 2; Editorial Mediterraneo, Madrid, 1976.

Palma, Ricardo, Tradiciones Peruanas, Ediciones Troquel, Buenos Aires, 1959.

Arce, Francisco de, El nombre de América, in América y el viejo mundo; Librería El Ateneo, Buenos Aires, 1942.

Esta rua não devia se chamar Mário Quintana – poema de solivan brugnara

Esta rua não devia se chamar Mario Quintana

 

Não gosto do sabor insosso

das linhas retas.

Um poeta não devia nomear

uma rua reta.

A rua Mario Quintana não devia ser reta,

devia ter joelhos,

dobrar esquinas,

passar por um barbeiro e livrarias,

por uma árvore centenária,

por um bar,

cruzar uma praça,

 desorganizar o retilíneo das homenagens.

                       Uma rota de pássaros migratórios, sim

                         poderia se chamar Mario Quintana.

 

1968: PARTIDÃO versus FOQUISMO por manoel de andrade

                          

3ª/4ª parte:  Partidão versus Foquismo

 

                                                    O ano de 1968 tinha ainda pela frente um longo percurso assinalado pela importância dos fatos políticos que marcavam sua excepcionalidade  na recente história do Brasil e do Mundo. Entre nós, brasileiros, o que estava por trás desses dos fatos foi, em grande parte, a decisão das esquerdas de se armarem e saírem para o confronto direto com a Ditadura. Cada vez mais afastadas do Partido Comunista (PC) e ideologicamente divididas entre Moscou e Pequim, elas perceberam que todos os caminhos das lutas de liberação nacional começavam e terminavam no próprio território latino-americano. As trincheiras dessa luta foram escavadas pelo continente inteiro. Começaram no extremo sul, em 63, com os Tupamaros uruguaios, e com o peruano Hugo Blanco, que em maio daquele ano caiu no vale do Cuzco. Em 65,  Héctor Béjar rompe com o PC e retoma a guerrilha peruana. Essa imensa trincheira abre, ainda em 65, novos sulcos  pelas mãos dadas dos socialistas e comunistas chilenos em torno do MIR. Na mesma época o venezuelano Douglas Bravo, expulso do Partido Comunista, definia o conceito de Revolução Bolivariana dentro da estratégia guerrilheira com o apoio de Fidel Castro. Em 15 de fevereiro de 65 o padre Camilo Torres morre em combate à frente do Exército de Libertação Nacional na Colômbia. Em 66 o Comandante Turcios Lima comandava a luta feroz contra o Exército e os grandes latifúndios na Guatemala. Em 67, a Frente Sandinista de Libertação Nacional decide declarar a guerra revolucionária contra a somozismo, na Nicarágua e naquele ano a bandeira cravada em Ñancahuazú por Che Guevara e a simbologia gloriosa de sua morte em combate são os traços indeléveis de uma paisagem revolucionária que, iluminada pelas luzes ofuscantes do Caribe, iriam agora abrir suas trincheiras na esquerda urbana do Brasil. 

          A luta armada:
          No começo de 68 se discutia muito por aqui o livro “Revolução na Revolução” de Regis Debray.  Publicado em inícios de 67, em Cuba, numa edição de 200 mil cópias, a obra se espalhou pela América Latina e os primeiros exemplares que chegaram ao Brasil foram enviados pelos nossos exilados de 64, do Chile. Debray, que em meados da década de 60 estivera observando a guerrilha venezuelana comandada por Douglas Bravo, — onde conheceu sua mulher, a então guerrilheira  e hoje  antropóloga Elisabeth Burgos, tristemente célebre pela falsa biografia que escreveu sobre a gualtemateca Rigoberta Manchú, Nobel da paz de 1998 — foi colher os  subsídios para o seu livro, na experiência cubana em Sierra Maestra. O disputado livro “Revolução na Revolução”,escrito pelo intelectual francês aos 26 anos, propunha a Teoria do “foco guerrilheiro” , baseado num “foco militar rural” como a melhor  estratégia para se iniciar a vanguarda da luta revolucionária e a tomada posterior do poder pelas massas.
          Neste sentido, e pela sua importância nessa cronologia, é sintomático dizer que em janeiro daquele ano, — apesar da malograda aventura armada de Jefferson Cardin, no noroeste do Rio Grande do Sul, em 65 e do fiasco da guerrilha brizolista de Caparaó, abortada em abril de 67 —,  o Partido Comunista do Brasil (PC do B) , começava a montar sua base guerrilheira na margem esquerda do Rio Araguaia, e por aquelas matas  já transitavam  meia dúzia de seus quadros disfarçados. Entre eles, o “Osvaldão”, o Maurício Grabois e o grande João Amazonas. Por outro lado a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, —  que após participar da reunião da OLAS em meados de 67 , em Cuba, rompera com o Partidão— buscou seus próprios caminhos e tomou a dianteira, “na ação e na vanguarda” fazendo sua primeira “expropriação” a um carro pagador em novembro de 67 e em março de 68 explodindo uma bomba no consulado americano em São Paulo. Em junho a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), formada de uma dissidência radical da Política Operária (POLOP) e dos remanescentes brizolistas do MNR,   explode uma bomba no Quartel General do II Exército. Em julho, o Comando de Libertação Nacional (COLINA), também uma dissidência da POLOC (?), faz uma equivocada execução política no Rio de Janeiro confundindo o major alemão Edward von Westernhagen,  com o major boliviano Gary Prado, tido como o matador de Che Guevara.  Em agosto a ALN faz uma nova “expropriação” ao vagão pagador do trem Santos-Jundiaí. Entre muitas outras ações realizadas em 68 por comandos revolucionários, destaca-se o julgamento e a execução pela VPR do capitão americano  Charles Chandler, no mês de outubro em São Paulo, tido, pela organização, como agente da CIA e torturador de vietcongues, no Vietnã. Assim as organizações de esquerda tomaram a ofensiva na luta revolucionária tanto nas ações com objetivos logísticos para a compra de arma e de apoio aos seus quadros  clandestinos, como nessas discutíveis execuções, ações de caráter político retaliatórias que não tiveram os efeitos publicitários que buscavam. Os seqüestros, contudo, que tiveram início em setembro de 69 com o embaixador Elbrick, eram ações políticas inteligentes e justificáveis para libertar prisioneiros barbaramente torturados. Neste sentido a conotação que o Regime  dava para o termo terrorismo ao referir-se às ações políticas de sobrevivência da esquerda revolucionária era um eufemismo se comparada com os planos diabólicos da Ditadura. O caso Para-Sar, em 68, já prenunciava o que seria a dimensão da tortura e das execuções, com requintes de crueldade,  perpetradas  pelos  órgãos de segurança em todo o país.

.         Outras bandeiras de luta:
          No amplo contexto deste enfrentamento com a Ditadura muitas outras bandeiras foram levantadas. No plano sindical a mobilização popular começa a mostrar a sua cara em abril de 68 com a greve de Contagem, em Minas Gerais e em maio em São Bernardo do Campo. O grande destaque, contudo, foi dado pela greve de 1º de maio em Osasco, que mobilizou operários, camponeses, estudantes e intelectuais. Os metalúrgicos tomaram a fabrica que depois foi invadida pelo exército e os trabalhadores presos.
          No plano cultural, a partir de julho o alvo da Ditadura passa a ser a atividade teatral, ainda traumatizada com o desmantelamento, em 64, do Centro Popular de Cultura (CPC). O questionamento político, através da dramaturgia se recuperava gradativamente.  Lembro-me que, em meados de 65,  assisti aqui em Curitiba a peça “Liberdade, Liberdade”. Escrita por Millôr Fernandes e montada pelo grupo Opinião, sob a direção de Flávio Rangel, o espetáculo era protagonizado por Paulo Autrán e Tereza Raquel. Com ela se inaugura o teatro de resistência, dramatizando um apanhado de textos retirados da Literatura universal sobre o tema Liberdade onde os atores representavam uma postura explícita de enfrentamento com a Ditadura.
          Assim, nessa linha  de questionamentos o cinema empunha também sua bandeira ideológica e o filme “Terra em Transe” de Glauber Rocha, propõe, hipoteticamente, as duas saídas para a tomada do poder: ou pela lenta organização política das massas, proposta pelo Partidão ou através da luta armada, segundo a Teoria do Foco. Já o propósito do teatro era despertar, a qualquer preço, a consciência política da platéia, como fizera, com irreverente dramaticidade, na apresentação de Roda Viva, em São Paulo. No ritmo dessa saudável disputa, a musica popular deixou um rastro de luminosa  beleza nas composições de Chico Buarque e sobretudo de Geraldo Vandré, com quem a nação inteira cantou  “Caminhando” e “Pra não dizer que não falei de flores”. A nota dissonante nesse engajamento foi dada pelos efeitos anarquistas, e da nascente alti-cultura que os versos de Allen Ginsberg e a prosa rebelde  de Jack Kerouac, — os pais intelectuais da Beat Generation — por certo deixaram em parte daquela geração musical, levando a consciência política da juventude de 68, a proibir, com suas vaias, no festival da canção, a música  “É proibido proibir”, de Caetano Veloso.

A reação do regime a todo este desafiante fenômeno cultural começa em julho com a participação do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) depredando o teatro e espancando os atores da peça Roda-viva  em São Paulo. Posteriormente houve o atentado à peça O burguês fidalgo e a explosão do Teatro Opinião, no Rio. Em outubro, um comando de oficiais do Centro de Informações do Exército lançam uma bomba na Editora Civilização Brasileira, dirigida por Ênio Silveira, e que naquele ano publicava  um livro por dia, com ênfase para grandes escritores de esquerda como Nelson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe, Isaac Deutscher, George Lukács,  Antônio Gramsci, e outros, cujas obras  — para ficarmos apenas nas editadas pela Civilização  — estiveram na formação da cultura política de toda uma geração.

          O Ato Institucional nº 5:
          Naqueles 2 de setembro, logo após a pancadaria, invasão e prisão de estudantes na Universidade de Brasília pela P.M. e pelo DOPS, o deputado carioca Marcio Moreira Alves, fazendo coro com outros parlamentares, denunciou com veemência, no Congresso, a verdadeira operação de guerra usada contra os universitários. Convocou, com seu discurso, os brasileiros a não participar dos festejos de 7 de setembro como um “boicote ao militarismo” e, num rasgo extravagante de eloqüência perguntou:  Até quando o Exército será o valhacouto de torturadores?.  A frase que passou quase despercebida pelos seus pares e não teve nenhum destaque da imprensa nacional, provocou, posteriormente, profundos ressentimentos entre os militares. A partir daí começou a fermentar aquele prato cheio que os radicais do Regime estavam esperando como pretexto para oficializar a repressão. Enfim, a despeito da sua boa intenção, o seu discurso gerou o mais grave fato político de 68 e a maior crise institucional na história da Ditadura.  Mas quem era afinal o pivô  da crise que levou ao AI-5? Marcio Moreira Alves, descendente dos Mello Franco, fizera brilhante carreira como jornalista do Correio da Manhã, trincheira ideológica de onde se esgrimiam contra o Regime Militar os afiados artigos de Paulo Francis,  Otto Maria Carpeaux, Antônio Callado, Carlos Heitor Cony, Hermano Alves e dele próprio. Em 66 publicou o livro Torturas e Torturados, denunciando, com farta documentação, as torturas e as inomináveis injustiças que se cometeram nos primeiros meses após o golpe de 64.
Com base na ofensa que o discurso de Marcio causara nas Formas Armadas, forças estranhas e inconfessáveis passaram a atuar para precipitar a radicalização do Regime. À medida que o ano terminava se fechava o cerco sobre o próprio Congresso, e por trás desse impasse estava o Ministro da Justiça, Gama e Silva – que, embora não atuasse à sombra do poder, pelos seus insidiosos conselhos ao Presidente Costa e Silva, era a  eminência parda do Regime, na época.
E assim, em fins de novembro, o pedido para condenar Marcio, já passara pelo Supremo, mas encontrava a resistência dos próprios parlamentares governistas na Comissão de Constituição e Justiça. No dia 10 de dezembro o insuspeitável deputado governista Djalma Marinho, presidente daquela Comissão e amigo leal de Costa e Silva, vai à tribuna, renuncia à presidência e, em seu discurso, citando Calderón de la Barca, diz com todas as letras: “Ao rei, tudo; menos a honra”. Este foi um dos raros gestos de honra política na nossa história  parlamentar  —  numa época ainda sem fisiologismo, pró-labore mensal e varejo do voto — e o aval que muitos deputados da Arena precisavam para  derrotar o próprio governo. Na tarde de 12 de dezembro o pedido foi negado por ampla maioria e, no dia seguinte, uma sexta-feira 13 de um ano bisexto, foi promulgado o Ato Institucional nº 5.

           A Repressão:
          O AI-5 levou à prisão centenas de pessoas no país inteiro. Políticos como JK e Carlos Lacerda; juristas como Heleno Fragoso e Sobral Pinto, preso em Goiânia, aos 75 anos de idade; intelectuais como Antônio Callado, Ênio Silveira,  Paulo Francis, Carlos Heitor Cony, Glauber Rocha, Millôr Fernandes,  e muitos outros.
Aqui no Paraná, e particularmente em Curitiba, não foi diferente. O Coronel Bianco  pôs todo o seu pessoal na rua em busca dos subversivos. O golpe, no golpe, quatro dias depois, atingiu em cheio uma reunião regional da UNE, realizada na chamada Chácara do Alemão, no bairro Boqueirão, em 17 de dezembro. Foram presos 42 estudantes e entre eles o cearense João de Paula, um sobrevivente da UNE que não foi a Ibiúna. Caíram também Berto Luiz Curvo, presidente da União Paranaense de Estudantes (UPE), Vitório Sorotiuk, presidente do  Diretório Central dos Estudantes(DCE), João Bonifácio Cabral Junior, do Diretório de Direito da PUC, e outros dirigentes.  Todos foram condenados pela Auditoria da 5ª Região Militar, a 2 e 4 anos de prisão.
Entre os militantes um dos primeiros a cair foi Aluísio Palmar, do MR-8, que em 2005 publicou o livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos” , relatando o trágico destino que teve o grupo guerrilheiro de Onofre Pinto, traído e executado ao entrar em Foz do Iguaçu, em 1974. Oriundo do primeiro MR-8, de Niterói, Aluizio desmobilizava as bases da organização no Oeste do Paraná, quando foi preso em abril de 69. Depois dele caíram mais quatro na região e os demais em Curitiba e no Rio.
 Enfim, por aqui  foi um corre-corre geral. O autor destas linhas deixou o país em março de 69. Seu poema “Saudação a Che Guevara”, pregando a luta armada e panfletado antes do AI-5, foi parar no DOPS, nas mãos do Coronel Bianco. Ninguém mais sabia de ninguém. Os que não foram presos, se esconderam ou fugiram. Daquela turma de Curitiba  muitos nos reencontraríamos anos depois e longe daqui. Só fui rever o Vitório Sorotiuk e o Luiz Felipe Ribeiro, companheiros de Direito da Federal, no Chile socialista de Salvador Allende, em abril de 72,  naquela bela Santiago, florida de revolucionários.

          O AI-5 sufocou os últimos suspiros da democracia. Fechou o Congresso, rasgou a Constituição, amordaçou a imprensa, suspendeu o hábeas corpus, cassou políticos, demitiu funcionários, transferiu e reformou militares, foi enchendo as prisões e abrindo os caminhos do anonimato, os becos da cladestinidade e a via crucis da perseguição, da incomunicabilidade, da tortura, do desaparecimento e da morte. Fora deste contexto a vida do povo corria normalmente. Sem uma visão crítica do processo histórico tudo fluía sem maiores questionamentos. “A massa não pensa” como dizia Gustave Le Bon. Estávamos às vésperas do carnaval de 69,  a Copa de 70 estava a caminho e a televisão se instalando no país. Cada cidadão tinha o seu dia-a-dia: alienado ou engajado. Era, por outro lado, também tudo aquilo que Jamil Snege retratou no seu grande livro “Tempo Sujo” publicado naquele ano. Quarenta anos depois, muitos de nós que testemunhamos tantos fatos, podemos afirmar que 1968 foi o ano que tatuou nossas almas com as tintas luminosas da paixão revolucionária e com as cicatrizes indeléveis da perplexidade, do pânico e do sofrimento. Hoje aqui viemos, alegres por podermos partilhar nossas lembranças, por ainda preservarmos nossos sonhos e estender, com estas palavras, nossas mãos solidárias aos sobreviventes de tantas trincheiras. Mas estamos aqui, também e sobretudo, para rogar a um poder maior que leve para além das fronteiras do encanto o nosso imperecível reconhecimento àqueles que nunca hesitaram em comprometer seus passos, àqueles que nos ensinaram a dizer sim-sim e não-não. Aqueles que rumaram para as estrelas para semear o amanhã. Aqueles cuja bandeira tremula nos punhos da pátria agradecida e a quem o próprio Che nos ensinou a dizer: hasta siempre.

 

LUIS CARLOS PRESTES secretário geral do PARTIDÃO (PCB), e o livro foquista de régis debray. fotos sem crédito. ilustração do site.

 

 

1ª/4ª parte: A sexta-feira sangrenta – publicada aqui:

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/04/29/1968-a-sexta-feira-sangrenta-por-manoel-de-andrade/

2ª/4ª parte: A Passeata dos Cem Mil – publicada aqui:  

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/05/1968-a-passeata-dos-cem-mil-por-manoel-de-andrade/

 

4ª/4ª parte:  As barricadas que abalaram o Mundo – publicada aqui:

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/29/as-barricadas-que-abalaram-o-mundo-por-manoel-de-andrade/

DIREITOS EM CONTRASTES poema de marcelo santos costa

Fique triste é um direito seu
falte ao trabalho
perca o controle e xingue a mãe alheia
grite da janela do carro em movimento
ignore o que não acrescentar nada
escute o que for destrutivo
seja bom , seja mau
dê lugar aos idosos
e negue à mulheres grávidas
admire os marginais
desgoste os militares
quem te deixou? ame-o
quem amou? deixe-o
faça cagadas na vida
tente, bata a cabeça, seja desobediente
teimoso, imprevisível e eclético
diferencie-se é um direito seu
Seja quadrado e circule no lugar-comum
compreenda para discordar
imcompreenda para concordar
arrote seu nome,
cuspa no chão
e reclame com quem joga papel de bala
proteja os animais e vá a churrascaria
seja contraditório e
não ouça conselhos (nem estes)
é um direito seu.

 

RUMOREJANDO por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Tinha um nariz abismal

Olhar sobrenatural

Vestia-se como no carnaval

Pressão arterial

Elevada, descomunal.

Tratava a todos mal.

Afinal,

Quem era o boçal?

O gerente da sessão de pessoal.

Constatação II

Rico determina; pobre, solicita.

Constatação III

Deu na mídia no dia 6 de dezembro de 2006: “LONDRES – Cerca de 2% dos adultos mais ricos do planeta possuem mais da metade da riqueza mundial, segundo um relatório da ONU divulgado em Londres, que reflete a grande disparidade entre ricos e pobres.

A América do Norte detém 34% da riqueza mundial; a Europa, 30%; a área Ásia-Pacífico rica, 24%; a América Latina e o Caribe, 4%; o resto da Ásia-Pacífico, 3%; a China também 3%; e a África e a Índia, 1% cada um”.

Quanto ao Brasil, relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) mostra que o nosso país ocupa apenas o 69° lugar no índice de desenvolvimento humano. A Noruega ocupa o 1º lugar. Data vênia, como diriam nossos juristas, mas Rumorejando já chegou a conclusão que a Lei do nefasto Mercado, a globalização nela atrelada e outros que tais cria essa Lei da Selva, a execrável lei do mais forte, e que esses relatórios todos se omitem de acrescentar viva “nóis”.

Constatação IV

Deu na mídia: “BRASÍLIA – O senador Jefferson Péres (PDT-AM) disse que o ministro Marco Aurélio Mello tem razão quando aponta a vantagem dos parlamentares em relação aos vencimentos que ele recebe no Supremo Tribunal Federal (STF)”, se referindo a verba indenizatória de mais R$15 mil que os parlamentares recebem”. Com relação a diferença entre ambos os salários e o salário mínimo não se ouviu nenhuma referência. Pelo menos até agora…

Constatação V

E como se lamentava, queixoso, aquele cidadão: “Esse vagabundo do meu cunhado, além de não trabalhar, vive mordendo a irmã para descolar um trocado. Morando, por instâncias insistentes da minha mulher em casa, ele come como um rei e dorme profundamente a sesta, como a irmã quando tá fazendo amor comigo. Que família!

Constatação VII

Rico admite; pobre, confessa.

Constatação VIII

Não se pode confundir dantes, que quer dizer antes, antigamente, com dentes, muito embora dantes a gente tivesse medo de ir ao dentista para tratar os dentes e agora a gente tem receio. Isso quando não tem pavor, trauma, paúra e outros epítetos, nomenclaturas, cognomes, etc. A recíproca ainda está sendo averiguada a sua existência ou não. Tão logo tenhamos a informação, por sinal de transcendental importância para o futuro da Humanidade, daremos a conhecer aos nossos prezados leitores. Aguardem, pois.

Constatação IX (Passível de mal-entendido, via pseudo-haicai).

O Papa, qual ditador, jamais

Dispôs-se a cingir-se

Aos pontos cardeais.

Constatação X

Rico desfruta a vida; pobre, sobrevive.

Constatação XI (De conselhos úteis).

Cuide para que a tua neurose não coincida com a neurose da tua companheira, pois, como é por demais sabido em matemática e eletricidade, pólos do mesmo sinal se repelem, além do perigo de curto-circuito. Cultive, pois, o uso de outras distintas. De nada!

Constatação XII (Recado gratuito aos jovens).

Livro não morde. Podem pegar pra ler.

Constatação XIII

Quando o obcecado leu: “Mídia francesa pede a Sarkozy para se comportar com a rainha” disse lá com os seus própios botões e fechos eclair: “Esse presidente francês é um obcecado mesmo”.

Constatação XIV

Aviso: Restam poucos dias para outros tantos…

Constatação XV (Quadrinha para ser recitada para o teu chefe de quem está a fim de pedir aumento do salário).

Juntei uns poucos trocados

Para minhas férias desfrutar

Elas se limitaram a dois bem-casados

Que foi tudo que deu pra pagar.

Constatação XVI (Quadrinha para ser recitada para os noivos que vêm te convidar para padrinho de seu – deles – casamento).

Quem tá pra casar

Sem ser afetuoso

É o mesmo que andar

Num caminho sinuoso.

Constatação XVII Quadrinha intitulada “Efeito colateral”, para ser lida pra quem defende intransigentemente a alopatia).

Ela gesticula

Sem nada dizer.

A “ameaça” na bula

Havia acabado de ler.

Constatação XVIII

Reconheci minha firma

Quando escrevi que a amava

Ela respondeu:

“Isso nada confirma.

Não sou tua marionete.

Você já escreveu

Pra outras sete.

E eu sou a oitava”.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

SINGELA HOMENAGEM À MÃE por jaciara carneiro

Após jantarmos, ela entoa a cantilena comum às visitas que me faz:
– Comprei mamão, laranja e manga. Você tem que comer frutas.
– Não gosto de frutas que lambuzam. A manga eu até como, mas depois de picar todinha e guardar na geladeira. O mamão tem caroço, dá trabalho pra cortar e eu tenho preguiça. Pode levar o mamão com você.

Na manhã seguinte, saio pro trabalho. No começo da tarde, ela pega o ônibus de volta pra casa.

Dia cheio, tarefas canalhas. Saio do escritório, passo na padaria, chego em casa. Abro a geladeira pra guardar algumas compras. E ali vejo um prato cheio de mamão picado, encimado por uma laranja caprichosamente descascada.

Então descubro que até um prato de mamão picado e uma laranja descascada podem ser uma prova de amor materno. E também podem fazer chorar.
 

AH! SE EU PUDESSE… autor não identificado

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido;
na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu
sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida:
só de momentos – não perca-os agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva e um pára-quedas;
se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos
e sei que estou morrendo.


A VERDADEIRA HISTÓRIA DO HOMEM PÚBICO – por alceu sperança

Havia um país em que as pessoas eram inocentes. Não havia maldade. Inexistia a aids e ninguém sabia para que serviam as partes. Os homens púbicos andavam sempre à vontade, pois não precisavam de roupas. Não esfriava, o El Niño era só o nenê de um vizinho paraguaio e assim os homens púbicos podiam passear inocentes por onde bem entendessem.

Mas sobreveio uma granizada ventosa e todo mundo sentiu aquilo ficar roxo de frio e os homens púbicos pela primeira vez sentiram vergonha. O vendaval traria a notícia de que no dia 3 ou 4 de outubro viriam as ereções. As ereções serviriam para que os homens púbicos subissem na sociedade.

Daí que depois das ereções os homens púbicos se tornariam só homens. E aqueles homens púbicos que desprezavam as ereções e só começaram a pensar em eleições se tornaram homens públicos e não pararam mais de infernizar a vida da gente até hoje.

Daí porque a bruxa Roxa, a suposta autora dessa história, filosofa com seus caldeirões e suas poções:

– Essa modernidade toda que taí só deu em mutretas e auditorias. Nós precisamos, mesmo, é de mais ereções.

 

CINCO HAICAIS de leonardo meimes

O Bêbado

 

Puro o alambique,

Trança as pernas e diz feliz:

Sabe que te amo, né?

 

 

O Marido (2)

 

A dúvida cruel é:

Fartura, ou qualidade?

Amante ou esposa?

 

O Aluno Realizado

 

Tinha vinte piá lá

Na sala e só euzinho vi

A calcinha dela…

 

O Sortudo

 

No aniversário da

Maria além de beijo, ganhou

O primeiro bolo.

 

O Íntimo

 

A plumagem macia e

O curvilíneo sabor da

Fruta da época

 

TERCETOS, NADA MAIS QUE TERCETOS por joão batista do lago

Aviso aos “haicaístas” de plantão: os versos abaixo não são, em hipóteses quaisquer, Haicai. Segundo a minha concepção são (e nada mais do que isso são) tercetos que fazem parte de um estudo poético que desenvolvo. Nestes tercetos introduzo práxis técnica e metodológica “metricamente” diferentes e contrários àqueles que são utilizados pelo haicai, ou seja, a construção do haicai compõe-se de três versos de dezessete sílabas: o primeiro e o terceiro versos são de cinco sílabas; o segundo de sete. Já nos tercetos que componho o primeiro e o terceiro versos são de sete sílabas e o segundo de cinco sílabas.

Outro aspecto que considero relevante destacar, para delimitar definitivamente a diferença dos tercetos que construo, reside no seguinte fato: o haicai, genericamente, deve concentrar pensamento poético e/ou filosófico inspirado nas mudanças que o ciclo das estações provoca no mundo concreto. Já os “meus” tercetos concentram pensamentos variados (p. ex.: filosofia, economia, sociologia, sociedade e comportamento social, religião, etc.) oriundos da concretitude do concreto da realidade, do real, da infra-estrutura (a partir de conceito filosófico marxista oriundo do “new criticism” da Escola de Frankfurt).

Para, além disso, devo destacar outro ponto que me distancia definitivamente da corrente haicaísta vernacular (até porque só entendo o haicai estruturado a partir da essencialidade vernáculo-epigramático japonês): cada vez mais a minha poética torna-se ôntico-ontológica e caminha no, assim, sentido de se amalgamar no conceito do Surracionalismo bachelardiano, sobretudo quando infere: “O exterior e o interior formam uma dialética de esquartejamento, e a geometria evidente dessa dialética nos cega tão logo a introduzimos em âmbitos metafóricos. Ela tem a nitidez crucial do ‘sim’ e do ‘não’, que tudo decide. Fazemos dela, sem o percebermos, uma base de imagem que comandam todos os pensamentos do positivo e do negativo. Os lógicos traçam círculos que se superpõem ou se excluem, e logo todas as suas regras se tornam claras. O filósofo, com o interior e o exterior, pensa o ser e o não-ser (o caso da ”minha” poética, especificamente). A metafísica mais profunda está assim enraizada numa geometria implícita, numa geometria que – queiram ou não – especializa o pensamento; se o metafísico não desenhasse, seria capaz de pensar? O aberto e o fechado são metáforas que se liga a tudo, até aos sistemas” – Gaston Bachelard in A Poética do Espaço, pp. 215 e 216.

 

* * * * *

 

I

 

Como macho repetem

Elas são assim:

Feministas, competem.

 

II

 

O capital confesso:

Homem é peça.

O mercado professa.

 

III

 

Amor só é ilusão

Reduz todo ser

À miserável prisão

 

IV

 

O cigarro vem antes

O uísque depois

Amor de um não é dois

 

V

 

A vida: só um sonho

Simples ilusão

Espera nela ponho

 

VI

 

No amor a dominação

Plena sujeição!

No processo: produção

 

VII

 

Cantai à felicidade

Diz o profeta

Imita assim ao poeta

 

VIII

 

A palavra na arte

Lavra amor e dor

Colhe o fruto sofredor

 

IX

 

Fé remove montanha

Demove do homem

Fortaleza tamanha

 

X

 

Quem canta, males espanta!

Cantai aos prantos

Desespero vos encanta

 

XI

 

A paz da guerra salva

A guerra acalma

Todo poder sem alma

 

XII

 

Visitai sempre a alma

Ela é só calma

Na diversa confusão

 

XII

 

Corpo reflexo: tempo.

Mente reflete

Toda morte presente

 

REFLEXO poema de deborah o’lins de barros

Ninguém gosta do espelho.

Em frente a eles nos vemos…

 

É na frente do espelho que

A mulher quase magra

Admira tristemente

As celulites não admitidas

E as insulta,

Como se a própria mulher

Não tivesse parte nisso.

 

É na frente do espelho que

O velho quase brocha

Raciocina friamente

Que a gostosa com quem dorme

É uma prostituta,

E não são seus lindos olhos azuis

Que a mantém perto dele.

 

É na frente do espelho que

O juiz quase honesto

Se envergonha inconscientemente

Das atrocidades absolvidas

E as ignora,

Se enganando que no juízo final

Outro juiz o julgará inocente.

 

Ninguém gosta do espelho…

Em frente a eles nos vemos.

E quando vemos que estamos com defeito

Fechamos os olhos imediatamente.

Nos envergonhamos,

Nos insultamos,

Nos avacalhamos,

Depois esquecemos, abrimos os olhos

E seguimos em frente.

 

SOBRE A POESIA – poema de marilda confortin

Mandado de busca e apreensão contra a Poesia.

Procurem nos seguintes locais:

 

No calo dos dedos dos músicos,

No quadro negro das escolas,

No fascínio quântico dos físicos,

Na placa do cego que esmola.

 

Procurem nos diários e discos rígidos,

Nos papiros, nas lápides dos túmulos,

Nas paredes dos banheiros públicos,

Nas gavetas e nos grafites dos muros.

 

Procurem nas pedras das cavernas,

Nos evangelhos apócrifos e escrituras,

Nos templos, conventos e tabernas,

Nas democracias e nas ditaduras

 

Procurem nas ruas e nos parreirais,

Nos campos de girassóis maduros,

Nos tercetos modernos e haicais,

No passado, presente e no futuro.

 

Procurem nos álbuns de fotografias,

Nos bares, museus, sebos e alcorões,

E por último, revirem todas as livrarias,

Costumam escondê-la nos porões.

ZERO OITOCENTOS (CENÁRIO DO ABSURDO) por helena sut

“Transação não autorizada.”

“Como? Tenta de novo.”

A caixa passou novamente o cartão, fitou a compradora com um olhar perdido entre o cansaço e a desconfiança, e repetiu: “Não autorizada”.

“A senhora pagou o cartão? Extrapolou o limite? Tem certeza de que a fatura…?”

A compradora pediu um telefone para entrar em contato com a central de atendimentos do banco. Apesar de todas as perguntas e dos olhares, ela estava calma, pensando que poderia se tratar de uma forma de segurança, um mal-entendido, uma poeira na tarja do cartão…

Depois de muitos dígitos, um atendente informou que a transação havia sido autorizada às 17:42:29 e que já iria constar da próxima fatura. A informação foi repassada para o vendedor, a caixa e o gerente, mas não tinha como superar o “não autorizado” do visor e a ausência de qualquer documento que assegurasse a compra. Ainda calma, a compradora pediu que fosse estornado o valor de sua fatura, mas o atendente falou que só seria possível com uma declaração, em papel timbrado da sede da loja no interior de São Paulo, com firma reconhecida, carimbos e outras formalidades, atestando que a venda fora cancelada.

“Impossível! Como cancelar uma compra que não foi realizada.” O gerente descartou a possibilidade, o vendedor repetiu, a caixa bocejou entediada…

Mas o atendente da central continuava com a voz equilibrada e com a posição firme “transação autorizada, já debitada na próxima fatura”. Não mostrou cansaço, mas jogou a bola pra frente quando forneceu outros zero oitocentos. O gerente e o vendedor se reuniram e ligaram para o telefone da central do cartão. Durante a ligação olharam para a compradora que se agitava em movimentos ansiosos. Desligaram com a afirmação: “Não foi autorizada pela instituição financeira. Motivo 5. A senhora está com problemas com o cartão.”

Se havia algum problema, era evidente que estava entre o banco e a administradora do cartão de crédito. A compradora ainda tentou mais uma vez falar com a central de atendimentos do banco, mas foi nocauteada pelas afirmações pausadas do atendente.

“Transação autorizada. Constará da próxima fatura. A senhora retira a mercadoria.”

A situação já havia perdido os limites com a razão. Como um processo kafkaniano,desdobrava-se em afirmações absurdas, olhares acusatórios e silêncios sentenciosos. O vendedor, o gerente e a caixa estavam impacientes. Já estavam cerrando as portas da loja, a venda não estava efetuada e a mulher ainda queria sobrecarregá-los com seus problemas.

“É só pegar a mercadoria. A transação foi autorizada…”

A compradora, com os olhos arregalados e a voz inconstante, mostrava sinais de estar perdendo o controle.

“Como? No tapa? Não há documento algum de compra… Eu vi no visor que a transação não fora autorizada!”

O atendente não perdeu a calma.

“A senhora que sabe como vai pegar a mercadoria… Se o estabelecimento continuar se recusando, entre no PROCON para ir atrás dos seus direitos.”

Outras ligações se sucederam e as informações contraditórias inflamavam os olhares desconfiados dos lojistas. Sem tempo para reverter a situação, com o horário comercial dos bancos e da loja expirado, a suposta compradora se rendeu ao absurdo. Saiu das lojas com as mãos vazias e com os pensamentos carregados com uma dívida que se tornou realidade na virtualidade dos sistemas. Deixou para o dia seguinte a continuidade das ligações sem solução.

Por quantos zero oitocentos deveria passar até ver o seu constrangimento sanado?

FUGA PICTÓRICA OPUS 2002 – 2 / poema de tonicato miranda

para Guilherme Magalhães Vaz

14 de Março de 2002

 

 

Coltrane, sempre ele, pinga notas na minha alma

você não conhece Curitiba, nem eu tão pouco

a cidade já me habitou como caranguejo na lama

da mesma forma como Brasília, quando era só poeira

quando a solidão das pessoas, nadava no jazz e na beira

das janelas, onde jovens de apartamento bebiam Coltrane

 

elas bebiam e cresciam em John, lançando-se à calma

janelas afora, no tapete voador da pauta do músico rouco

Brasília era assim, mais perplexidade do que trauma

cidade onde o pontilhado de um Equinox era mugido de boi

ruminante longe do sertão, próximo do que para Picasso foi

o touro, os chifres, os seios e para mim os acordes do Coltrane

 

o fraseado deixa-me triste, preso às linhas da mão na palma

solto num sertão de recordações, nas tardes de ventos loucos

onde acordes como pulsos, salpicavam-me como napalm

enquanto Vietnams sangravam pessoas, florestas e fogueiras

A morte e as guerras, tão distantes estavam das mangueiras

o último acorde do sax, mais do que música era puro Coltrane

 

morrer na lembrança todos morrem um pouco, que nos diga a Salma

vizinha do paraíso plantado no solo de um terreno, de pouco em pouco,

frases musicais volteiam-me, apalpam a alma, viram-na e salgam-na

Lembranças do Lago Norte, daquela casa, do pé de Guabirovu

das árvores plantadas no pé da minha janela e do meu olho nu

e My favourite things trina no sax passarinho, do bico de Coltrane.

 

HOMENS ATÔMICOS poema de sergio bitencourt

“HOMENS ATÔMICOS

 UNIDADES LATENTES
 ATÔNITOS VIVENTES 
 
 DANÇA ÁTOMO
 DANÇA HOMEM
 DANÇA VERSO
 DANÇA UNIVERSO
 
 DANÇA…”

POEMETO do ARREPENDIMENTO – de ubirajara passos

Não. Não é possível que a vida se me esvaia
Sem ter jamais ao campo de batalha
Arrojado-me, sequer, a perseguir ideais;
E, derrotado sem luta e sem vontade,
Veja cair-me uma a uma as máscaras
De que cobri, em atroz engano, a face,
Vivendo a iludir-me e ao mundo
Na promessa vã, hipócrita, infinda
De principiar a grandiosa jornada;
A transformar-me a vida em imensa farsa
.

 

GÍRIAS por antonio brás constante

Quem nunca disse uma gíria, que fale alguma agora ou cale-se para sempre. Calma, não estou rogando nenhuma praga, apenas querendo dizer que as gírias fazem parte de nossas vidas. Estão por toda parte, aparecendo novas expressões a todo o momento.

Tudo pode virar gíria. Elas existem assim como os apelidos para que as pessoas

possam chamar de forma diferente: objetos, fatos e outras pessoas. Que apesar de possuírem seu próprio nome, por um acaso do destino, acabam ganhando este jeito “novo” de serem chamadas e reconhecidas.

Como exemplo, podemos citar a cerveja, que no passar dos anos, foi intitulada de: loira, ceva, boa, gelada entre outras.

As gírias em geral são facilmente entendidas, pois são introduzidas gradualmente em nosso meio. Mas se por acaso pegássemos uma pessoa totalmente isolada do mundo por algumas décadas e falássemos com ela utilizando gírias, poderiam ocorrer equívocos de interpretação.

Pensem nesse indivíduo escutando que um rapaz estava “azarando” a moça na escola. Provavelmente iria imaginar que o referido jovem estava torcendo para que a tal moça tropeçasse em algo ou que estourasse a caneta no meio de seu caderno, porque para ele “azarar” seria torcer contra e não “paquerar”.

Outra gíria que poderia ser mal interpretada é o tal “toque” do celular – aliás, no meu tempo dar um toque em alguém, era dar uma dica sobre algo, para o sujeito se “tocar” sobre algum fato do qual ele não estava muito por dentro –, mas voltando ao celular, a primeira coisa que se pensaria era que os jovens andavam se “cutucando” (sabe-se lá aonde) com seus aparelhos.

Pior ainda seria se escutasse que fulano iria mandar um “torpedo” para uma “mina”. Entraria em pânico, acreditando se tratar de um ataque terrorista.

Brincadeiras à parte, as gírias servem de certa forma para personalizar o jeito como chamamos algo, deixando-o na “moda”. Chega como uma novidade, transforma-se em pronúncia corriqueira e por fim acaba no dicionário para não cair no total esquecimento.

Lista de gírias
13 – Louco
22 – Louco
24 – Homossexual. Número do veado no jogo do Bicho
38 – Arma de fogo
59 – Sigilo
69 – Posição sexual
171 – (lê-se um-sete-um) – Estelionatário ou estelionato. Derivado do artigo 171 do código penal.
Abraçar Jacaré – Se dar mal.
Alcagüete – Delator
Babado – Fofoca
Baia – Casa
Baiano – Nordestino (pejorativo usado em São Paulo)
Paraíba – Nordestino (pejorativo usado no Rio de Janeiro)
Baitola – Homossexual
Bagulho – Objetos, Maconha ou mulher feia
Bala – ótimo
Balada – Festa
Barra-pesada – Lugar perigoso
Bater uma Chepa – Comer
Soltar um Barro – Defecar
Soltar um Mijo – Urinar
Larica – fome causada pelo uso de maconha
Bebum – Alcólatra
Bicha – Homossexual
Boca-mole – Fofoqueiro
Boca-aberta – Pessoa descuidada
Boiola – Homossexual
Bolado – Preocupado, Chateado
Brega – Cafona
Bufar – Flatulência
Busão – Ônibus
Chapado – Bêbado, Drogado
Camelo – Bicicleta
Cara – Pessoa
Casca-grossa – Pessoa rústica ou corajosa
Causar – Bagunçar
Casa de força – Banheiro
Dar um Mix – Urinar
Dedo-duro – Delator
Doidinho – Indivíduo
Filar a bóia – Comer

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contribuição de ROBERTO COLLAR -Ibirá/SP

só o pó da rabióla: pessoa muito magra
chamou na xinxa: quando se chama atenção de alguém com aspereza
tá no córgo: se deu mal
to cagnd…e andando: não esta se importando
virar um pó: sair correndo
deitar o cabelo:sair correndo
estilingar:: ir rápido
trapaiada: pessoa bastante confusa, desastrada
ta na boca da dita: esta é de minha cidade, diz-se quando alguém morre, é que aqui tem um serviço de alto falantes que anuncia quando alguém faleceu.
carniça: pessoa muito chata, que não dá sossego
_pé de frango: passar alguém pra traz
mão na roda:ajuda muito boa
não vai ver  a florada da manga:DIZ-SE DE UMA PESSOA QUE APARENTA NÃO ESTAR COM BOA SAUDE.
tem coragem?:(principalmente entre os homens) pergunta que se faz quando passa alguma mulher muito bonita ou com corpo que chama a atenção…

 

OLAVO TENORIO hoje no BRDE

 

OLAVO TENÓRIO

 

A. H. Fuerstenthal

Consultor em Ciências Comportamentais

 

 

 

Este artista é um mestre de formas. Seja num móbile, num corpo de luz, numa composição de estruturas contrastantes, na simbolização de um animal, num broche, num desenho, numa pintura ou em outra coisa que ainda não fez, mas certamente fará, ele se destaca pela originalidade, pela inspiração, pela simplicidade e pela espontaneidade estética.

 

O que impressiona em Olavo é a ausência de comprometimento. É moderno só no sentido de não seguir nenhum estilo historicamente marcado: não é gótico, nem barroco, nem renascentista e muito menos expressionista ou impressionista. O seu estilo pode ser chamado de “musical”, uma vez que cada uma das suas figurações toca o espectador como se fosse um som, ou, melhor, uma harmonia que agrada os sentidos sem que se saiba exatamente o porquê.

 

Outro traço característico do Olavo é a “unidade”. A obra e a pessoa são uma e a mesma coisa, tendo a mesma elegância genuína, o mesmo alongamento, a mesma sinuosidade e significação.

 

E não é só isso. A unificação estende-se também ao meio em que vive e cria este artista. O Olavo expressa o melhor do Brasil, suas danças, seus cantos, seus sorrisos, seus abraços e sua gentileza que atrai os visitantes, apesar de desavenças sociais, desordem e insegurança.

 

Olavo tem a resposta certa para todos aqueles embaraços do meio tropical: pega a madeira, o metal, o acrílico, o cristal e raios de luz para criar um mundo de pequenos milagres, capazes de dar à pessoa sensível um impacto de beleza em plena existência cotidiana.

 

 

“O VAMPIRO” e “A SURPRESA” mini contos de raimundo rolim

O vampiro

 

O vampiro do arraial era esquisito o suficiente para não ser levado muito a sério. Todos os habitantes o sabiam propenso ao sanguessuguismo deslavado e desmedido. Ao menos achavam que era isso. Ele o era, porém não!  Alguns o justificavam mais por pena que por precisão. Dizia-se à boca miúda, que ele, o vampiro, vivia ali há séculos e mais alguns anos e que simplesmente recusava-se a abandonar a – digamos – “casca” – que escondia com altivez sombria sob um puidíssimo e paupérrimo manto negro. Um dente em cima, o outro ficava em baixo, de lado, quase atrás. Era cômico e algo idiota. Corcunda. O peso da idade o deixara com seqüelas seriíssimas. Arrastava-se inteiro para andar e embora ainda o fizesse na vertical, ia assim, meio adernado para um lado. Era corajoso, isso ninguém o negava. Cabelos ele ainda os possuía, aos tufos, longos e amassados; jamais o vento bulia-os, (imexíveis que eram). Os olhos de um vermelho azinavrado, dependuravam-se nas órbitas desmesuradas e escuras. As mãos eram indecifráveis posto que translúcidas e esqueléticas. Não sabiam ao certo como vivia aquele homem, já que nunca o viram mastigar ou ruminar, nem pensamentos.  Alguns disputavam que o mesmo vivia de ar. Outros que não; que os o espíritos dos antepassados vampiros o alimentava. Havia total desconhecimento. Com ninguém ele falava e nem coisa com coisa. Lendas diziam que lá, naquele lugar, habitavam outros iguais a ele e que eram invisíveis e eram esses tais que o encorajava a continuar, transferindo-lhe todo o know-how de que carecia para sobreviver séculos seculorum. Oras! Como aquele pobre diabo poderia ser um vampiro? O habitante mais antigo já lhe sabia as façanhas e que a tal criatura lá existia desde sempre, quando chegaram as primeiras caravanas a tomar posse de terras. Por mais que o seguissem, jamais descobriram onde o mesmo morava. Pois em dado momento, ele desaparecia e no outro canto do arraial, lá estava ele, sem nunca se cansar! Nem arfar! Mas, por que então o chamavam vampiro? Ninguém o sabia, assim chamavam e assim ficou! Mesmo com sol a pino ele perambulava e isto o diferenciava muito mais, até em demasia! Dizia-se que um marceneiro havia confeccionado ardilosos crucifixos e afiadas estacas de madeira e os deitava ao longo do caminho, mas que na hora agá, o vampiro desviava-se como que teleguiado. As crianças tinham certo cuidado e recomendações paternas especiais, para que jamais se deixassem ficar em rota de colisão com aquele azarento, que a bem da verdade, a ninguém incomodava, (o que tirava das autoridades o direito de perturbá-lo ou exigir-lhe pagamento de impostos ou coisas do gênero). Aquilo tudo seguiria sem fim, não fosse um belo dia, o gaguinho local, entre um soluço e outro, ter conseguido finalmente articular palavras (e falava num e só fôlego para não patinar nas letras) e disse que vira finalmente a criatura extrair de um frasco, uma substância que carregava num alforje dependurado na altura das costas e que levara a mão à boca e que engolira sem mastigar. E que o odor característico que sentira, assemelhava-se a um tempero bem conhecido. Alho, alho, alho, (repetia sôfrego e sem parar o gaguinho), alho puro! O vampiro encara alho ! Disse esta última lasca de frase e voltou a gaguejar imediatamente. Oras! E daí? Era a sua única ração (do vampiro)! A sua última razão (do vampiro). Era ele um vampiro à moda da casa! E daí? O vampiro encara alho! E daí?

 

 

 

A surpresa

 

A noiva da cidade, já entrada em anos, era das cercanias o folclore. Excursões eram organizadas para que conhecessem a dita cuja. Fugira-lhe de há muito a beleza, assim como todo e qualquer atrativo que fizesse homem com pingo de juízo, se aproximar. Não mais existia a graça, o esplendor. Sepultados estavam o brilho e os traços de delicadeza. Não havia expressão naquele corpo por baixo do eterno vestido (da qual a mesma não se livrava nem para os banhos, e havia muitos que apostavam que ela nunca mais os tomara), desde que fora deixada na porta da capela pelo noivo – um vaqueiro desalmado – num domingo de sol, sem piedade nem consideração. O véu, a grinalda, a guirlanda… (como ela chamava aquilo), enfeitada de flores de plástico, tão antinaturais que já beiravam a comicidade pura e simples. De algumas das flores, restavam apenas a haste torta e pardacenta, com o arame à mostra. Ainda assim, ela os acomodava com certa vaidade, no alto da cabeça, bem como todo o seu vestuário, transformado em andrajos, que a rigor, já nem trajava nem desnudava. Era um misto de ser e não ser, o princípio da contradição estabelecido numa única e singular pessoa. Um mistério, um milagre! O pároco local já tentara com água benta e modos medievos exorcizar o que quer que fosse que tomava o lugar daquele cérebro, e óbvio, nada acontecia! Era ela inexpugnável ! Carregava ainda nas mãos sempre trêmulas, o mesmo buquê que não jogara para trás, por cima da cabeça, para que outras casadoiras o pegassem. Era tudo dela. Vivia assim, sem denodo nem pecado. Juravam que ela não mais tinha alma, nem espírito nem sangue, nem princípio e nem fim. E claro, era um desafio para a inteligência mais aguçada e a ciência da psicologia e parapsicologia se desfiguraria nos seus postulados mais elementares se tentasse se inclinar sobre tudo aquilo do que se dizia sobre a noiva da cidade. Uns tinham vontade de jogar pedra, outros faziam o sinal da cruz à sua passagem. Risinhos e lágrimas se confundiam no rosto das pessoas que achavam ter o privilégio de vê-la passar pelas manhãs, aos domingos, como que a procura de algo que jamais se soube o que era. Ela, a noiva, a danada e sem banho, o sabia. Só ela. Ninguém a cumprimentava, mesmo porque, não havia retorno. Um dia, ela apareceu nua. Isto, nuazinha. Em pelo! Deslindara-se dos andrajos de nubente que a acompanhara desde o dia fatídico. Aí sim, o motivo de tanta estranheza fora imediatamente compreendido, e toda a cidade, toda, fez vários e muitos ohs !!! A noiva da cidade apiedara-se finalmente da curiosidade e angústia alheias e resolveu num último lampejo de serenidade dar-se a conhecer. Com um pequeníssimo pênis à mostra, que quase desaparecia entre tufos de pelos descolorados e ralos, desatou-se a rir. E riu-se, riu-se tanto que toda a cidade se pôs a rir. Até o sacristão, por não mais agüentar de tanto rir, foi tocar os sinos para aumentar o alarido. Era veramente ela, a noiva desapiedada, um “fofo” de colhões e espada. E assim cruzou a rua principal (sua via menos crucis) na mais espetacular procissão de uma só pessoa. Embrenhou-se na estrada de pó, assim, daquele jeito, puro e casto, a rir-se. Da cidade. De si !

 

CANÇÃO DA PRAIA poema de nelson padrella

Abertos os braços da alma, recebo-te em júbilo.

Somos um os dois, amante e noivo.

Ao teu encontro vou como à rocha o mar.

Espuma e véu e sal, azul e ar.

 

Correm cristais de luz por teus cabelos.

Voam em bandos sutis borboletas.

A solidão é assim o mar que bate

e regressa vencido para marrar outra vez.

 

Fecho os braços da alma em torno de mim.

Caem nuvens fechadas sobre o mar escuro.

Somos dois, agora, amante e noivo,

que se separam como o oceano inventa marés.

 

Na amplidão o gozo de saber-te luz,

os prazerosos ontens sepultados.

Cai uma chuva de pétalas de rosas

e eu mergulho no poço de rãs e musgos.

 

Há um prego na memória enferrujando datas.

Tesouros de desejos entre paixes náufragos.

Nada resta agora se é tudo só espaço,

apenas o espaço de uma praia esquecida.

PONTO DE VISTA por mônica caetano

SER. Sujeito da ação?
Homens.
Mulheres.
PESSOAS.

SOMOS SERES SOCIAIS DOTADOS DE SUBJETIVIDADE.
TEMOS, NO COTIDIANO, A EXPRESSÃO PLURAL DA SUBJETIVIDADE HUMANA.
SOMOS SERES SOCIAIS!!

A Lei coexiste na subjetividade.
As leis precisam acolher àqueles aos quais limitam.
São necessárias ao indivíduo enquanto norteadoras, mas, jamais podem levar à exclusão do SER!!

Povo Brasileiro,
a realidade vivida,
a expressão da verdade,
a manipulação instituída,
Angústia diária.
À margem da escolha alheia,
inexiste o Sujeito da Ação!!!
Carência de oportunidade em assumir-se a própria escolha.

“Não é preciso encontrar outros caminhos; precisa-se, sim, descobrir a nova forma de caminhar!
Aquela que ,efetivamente, realiza a mudança.”
Mudança,
Mudança de postura,
Mudança de compreensão e de dimensão na análise,
Mudança de “lugar”.
Posicionamento ativo, dinâmico, conjunto, participativo, engajador e construtivo para a evolução ,
abandonando definitivamente a mera repetição.

Precisamos assumir a fala original , abandonando as expressões segundas.
Resgatar a Fala autêntica!!!

A Democracia precisa que a autorizemos vir à Luz.
Nós, mães desta filha que não consegue nascer e agoniza já hoje dentro do ventre destes brasileiros que não encontram em si a possibilidade de autorizarem-se a dar à luz a esta filha singular e especial que é parte de seus pais e que não deve ocupar apenas uma lembrança de Desejo de existir!!!
Somos gestantes da FILHA Democracia, mas,

 precisamos autorizar-nos a deixá-la existir!

Permitamos que no resgate da fala autêntica coexistam o gênero, um ao outro complementariamente, sendo assim plenos de compreensão enquanto necessários a existência da Democracia!!!

 

MICHAEL LÖWI entrevistado por sandra silva

“Enterrar o marxismo é prematuro”

 

O cientista social Michael Löwy, que vive em Paris há 30 anos, veio ao Brasil para o lançamento de O Marxismo na América Latina, que foi organizado por ele. A publicação é da Editora Fundação Perseu Abramo. Mais do que um conjunto de textos com a antologia dessa corrente de pensamento desde 1909 até os dias atuais, Löwy quer mostrar que nem a Teologia da Libertação, nem o marxismo morreram na América Latina, apesar de o socialista lamentar a migração de marxistas para o neoliberalismo, como o ilustre presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que Löwy fez questão de citar.

 

A fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) por exemplo, teve alguma inspiração marxista, segundo o cientista social. O Movimento dos Sem Terra (MST), que surgiu a partir das Pastorais da Terra – ligadas à Igreja Católica – também tem forte cunho socialista, por conta da influência da Teologia da Libertação, ou do cristianismo de libertação, como Löwy gosta de chamar o movimento.

 

O cientista recebeu o JORNAL DO BRASIL na casa de seus tios, que o hospedam em São Paulo. Apesar do frio, o cientista fez questão de sentar na varanda para aproveitar o sol da manhã de outono. Ele tem 61 anos, nasceu em São Paulo, e formou-se em Ciências Sociais na USP. Participou da fundação da organização Política Operária (Polop) e fez doutorado na Sorbonne, defendendo tese sobre o jovem Marx.

 

Löwy é autor de livros e artigos traduzidos em 22 idiomas. Atualmente, trabalha como diretor de pesquisas no Centre national de la Recherche Scientifique, em Paris, onde também faz parte do PT.

 

O senhor indentificou três fases do marxismo na América Latina. A revolucionária, a com fortes tendências stalinistas e uma terceira, também com vocação revolucionária. Pode-se afirmar que a última etapa é a de maior amadurecimento?
O primeiro período é o mais fértil, do ponto de vista intelectual. Porque nessa época é que aparece José Carlos Mariátegui, o pensador mais criativo do marxismo, mas que é pouco conhecido no Brasil. O último período não pode ser considerado como o mais maduro, porque havia uma espécie de ilusão na estratégia guerrilheira de que bastava simplesmente imitar os cubanos na revolução. Quase todos os países da América Latina fizeram isso, a própria tentativa de Che Guevara, na Bolívia, foi inspirada por essa idéia. Mas a revolução só deu certo em países com estrutura social semelhante a de Cuba, como a Nicarágua, com a revolução sandinista.

 

Por que a insurreição salvadorenha, em 1932, foi a única conduzida por comunistas na América Latina?
Nos anos 20, os partidos revolucionários ainda eram fracos, não tinham conseguido se desenvolver na maior parte dos países. Então, não havia condições para que um deles tivesse um papel dirigente em larga escala. A exceção mesmo foi em El Salvador, onde embora o partido também fosse recente, conseguiu ganhar uma base social ampla. O que ocorreu foi um verdadeiro levante de massas. Outra particularidade é que a Internacional Comunista não participou desse levante. Isso garantia maior liberdade às ações do partido comunista em El Salvador. Já quando Stalin assumiu o poder, houve a busca da aliança com a burguesia nacional, o que paralisou os partidos e burocratizou-os. A partir daí, nos anos 30, cada vez mais os partidos perderam seu papel revolucionário e começaram a fazer greves e a lutar por melhores condições de trabalho.

 

Durante a era stalinista houve a revolta dos militares em 1935, no Brasil. Como o senhor analisa isso?
O levante de 1935 foi um caso especial porque foi ambivalente, já que não havia uma base de massas populares. Uma das ilusões era a de que a burguesia apoiaria o movimento, que era centrado nos militares, com Carlos Prestes. Só no Nordeste, em Natal, houve participação popular, mas nada comparado com o que houve em El Salvador. Mas depois disso, não houve mais nada parecido porque o stalinismo realmente enquadrou os partidos.

 

O que faltou para que acontecesse uma revolução socialista mais amadurecida na América Latina?
Depois da revolução cubana houve uma efervescência social e política, mas a maior parte dos países não conseguiu organizar as classes subalternas. A militância ficou apenas entre intelectuais, estudantes e camponeses. Quem conseguiu realmente organizar os pobres foram os cristãos. A insurreição em El Salvador só deu certo porque havia o apoio cristão. Na Guatemala por exemplo, era o partido comunista quem dirigia a revolução, mas havia confiança total nas Forças Armadas. O PC achava que o exército daria as armas ao povo, mas os militares acabaram traindo a confiança dos comunistas, com a justificativa de que, na verdade, deveriam defender a pátria. Foi um erro trágico.

 

Pode-se falar na morte da Teologia da Libertação na América Latina, com o atual resgate do evangelismo e crescimento de igrejas pentecostais?
São prematuros os anúncios da morte da Teologia da Libertação, porque a terceira e quarta gerações que tiveram essa formação não vão recuar. A Teologia da Libertação continua para os cristãos, porque o muro da pobreza não caiu. Nos últimos 10 anos, cada vez que há um movimento social ou político na América Latina, você encontra forte presença da Teologia da Libertação, como no MST por exemplo. Seus dirigente vieram das comunidades de base, de pastorais da terra. Apesar disso, quiseram criar uma autonomia em relação à Igreja Católica. O movimento Zapatista, em Chiapas, também vem da conscientização das comunidades indígenas, que foi feita por Dom Samuel Ruiz. Os surtos evangélicos pentecostais que existem atualmente são apenas resultado da orientação conservadora do Vaticano, que combateu as comunidades de base e deu espaço para os carismáticos. Da mesma forma, é outro enterro prematuro o do marxismo. Quando houve a queda do muro de Berlim, muitos acharam que significaria também a queda do marxismo. Mas os sistemas em vigor na Tchecoslováquia e na URSS já eram uma caricatura burocrática do regime. A impulsão do marxismo não vinha daí há muito tempo. Mas quem se formou pelo modelo soviético ficou muito abalado. O que sobrou do Partido Comunista no Brasil não é muito brilhante. A queda do muro ocorreu bem em cima dos comunistas brasileiros. Quem conseguiu se desvincular e não tinha a China, nem a Albânia ou a URSS como modelo, continua ativo. Eu acho que o marxismo vai desenvolver-se, libertado do peso da história que foi o stanilismo. A própria fundação do PT teve alguma inspiração marxista.

 

O MST no Brasil tem vocação revolucionária?
Sua vocação revolucionária é a de realizar a reforma agrária. O que, no Brasil, é quase uma revolução, porque a classe dos latinfundiários controla há muitos séculos a terra. O MST é a ponta avançada de um movimento social contra o neoliberalismo.

 

E como o senhor analisa a situação do movimento sindical brasileiro, que tem sofrido com o desemprego e com a crise econômica?
É um momento muito difícil para o movimento sindical mundial, porque essa ofensiva neoliberal não é fácil de ser enfrentada. Mas é difícil separar a luta pelo emprego da batalha pelas outras conquistas trabalhistas. Na Europa está ficando cada vez mais claro que a manutenção do emprego passa pela redução da jornada. O próprio governo francês reduziu a jornada semanal para 35 horas. A lógica do desenvolvimento do capitalismo cada vez marginaliza a força de trabalho. Quanto mais o empresário elimina empregados, mais as cotações da empresa na bolsa sobem. O capitalismo acha que não precisa de mão-de-obra, algum dia a mão-de-obra vai chegar à conclusão de que não precisará do capitalismo. E não tem 35 saídas, a saída é o socialismo.

 

O que mudou em Cuba, desde a palavra de ordem “Wall Street dever ser destruída”, de Julio Antonio Mella, passando pela Revolução Cubana, até os dias de hoje?
Julio Antonio foi fundador do partido comunista. Mas com o stalinismo, o partido comunista cubano foi degradando-se. E não foi à toa que a Revolução Cubana não foi feita pelo partido, mas pelo movimento 26 de Julho. A Revolução Cubana foi a virada na história na América Latina. Até 1968, a revolução representou uma tentativa original de busca ao socialismo, com críticas ao modelo soviético. Mas a partir de 1968 houve uma adesão ao socialismo soviético, o que custou muito caro. Porque ocorreu a perda de autenticidade e substância democrática. Houve um processo de dependência político-ideológica e econômica muito grande da URSS. Hoje, lógico, há uma crise. Mas diferentemente do que aconteceu na Romênia, que caiu como um castelo de cartas quando o muro caiu, existe em Cuba um apoio da população. Cuba não quer voltar a ser um prostíbulo dos Estados Unidos, uma colônia americana. Hoje Fidel Castro tem uma saúde frágil, mas essa dependência excessiva de um líder é perigosa, tem de haver a substituição desse caudilho revolucionário por uma democracia socialista.

 

O POETA poema de mario oliveira

O Poeta.

O Poeta é um ser diferente,

O mundo do poeta é diferente do mundo da gente,

O poeta idealiza um mundo, venturoso e fecundo,

E vive lá para sempre.

 

Em versos forma palavra, em cada fala uma rima,

O Poeta sente o sabor em cada verso de amor.

Somente o poeta interpreta o esplendor da alma feminina,

 

O poeta é um criador, que sabe transformar em verso,

Das belezas do universo, faz um paraíso em flor,

O poeta anda sozinho recitando pelos caminhos,

Seus poemas de amor.

 

O Poeta é um construtor,

 De versos de amor e palavras bonitas,

Só ele no seu repente alegra a alma da gente,

Com palavras que nunca antes foram ditas.

 

 O Poeta dribla a tristeza em seu jeito de viver.

O poeta contempla a beleza onde outro olho não vê.

Somente o Poeta sabe o que lhe vai pela mente,

O Poeta sente saudade mesmo estando presente.

 

O homem necessita um castelo para sua propriedade,

Precisa muito poder para afagar sua vaidade

Para o Poeta o mundo é belo, tendo saúde e amizade,

Se contenta com os farelos da esperança e da saudade.

 

O Poeta mente para o seu coração,

Dizendo em sua imaginação, que todas as mulheres são suas,

Embora nem uma possa tê-la,

O poeta é apenas amigo da lua e namorado das estrelas.

 

 

TAUTOLOGIA, VOCÊ SABE O QUE É? por mari frança

Você sabe o que  é tautologia?É o termo usado para definir um dos vícios de linguagem. Consiste na repetição de uma idéia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.

O exemplo clássico é o famoso ‘subir para cima’ ou o ‘descer para baixo’. Mas há outros, como você poderá ver na lista a seguir:

– elo de ligação
– acabamento final
– certeza absoluta
– quantia exata
– nos dias 8, 9 e 10, inclusive
– juntamente com
expressamente  proibido
– em duas metades iguais
– sintomas indicativos
– há anos atrás
– vereador da cidade
outra alternativa
– detalhes minuciosos
– a razão é porque
– anexo junto à carta
– de sua livre escolha
– superávit positivo
todos foram unânimes
– conviver junto
– fato real
– encarar de frente
– multidão de pessoas
– amanhecer o dia
– criação nova
– retornar de novo
– empréstimo temporário
– surpresa inesperada
– escolha opcional
– planejar antecipadamente
– abertura inaugural
continua a permanecer
– a última versão definitiva
possivelmente poderá ocorrer
– comparecer em pessoa
– gritar bem alto
– propriedade característica
demasiadamente excessivo
– a seu critério pessoal
– exceder em muito

Note que todas essas repetições são dispensáveis. Por exemplo: ‘surpresa inesperada’.  Existe alguma surpresa esperada?
É óbvio que não. Devemos evitar o uso das repetições desnecessárias. Fique atento às expressões que utiliza no seu dia-a-dia.
Verifique se não está caindo nesta armadilha.

Gostou?

Repasse para os amigos amantes da língua portuguesa.

 

 

abraços,

Mari

 

ESCOMBROS poema de jorge barbosa filho

derrubo as paredes das palavras

para beber o ar e o sol

e tomar um porre com o tempo

sendo a fala a ginga

o vento olhar de farol

eu trago o sotaque

de todos os lugares

e de lugar nenhum

eu fumo os horizontes

e bato as cinzas

na língua das nuvens.

 

eu chovo, eu relampejo

inundo e fulmino

precipito rumo ao abismo

e meu verso é um risco

não começo, não acabo

desabo acima de tudo e de todos

se no meu verbo eu não caibo

não espero, não paro

meu poema é um grito

veloz de meus  remorsos

e para o nosso assombro

encontrei seus olhos perdidos

nestes escombros.

Pífio – monólogos dos psicotrópicos que não fazem mais efeito – por luiz felipe leprevost

Eu amava uma guria. Amava tanto que queria chegar na alma dela. Eu queria tocar a alma dela, apertar assim que nem as crianças fazem com os cãezinhos que ainda são filhotes. Eu queria pra mim aquela alma. Queria por na boca e deixar derreter que nem chocolate. Queria sentir o bafio de cada poro da sua pele. Acontece que a guria tava um pouco suja. Tinha que limpar ela. Então peguei minha escova de dente. E comecei a escovar a sujeira. Braços, costas, coxas, ventre, tudo. Até que ela ficou bem lisinha. Só que naquela lisura de mulher depilada pela Depil House não econtrei a alma dela. Continuei esfregando, sabia que a alma podia estar na pele, já que dali exalava um cheiro tão bom. Tão bom que só podia mesmo ser uma fragrância almal, que nem aquela perseguida pelo botânico de O Perfume. Mas acabou que constatei que não, a alma não estava em sua pele. Aquela menina já sem pêlo, aquela que não precisaria mais se depilar. Então continuei esfregando, esfregando, esfregando, até que cheguei na carne. Sim, ela estava em carne-viva. Aí achei que tava bom, porque todo  mundo sabe que o amor deixa a gente em carne viva. E que é deveras provável que a alma das mulheres se revele ali no sangue, na chaga, no fogo, na queimadura. Mas não era nada disso, droga, pura ilusão de românticos bobalhões. Por isso continuei esfregando, agora com mais afinco, ainda mais, digamos, obsessivo. Se até então não tinha encontrado a alma da minha guriazinha era porque a lazarenta se esconde lá no lugar mais entranhado do ser humano. E já que era daquele jeito, então que fosse daquele jeito. Que jeito? De jeito nenhum. Pois bem, vamos cair fundo, baibe, pensei. Foi o que pensei, embora já com poucas forças me restando. Eis que súbito me dei conta que só havia osso. (Sombrio) Osso, osso, osso e mais nada. Lá estava eu polindo a caveira da minha amada. E nem mesmo ali, nem na medula, nem nas costelas que outrora foram, talvez, as próprias costelas de Adão. Nem ali havia alma. O que fazer? Não havia outra alternativa, restava-me apenas prosseguir. E eu prossegui. Eu tinha que achar o que procurava. Então continuei obstinado a esfregar a escovinha de dente. Esfreguei, esfreguei, esfreguei, Deus sabe o quanto esfreguei. Até que os ossos foram ficando lisinhos, fininhos, foram se rompendo, quebrando, virando poeira… Poeira na brisa que parecia soprar: Nada… nada… naadaa… naaaad…

 

 

ENGANO, HORA POÉTICA, ERRO e OUTRA DÚVIDA poemas de eunice arruda

ENGANO

Não
isto ainda
não
é a
paz

É o silêncio da vida

 

 

 

 

HORA POÉTICA

Para esquecer esta
dor

– transformá-la em poesia

Para eternizar esta
dor

– transformá-la em poesia

 

 

 

 

 

ERRO

Edifiquei minha
casa sobre a
areia

Todo dia recomeço

 

 

 

 

OUTRA DÚVIDA

Não sei se é
amor

ou

minha vida que pede
socorro

 

SEGREDOS OCULTOS por elisa bastos

O homem ali parado observava o céu, a terra e o mar; queria saber onde eles se encontravam; percebeu que se uniam no horizonte do horizonte. È muito além do que os olhos humanos podem enxergar… ele, porém, era especial! não era um extraterrestre nem um anjo, era um ser humano normal apenas com uma deficiência visual.

 Desde pequeno não podia enxergar nada, por causa disso era excluído das brincadeiras, das conversas e não tinha amigos. Passaram-se os anos, ele tornou-se um homem esbelto e charmoso, muitas mulheres viviam a sonhar com ele.

 Apesar de não poder enxergar, podia ver com as mãos as curvas do corpo e do rosto das mulheres com as quais namorava, podia sentir o cheiro dos perfumes mais discretos, podia ouvir as vozes aveludadas e belas que as mulheres tinham, podia sentir o gosto da comida por mais fraca que fosse.

 Comigo não foi diferente  e acabei me apaixonando por ele; vivi muito tempo na ilusão de poder tê-lo, até que um dia essa ilusão se tornou realidade. Como muitos esperavam não vivemos felizes para sempre e sim o que tinha que durar, durante esse tempo fomos felizes.

 Ele morreu envenenado no dia 25/05/1935, foi horrível para mim e para todos que dele gostavam. Ninguém nunca descobriu quem o matou.

 

 

ETERNO poema de jb vidal

meu corpo no teu

acende a dúvida

 

ser ou estar

 

eu!? nós!?

gozo cósmico!?

 

prazer em deixar-me ir

onde estás ou sejas

 

sou inteiro em ti

 

estou metade

 

TECENDO ESTRELAS DE VAN GOGH poema de bárbara lia

 

 

Estrelas escorriam da tela,

na solidão do museu.

Aparei gotas de céu em minhas mãos.

Enovelei-as.

Possui por um tempo,

Estrelas abrasadas de loucura

e o azul mais azul que pode o azul ser.

 

 

Museu de Nova Iorque

em delírio.

Corre-corre. Alarmes. Vigias.

Não revistaram minhas mãos.

Um céu enovelado que me aquece

e apaga – primaveras sem teus beijos,

invernos de angústias.

 

 

Teci um manto azul

de estrelas emaranhadas,

um manto enfeitiçado.

Das estrelas da noite do artista.

Tenho mãos de fada.

e tenho tanto amor,

quanto estas estrelas deslumbradas.

 

 

Quando chegar aquele que amo.

Com seus olhos

que são para mim, música;

e para outros, mel.

Quando ultrapassar a escura porta

e se quedar no branco leito.

Eu o cobrirei com o céu.

 

CARNE TRÊMULA por frederico fullgraf

Um dia terá que confessar. Contar tudo a ela. Desconcertada, ela tenta acalmá-lo. Abraça-o, beija-o, aninha-o. Não sabe que na raíz do seu estremecimento está certa síndrome de placas tectônicas. Tenebroso tremor dos umbrais, capaz de empalidecer a carne, amarelar os heróis de Almodóvar; credor desta leviana licença poética.  Placas, o quê? Comovida, ela tenta se aproximar, pergunta que “visões” são aquelas. Não entende o extremismo dele, o salto para fora da cama. Depois brinca: vai ver, é encosto de vidas passadas… E sempre acontece em pleno êxtase. Mas só em apartamentos. Quanto mais alto o prédio, mais pavorosa a vertigem. Será rejeição? Sentindo-se culpada, ela ecoa, testa seu próprio hálito com a palma da mão aberta em concha à frente da boca – hálito que continua perfumado como todo seu corpo; quente, aconchegante. Ele a consola: nada a ver contigo, querida. E ela o recompensa, diz que ele foi “maravilhoso” (mal sabe ela daquele vai-e-vem!). Mas então, o que é? Vendo-o agora, pálido, estático, debaixo do caixilho da porta do quarto, lhe recomenda, já aflita, um telefonema para o terapeuta – e ele ali com a expressão dos possessos, carranca de Kaspar Hauser, os pés milimetricamente retraídos à soleira, a cabeça cuidadosamente protegida pelo vão; olhos esbugalhados fixando a janela!

 

Mergulhado em silêncio indecifrável, ele recolhe os fragmentos, encaixa os estilhaços, acomoda as sensações de sua carne estremecida, para tornar plausível aquele episódio inenarrável. Que na verdade dispensa terapeuta. Este, apenas irá divertir-se às suas custas, cobrar-lhe honorários por seus risinhos pudicos – que definhe em sua angústia Lacaniana!

 

Então refaz a viagem. Desembaraçado do controle de passaportes, arrastando a mala e buquê de flores em punho, alcançou o portão de chegada. Com muita apreensão. E naquele átimo que o separava do desejado abraço com ela, a “ex” (expressão que, verdade seja dita, soa sórdida, lembra veredicto de execução sumária), na tela da memória espocou em seqüência descontrolada aquele filme: fazia vinte e três anos que tinha levantado vôo de Santiago. Coração latejando na boca, pulmão esbraseado: em poucas horas estariam em seu encalço, atrás das trinta latas de filme não revelado em sua bagagem. Imagens proibidas, sobre a resistência contra o tirano. Filmadas à sorrelfa, driblando a mais feroz das ditaduras. Aquela espera pelo embarque, fora das mais excruciantes em sua vida. Por isso esperava enfrentar-se com seus fantasmas já acompanhado, cingido por ela.

 

Mas, que droga, onde ela se metera? O coração outra vez disparado. Daquela vez alvoroçado, agora, machucado: um dia inteiro em viagem, de escala em escala, de país em país – e ela não viera recebê-lo. De repente lembrou-se, ela era reincidente: já o tinha feito esperar hora e meia num bar. Sentiu nas estranhas um pequeno terremoto. Jogou as flores de ponta-cabeça numa lata de lixo e informou-se sobre os vôos de regresso ao Brasil. Para aquela mesma noite? Nenhum. Reservou um hotel por telefone e sentou-se para fumar um cigarro, já fazendo planos.

 

Surgindo do nada, vestida de preto e aflita, ela irrompeu no grande saguão. Já tinha perdido o bronzeado da Ilha do Mel, mas estava esbelta. Mantendo-se encoberto pela multidão, ele acompanhou os olhares desesperados dela à procura do seu; vingou-se, deixou-a sofrer. Só quando, já resignada, se preparava para fazer um telefonema, ele a chamou. E ali mesmo tiveram sua primeira briga. Tinha tomado o caminho errado para o aeroporto, ela mentiu, invertendo os papéis – mas, diabos!, quem ali era o estrangeiro desnorteado? Não me fales assim, sou pessoa pública, ela aprumou-se – e ele pensou que tinha desembarcado no aeroporto errado. Subiram ao carro dela. Na verdade ela se atrasara na casa de uma amiga (informação da mãe no primeiro telefone dele). Ele fumou mais dois cigarros com raiva e disparou: quem ama, chega adiantado ao aeroporto! (riu-se às escondidas, era frase com sonoridade de aforismo). No meio da estrada pediu para parar. Ela resistiu, chorou. Mas ele engoliu duas lágrimas secas para não vacilar, e seguiu de táxi. Naquela primeira noite se instalou num hotel. E ela lhe ligou dezessete vezes.

 

Domingo, céu de brigadeiro, chamejando com as cores da reconciliação, comeram um asado na casa do futuro sogro. Beberam vinho das boas cepas do Valle Central. Falaram abobrinhas, contaram piadas, buscaram alguma afinidade. Ela o apresentara como compañero, mas evitaram o passado; a prisão, as torturas, o exílio do pai e antigo colaborador do presidente caído em combate no Palácio da Moneda. Estranhamente, no brilho dos objetos e nas frestas entre as palavras ele percebeu a acomodação de um deslumbramento; inicialmente algo insondável, e depois mais e mais desvelado. Dinheiro. E enquanto ela cumpria seu protocolo de vereadora da capital do país, ele reencontrava-se com Santiago, a néscia, apressada, sufocada por chumbo e fumaça; a Cordilheira sangrando a neve com lágrimas de fuligem.

 

Quando ela finalmente se desvencilhou do cerimonial, escaparam para o norte, via Panamericana, onde os nativos parecem imitar os suíços, em obsessivo aproveitamento de cada nesga dos minúsculos vales férteis. Embrenharam-se no Valle del Elqui e embebedaram-se de pisco. Instalaram-se em Puerto Velero, recortado por azul veludínio.  Fartaram-se de polvos, lulas e peixes sirênicos das águas profundas. Amaram-se na banheira muito pequena para aquela luxúria sem tamanho, deitando água na sala, inundando a casa. A foto perfeita: ela riu de braços abertos, quando ele urrou, mergulhando nas águas geladas daquele mar do poente. E sentados na praia, na última noite tentaram socorrer-se de seus abalos sísmicos, contando as estrelas do poeta de Isla Negra, ancoradas sob o céu do Pacífico.

 

E então sobreveio aquele dia mal-nascido. Até a hora do almoço o país assistira atônito à domesticação da hiena, à investidura do ditador sanguinário no cargo de senador da República. Honraria vitalícia em desonra da Nação. O povo saiu às ruas. Calígula protegido pela guarda pretoriana: cerco, ameaças, soldados com os olhos colados na mira das armas. !Vayan-se todos! Indignação e asco, palavras e pedras. No meio da fúria, as mãos dele e dela perderam o toque. Reencontraram-se no apartamento dela, noite já alta.

 

Famélicos, deitaram-se e enrolaram-se na cortina de tisne que escondia a cidade. E quando seus corpos alagados já se confundiam, a cama começou a mover-se. Um misterioso ritmo, que não era deles, infiltrara-se. Agarrado ao silêncio, ele estancou seu movimento, e ela se enfureceu. Nela nenhum espasmo, nele apenas respiração contida. Fechou os olhos, creditando a estranha sensação à reverberação do dia já consumido. Subitamente sentiu mais que um tranco – era balanço. Olhou para a mulher a seu lado, com a expressão do prazer interrompido nos lábios: como é que te moves, se eu não te toco? Mas quando ergueu o olhar, pensou ver a cordilheira atravessando a janela, feito pêndulo. Não acreditou. Em pânico, acotovelou a mulher já adormecida: o prédio treme! Espreguiçando-se, ela desdenhou com desprezo mais que indolente: es apenas um tremorzito… Terremoto?! No, !tremorrr! Insultado pela escala Richter, cujas nuanças lhe pareciam cínicas, ele saltou da cama, bateu de frente com o guarda-roupa, reincorporando-se sem saber para onde correr. Ela instruiu-o desde a cama abandonada: não seja idiota! Mas já que você quer se salvar, o único lugar recomendado pelos sismólogos é o caixilho da porta. E enquanto refletia sobre a piada (de hilariante realismo), imaginando-se despencar do décimo quinto andar, emoldurado por uma porta que não o salvaria da desdita, no alto do 15º andar daquele prédio do bairro de Providencia, a cordilheira saudava sua carne trêmula com imperturbável vai-e-vem diante da janela.

 

RONALDINHO (O FENÔMENO) PEGA TODAS! comentário de diego ribeiro

Ronaldo já teve casos com muitas mulheres conhecidas e bonitas do meio artístico. Já foi dito até que ele poderia “pegar” muitas mulheres em decorrência da sua fama e fortuna. Mas atualmente ele não tem se dado bem com os casos que encontra pelo caminho.

É lamentável ver o fenômeno envolvido em mais uma polêmica. Ronaldinho foi um herói, exemplo e inspiração para muitas crianças e adolescentes que sonham com o mundo do futebol. Atualmente, além de viver se contundindo, ele é alvo de grandes polêmicas. Sua última manchete envolve três homossexuais.

Muitas pessoas já condenam a prostituição e outras muitas a homossexualidade. E o que falar desse episódio que envolve os dois temas? Se pararmos para analisar o caso, muitas perguntas surgirão. Será que Ronaldinho não sabia mesmo que se tratava de travestis? Será que realmente não aconteceu relação entre eles?

 Só não podemos ver um ídolo dessa magnitude fazendo uma bobeira dessas e pensar que isso agora é moda. Como já disse Arnaldo Jabor  “Antigamente a tendência homossexual era proibida no Brasil. Depois, passou a ser tolerada. Hoje é aceita como comportamento normal… Eu vou-me embora, antes que se torne obrigatório.”

A FANTÁSTICA FÁBULA DA HUMANIDADE resenha do filme por deborah o’lins de barros

 

Há duas versões cinematográficas do livro “A Fantástica Fábrica de Chocolates”, de Roald Dahl. E o engraçado é que o grande enfoque dos filmes não é Charlie, ou Wonka, ou mesmo os chocolates. A grande sacada são os problemas sociais da época. É uma história para crianças, mas a pessoa que teve idéia de fazer o livro virar filme era adulto, e sabia que eram os pais (gente grande) que iam levam os filhos (gente grande no futuro). Não riam. É sério.

 

Problemas. Como andava o mundo em 1971? Guerra no Vietnã, Guerra Fria, mísseis, terroristas, golpes, direita versus esquerda, Watergate… É, não mudou muita coisa. Mas o que havia em excesso: traição. Não que não haja hoje, mas era difícil confiar em alguém que podia vender informações à CIA e ir à lua antes de você. O dinheiro falava (e ainda fala) muito mais alto que o caráter. E ninguém queria ser paspalho e deixar que o DOPS (ou a Polícia do Pensamento – ops… livro errado!) acabasse com sua raça.

 

Hoje… Bem, hoje os dedos cruzados e o Habeas Corpus estão aí para provar que nada mudou. Mas o grande problema social dos nossos dias é a família. De tanto não confiar em ninguém, a geração de 70 criou a minha de uma forma que ela não tivesse vínculos. E para onde raios levaram a família? Para os diabos, ora! O maior exemplo disso sou eu: cadê o meu pai? Repare bem, as pessoas hoje moram sozinhas e, quando “casam” é com uns 30 anos ou mais. Para se separar em seguida.

 

Dessa forma, a história de Willy Wonka, ao ser contada e recontada sofre e, imagino eu, sofrerá sempre, ajustes para permanecer fiel ao seu tempo. É psicologia (poderia arriscar psicanálise?) pura. Se em 1971, Gene Wilder encontrou alguém honesto, em 2005 Johnny Depp procura (acho que sem saber, por estar dentro do paradigma) pela família, ou melhor, o significado de família. Aha! Matei a charada!

 

Sr. Wonka não quis crianças por pedofilia ou nada parecido. Quem pensar isso é o verdadeiro pedófilo. Crianças são o reflexo da geração anterior. Eu sou tudo o que a geração do Gabeira e do John Lennon conseguiu fazer e, espero sinceramente, que meus filhos e seus amiguinhos sejam coisa melhor. 

 

Só para fechar, um apelo: está mais ao nosso alcance resolver problemas recentes. Então, como dificilmente vamos acabar com a desonestidade, vamos ao menos evitar que as próximas gerações cheguem perto do “admirável mundo novo”, e acabem de vez com o conceito de família. E torço para que, em 2039, a terceira versão da “Fantástica Fábrica” enfoque, finalmente, a produção de chocolates.

 

 

 

ARROZ, FEIJÃO & PHILOSOFIA (completo) – por jairo pereira

 

 

 

 

 

Filósofo  é aquele cara que tem mania de criar conceitos. Gilles Deleuze e Félix Guattari, no livro O que é a filosofia? mostram que filósofo é o amigo do conceito, ou melhor, ele o próprio filósofo é o conceito em potência. Li pouco de história da filosofia. Lia os filósofos que iam aparecendo em minha vida, acidentalmente. Outros, de meu interesse, corria atrás até encontrar. Embora entenda ser importante a visão orgânica da filosofia, fixei-me com obsessão na teoria do conhecimento, aliás, utilíssima pra quem faz arte e literatura. O estalo, o lux, taí, na relação cognitiva: sujeito x objeto x prisma de análise, os condicionamentos do sujeito cognoscente, etc. Depois de tanto debater-me no processo do conhecimento, acabei pai de filosofia. Modestíssima a minha, só para o gasto, construída no quintal da casa, a protonathural, que carrego comigo sempre para onde vou e que apesar de séria, é motivo de riso para os outros. Li e confundi vários filósofos ao mesmo tempo. Pegava a monada no ar, e póft, a abatia a tiro, como um verdadeiro tiro ao pombo, ou tiro ao prato. Uma coisa sobre filosofia aprendi e isso digo de boca cheia: tem tudo a ver com samba e poesia. Não se aprende estudando sua história. Não se aprende nos templos afamados do saber. Não se aprende nos grandes museus e cemitérios de livros. Filósofo, é de nascer pronto. Ou mais certeiro: filósofo já nasce filósofo. Tem tino. Alto poder de abstração. Aquele olhar grave que estraga qualquer festa, como expressou Erasmo de Roterdã, no seu O elogio da loucura. Filósofo é deslocado. Distraidão. Só pega no tranco. Na fase oral, tem a estranha mania de morder os bicos dos seios da mãe e cuspir fora a chupeta de borracha.

 

Além, muito além de criar conceitos, ou sê-los, os conceitos em potência, filósofo é aquele cara que desde menino, não sabe brincar com as outras crianças. Tudo que faz dá errado. Não sabe ganhar dinheiro, namorar, atleticar. Filósofo, é acima de tudo indolente e reparador. Vejam que em reparador está praticamente a potência máxima do protofilósofo. Reparar é observar, criticando silenciosamente. Observar a vida. Observar as pessoas. Observar a nathureza. Observar, observar e observar. Contrastar, projetar, refazer in spiritus o contorno das coisas, seus núcleos complexos, entroplexos.

O olhar rastreador de quem repara as mínimas coisas, situações, projeções do outro no tempo, no espaço das mais diversas nathuras. A exemplo o filósofo que visita alguém e mede a condição social da família, se os filhos estudam, trabalham, o grau de conhecimento dos mesmos, as possibilidades reais do núcleo se expandir no tempo naquele contexto onde vivem, se há, haverão problemas familiares explícitos ou implícitos, tudo é medido milimetricamente pelo espírito invicto e silencioso do philósopho, como um aparelhinho positrônico que não foi inventado ainda, vocacionado ao registro minucioso da vida alheia de seu tempo e de seu espaço, além da própria (vida) em todas suas mazelas. Filósofo já sai pronto de forma. A ninguém se deu ou se dará o poder de fabricar filósofos. Convive o triste, com o são desequilíbrio construtivo, oscilando entre imanência e transcendência. Não adianta subir o longo calvário do conhecer histórico e canônico da velha filosofia, especialmente a ocidental, que é criação humana, racional e cerebrina, para tornar-se um dia filósofo, se não se detém o dom inato, de profunda observação dos fenômenos. Criar conceitos é apenas uma das faculdades com as quais os filósofos se armam. Além dessa muitas outras espocam, como estrelas, no céu da vida daquele pobre coitado que nasce com o mal grave da Triphistophilosophia. Primeiro: filósofo que é filósofo deve saber situar-se no tempo e no espaço. Impor-se pelo pensamento. Pensamento que deve trazer no mínimo, algo do seu próprio pensar. Pensar que não pode ser mera revista do que lera de outros filósofos ou veio a aprender em escola. Para tanto, filósofo deve trazer sempre sob as vestes, o opúsculo extraordinário de sua lavra. Um livreto qualquer de no mínimo vinte ou trinta laudas de um só-pensar-particular,  legítimo, autêntico, nem que seja no próprio equívoco desse seu detido pensar. Equívoco que poucos terão coragem de um dia em vida acusar ao nosso amigo filósofo. Lembrando que muitas grandes filosofias viveram apenas de uns poucos conceitos, não é preciso escrever muito para se conceber uma filosofia original. A obra realmente é de fundamental importância na vida do filósofo que se habilita. É de se compor o filósofo convicto, o seu pequeno livro, aberto aos espíritos, o livro que revele o pensar singularíssimo, de ser e estar no mundo entre as coisas. Tudo isso, que é quase-nada, fazer, sob pena de passar em branco, como uma traça tonta, a vagar, nas páginas do processo filosófico, sobre as sentenças (conceitos) dos outros.  Afluir, entre as antinomias: identidade e contradição, ser x não-ser, causa e efeito, sujeito x objeto, transcendência e imanência, presença x não-presença, essência e aparência, etc. Segundo: filósofo é de trazer claro no espírito sua visão do mundo e da nathureza como um todo, eis que como sujeito é objeto no social e como objeto é também sujeito que conhece e como pensador, é capaz de interferir na natura das relações, fixando em ato seu pensar das coisas, que não pode ficar meramente no plano do pensamento pelo pensamento, mas traduzir-se em ação, interferência transformadora. Pensar é revolucionar. O pensamento sim, aplicado em ato, um fazer sobre todas as coisas, subverte o real. Filósofo é de ter também finalidade. A mínima possível, por exemplo: mudar o mundo. Filósofo que é filósofo sabe disso. Mudar o mundo é fácil e deve ser feito no todo dia, no almoço com a família. No sofá, quando todos dormem, depois da meia-noite. Nesse horário é melhor, porque pessoas, ah pessoas, essas sempre vão querer evitá-lo nas suas longas preleções. Outra coisa: nunca participar de ideologias coletivas. Ter falsa consciência da realidade, em deliberando sozinho sobre o assento do vaso sanitário. Filósofo é de estar na rua, informadão. Transar com a semiótica. Antropologia. Arte. Poesia. Estar com canais de comunicação abertos. Holístico. Filósofo é de ser fogo. Filósofo é de ser gelo. Tudo deve saber. Com tudo deve interagir. E com nada ao mesmo tempo, retornando à origem, ao instinto primário de contemplação das estrelas. O ímpeto selvagem é que deve levar o filósofo em sua caminhada rumo a alguma coisa que pode ser a revelação da cósmica razão do existir. O conhecimento é um reflexo da nathureza no ser. A voz de Hegel, soando baixinho entre as árvores. A voz sisuda, autoritária, que ante todo o metafisismo, alerta sobre o não afastamento demasiado do filósofo da nathureza, onde encontram-se os objetos mais importantes da filosofia. Não adianta procurar lá longe o que está aqui tão perto de ti filósofo. O problema é você, a nathureza (objetos) e o conhecimento que se tira dali, das coisas mortas, das coisas vivas, das coisas que causam, das coisas que implicam, das coisas que serenam, do tempo, da história e do vento. Filósofo é mesmo conceituador. Mania de verbo ser, o é pra tudo quanto é coisa. Poesia é produto fenomênico do pensamento. Poesia é… O tempo é cíclico. A história é repetitiva. Tudo é e deve ser  para o filósofo impetuoso, aquele que arrisca tudo no saber, como os suicidas no morrer. Sofro delírios de silogismos no de vezenquando, o que revela em mim índole conceituadora, coisa de filósofo, além do que recebo estrelas no sótão depois da meia-noite, não namoro, perco botões das camisas à toa, metafisico (do recém-criado verbo metafisicar) sob as tempestades, peripatético, com conta estourada no banco. De quebra, ainda sou fanático por linguagem. Outra afecção má do espírito, já convulso de filosofia. Imaginar na hora do lanche,  a composição de obras futuras, almejadas, tais como: A razão absolutória dos males do espírito ou Da atração da inteligência pelo mórbido. Boa parte da vida entregue às conjeturas, o quem sou? de onde venho? para onde vou? por quê? pra quem? como? Sempre um fio invisível enredando teu corpo, teu espírito de filósofo na hermética teia da aranha absoluta. Enredando. Desafiando. Que é pra se perquirir. Que é pra se engendrar pelo cognocer elevado. Que é pra repercutir verdades transfinitas. Que é pra subverter o real e o certo. Que é pra… Arroz, feijão e filosofia, é de se pôr na mesa todo dia. Filosofia a louca preciosa. A  insubordinada que atenta contra as profissões contemporâneas, eis que convida ao ócio criativo e resgata a reflexão questionadora. Filosofia a desordeira. A santa. A obstinada. A traiçoeira, que mata de mentirinha a vida, antes da vida nascer. A que das perguntas faz respostas e das respostas, faz propriamente filosofia.

 

Antes que me caia uma tartaruga na cabeça, derrubada por alguma águia distraída. Antes que me caia um balde de tinta de cima da escada de frente à loja. Antes de tudo, que o filósofo que é filósofo se perca e se reencontre na vida e no pensamento, a fim de haurir do nada que é tudo uma razão feliz, de muito amor e elocubração para a vida presente e futura.

 

 

 

 

 

 

 

iAiRo pEreIrA

 

Autor de O antilugar de poesia, O abduzido

e outros.

1968 – A PASSEATA DOS CEM MIL – por manoel de andrade

2ª/4ª parte: A Passeata dos Cem Mil   

 

           

A estratégica aparição daquele estudante de 23 anos provocou uma apoteose de gritos e palmas na imensa multidão que, por volta do meio-dia, ocupava inteiramente a Praça Floriano Peixoto, na Cinelândia.. O presidente da UME, Vladimir Palmeira, disfarçado pelo penteado, barba feita, terno e gravata,  subiu as escadarias da Assembléia Legislativa,  e com alguns gestos interrompeu as palmas, pediu silêncio e que todos se sentassem e,  em seguida, começou o seu primeiro discurso do dia dizendo:

 

Pessoal, a gente é a favor da violência quando ela é aplicada para fins maiores. No momento, ninguém deve usar a força contra a Policia, pois a violência é própria das autoridades, que tentam por todos os meios calar a voz do povo. Somos a favor da violência quando, através de um processo longo, chegar a hora de pegar nas armas. Aí, nem a policia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura, poderá deter o avanço do povo.

 

          Enquanto os discursos se sucederam mais e mais populares iam se juntando à concentração. De todas as partes chegavam comitivas de estudantes com faixas e bandeiras. Emissários e “batedores” saíam e chegavam com notícias sobre a segurança do percurso da passeata prestes a começar. Por trás de toda essa organização estavam os estudantes Franklin Martins e Marcos Medeiros, comandando outras  lideranças estudantis encarregadas de controlar todos que participavam do ato, evitando, com isso, qualquer incidente com pessoas infiltradas. No final dos discursos Vladimir Palmeira tira o paletó, afrouxa a gravata e retoma a palavra para dizer:

 

Nós queremos os cadáveres dos estudantes que foram mortos durante as últimas manifestações. Todos viram seus corpos, ao vivo e nos jornais, e não é possível que o governador e as outras forças repressivas continuem a esconder os seus corpos para iludir a população.

 

          Seu discurso foi interrompido pelo ronco ensurdecedor dos aviões da FAB que  passavam em vôo rasante em franca provocação. Com isso terminaram os discursos e começou a passeata. A multidão comandada pelos estudantes e de mãos dadas, seguiu ordeira e alegre para a Avenida Rio Branco, cujo trânsito havia sido interditado pelas autoridades. As grandes lideranças estudantis do país estavam ali representadas por Luís Travassos, e José Roberto Arantes, respectivamente presidente e vice-presidente  da UNE.

          Pela grande avenida desfilava uma massa humana sempre mais engrossada pelo imenso fluxo de pessoas que vinham da Cinelândia. Como ao longo de todo percurso houve provocações de agentes do DOPS e de policiais, os líderes estudantis tiveram o cuidado de reiterar aos manifestantes que mantivessem a calma e a vigilância. Aquela inacreditável massa humana penetrou pela tarde atravessando o centro do Rio num gesto grandioso de indignação, mas sobretudo  de esperança no retorno ao estado democrático de direito.

          Quando chegou à Candelária, Vladimir subiu na capota de um carro e disse:

 

Este lugar tem um significado muito grande para nós. Na missa de Édson, foi aqui que fomos violentamente reprimidos. Hoje o panorama é diferente. Prova de que a potencialidade de luta popular é maior do que as forças da repressão. Hoje damos uma demonstração de força e de fraqueza ao mesmo tempo. Temos força para retomar a praça, mas ainda não podemos tomar o poder que eles usurparam.

 

          Naquele longo percurso que se entende desde a Candelária até à  Rua Uruguaiana,  toda a Avenida Presidente Vargas  foi ocupada  pela imensa multidão em movimento.

Elio Gaspari, referindo-se ao fato na sua  “Ditadura Envergonhada”, descreve:

 

Olhada, a passeata era uma festa. Manifestação de gente alegre, mulheres bonitas com pernas de fora, juventude e poesia. Caminhava em cordões. Havia nela a ala dos artistas, o bloco dos padres (150), a linha dos deputados. Ia abençoada pelo cardeal do Rio de Janeiro, o arquiconservador D. Jaime Câmara, que em abril de 1964 benzera a Marcha da Vitória. Muitas pessoas andavam de mãos dadas. Todo o Rio de Janeiro parecia estar na avenida. A serena figura da escritora Clarice Lispector e Norma Bengell, a desesperada de Terra em Transe;  Nara Leão, Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda, que com a poesia “Carolina”, e seus olhos verdes, encantava toda uma geração. Personagens saídos da crônica social misturavam-se com estudantes saídos do DOPS. Do alto das janelas a cidade jogava papel picado.(…) a Passeata dos Cem Mil saiu da Cinelândia, jovem, bela e poderosa. (…) Depois de parar gloriosamente na Presidente Vargas, vagou emagrecida até os pés da estátua de Tiradentes, em frente ao prédio da Câmara dos Deputados. Lá Vladimir Palmeira, o mais popular dos dirigentes estudantis, ameaçou: A partir de hoje, para cada estudante preso, as entidades estudantis promoverão o encarceramento de um policial.

 

          Depois de passar pela Sete de Setembro e o Largo da Misericórdia a passeata chegou à Praça Tiradentes onde se seguiram uma dezena de discursos das lideranças estudantis, sindicais e intelectuais. Ali mesmo foi proposta e criada uma comissão com representação dos intelectuais, dos professores, do clero, dos estudantes e das mães para intervir junto às autoridades pela libertação dos estudantes presos nas recentes manifestações.                                  

          Passavam das cinco da tarde quando os estudantes queimaram uma bandeira americana em frente do Palácio Tiradentes. Ali mesmo Vladimir retomou a palavra para encerrar a manifestação num tom de advertência, dizendo:

 

 Voltaremos sempre para exigir nossos direitos. Pacificamente, se não formos reprimidos pela Polícia. Agressivamente, se tentarem nos agredir, como fizeram algumas vezes.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

 

          Neste ano de 2008, há quarenta anos da Passeata dos 100 Mil, podemos ter uma clara perspectiva dos fatos e analisar aquele acontecimento como um dos mais belos e corajosos gestos políticos da cidadania recrutando os  mais lúcidos representantes da intelectualidade brasileira que marcaram, com a sua presença, as mais variadas tendências da esquerda nacional. Este fato por si só nos convida a tirar algumas ilações sobre a importância do debate político daquela época em que os termos “revolucionário” e “reformista” eram usados com ironia nos nossos bancos acadêmicos. Neste mesmo enfoque, não se podia confundir “revolucionário” com “rebelde sem causa” sem reconhecê-los, respectivamente, pela legítima contradição dialética  e pela mera formalidade das idéias. Ainda nesse contexto é pertinente relembrar que, na célebre  Passeata do Rio de Janeiro, havia uma aberta disputa programática entre os cartazes e slogans  das dissidências da esquerda, e quando  os radicais gritavam: “Só a luta armada derruba a ditadura”,  os militantes do Partidão respondiam: “Só o povo organizado  conquista o poder”.Isto vale dizer que cada grupo disputava no grito a hegemonia daquele extraordinário acontecimento político. Eram já os efeitos das grandes cisões que estavam acontecendo no Partido Comunista. Os primeiros representavam os estudantes que já tinham feito sua opção pelo enfrentamento direto com o regime e sonhavam com uma pátria socialista dirigida pela classe operária. Os segundos encaravam o fenômeno revolucionário como um processo lento onde a ruptura com o sistema e a conseqüente transformação estrutural da sociedade ocorreria como resultado da organização das próprias forças sociais. Uns seguiam a orientação de Cuba e outros, a de Moscou.

          Para quem foi um estudante na década de 60 é estimulante recordar que ninguém queria ficar à margem do engajamento político, e era uma ofensa esmagadora ser chamado de “reacionário”, ou seja, ser de direita. Na verdade todo aquele saudável “romantismo” deixou, no que tange à mera postura intelectual, uma imensa saudade. Quem não tinha na parede do seu quarto uma gravura do Che, de Mao ou de Ho Chi Minh?  Como ser um autêntico radical de esquerda sem conhecer a “teoria do foco” de Régis Débray, sem conhecer a história da Revolução Russa, sem ter lido os patriarcas do pensamento revolucionário, sem ter compulsado Marcuse, Lukács, Gramsci. Como criticar um reformista sem conhecer os insuperáveis argumentos de Rosa Luxembrugo. Era tudo isso e muito…, muito mais, porque a bibliografia revolucionária era enorme e também não se podia deixar de ler a nossa brilhante “prata de casa” como Caio Prado Junior, Celso Furtado e  Nelson Werneck Sodré.

          E eis porque hoje, nesse imenso distanciamento, ao relembrarmos aquele 26 de junho de 68, relembramos também que todos os estudantes brasileiros marcharam, em espírito, com os estudantes cariocas e a Passeata dos 100 Mil ficou na história como uma referência indelével do poder de mobilização dos estudantes e da força que o pacifismo pode ter quando uma ampla frente popular pode ser bem organizada e bem representada. Naquele momento o Movimento Estudantil atuou como o mais legítimo porta-voz da sociedade contra a Ditadura. Ele representava, por um lado, a radicalização de um conflito expresso pelas contradições contidas nas frustrações da classe média emergente em sua busca de um lugar ao sol. Por outro lado representava as tensões crescentes que essa mesma classe média  — que em parte apoiou o golpe militar  — e a classe operária passam a ter com o poder, cada vez mais agravadas pelo estado de exceção e pelo apoio dos segmentos mais conservadores das classes dominantes. (leia-se a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoiando, em 64, o golpe militar)

Embutida neste amplo questionamento estudantil estava também a velha estratégia do capitalismo moreno, sempre empenhado em manter uma política educacional dependente, promovendo uma educação acadêmica alienante ao limitar a capacidade crítica do indivíduo para questionar o mundo em suas contradições sócio-políticas e ideológicas e, conseqüentemente, formar profissionais que se amoldem culturalmente ao sistema.

          Por trás dessa invisível feição sociológica o movimento queria, na verdade, mostrar, explicitamente, a sua mais bela imagem: a face despojada do idealismo empunhando pacificamente o lábaro da justiça e da liberdade.

          Contudo seus sonhos, legitimados por essa fé e esse compromisso, não puderam se realizar. À medida que o ano chegava ao seu final iam-se esgotando as esperanças de se reconquistar o estado de direito por meios democráticos. O nosso drama político representava as ultimas cenas do seu primeiro ato e a decretação do AI-5 baixou as negras cortinas ante uma platéia assustada. Os espectadores mais atentos não esperaram para ver como seria o segundo ato. Sabiam que ali se apagavam as últimas luzes da ribalta e somente as sombras iriam invadir o palco da tragédia. Foi a gota dágua para que muitas organizações de esquerda se decidissem pela luta armada. A partir daí a repressão caiu como uma rede sobre a classe estudantil e suas principais lideranças não encontraram outro caminho para a sua militância política fora da clandestinidade. Seus sonhos de mudar o mundo começaram muito antes, quando em 1961 a UNE fundou o Centro Popular de Cultura (CPC) cujo propósito era despertar pacificamente, com a arte, a consciência política do povo. Sob a direção do dramaturgo Oduvaldo Viana Filho foram encenadas dezenas de peças, publicados livros, produzidos filmes e discos e promovidos shows, cursos e debates. Nesta saga cultural sem precedentes da nossa historia se engajaram, ao lado de estudantes, artistas e intelectuais, figuras emblemáticas do teatro brasileiro como Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Quando as sementes dessa utopia começavam a abrir suas flores e a colher seus frutos com a presença cada vez mais contagiante da população em seus espetáculos, o golpe militar de 64 colocou a UNE na ilegalidade e toda esta fogueira de sonhos e esperanças, cujo imenso clarão iluminou a geração de nossos anos dourados, foi abafada bruscamente pelo manto tenebroso da opressão. Quando no fim de 68 arrancaram das mãos do Movimento Estudantil as suas últimas bandeiras democráticas, não restou a eles outra expressão de bom combate que não fosse a luta armada. O que aconteceu depois todos nós sabemos. Centenas deles foram presos, barbaramente torturados e mortos nas prisões do Regime Militar. Deram a vida para que sobrevivesse um sonho e para que continuassem abertas as trincheiras de luta que  escavaram em nome de um homem novo e de um mundo melhor. Esta é a triste memória que a história recente do país tenta resgatar pelos depoimentos dos que sobreviveram, pela escavação dos cemitérios clandestinos e na voz silenciosa dos desaparecidos. Eu bem quisera enumerar aqui os nomes da bravura. Dos que resistiram até o último golpe e caíram aureolados com a coroa do martírio. Mas todos os seus nomes somente podem ser escritos com a dimensão da palavra: legião.  Porque sempre faltaria ainda um nome ou um codinome de alguém cujo coração materno poderia  derramar a derradeira lágrima, motivada pelo meu esquecimento.

 

a passeata dos cem mil no Rio de Janeiro/1968. foto sem crédito ilustração do site.

 

 

1ª/4ª parte: A sexta-feira sangrenta – publicada aqui:

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/04/29/1968-a-sexta-feira-sangrenta-por-manoel-de-andrade/

3ª/4ª parte:  Partidão versus Foquismo

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/12/1968-partidao-versus-foquismo-por-manoel-de-andrade/

4ª/4ª parte:  As barricadas que abalaram o Mundo

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/29/as-barricadas-que-abalaram-o-mundo-por-manoel-de-andrade/