Arquivos Mensais: novembro \26\-03:00 2008

ENTRE GÊMEOS DESIGUAIS por sérgio medeiros

No dia 28 de novembro, o antropólogo Claude Lévi-Strauss completará 100 anos. Nascido em Bruxelas, de uma família de judeus alsacianos, Lévi-Strauss vive hoje em Paris, onde comemorará seu centenário, pois fez da França sua pátria. Autor de livros fundamentais, como Tristes Trópicos Mitológicas (quatro volumes), Lévi-Strauss é considerado o maior antropólogo vivo e um dos grandes intérpretes da cultura ameríndia, tendo vivido no Brasil, onde estudou a  cultura urbana e indígena do País, a partir de 1935. Para homenagear o célebre etnólogo decidi reler sua obra, ou, pelo menos, um de seus textos fundamentais, que resume suas grandes teses.

       Publicado na França em 1991, o livro Histoire de Lynx (História de Lince), do antropólogo Claude Lévi-Strauss, atrai inicialmente o leitor pelas páginas bem-humoradas, destacando-se o prefácio, onde o autor afirma que seus estudos sobre mitologia indígena se situam entre os contos de fadas e os romances policiais, gêneros considerados fáceis de ler. Por isso ele se surpreende quando reclamam da complexidade de suas análises, embora admita que os quatro volumes que compõem as Mitológicas, publicados entre 1964 e 1971, possam ser difíceis. O fato é que Lévi-Strauss inventou, como os críticos reconhecem, uma nova linguagem para resumir e comparar mitos, um estilo inconfundível que começou a ser forjado nos anos 1950 e cuja verve e frescor perduram na História de Lince, um livro que retoma os anteriores, porém apostando na concisão e na simplicidade da exposição. Pode-se dizer que, nesse livro, Lévi-Strauss reviu toda sua obra e fez uma defesa contundente do método que sempre empregou para analisar os mitos. Clifford Geertz chega a dizer, num estudo sobre a originalidade do discurso antropológico, que “Lévi-Strauss não quer que o leitor olhe através de seu texto: quer que olhe para o texto”, situando-o numa linhagem literária que incluiria nomes como Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e em especial Proust. Quem freqüentar as páginas dessa obra-prima que é Tristes Trópicos, publicada em 1955, não ignorará sua assombrosa dimensão literária, digna de Mallarmé, caso esse poeta simbolista tivesse vivido na América do Sul, como já se afirmou.    

       Quando a Europa programava as comemorações dos 500 anos da descoberta da América, Lévi-Strauss lançou História de Lince e lembrou, em suas páginas, que houve invasão e destruição, não descoberta. O prefácio bem-humorado termina lamentando a destruição dos povos indígenas e de seus valores e anuncia um dos temas desse livro fascinante: o branco e o índio não seriam irmãos gêmeos? É possível sustentar essa hipótese?

       A “descoberta” do Novo Mundo não teria agitado muito a consciência européia. Ao espanto inicial, nada espetacular, sobreveio certa indiferença, quando a cegueira voluntária do Velho Mundo se sobrepôs à evidência de que a sua “humanidade plena” não representava o gênero humano, mas uma parte dele. Para o século XVI, a descoberta da América teria confirmado, muito mais do que revelado, a diversidade dos costumes, como se nada de absolutamente novo tivesse sido trazido à luz. Outra teria sido, contudo, a reação dos índios quando se depararam pela primeira vez com os europeus recém-chegados ao seu território. Essas duas atitudes opostas são discutidas pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss em História de Lince, onde ele se debruça sobre o papel que os brancos exerceram no imaginário indígena, antes mesmo do efetivo desembarque dos europeus no Novo Mundo.     

       Para falar do nascimento dos gêmeos mitológicos, Lévi-Strauss resume as relações sexuais possíveis entre humanos e não-humanos, numa época em que as fronteiras ontológicas eram porosas e pululavam contatos inusitados no território ameríndio. Nesse sentido, além de conto de fadas e de romance policial, a análise estrutural pode incluir também a narrativa erótica, sempre atribulada e exuberante: certa jovem, por exemplo, que recusou todos os pretendentes, acabou levando uma vida solitária e se resignou finalmente a desposar uma raiz, com a qual teve um filho, que cresceu ao seu lado. À medida que, nesse livro, os diferentes mitos vão sendo apresentados, o leitor se depara com vegetais e animais sedutores e, sobretudo, já nas páginas iniciais, com o lince, um velho pouco atraente que se une a uma moça virgem. O casal vive feliz porque o lince é, na verdade, um rapaz belo e forte. Quem imagina que o príncipe encantado é tema exclusivo da literatura do Velho Mundo será surpreendido, na História de Lince, por uma galeria de heróis bem-apessoados, embora, inicialmente, todos se caracterizem pela má aparência e a idade avançada. Contudo, há sempre uma pele jovem sob a pele encarquilhada, e o feio oculta o belo. Das uniões sexuais entre esses heróis ambíguos (seres sobrenaturais) e moças cobiçadas pelos homens nascem os gêmeos ameríndios.

       Na América do Sul, à época da “descoberta”, os povos indígenas temiam em geral os gêmeos (estes podiam ser mortos ao vir ao mundo), embora eles também fossem venerados, como sucedia entre os incas. Os mitos ameríndios, contudo, parecem se comprazer em apresentar, em todos os rincões do Novo Mundo, nascimentos de gêmeos, filhos do mesmo pai ou de pais diferentes, seja porque a mãe se relacionou com dois homens ou com um homem e um animal. Segundo a tese de Lévi-Strauss, isso poderia ser explicado pelo fato de que o mundo e a sociedade estão estruturados sobre uma série de bipartições. As partes, porém, não são iguais, uma é sempre superior à outra. É o que acontece com os gêmeos míticos: eles são diferentes entre si, um agressivo, o outro pacífico; um forte, o outro fraco; um inteligente e hábil, o outro desajeitado e tonto etc. Tampouco os seios das mulheres são gêmeos idênticos, lembram os mitos: um é distinto do outro, pois o peito das índias é assimétrico.  

       Entre as mais importantes polaridades míticas, Lévi-Strauss destaca a bipartição em índios e brancos. Ele constata que os brancos, logo após sua chegada, foram facilmente incorporados à gênese ameríndia, como se o lugar deles nesse relato mítico já tivesse sido previsto antes da invasão do Novo Mundo. A criação dos índios, afirma Lévi-Strauss, tornava necessário que o demiurgo também criasse os não-índios. O deus civilizador Quetzalcoatl, por exemplo, anunciou que viriam pelo mar, de onde o sol nasce, seres semelhantes a ele mesmo, cuja aparência, conforme acreditavam os índios, era a de um homem grande, branco e de barba longa. Porém, o mesmo e o outro, idealmente gêmeos, sempre se revelaram desiguais nos mitos e na realidade. Esse desequilíbrio era ainda mais forte entre brancos e índios. Ou seja, os gêmeos não são de fato gêmeos, conclui Lévi-Strauss, tudo neles contradiz essa condição. O filho do Velho Mundo e o filho do Novo Mundo entraram inevitavelmente em conflito, o que os mitos já previam. O índios não puderam ficar indiferentes à chegada dos europeus, mas tampouco puderam reverter a seu favor a superioridade numérica. Há um pormenor inquietante nesse conto de horror e mistério, inserido em História de Lince: o incapacidade indígena de opor uma resistência eficaz ao europeu, mesmo quando 20.000 homens armados, por exemplo, se defrontaram, no Peru, com um número inexpressivo de espanhóis. Essa paralisia terá muitas explicações, inclusive a de que o intruso inicialmente foi visto, pelos incas e pelos astecas, e talvez por outros povos, como uma antiga divindade desaparecida, cujo retorno era esperado e anunciado.   

       É possível especular como seriam hoje as sociedades indígenas se o “reencontro”  entre os gêmeos tivesse ocorrido milhares de anos atrás. Depois de percorrer os Ensaios de Montaigne, um europeu imune à “cegueira voluntária” que acometeu os homens do século XVI, Lévi-Strauss lembra, numa nota de rodapé, que o filósofo lamentou que a conquista do Novo Mundo não tivesse se dado no tempo da Grécia ou de Roma, quando as armas respectivas seriam comparáveis e o contato não teria redundado no extermínio dos mais fracos. Esse belo mito, sonhado por Montaigne e recuperado por Lévi-Strauss, não foi ainda narrado por ninguém. Os gêmeos continuam desiguais, sobretudo nesta parte do mundo, como o demonstra a História de Lince.

 

 

 

 

 

 

Sérgio Medeiros traduziu o poema maia Popol Vuh (Iluminuras, 2007), com a colaboração do americanista Gordon Brotherston, e publicou, entre outros, três livros de poesia. Ensina literatura na UFSC. Participará de uma homenagem a Claude Lévi-Strauss no Centro Cultural Arquipélago de Florianópolis, no dia 22 de novembro, às 19 horas, quando lerá seu poema longo “O retrato totêmico de Claude Lévi-Strauss”.

 

CONTEÚDO DAS GRANDES OSTRAS poema de jairo pereira

CONTEÚDO DAS GRANDES

OSTRAS

 

 

dentro das grandes ostras

signos como pérolas embalados

em cálcio e sais

um signo dois signos três signos

não podem matar a vida

nas paredes das grandes ostras

imagens abertas em azuis

reflexos brancos nos cristais

nas mínimas superfícies lisas

seixos minúsculos sobrepostos

algas em fileiras como ciprestes

no núcleo das grandes ostras

gema e sal a mar aberto gema e significado

gema e significante gema e semas

semantemas crispados de sóis submersos.

 

 

O BRASIL DANTESCO por walmor marcellino

 

De vez em quando se fica inteligente; e então nos sacudimos num Deus acuda! O Brasil era um projeto-elite e naturalmente corrupto na medula patrimonialista. Cresceu e se tornou mais… oligarquicamente corrupto; fascistizou-se com a escória burocrático-militar e se tornou monopolisticamente corrupto; democratizou-se capitalisticamente e se manteve estamentariamente corrupto em todas as suas instituições; neoliberalizou-se e social-democratizou-se grandiosamente podre; petetizou-se e se tornou horizontalmente corrupto com a participação de uma nova classe aderindo luminosamente.

Não preciso dizer como estamos; todos sabem, porém costumam justificar suas preferências. E, ao enfatizarem sua ideologia como falsa representação da sociedade em que vivemos, preciso contradizê-los assumindo-me “reacionário” porque averso às habitudes de sujeição política. Para nossa fortuna, a sociedade do espetáculo vez por outra põe a nu a sociedade anônima que manobra a sociedade política.

Nunca se prestara atenção devida em Eugênio Gudin, Otávio Bulhões, Roberto Campos, Delfim Neto, Mário-Henrique Simonsen, Pérsio Arida, Paulo Malan, até que Antônio Palocci, Guido Mântega ofereceram seus préstimos à reorganização burocrática e moral dos negócios de caixa pública… Onde mais do que na chave do Erário está a idéia de cofre, isto é, de que política econômico-financeira estaremos cá a trataire?

Fortuna deles no poder de classe, fortuna nossa no entendimento dos fatos e das coisas que se passam: Paulo Malluf-Pitta, Teresa Grossi-Salvatore Cacciolla, Fernandão-Malan-Dantas-Barros-Lalau, José Dirceu-Marcos Valério, Renan Calheiros e… por aí vai nas “crises” e “episódios políticos”, porém em cada um deles há uma instituição pública, duas ou mais entrelaçadas. O rebote dos escâncaros se dá no sistema político de governo e nos titulares que os encarnam. Por isso, desde a canalha fascista-militarizada à redemocratização, desde José Sarney, Fernando Collor-Itamar Franco e Fernando-Henrique até os padrões Luiz Inácio Palocci Mirelles  Dirceu, as políticas e seus abusos nos vêm assustando; agora em ressalte porque “o PT fora nossa salvaguarda da República”.

Se alguém propõe homenagem a Darly porque se acabou a mitologia Chico Mendes; ao coronel Pantoja porque disciplinou os posseiros; ao fazendeiro Rayfran das Neves Sales porque extinguiu as denúncias exóticas de Doroty Stang; a Fernandinho Beira-Mar porque revelou o escabriado Sérgio Cabral; ao Ministério Público (RS) da Yeda Crucius porque expurgando o MST acaba com a reforma agrária, se estariamos “tão-só” a cuidar-se de pormenores. Afinal Daniel Dantas, Gilmar Mendes, Tasso Gereissati-Agripino Maia-Azeredo-e Luiz Inácio Genro-Jobim estão agora na berlinda. A República não são só “instituições”; são todos esses representativos de ultrafinanças, com as oportunidades do Banco Opportunity e com o Superávit Primário.

O sociólogo Francisco de Oliveira caracterizou magistralmente esse lance na área do jogo: a corrupção brasileira é entrosada, institucional porque estrutural; à direita e à esquerda. Saudações petistas.

Curitiba, 11/8/2008

VOLTAGENS poema de ewaldo schleder

 

 

 

o rastro aparente

do remoto passado

desfaz o caminho

quando volta

e traz nas mãos

um outro destino

 

no apagar das águas

faíscas elétricas 

 pedras nas pedras

alumbram o limbo

do tempo concreto

abissal e breve

 

no fusco das horas

corações se batem

a vida anoitece

eternidade a um passo

assimétrica geometria

 na sombra leve da tarde

ASCHENBACH por hamilton alves

Um dos maiores personagens da literatura universal, Gustav Aschenbach, que, numa tarde de primavera do ano de 19…, sai de sua residência, na rua do Príncipe Regente, em Munique (conta o início de “Morte em Veneza”), para um passeio solitário, vive a tragédia de sua vida, paixão e morte numa viagem que empreende a Veneza para repousar de sua tenaz lida de escritor.

Num exemplar dessa novela, que ganhei de um amigo num natal de 1984, – já a tinha lido de outro exemplar que trago comigo de muito tempo – contam-se exatamente 109 páginas, numa edição da “Nova Fronteira”.

Paulo Francis disse, em seu livro de pequenos registros, “O dicionário da Corte”, compilado e organizado por Daniel Piza, que essa pequena mas grandiosa obra, que Visconti levou ao cinema não de forma tão bem sucedida (Aschenbach vira músico em vez de escritor), é a melhor dentre todas produzidas por Thomas Mann.

Li “A montanha Mágica”, “Doutor Fausto” em parte, “Tonio Kroger” e um volume de contos do grande escritor e ainda li “O impostor Felix Krull”, parcialmente também. De todos achei que essa novela ocupa, na obra de Mann, um lugar de destaque, não apenas pelo trabalho literário em si, mas pelo tratamento dado a esse grande personagem, Gustav Aschenbach, que, buscando a paz e o descanso na exuberante cidade italiana, acaba, bem ao contrário, se envolvendo com o inferno de uma paixão avassaladora por um adolescente de beleza rara, Tádzio, que, em vários momentos, até a exaustão, persegue por toda a cidade ou fica fascinado quando de seu aparecimento no salão do hotel, junto com outros membros de uma família polonesa, guiados por uma governanta, de muita distinção.

O episódio de sua fuga de Veneza mal sucedida, quando há o providencial extravio de sua mala, fazendo com que retorne pelo mesmo vapor ao Lido, lhe causa um grande alvoroço de ânimo por só constatar que ali voltaria a se encontrar com o objeto dessa paixão.

A deflagração da peste em Veneza é outro fato que o traz apreensivo em função não de si mesmo mas do jovem belo, Tádzio, por cuja vida começa a se preocupar.

A sua exaltação quando percebe, em certa tarde, que Tádzio tem consciência ou corresponde a essa desmedida paixão, entreolhando-se no cruzamento do hotel, é outro destaque de sua existência tormentosa nessa passagem por Veneza.

E, finalmente, sua morte na praia, sentado numa cadeira, lendo os jornais do dia, acometido do mal oriundo de manifestações da epidemia que se alastra claramente, revelando-se, sobretudo, em medidas preventivas de autoridades sanitárias.

Havia comido, adquiridos numa quitanda, os morangos fatídicos, nos quais se alojara o vírus da doença.

Mas antes que isso ocorresse, deparara-se com Tádzio, cuja silhueta se perdia aos seus olhos, no mar, numa grande distância.

Que paixão é essa, de origem homossexual, perguntam-se os críticos?

Há quem entenda que Aschenbach via em Tádzio a expressão máxima do belo, que jamais conseguiria traduzir na obra de arte. Seria ele, assim, um símbolo da beleza inexprimível. Seja como for, não se deslustra nem se compromete essa novela extraordinária, em que Thomas Mann alcançou uma grandeza literária poucas vezes conseguida.

“Morte em Veneza”, bem ao contrário do título, exulta de vida nessas poucas cem páginas.

SE NÃO ME ARMAR, ME PASSAM FOGO por alceu sperança

Por uma opção de cidadania, ando sempre armado. Esclareço ser para uso exclusivo de defesa. É absolutamente necessário, pois nossa comunidade precisa resistir ao ataque dos bandidos que pretendem invadir nosso território. Comprei armas, não vou negar. São ainda escassas para nossa defesa, mas, considerando as premências de dívidas pendentes, conta da farmácia e do supermercado, temos gasto um bocado em armas e munição.

Sim, porque aquele soldado PM com o revólver na cartucheira, o soldado do Exército a vigiar o Palácio do Planalto, o guarda municipal ao qual algum prefeito irresponsável deu o direito de portar uma arma estão ostentando armas que nossa comunidade comprou. Todas as armas militares, das polícias e das guardas, são nossas, pois pagamos a conta. Estão legal e constitucionalmente postas a serviço de nossa segurança e de nossas famílias de compulsivos/compulsórios pagadores de impostos. Na medida em que essas armas, todas minhas, para minha segurança, já foram pagas por mim, por que haveria de comprar mais uma arma para me defender/atacar?

Certa vez John Lennon viu em outdoor uma odiosa propaganda de revólver mostrando uma freira acariciando o instrumento de morte, anunciado como “uma arma quente”. Logo depois ele compunha uma de suas mais instigantes canções: “Happiness is a warm gun” (“Felicidade é uma arma quente”): “Quando tomo você em meus braços e sinto meu dedo em seu gatilho, eu sei que ninguém pode me fazer mal, porque a felicidade é uma arma quente”. A felicidade, de fato, deveria ser a grande arma que deveríamos empunhar. Não um símbolo de morte, mas de vida plena e produtiva. Entretanto, por ocasião do referendo sobre a venda de armas, bateram à nossa porta dois bandos de chatos querendo nos puxar para seu vão debate: proibir a venda de armas, Sim ou Não?

Incapazes de formular uma legislação adequada para o uso de armamentos, os do Sim acreditam ingenuamente que proibir armas, drogas ou o nazismo vai impedir energúmenos de atirar contra seus semelhantes, vender porcarias que realimentam a dependência química ou usar bastões de beisebol para espancar pobres e mulatos. Os outros, os do Não, deixam de agir para que o Estado cumpra seus deveres, preferindo se armar para resistir aos “bandidos”, julgando bestamente que podem ser mais competentes nesse particular que nosso Exército e polícias.

Os do Sim apostam na “paz” da proibição, os do Não pregam o “arme-se a si mesmo”, a locupletação armada. Um tolo debate, nenhuma nau levando a bom porto. O que deveria ir a referendo, plebiscito ou coisa que o valha é se queremos felicidade, que seria a plena satisfação dos direitos humanos, ou o neoliberalismo, que mantém e amplia a miséria em todos os lugares – todos, pois já vimos, pelas aragens didáticas de Miss Katrina, que os EUA, com armas compradas livremente na loja da esquina, não é a nação feliz e democrática que se acreditava ser. Ali todo mundo compra e tem arma, e no entanto ninguém se sente seguro e protegido.

Meu voto seria Não ao neoliberalismo, pois não quero que o nosso Estado fique desarmado diante dos ataques de rapina promovidos contra ele pelos ricos liberais e “social-democratas” deste País e do exterior. Mas meu voto principal é Sim aos direitos humanos: recuso-me a gastar mais dinheiro na compra de uma arma extra de uso pessoal, embora pretenda comprar muito mais armas para meu Exército e para minhas polícias defenderem minha comunidade.

Felicidade é uma arma quente. Ela – e não trabucos ou metrancas – é que deveria ser objeto de plebiscito ou referendo.

Alceu A. Sperança

Escritor


Rumorejando (Quem sofre de hipertensão ou pressão alta deverá evitar de abastecer gasolina proveniente do pré-sal, perguntando?) por jose zokner (juca)

FÁBULA CONFABULADA (INDIGNA DO GURU MILLÔR).

Numa determinada província chinesa vivia uma família, constituída pelo pai Pas Khu Nyak, a mãe, Yach Neh e o filho Shly Mah Zel. O casal vivia se digladiando porque ambos se achavam o dono da verdade, mais sabidos que o dicionário, doutores sabe-tudo e coisas desse jaez. O patriarca, repetindo o que havia lido na Internet, dizia: “Vou vender a Enciclopédia Britânica, o Dicionário, o Livro de Mao, já que minha mulher conhece e sabe tudo. Inclusive, o que se passa na casa dos parentes e vizinhos. Por sua vez, a mulher fazia troça do marido, dizendo que ele era o professor do professor de D’us. O filho assistia a tudo isso e ficava agastado porque ele se dava conta da sucessão de erros e grosserias que os pais cometiam e que eles, naturalmente, achavam que não. Alguns pouquíssimos exemplos do que os dois cometiam:

-Tocavam o equipamento de som a todo volume;

-Assistiam à televisão também aos domingos;

-Não sabiam jogar truco e tinham raiva de quem sabia;

-Elogiavam o governo;

-Sentavam à mesa sem lavar as mãos;

-Não tinham escova de dentes;

-Compravam, desmesuradamente, no cartão de crédito e a prestação, sem levar em conta os juros das financeiras;

-Faziam visitas sem avisar aos visitados que iriam chegar;

-Levavam álbum de 380 fotografias para mostrar aos visitados da última viagem turística que haviam feito;

-Contavam piadas, uma após a outra, durante horas seguidas;

-Bocejavam ruidosamente e/ou sem tapar a boca com a mão;

Shly Mah Zel, ao contrário dos seus pais, tinha um comportamento ilibado. Além disso, era, sem alarde, um excelente aluno, o que na China não é novidade, porquanto é um povo que também se destaca nos estudos e nas pesquisas, mas isso é outra história que, agora, absolutamente, não vem ao caso.

Shly Mah Zel tinha uma namorada e queria convidá-la para vir a sua casa, a fim de conhecer seus pais e vice-versa. No entanto, protelava com medo que eles iniciassem as intermináveis discussões inócuas, como era de seu malfadado costume. Além, é claro, do mau comportamento do casal.

Um dia, quando não havia mais jeito de protelar o convite, diante da insistência de seus pais, lá foi Shly Mah Zel, mais nervoso do que noiva de antigamente em noite de núpcias, com a sua namorada, cujo nome era Tze Bul Keh, para um jantar em sua casa. A mãe procurou, na sua – dela – ótica, se esmerar não aceitando sugestões já que a ela “ninguém precisava ensinar o que quer que fosse”.

Primeiro foi servido um prato de carne; depois a mãe serviu um prato de peixe. Para o prato de carne foi servido um vinho branco e para o peixe um vinho tinto doce. Todos, em copos de plástico, tirados da cristaleira onde estavam colocados os copos de cristal que Shly Mah Zel não entendeu porque não foram usados. A salada já veio temperada, ao invés de que cada um pudesse temperar a seu gosto, com vinagre, o que foi terrível, pois Tze Bul Keh tinha alergia a tal condimento.

Após um ruidoso arroto de Pas Khu Nyak, foi servida a sobremesa que se constituía de uma salada de frutas onde nadavam pedaços de cebola e as colherinhas de plástico tinham gosto de alho.

É claro que o jantar não terminou sem que o casal não iniciasse uma discussão acerba e azeda que culminou com os dois se retirando do ambiente e voltando para continuar a polêmica em altos brados o que deixou o filho assaz nervoso.

Passou-se algum tempo e os jovens casaram e, evidentemente, Shly Mah Zel e Tze Bul Keh se comportavam totalmente ao revés dos pais do jovem. Pelo que consta, bastante felizes e não se sabe se para sempre porque, como diz o poeta e escritor uruguaio Mário Benedetti, numa de suas antológicas poesias, “Hay tanto siempre que no llega nunca”, mas isso já é uma outra história.

Moral I: Na casa que não falta pão alguns gritam e acham que têm razão.

Moral II: Pelos erros dos outros, o homem sensato corrige os seus. (Oswaldo Cruz).

Moral III: Quem não sai aos seus, degenera (no bom sentido).

JOÃO BATISTA DO LAGO comenta em OFERTÓRIO/DOR poema de jb vidal

 

Comentário:joao-batista-do-lago-0081

 

O (A)PARTO DO POETA

Ofertório-dor é um desses escritos que só ocorrem de 10 mil em 10 mil anos. É um parto de dor apartado de si. É um parto de tanta dor, que dói na alma de qualquer vivente que dele venha tomar conhecimento… e lê-lo… e senti-lo… e deixar-se conduzir num parto apartado do ser que se pretende por alguma via encontrar o centro do divino.

Esta poesia de JB Vidal é um levante contra o ser e o não-ser.
Paradoxal inferição que me ocorre, pois, logo ele, que se pretende para além de si, grita seu inferno dantesco de forma tão pungente que se nos revela a oikós onde se “instalou nessa podridão”, ou seja, neste espaço
tempo de nossas existências, que na síntese é a presencialidade do ser no poeta que tenta se organizar no interno centro do divino do seu exílio caótico.

Já nesta primeira estrofe ele se nos oferece a dor após rasgar com
violência anti-humana o seu centro do divino, isto é, arromba com
violência o seu útero eterno sem pai e sem mãe e deblatera o mais
recôndito do seu inferno existencial, como se quisesse ampliar neste
nascer-se as vozes de Nietzsche e Kierkegaard.

Mas o mais genial desta poesia são as duas estrofes centrais, onde o
autor se nos revela todos os tecidos e fibras que fazem parte do
corpo-útero, espermas e óvulos, símbolos e sons, discursos e
proselitismo retórico, forma e conteúdo, deste poema que deixa de ser
fala para se transformar em linguagem, onde atinge, aí sim, o centro do
divino e se faz sujeito… e se constrói, aliás, se reconstrói num
lamento em sujeito-sujeito, uma espécie de deus ou lúcifer, que grita o
tempo inteiro para dizer: “eu existo; eu sou… e só eu sou”. De certa
maneira há aqui um kantianismo infantil, mas exuberante porque nos faz,
de fato, pensar. E pensar não é coisa de humano, mas de anti-humano ou
de antideus ou antidemônio. Permita-me, o poeta, repetir aqui esses
belíssimos versos:

soube então da dor de parir
e parido fui,
da dor da fome e fome senti
da dor do sangue e o sangue correu
em minha’alma gnóstica
a dor assumiu e sobreviveu

quero então oferecer
esta dor maior  que o corpo
mais que desprezo e humilhação
mais que guerras e exploração
mais que almas aleijadas
mais que humanos em farrapas degradação

Já o ofertório-dor propriamente dito, ou seja, a última estrofe, aos
meus olhos, é uma construção inconclusa. Mas penso que aí reside a
maldade-bondade da oferta deste poeta deus-demônio de si, que tem a
coragem de si rasgar e de si parir como o caos que faz e constrói
sujeitos do ser. Ei-la:

ofereço a dor do amor que amei
da partida sem adeus
da saudade sem sentir
da espera inquietante
do futuro irrelevante
da ânsia divina de morrer

MARILDA CONFORTIN comenta em OFERTÓRIO/DOR poema de jb vidal

 

Comentário:marilda-confortin-0021

 

Nessas horas, entendo quando você diz que ainda não estamos escrevendo o que realmente sentimos… não podemos deixar passar…quando tudo morre e só a dor sobrevive é preciso escrever sobre essa dor por mais dolorido que seja. É preciso escrever sobre o amor enquanto se está amando por mais tolo que parece ser.  É Vidal, é preciso escrever como realmente sentimos… quando eu crescer, quero ser como você.
Beijo e boa semana

 

leia AQUI a matéria a que o comentário se refere.

 

 

ZULEIKA DOS REIS comenta em OFERTÓRIO/DOR de jb vidal

 

COMENTÁRIO:copia-de-zuleika-dos-reis-foto-co-2-zuka-06-de-janeiro-de-2008

 

Tocante, tão profundamente tocante que não encontro palavra a dizer diante deste Ofertório-Dor.  Caríssimo Vidal:você desceu fundo demais pelas raízes do humano e subiu fundo demais às inferas dos sacro-ofícios .”Ofereço a dor da ânsia divina de morrer”, um dos mais belos versos que já li, verso de uma beleza e de um alcance indizíveis.

Zuleika.

 

leia AQUI a matéria a que o comentário se refere.

CLETO DE ASSIS comenta em CAMILLE, UMA MULHER E TANTO

Comentário:                        cleto-de-assis-foto-dele
Camille, uma mulher e tanto

Embora rejeitada, em sua época, como artista, simplesmente porque era mulher e apaixonou-se por um homem casado, Camille Claudel, deixou sua marca e sensibilidade em muitas obras eternas, inclusive em sua colaboração com o mestre Auguste Rodin. A Porta do Inferno, citada no post de  Flávio Calazans, recebeu um pouco de seu talento, sempre voltado para o rude escultor francês, assim como os Burgueses de Calais, que ainda passeiam, qual taciturnos fantasmas de bronze, pelo jardim do velho Hôtel Biron.
De certa maneira, Camille Claudel (ou Modemoiselle C., como a chamava, discretamente, seu amante Rodin) foi mais intensamente artista que seu mestre. Muitas de suas obras foram destruídas por ela mesma, no auge dos delírios paranóicos.  O que se pode ver, no Museu Rodin, são apenas 15 obras tardiamente reunidas por Rodin e colocadas, por sua orientação, em uma sala especial. Mas são inigualáveis.

Irmã de Paul Claudel – intelectual extremamente religioso, convertido ao catolicismo, mas que pouco ou nada fez para evitar sua internação em um manicômio por trinta anos, até sua morte – Camille foi, além de artista, uma mulher que não se curvou aos preconceitos da época.

O cinema fez sua homenagem a ela, em 1988, com um filme de Bruno Nuytten. Se Calazans não o viu ainda, com certeza também soluçará ao assisti-lo. Gérard Depardieu interpreta o escultor e a bela Isabelle Adjani se transforma maravilhosamente em Camille, além de co-produzir a obra. Um poema cinematográfico, que narra a vida, paixão e morte lenta dessa mulher extraordinária. Um dos mais belos filmes que já vi.

veja AQUI o texto a que o comentário se refere.

VITÓRIA DE OBAMA DIVIDE MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL


A vitória de Barack Obama, nos Estados Unidos, tem provocado debates entre líderes do movimento negro no Brasil. O que se observa, no Dia da Consciência Negra, comemorado hoje com feriado em 358 municípios, é a existência de agudas divergências no meio deles. Dias atrás, num artigo divulgado pela internet, o advogado e jornalista Dojival Vieira, coordenador do Movimento Brasil Afirmativo, expôs essas diferenças ao escrever que quase tudo que Obama fez para chegar à Casa Branca soaria no Brasil como verdadeira heresia para a maioria dos líderes negros.

“O discurso pós-racial de Obama não faria o menor sucesso e não teria o menor ibope, pelo menos entre nossos auto-proclamados líderes, porque para a maioria deles a raça continua constituindo a razão de ser do movimento”, disse. “Alguns flertam com a idéia de um Brasil birracial, ou seja: nosso papel seria superar a supremacia branca para afirmar a supremacia negra.”

Também pela internet, em um grupo de discussão, o cientista social Carlos Alberto Medeiros, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), criticou os termos usados no artigo de Vieira. “Travamos uma luta ideológica, e nossos inimigos jogam pesado no campo da chamada opinião pública”, afirmou. “Temos uma diversidade de posições e opiniões que merecem ser apresentadas e discutidas. Mas é preciso ter responsabilidade no uso das palavras, para que uma crítica interna não seja transformada em instrumento dos dominadores para enfatizar nossas divisões.”

Para o antropólogo Kabengelê Munanga, professor da Universidade de São Paulo (USP), Obama, ao apresentar e discutir temas centrais da sociedade, provou que tinha melhores condições que o concorrente para dirigir o país e pôs abaixo o mito da supremacia racial branca. “Num país onde 12% da população é negra, seria um desastre utilizar a bandeira racial. Mas também não funciona nem no Brasil, onde a população negra é bem maior. Tanto lá como aqui é preciso discutir a sociedade como um todo, sem negar a questão da racismo.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

A GRIPE, A FEBRE E A POESIA poema de joão batista do lago

 

 

 

 

 

Desgraça pouco é besteira!

Reza a lenda popular brasileira.

Foi assim que fiquei paciente

Duma cama fria e lacônica

Doía tudo. Até a alma, minha gente.

 

A danada da gripe foi de lascar

Era dor de tudo que é jeito

Remédio tomei pra dela escapar

Qual nada! Nenhum fez efeito

Fiquei na cama com febre a me danar

 

O Maneco inda me telefonou

Tentou de todo jeito me reanimar

Mas o corpo já de tanto véio

Num respondia, seu moço

Queria mesmo era cama pra se aninhar

 

Depois ligou o Vidal oferecendo carona

Também isso não me fez fugir da cama

Tentou me incentivar dizendo que seria bacana

Participar desta primeira semana

Sarau de poesia na noite curitibana

 

Em seguida me disse a Marilda

Num e-mail quebrado no meio do dia:

– “Poeta, deixa de frescura sem demora;

hoje no Massudas é noite de poesia…

cachaça com limão e vamo simbora.”

 

Mas a filha-da-puta da gripe

Não veio sozinha, não!

Trouxe a tiracolo a danada da febre

Não bastasse isso, me deu por companhia

O cof-cof… cof-cof… nesta noite de poesia

 

Êta, gripezinha sem-vergonha… safada

Adoeceu minha poesia a danada

Agora ta indo imbora a marvada

Sacaneou comigo a semana inteira

De repente quer ir embora toda faceira

 

Não! Num vai ficar barato não

Vou mostrar pra essa filha-de-bordel

Que não se brinca com poeta. Não!

“Vai pra eternidade nas asas dum cordel.”

– Dirá o poeta numa cachaça com limão e mel

 

E pra terminar toda essa cantoria

Faço aqui meu agradecimento

Ao professor e poeta Hélio pelo lamento

Que manifestou de me ver fora do evento

Vai daqui todo o meu reconhecimento

 

Chega assim, ao fim, esse poema-cordel

Feito por um poeta rabugento

Que ta ruminando feito touro velho

Toda raiva da gripe, da febre e da tosse

Que durante dois dias me tomaram por posse

 

Antes de por fim a esta cantoria

Quero aqui muito me desculpar

Num outro evento dessa natureza

Quando se engrandece a poesia

Lá estarei, custe o que custar, com certeza. 

O HOMEM-LÂMPADA poema de jairo pereira

 

 

anoiteceu homem-lâmpada abaulado e tenso adormeceu no clarão solar da própria luz

mariposas aos pés da cama

um bilhete : suicídio das trevas:

sonhou em luz luminar lâmpto transforescente

 pregou orações pra dentro ornado de sóis contra-favor lúmino & resolvido

amanheceu pensante em claros distendidos cresceu reflexos idéias vertigens no tempo no vento e não apagou mais.

NOVO QUADRO POLITICO NA AMÉRICA CENTRAL por frida modak

 

 

 

Duas reuniões ilustram que o subcontinente deve decidir entre manter os EUA como referência ou integrar um processo de alinhamento com o Sul.

Duas reuniões ilustram que o subcontinente deve decidir entre manter os EUA como referência ou integrar um processo de alinhamento com o Sul


 


 

A crise econômica estadunidense, transmitida ao resto do mundo, está gerando mudanças importantes na América Latina. Não nos basta apenas observar, mas atuar para que desemboquem no que convém à região. Duas reuniões recentes ilustram essa mudança.

 

Uma delas foi a Décima Reunião de Chefes de Estado e de Governo do Mecanismo de Diálogo e Concerto de Tuxtla, que acabou em 28 de junho em Villahermosa, México. Nela se reafirmaram os objetivos do Plano Puebla Panamá, que mudou de nome e foi rebatizado de Projeto Mesoamérica. Participaram os presidentes e Chefes de governo dos países membros: Belice, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua e Panamá, assim como República Dominicana em sua qualidade de Estado Associado do Sistema de Integração Centro-americana (SICA) e o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe.

 

O documento final do encontro deu especial importância ao combate da delinqüência organizada e a adesão à Iniciativa Mérida financiada pelos Estados Unidos (projeto em parceria com o México para o combate do narcotráfico). Houve 9 referências a este tema entre os 60 pontos da declaração final.

 

O outro encontro foi a Quinta Reunião Extraordinária de Petrocaribe, efetuada em 13 de julho em Maracaibo, Venezuela. Participaram os presidentes e Chefes de governo de Antígua e Barbuda, Bahamas, Belice, Cuba, Dominica, Granada, Guayana, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua, República Dominicana, São Cristóvão e Nevis, Santa Lucia, São Vicente e as Granadinas, Suriname e Venezuela. Costa Rica assistiu como observadora. Nesta ocasião se estabeleceram os novos termos em que a Venezuela proporcionará petróleo aos membros do Petrocaribe. Enquanto o barril estiver custando mais de 100 dólares, esses países terão um desconto e pagarão 40% após 90 dias do recebimento. O resto será quitado em 25 anos. Se o preço superar os 200 dólares, pagarão 30% em 90 dias e o resto a um prazo maior. Até agora se pagava 50% a 90 dias e o resto em 25 anos, com dois anos de graça e juros de um por cento.

 

 

Novas presenças

O contraste entre ambas reuniões tem dado origem a interessantes análises. Até o início dos anos 90, as áreas de influência ou presença dos maiores países da América Latina estava bastante clara. México exercia uma liderança na América Central, mas tinha escassa presença no Caribe, excetuando o alto nível de suas relações com Cuba. Por sua vez, a Venezuela tinha presença, mais que influência, no Caribe e na América Central, de onde se aproximou mais quando integrou o Grupo de Contadora. O Brasil, por sua vez, esteve sob um regime ditatorial até o final dos anos 80, assim como os países do Cone Sul.

 

Restabelecida a democracia na América Central e do Sul, o quadro se modificou. Analistas falam do deslocamento do México da América Central e a presença da Venezuela e do Brasil nessa área, como também no Caribe e na América do Sul. Ainda que se tente apresentar aos presidentes Lula e Chávez como antagonistas, os acontecimentos se encarregam de mostrar suas coincidências.

 

Sobre a América Central, cabe recordar que, em 2005, participaram da criação da Petrocaribe só países do Caribe. Os projetos diziam respeito tanto a preços preferenciais do petróleo, como também à construção e remodelação de refinarias. Os países centro-americanos receberam, então, do governo do México a oferta de instalação de novos postos de gasolina da Pemex (estatal mexicana), de modernização das velhas refinarias que já não funcionavam e cotas rebaixadas de petróleo. Esta foi a origem da controvérsia entre os presidentes Hugo Chávez e Vicente Fox, pela forma que este último se referiu ao projeto venezuelano.

 

Passados os anos, a oferta mexicana não se concretizou. Comenta-se no meio diplomático que o atual presidente Felipe Calderón disse ao colega guatemalteco Oscar Berger que seu país não estava em condições de vender-lhe a quantidade de petróleo oferecida pelo seu antecessor. As refinarias tampouco se remodelaram nem se instalaram postos de gasolina. A alta dos preços do petróleo custou às nações centro-americanas centenas de milhões de dólares e, finalmente, apesar das pressões estadunidenses, Honduras e Guatemala ingressaram à Petrocaribe e, com isso, a um projeto de desenvolvimento regional que contempla também investimentos e geração de empregos.

 

Um novo perfil

Neste contexto e em meio à crise econômica que já se admite como tal, a América Latina enfrenta uma nova realidade. Nossos recursos sempre têm sido cobiçados. Até há alguns anos os Estados Unidos se proclamavam detentores de direitos que ninguém lhes havia concedido. Consideravam a região sua área de influência. Mas, nos anos 70, passaram a enfrentar problemas econômicos e, para evitá-los, abriu a região para outro tipo de colaboração com a Europa Ocidental. Hoje os europeus disputam a hegemonia e ambos enfrentam o desafio russo-asiático.

 

Resulta, então, que a América Latina está diante de dois caminhos: seguir como os que mantêm os Estados Unidos como potência em um mundo que já não será unipolar ou integrar um novo alinhamento do Sul. Enquanto se definem os futuros centros de poder, vamos ser objeto de inumeráveis pressões. A Amazônia e a Antártica escondem enormes recursos e já os países chamados desenvolvidos estão formulando reivindicações sobre esses territórios. Se os Estados Unidos não conseguem o acesso à Amazônia através da Colômbia, América Central e o Caribe são outra via. A Grã-Bretanha quer a Antártica e as jazidas petrolíferas descobertas pelo Brasil são uma tentação, assim como as do Golfo do México.

 

Este novo perfil do subcontinente não tem sido demostrando adequadamente. Mas Brasil e Venezuela o têm claro. Os brasileiros vão guardar seu petróleo com submarinos nucleares e estão comprando novos aviões. A Venezuela já faz tempo que mudou seus provedores de armamento, seu presidente acaba de estar na Rússia e busca uma aliança estratégica ante a crise. A iniciativa de Lula da União das Nações Sul-americanas (Unasul) criou um Conselho de Segurança cuja importância é óbvia, tanto como a necessidade de abandonar esquemas que já colapsaram. Está se desenhando um novo mapa geopolítico e nos cabe decidir se seremos sujeito ou objeto.

 

Frida Modak é jornalista, foi secretária de imprensa do presidente Salvador Allende. Artigo publicado originariamente na Alai

 

nada menos soy que una puta / poema de francisco cenamor / España


                               para la asociación hetaira

 

y me miras

y veo en tus ojos un aliento que extrañaba

tocas mi piel y regreso de nuevo a mi tierra

aunque sé que estoy muy lejos

 

qué dulce que alguien como tú

me haya atado a esta tierra hostil

acabo de llegar

tú me dices que todo irá bien

no me conoces y tu susurro en  mi oído

me suena conocido

 

qué dulce eres mi amor pero perdona

no tengo derecho a decirte eso

el tiempo se te está por terminar

¿quieres que te dé un masaje?

será un placer

 

no no tengas cuidado

yo estoy bien aquí

adiós adiós pero espera

te has dejado olvidado

este trozo de esperanza

vaya ya te has ido

sé que no te volveré a ver nunca

PARAÍSO poema de sara vanegas / Ecuador

 

 

la arena que cubre tu cuerpo magro

te muestra oasis inefables

y atrapa tu lucidez

la arena que vomitas camino al antiguo edén

la que acribilla tu mirada y tu memoria

y te conduce duna tras duna

al otro lado del mar

la arena que sepulta tu corazón ardiente

y te ofrece al fin en un instante imposible

azul e inalcanzable el paraíso

 

y cierra piadosamente tus ojos

 

HOMO SAPIENS poema de manoel de andrade

 

 

 Primo do primata, irmão ou primogênito

por tantas linhas que essa história abarca

nessa ilustre família do passado

diga-nos: afinal quem foi teu patriarca???

                            

Sobrevivente de todos os caminhos

de Neanderthal às passarelas do terror

grego ou troiano, cruzado ou sarraceno

judeu e palestino no ódio e no amor.

                            

Ei-lo chegado dos arraiais do tempo

sem pêlos, ereto e bem trajado

ostentando as etiquetas do progresso 

e o seu orgulho de homem civilizado.

                            

Ei-lo no terceiro passo do milênio

herdeiro da filosofia e da ciência

depositário infiel da lei e da razão

o senhor da guerra e da violência.

                            

Ei-lo no palco da comédia humana

protagonista do escândalo e da inocência    

resignado a gargalhar, chorar, fingir

na incomunicável pantomima da existência.

                            

Ei-lo manequim do orgulho e do egoísmo

trajando sua incômoda  religiosidade

encurralado pela vida e para a morte

tateando tragicamente a eternidade.

 

Ei-lo garimpando as jazidas da ilusão

escravo  do ouro, do poder e da aparência

condenado ao remorso, à dor e à solidão

no tribunal implacável da consciência.  

                            

Ei-lo a dançar no carnaval do mundo

nesse  eterno festim, grotesco e sensual

triste figura de pierrô e colombina

pobre bacante dessa orgia universal.

                                

Ei-lo desvendando os caminhos siderais

ainda que na Terra viva a esmo

imantado aos seus instintos bestiais

incapaz de abrir uma rota pra si mesmo.

                             

Ei-lo arrebatando impaciente o seu bocado  

no gesto cego, primitivo e infantil

disputando a qualquer preço o seu brinquedo

qual uma criança em seu íntimo perfil.

                             

Ei-lo  mafioso, sedutor e corrompido 

traficando em um varejo alucinante

de colarinho branco ou encardido

parceiro inconfessável de um mundo degradante.

                             

Ei-lo a cuspir no prato que comeu

e desse banquete só migalhas restarão

as águas mortas, florestas abatidas

um planeta devastado àqueles que virão.

                             

Promotor da fome e da miséria

com sua elite global e rapinante

vai saqueando a vida dia-a-dia

impassível ante um grito agonizante.

                             

Mas apesar de tudo é o  herói que sonha

pra buscar na utopia a sua glória 

arauto da liberdade, da paz e da justiça

sacrificado nas trincheiras da história.

 

Missionário do amor, da arte e do progresso 

anônimo  na humildade e na grandeza

indiferente aos holofotes do “sucesso”

mora na luz da fraternidade e da beleza. 

                             

Ei-lo enfim  a se arrastar no chão da vida

com a alma manchada por tantos desatinos

milenar caminheiro  da esperança

solitário e sem rumo diante do destino.

                             

Perplexo frente a tantos holocaustos  

ensurdecido ante os canhões da guerra 

fita as estrelas e suspira fundo

sonhando um dia com a paz na Terra.

 

                                 Curitiba, março de 2004

 

 

Este poema consta do livro “CANTARES”, publicado por Escrituras.

SATURAÇÃO NA CAPACIDADE DE EXPANSÃO CAPITALISTA por walmor marcellino

 

“Amigos 25 anos” tem capeado informações e artigos instrutivos, ou meramente ilustrativos quando não ultrapassam meras constatações, às vezes sem uma perspectiva crítica; quer dizer sem tocar o cerne das contradições ou desvelar o antagonismo. Um destes é o de Limites do Crescimento (comentados por Enrique Leff). Questões como a substituição dos insumos correntes e, em conseqüência, dos seus processos produtivos; enfrentam contradita do poder econômico-político nas sociedades e no mundo (com especial destaque para o forte complexo industrial-militar que se mostrou endógeno às estruturas políticas engendradas pelo “capitalismo de vanguarda” nas sociedades imperialistas). Outra relevância é que a saturação produtiva é horizontal e vertical, em reciprocidades, dependentes de tecnologias mutantes e vórticas que não admitem a ilusão de “voltar ao pequeno” (Il Piccolo è bello), não bastasse o poder inalterável de empuxo do próprio capitalismo.

Assim, se não está no horizonte do possível um “consenso” de auto-controle capitalista-imperialista e a extinção, sponte sua, do próprio sistema capitalista de produção, o que se apresenta nesse enigma, de predação da natureza‑saturação do meio humano ambiental, como racionalidade e sua razão política?

István Mészáros em “Produção Destrutiva e Estado Capitalista”, uma parte de seu “Para Além do Capital” (não apenas “Além do Capitalismo”), coloca e debate a transformação da “Destruição Produtiva”, que formou o capitalismo com a transformação de bens naturais para o uso humano, em “Produção Destrutiva” como processo-limite nesse processo de transformação de insumos. O cientista marxista húngaro nos impõe uma análise sistêmica do capitalismo contemporâneo a partir da sua dinâmica concreta de expansão e poder na sociedade contemporânea. Não creio que possa aqui suscitar os temas do antagonismo capitalista com as forças sociais postas na produção, senão remeter os interessados para o estudo de sua magistral obra, que resgata as idéias e o espírito de Karl Marx e adverte contra as simplificações políticas que administram a sobrevida desse sistema de opressão, exploração e destruição que vai sendo mantido por um sistema mundial “jurídico-político” de forças e fomentado pela positividade da estultice “politicamente correta” de dominação das mentes.

Quanto aos caminhos da superação dialética dessa crise incontornável do sistema capitalista, além do forum social mundial de práticas e idéias políticas e da resistência a todas as formas de opressão, exploração e destruição, cada qual encontre sua comunidade organizada e se descubra no processo político com um agir comunicativo, aglutinante.

VIÚVA DE PAULO FREIRE ESCREVE CARTA DE REPÚDIO À REVISTA VEJA

Atualizado em 12 de setembro de 2008 às 10:46 | Publicado em 12 de setembro
de 2008 às 10:38
por CONCEIÇÃO LEMES
Na edição de 20 de agosto a revista Veja publicou a reportagem O que estão
ensinando a ele? De autoria de Monica Weinberg e Camila Pereira, ela foi
baseada em pesquisa sobre qualidade do ensino no Brasil. Lá pelas tantas há
o seguinte trecho:

“Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe
mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che
Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de
neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem
contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire,
autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização.
Entre os professores ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico
alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade.
Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que
se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos
senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que
talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado”.

Curiosamente, entre os especialistas consultados está o filósofo Roberto
Romano, professor da Unicamp. Ele é o autor de um artigo publicado na Folha,
em 1990, cujo título é Ceausescu no Ibirapuera. Sem citar o Paulo Freire,
ele fala do Paulo Freire. É uma tática de agredir sem assumir. Na época
Paulo, era secretário de Educação da prefeita Luiza Erundina.

Diante disso a viúva de Paulo Freire, Nita, escreveu a seguinte carta de
repúdio:

“Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo
Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE — e um dos maiores
de toda a história da humanidade –, quero registrar minha mais profunda
indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada semana a revista
VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas de nosso país. Não a
leio por princípio, mas ouço comentários sobre sua postura danosa através do
jornalismo crítico.  Não proclama sua opção em favor dos poderosos e
endinheirados da direita, mas , camufladamente, age em nome do reacionarismo
desta.

Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoar pessoas
as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo, que dedicou
seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais bonito e mais justo,
não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira vez que o atacam. Quando da
morte de meu marido, em 1997, o obituário da revista em questão não lamentou
a sua morte, como fizeram todos os outros órgãos da imprensa escrita, falada
e televisiva do mundo, apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele
feitas.

A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente com o
apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética, certamente em
favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada por Paulo. Esta não
é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que é conhecido no mundo por
sua conduta ética verdadeiramente humanista.

Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que, certamente
para se sentirem e serem parceiras do “filósofo” e aceitas pelos neoliberais
desvirtuam o papel do feminino na sociedade brasileira atual. Com linguagem
grosseira, rasteira e irresponsável, elas se filiam à mesma linha de opção
política do primeiro, falam em favor da ética do mercado, que tem como
premissa miserabilizar os mais pobres e os mais fracos do mundo, embora para
desgosto deles, estamos conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro
reacionário.

Superação realizada não só pela política federal de extinção da pobreza, mas
, sobretudo pelo trabalho de meu marido – na qual esta política de
distribuição da renda se baseou – que demonstrou ao mundo que todos e todas
somos sujeitos da história e não apenas objeto dela. Nas 12 páginas, nas
quais proliferam um civismo às avessas e a má apreensão da realidade, os
participantes e as autoras da matéria dão continuidade às práticas
autoritárias, fascistas, retrógradas da cata às bruxas dos anos 50 e da
ótica de subversão encontrada em todo ato humanista no nefasto período da
Ditadura Militar.

Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média
brasileira medíocre que tem a Veja como seu “Norte” e “Bíblia”, esta matéria
revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu
a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e dignidade restaurou a
esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo plantou, com sacrifício e
inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os e as que a fazem
vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo,
eliminar do espaço escolar o que há de mais importante na educação das
crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as
pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia,
gênero, idade ou religião.

Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o
direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de
Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no
caminho certo para a construção da autêntica democracia. Querendo diminuí-lo
e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de proclamar
que Paulo Freire Vive!

São Paulo, 11 de setembro de 2008
Ana Maria Araújo Freire”.

HISTÓRIAS DO BRAGA – crônica de hamilton alves

 

 

 

 

 

                                   Não tive a menor convivência com Rubem Braga. Nem sequer cheguei a conhecê-lo, como não cheguei a ter contato com outros mestres da literatura brasileira (especialmente cronistas). Conheci e troquei algumas palavras com Fernando Sabino, Otto Lara Resende, mas não com Paulo Mendes Campos (uma das minhas frustrações irreparáveis pela admiração que sempre tive por Paulo). Mas não com Antonio Maria, que conheci numa fila desorganizada do cinema Metro, em Copacabana. Maria estava a pouca distância de mim. Quando a porta do cinema se abriu, foi aquele rolo compressor, nem permitindo que andássemos com nossas próprias pernas. Só via, no meio das pessoas, erguer-se a cabeça do Maria. Uma velhinha, que me pediu para protegê-la, igualmente foi levada por essa avalanche, sem que nada pudesse fazer por ela.

                                   Por que então intitulo esta crônica de ”Histórias do Braga”? É o seguinte: quando chegou a uma redação de jornal de São Paulo se propôs a escrever crônicas ou se identificou como cronista.

                                   Suponho que, naquela altura dos acontecimentos, a crônica ainda era um gênero pouco cultivado no jornalismo brasileiro ou aparecia pouco em nossa imprensa. Daí que o Braga se candidatasse a ser apenas cronista de jornal pareceria um disparate ou uma coisa inteiramente fora de propósito.

                                   O diretor do jornal (assim se conta) lhe teria dito que havia vaga para redator de fatos gerais (faits divers, como se diz em linguagem jornalística). O Braga bateu pé com todo seu conhecido e propalado orgulho de cronista. Ergueu-se da cadeira e proclamou aos ventos que passavam em volta:

                                   – Só escrevo crônicas!

                                   O diretor (ou seja lá quem tenha sido que o entrevistou nessa ocasião) deve ter achado muito curioso que se apresentasse à redação um jornalista que se propunha a só escrever crônicas e nada mais.

                                   Foi então (conta a história, que pode se resumir ao mito envolvendo o Sabíá da crônica) que o diretor do jornal acatou sua decisão e, a partir de então, lhe reservou uma coluna no jornal para compô-la, que passou a ser semanal, depoisa a diária.

                                   É óbvio que, quando uma pessoa busca um emprego, seja do que for e precisa dele para sobreviver, sua margem de exigência, em geral, cai a zero. Ou não se impõe com tanta determinação.

                                   Braga, por isso, nessa ocasião, poderia ser mais, digamos, contemporizador. Ficaria com a função de redator. Aos poucos, conquistaria o espaço de cronista. Mas no caso dele (conta a lenda, se lenda) impôs de saída sua condição de forma categórica:

                                   – Só escrevo crônicas.

                                   Se o diretor ou quem fizesse suas vezes tivesse, por acaso, o repelido por tal exigência, que pudesse lhe parecer meio estranha, teria perdido de acolher o cronista excepcional que era o Braga, que, na ocasião, encontrava-se na melhor fase de produção do gênero que o consagrou.

                                   Os que o conheceram de perto dizem que era uma de suas marcas – o orgulho. Nunca, em tempo algum ou em nenhuma circunstância, voltou atrás de uma decisão tomada, ainda que lhe custasse caro.

                                    Braga elevou o gênero crônica a um patamar que só havia sido conhecido nos tempos de Machado de Assis. Passou à história das letras deste país escrevendo esporadicamente uma lauda e meia sobre tema qualquer.

                                    Foi tudo que fez na vida..    

 

(Nov/o8)

Rumorejando (Dias melhores, ou, pelo menos, menos piores, aguardando). / por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I (Emprestando o termo “pila” dos gaúchos).

O dolar oscila,

Sobe e desce.

Mesmo assim,

É tudo igual

E não é um pranto:

O meu real

Desaparece,

Como por encanto,

Ele vive no fim

Sem sobrar um pila,

Sem um tostão furado.

Coitado!

De mim…

Constatação II

Quem nunca leu, pelo menos os livros, Jorge, um brasileiro, de Oswaldo França Júnior e O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho não entende nada de nada. Tenho, sem patriotada, dito.

Constatação III

Exemplo de Exercício de Poder é quando uma pessoa física ou jurídica te adverte, te chama a atenção, várias vezes, que a reunião terá que ser im-pre-te-ri-vel-men-te numa determinada hora e te atende com uma hora de atraso. Outros exemplos são: “Eu quero porque quero é tá acabado”, de pais para com os filhos e da mulher para com o marido e, dificilmente, deste para com aquela…

Constatação IV

Posto

Que a gente

Tem que pagar imposto,

Tributo,

Imposto como obrigação,

Tão somente

E não vê atitude

Pra uma solução

Pra Saúde

E a Educação

A gente fica put, digo resoluto

A tomar

Uma posição

De não votar

Na próxima eleição.

Constatação V

Carcomido pelo ciúme

De ver a vizinha

Com mais um carro,

Todo incrementado,

Ficou que era só azedume

Pôs-se a falar

Abobrinha,

E, para piorar:

A sogra vá tirar

Um sarro:

Que ele só tinha uma bicicleta

E que de tanto pedalar

Poderia se tornar

Um baita atleta.

Coitado!

Constatação VI

Não se pode confundir simbiose, que o dicionário Houaiss dá como “interação entre duas espécies que vivem juntas” com sinistrose, que o mesmo dicionário define comotendência a alardear a iminência de colapsos e perigos terríveis, individuais ou sociais, a vaticinar desastres, ruínas, grandes perdas materiais, catástrofes em empreendimentos, planos econômicos, projetos políticos”, muito embora se as duas espécies que vivem juntas serem humanas tipo genro ou nora com sogra, fatalmente, deverá descambar para a realização efetiva da sinistrose. A recíproca até pode ser verdadeira. Basta ver o que está ocorrendo no mundo com a derrocada da especulação financeira que nada tem a ver com o trabalho produtivo que efetivamente gera riqueza.

Constatação VII

Deu na mídia: “A revista ‘Forbes’ aponta Elvis como artista morto mais rico de 2008”. Taí uma notícia de transcendental importância para as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e, também, para o futuro da Humanidade…

Constatação VIII

Aguarde breve: O “pibe”, como é chamado carinhosamente Maradona pelos hermanos, sendo desmistificado como a maioria dos técnicos em todo o mundo. As exceções como o Felipão e outros são apenas, e não mais que apenas, exceções. Tenho profeticamente dito.

Constatação IX

Lugar-comum é a casa da gente? E quem não tem casa como é que fica? Sem-teto- comum?

Constatação X

A violência que grassa em nosso país gerou a ampliação do termo ‘liquidação’ que anteriormente só se referia às vendas para renovação dos estoques das lojas?

Constatação XI

Semiótica quer dizer que o sujeito só vê as coisas pela metade?

Constatação XII

Para quem acredita em inferno, purgatório e paraíso, acompanhar um enterro de uma pessoa é levá-lo para a sua penúltima morada?

Constatação XIII (Quadrinha para ser recitada no dia das eleições).

Sou um democrata

Meu voto é obrigatório

Meu candidato é psicopata

E vive num consultório.

Constatação XIV (Saudosismo).

Já no fim do jogo entre o Gama e o Paraná, nos descontos, a bola bate na trave do Paraná e, na seqüência, um corner e um pênalti a favor do Paraná que é convertido em gol e o Paraná vence por 2 a 1. Os gols do Paraná foram feitos por zagueiros. No meio da euforia e do “ufa!” dos paranistas, ouviu-se um comentário com ar tristonho e nostálgico de um torcedor: “Já não se fazem atacantes como Izaldo, Casnock e Afinho, do meu velho Ferroviário”.

E- mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

Livros encalhados, crime de lesa-cabeça / por alceu sperança

 

 

 

Por vezes aparece alguém estranhando o grande sucesso da vasta produção de software da Índia. Essa estranheza revela o desconhecimento da realidade daquele pais, que luta para superar seu passado de submissão ao imperialismo travando uma luta tremenda contra a ignorância, através de uma revolução silenciosa: os indianos são, hoje, o povo que mais lê livros no planeta, dedicando 10,7 horas por semana à leitura.

No Brasil, no entanto, mesmo entre os que se julgam alfabetizados, 75% dos nossos compatriotas não sabem ler direito, segundo atestou uma pesquisa do Ibope. Sabe o bê-a-bá, ou seja, aprendeu a juntar uma letra com a outra e a assinar o nome. Já pode votar e se endividar no banco? Então, ótimo! Não precisa mais nada. Esse cidadão do bê-a-bá está longe de entender efetivamente o que lê e sequer sabe, pois não pode ler direito que ler enriquece e por isso continua pobre.

O governo brasileiro até que se mexeu um pouco, ao velho estilo três M (malandro, midiático e medíocre), anunciando o Plano do Livro e Leitura, a criação do Conselho Nacional do Livro e Leitura e a regulamentação da Lei do Livro. Mas a ação oficial, como bem sabemos, é quase nada. Escreveu, não leu, nem os autores leram. Se você confiar cegamente em seus governantes, sem pressioná-los, colherá a mesma frustração de todos aqueles que elegem deputados e esperam que eles arranquem fogo dos céus. É desastroso acreditar, ingenuamente, que estamos dando um cheque em branco para um sujeito apenas por conta de um voto clicado numa urna.

Promover a leitura como elemento essencial à revolução brasileira deve ser uma tarefa de todos nós, de cada escola, cada igreja, cada associação, cada brasileiro que se julga construtor da cidadania e de um país melhor.

Um país que piorou nos últimos dez anos e ficou bem mais burro nos governos tucano-liberal e petista-peemedebista, a julgar por uma pesquisa promovida pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugerida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): entre 1995 e 2003, o número de livros vendidos no país caiu mais de 40%. Isso apresentou um fenômeno: uma vasta “escala de estoque”, linguagem técnica para o que nos chamamos de encalhe. Neste momento há encalhados, longe do acesso dos sem-livros, algo ao redor de 50 milhões de volumes. E são livros bons, pois as editoras decidiram as tiragens de acordo com seu potencial de consumo.

A mesma pesquisa mostrou que o PIB cresceu 16%, no período indicado, mas o mercado editorial brasileiro encolheu: o número de títulos caiu 13%, o de exemplares editados teve queda de 10% e as vendas, como vimos, despencou mais de 40%. Causas? O povo já não lia, e a partir de 1998 a renda da classe média foi achatada. A dos funcionários públicos em particular vem caindo desde 1994. Se quem não lia continua não lendo e quem comprava livros não compra mais, se o livro, que deveria até ser gratuito, é caro demais em relação à renda do povo, há pouco mais a dizer sobre o emburrecimento geral deste país.

O livro no Brasil chega a custar três vezes mais do que na França. Enquanto os alemães produzem cerca de seis livros por habitante, os editores brasileiros só publicam dois (e mesmo assim temos aquele monumental encalhe). Nosso livro, aliás, é quase três vezes mais caro do que o francês e o japonês. Como o livro brasileiro é caro em relação ao poder aquisitivo do povo, o governo compra livros e os doa aos estudantes (nosso governo é hoje o terceiro maior comprador de livros do mundo). Na China, mesmo sendo o livro muito caro em relação à renda do povo, o governo distribui livros à mancheia, como queria nosso Castro Alves. Chinês só não lê se não quiser. Quase tão pródigo é o governo dos EUA, que compra quatro vezes mais livros para estudantes do que o brasileiro.

Para completar, não será demais repetir a sábia advertência de José Bento Monteiro Lobato (1882–1948): “Um país se faz com homens e livros”. Livros aos homens, portanto

CRÓNICA DO NOSSO DESCONTENTAMENTO – por vera lúcia kalaari / Portugal

 

 

 

 

 

                Estou farta! Na realidade, estou mesmo farta! Eu e milhões de portugueses.

A actuação do Governo é, indubitavelmente, marcada por amargas realidades das reduções orçamentais e, principalmente, reviravoltas políticas.

 

               A situação tornou-se de tal maneira grave, que já nem há lugar para promessas, essas mesmas promessas que, durante anos, manteve o eleitorado na expectativa.  Entretanto aconteceu

uma proverbial e  oportuna crise mundial, que justifica tudo. Não se lembram, isso não, que

durante estes anos, o grupo de homens que diariamente enchiam as bancadas da Assembleia,

tudo processavam sem pressas. Raramente começavam a horas, porque se perdiam pelos corresdores em conversas amorfas. Nada de ideias crepitantes. Nada  que pudesse perturbar o  espírito rotineiro dos debates.

 

               Desde a orla das praias douradas algarvias, às paisagens agrestes de Trás-os-Montes, nada era esquecido ali. Falavam nos problemas, encetavam discussões, planeavam soluções, mas tudo calmamente, amadorrados na sonolenta luz do Hemiciclo, esquecidos do País moribundo que agonizava lá fora. Mas é aqui, sobretudo aqui, nas bancadas imensas, no ambiente majestoso dos lustres das paredes magnificamente decoradas, que eles sentem ressuscitar a sua força de poder, a força que lhes dá para pensar que é nas suas mãos que está o destino deste Povo e desta Nação.

Por isso, essa vontade férrea de sobreviver nesses cargos que os faz barafustar uns com os outros, não para encontrarem soluções mas unicamente para se evidenciarem: cada um para parecer melhor,

mais entendido, mais dedicado. No fundo, a tentarem transmitir uma ideia que seria escandoloso

exprimirem mas que está patente em todas as expressões:”-Olhem aí, vocês que que me escutam.

Eu sou o melhor”!É essa vontade de sobreviver ali, que os faz discutir, barafustar, discordar, concordar, falando em tudo que não interessa, enquanto lá fora, o Povo estiola e morre. Porque é

só aqui, na majestosa imunidade de S.Bento, que eles se encontram a si próprios. E a fumaça dos charutos que fumam, uns após outros, nos gabinetes luxuosos, formam uma neblina tão densa por cima das suas cabeças, que as suas vistas dificilmente vislumbram horizontes mais longínquos.

 

             Porque antigamente, as fortunas passavam de geração para geração (ou não) dependentes

da capacidade de trabalho e gestão dos herdeiros. Hoje, as fortunas herdam-se através de tachos. Porque só com “tachos” se  alicerçam e aumentam. Tudo o que  estiver fora deste circulo (ora agora governas tu e enriqueces tu, ora agora governo eu e enriqueço eu) é para “inglês ver”.

 

      

            Hoje, a palavra de ordem para o Povo é: “apertem o cinto!”. É como se estivessemos

embarcados num avião , seguindo as instruções mecanicamente dadas por uma hospedeira afável,

enquanto duma fonte ausente se acendem os incómodos letreiros “só desapertar quando as luzes

se apagarem”. Não temos outro remédio senão seguir essas instruções, mas depois de meia hora, todos estão fartos de estarem incomodamente amarrados ao banco, e esperam ansiosos, pela liberdade. Imagine-se se fossem obrigados a permanecerem apertados pelo cinto toda a viagem!

Mas é isso o que acontece connosco! Até ao fim , a viajarmos de cinto apertado! Dá para acreditar?

Mas é claro que para aqueles que viajam em classe VIP, o percurso é muito mais cómodo! E quem são a maioria desses passageiros, quem são? Os nossos políticos , seus tachos/herdeiros e seus seguidores (principalmente aqueles que os mantêm no poder porque dá sempre geito ter um ministro

ou alguém que deve o seu cargo à nossa  comparticipação nos custos da sua campanha.

        

             Admiram-se então que os tentáculos da criminalidade se tenham espalhado, ramificado,

penetrado na nossa sociedade? Garantir agora que o seu controlo é possível, é absurdo. Porque a situação caótica em que caíu o País, torna inconciliável qualquer objectivo de paz e segurança.

Porque em vez dessa melhoria tão amplamente prometida, a verdade é que a situação chegou à ruptura. A inflacção e os impostos  paralisaram a actividade. O fluxo cambial dos emigrantes

está praticamente, parado. A fome e o desemprego assolam a nação. Já nem promessas há para oferecer! E o pior, é que existe uma fadiga depressiva que se apoderou do Povo. Representa hoje

a característica uniforme da sociedade, um sentimento radical e trágico que aumenta assustadoramente, como uma vaga que nenhum obstáculo pode deter. Pior que uma ameaça de morte, é a condenação por uma asfixia lenta que atrofia  a mente e o espírito.

 

            Foi nisto que os consecutivos e amorfos Governos  tornaram Portugal: Um País em derrocada, uma pequena nação mutilada, migalha caída  na mesa do mundo  que vive agora as

horas mais difíceis da sua história.

 

 

            Mas eles, lá continuam! Jornalistas transformados em Ministros da Defesa, passando de

contadores de histórias a  especialistas na arte de bem comprar equipamento bélico, de submarinos a aviões, acessores a Ministros da Agricultura sem nunca terem plantado mais do que um pé de salsa

nalgum vaso do seu apartamento, ou das Pescas, sem mais nada conhecerem de peixe do que aquele

que lhes apresentam num prato bem servido do “Tavares Rico” .

 

 

            Tudo  e todos se concentram aqui. Eles e os outros. Porque Lisboa é o exemplo acabado de tudo o que de mau e de bom uma cidade é capaz de produzir. Nos seus bairros superlotados, nos transportes , nos bares, nas esplanadas, milhares de indivíduos  de todas as nacionalidades assentam

aí arraiais para chorarem as suas mágoas. Fascinante nuns lados, imunda noutros é a cidade de

contrastes imprevisíveis de promessas, de esperanças e de desilusões. À porta dos hospitais, dezenas

de doentes morrem diariamente por falta de cuidados, enquanto equipamentos médicos sofisticados

quedam paralisados por falta de pessoal. Os bancos regurgitam de clientes. Mas, na sua maioria,

os seus haveres nem sequer chegam para pagar os juros dos seus empréstimos. Milhares de jovens

saiem das universidades e morrem de inacção à espera dum emprego, enquanto outros milhares

aguardam vaga nessas mesmas universidades, para virem engrossar o número de desempregados.

Restaurantes, esplanadas,bares, clubes nocturnos, enchem-se diariamente com milhares de habitantes de todas as camadas sociais. Mas milhares deles dependem da caridade social. É a cidade

do pré-apocalipse, onde dezenas de prédios ruem e outros são devastados pelas chamas. Que melhor

“habitat” dos nossos “Anjos” do pré-apocalipse?

 

 

              Vou terminar. Afinal, é humano ter que desabafar. Deixaram esticar de tal forma a corda,

que a crise mundial, veio mesmo a calhar! É tão fácil governar assim… E mais fácil ainda é governar uma Nação de parvónios como nós , que fizemos o favor de vos transportar  aí para cima, para S.Bento! Santa ignorância!

 

 

 

DESPEITO poema de solivan brugnara

                                    

 

 

  Chega

   de lamber  livros sujos e insossos

 nas bibliotecas municipais.                  Não bebo mais leite empoeirado

                                                                         de tetas velhas.  

             Quis meu lugar                   

          mas livrarias e medalha, medalha, medalha como Mutley.

    Agora vou jogar para o primeiro cão que aparecer

                        o osso de  Homero

 que comprei de um camelô de relíquias.         Eu e as pombas estamos

 cagando para as estátuas das praças.         Quero cuspir  na cara de um

            auto- retrato de Rembrant.

              E fazer salada

                       de ciprestes impressionistas roubados.         Sair                                      

                             Com um bando selvagem,

                    e matar a flechadas o touro de bronze da Wall Street.

                               Repartir em postas, assar

                             e comer com vinho barato

                          em um beco sujo.               

Não agüento mais  ver nos museus, a cara centenária, mumificada do novo em sua tumba.    Hora de procurar por outra coisa menos rançosa. 

                            Vou colocar       

                          um dedo de uma estátua grega

        dentro de lata de salsinhas.      E com o dinheiro da indenização

                                              tomar cerveja,transar e assistir  Pica-pau

      nas tarde quentes.    E quando estiver entediado

                       dobrar origamis e aviõezinhos com folhas  retiradas  da Divina Comédia

                                  e jogar pela janela do apartamento.

                         Impedirei que alimentem as obras de Botero   

                           Até elas virarem El Grego.

   Não cederei meu lugar neste metro lotado.      Nem que entre

                          uma Virgem Maria renascentista como o menino.  

                                                  Paguei pelo ticket.

                  E num dia de bebedeira, por fogo inquisitorial em uma livraria de shopping                  e gritar para os comparsas:

       Exagerem na gasolina  que os livros são aguados.      Há, sentar bebendo vodka e                  

              sentir o cheiro  bom de livros de bruxas e magos queimando,queimando,

                                        deliciosamente queimando.

 

POEMAS de sara vanegas \ Ecuador

mar: un cuchillo de sal me atraviesa el pecho y las palabras

 

————–

 

las voces llegan a borbotones. como el oleaje a las naves sumergidas de la catedral eterna. voces que ascienden al coro y las cúpulas. como alas o lluvia mansa

tras los vitrales encendidos: peces arrodillados y tu sonrisa

dormida

 

—————-

 

alguien dibuja en la arena el recuerdo de un nombre

y se arroja a la mar

 

—————

 

alguien me dice que es la luz azulada de la luna. y yo vuelvo a confundirla con un río submarino. nunca conoceré el origen del agua. me pregunto si el mar devorará sus propias lunas …

 

—————

 

la luna y sus manantiales. el mar henchido de campanas. aquí: castillos de espuma y sal. para tus ojos solos

 

 

 

—————

 

la tristeza del mar: borrachera de espejos. el planeta entero abierto. la luna: un carámbano sobre su piel huraña. sollozo imposible desde las profundidades. y esa música de agua y noche. de vidas ignoradas y multiplicadas muertes.

 

las palabras: inútiles huesecillos de pez en la inmensidad del oleaje

 

————

 

y te he esperado sin rastro

y sin prisa

sobre los puentes y las cúpulas azuladas del verano

a través de los túneles interminables de la noche

en todos los andenes

lejos del mar y sus sirenas

te he esperado en esta ciudad

y en todas las ciudades

mientras la sombra crece sobre mis manos y el viento

es un mensaje ronco sin ventanas

te he esperado de cara contra las vitrinas

en el eco intermitente del teléfono

en los cuadros del Prado

y en las calles

pero más te esperé en las paredes repetidas del Cristal

y puedes creerme:

solo asomó tu silueta tras una de ellas

en el momento exacto en que yo partía

 

 ————-

 

 

 

el cortejo de lunas es ya un recuerdo en tus ojos

náufragos

la noche nos juntará en lo más hondo:

como un aullido

 

————-

 

 

el fantasma de tu voz

aún me llama

hoy

 

por un nombre ya olvidado

 

————–

 

muerde mis labios la noche áspera y terrible

mis labios manchan tu nombre

 

————

 

 

se balancea el velamen aturdido de tus ojos

sobre mi mar oculto

ángeles gaviotas destejen tu corona

                                   soledad y espuma

 

el cielo es la campana de plata que guarda

                                                                       nuestros sueños mientras se alejan las barcas

 

y el mar desaparece

BORRA ASSINADA poema de lilian reinhardt


 

                         
   (líricas de um evangelho insano

                           No fundo da xícara 
             a borra do meu olhar. 
             Dos olhos borrados de pó, 
             de orvalho salgado, 
             no (dó)i do teclado que ouço 
             e não entendo…
             meu olhar geométrico 
             se perde na mancha abstrata,
            onde assino?!
 

 

ALEX GREY, A ARTE SACRA DO SÉCULO XXI – por flávio calazans


 

 

 

 

“and so we go away from Alex`s  vision a  little better than we were a minute before ”

 Ken Wilber, prefácio do livro teórico de Grey “The mission of art” p.xiv.

 

Visitando uma livraria mística num recôndido mercado de flores de uma antiga e perversa cidade, o idoso livreiro sem mais aquela intuiu que eu tinha interesse em simbologias (Semiótica da Arte) e indicou-me o setor de arte esotérica, lá reconheci em um lindo livro colorido imagens que já me fascinaram antes, vislumbradas sem créditos de autoria em diversas revistas de círculos de estudiosos das antigas tradições simbólicas.

 

O livro era ESPELHOS SAGRADOS, de Alex Grey.

 

Grey impressiona pela técnica das transparências com as quais dá verdadeiras aulas de anatomia humana, ilustra pessoas de ambos os sexos meditando, ou no ato sexual, e sempre demonstra uma impressionante maturidade mística ao apresentar suas intuições com clareza, mesclando com admirável precisão simbologias sagradas indianas, chinesas, astrológicas, alquímicas, cristãs, judaico-cabalistas e outras, sobrepondo em detalhados corpos humanos desde a  Otz Chain (árvore da vida –cabala e os escribas talmúdicos sofer concentrando-se na caligrafia sacra da Tora para atingir a intenção concentrada- kavanot, similar ao sho dô dos kanjis desmanchados chineses taoistas e zen nipônicos e a caligrafia sufi muçulmana de frases do Corão) com chacras (yôga da Índia) aos meridianos (acumpuntura chinesa) e fotografias Kirlian, harmoniosamente combinadas com Tantra (maithuna, coito sagrado indiano), xaman -pajelança e arabescos sufi árabes, escritas frases sagradas de orações em sânscrito, chinês, hebraico, latim, e diversas línguas sagradas antigas, combinando-se até com atuais dados científicos de DNA, física de partículas, campos, quanta, supercordas, etc..

 

A CATEDRAL de Grey, sua “Capela Sistina” é um projeto também on line em seus websites na Internet, existindo virtualmente como WEB ART, um trabalho de intensa religiosidade que introduz o fruidor em inevitável contato com o divino, até o nível de consciência que consiga suportar, em graus ascendentes de uma espiritualidade linda.

 

São os ESPELHOS SAGRADOS, alta arte sacra ecumênica, inserida em uma ética e estética da religiosidade tolerante e aberta a diversidade, apresentada com layers-transparências-palimpsestos tipicamente da sensibilidade do Século XXI; Grey mostra individualmente homem e mulher, brancos (caucasianos), negros (africanos) e asiáticos (mongolóides) simbolizando as raças humanas, o fruidor escolhe o sexo e raça, a seguir Grey nos mostra na série o corpo sem pele, e o conceito de raça começa a desvanescer-se…e vamos em um exercício de dissecação que é uma aula detalhada de anatomia onde nos vemos gente a um espelho analítico de tamanho natural onde reflete-se nosso sistema circulatório, sistema linfático, esqueleto, órgãos, músculos,cartilagens, etc.

 

O fruidor é desafiado  ir e voltar no corpo humano percebendo a relatividade de ser branco ou negro, homem ou mulher, des-identificando-se com o corpo físico (como no tibetano Bardo Thodol) convidando a mais pura meditação zen, tao, sufi, Buda…

 

E na escolha do corpo feminino, somos surpreendidos com a gravidez, a beleza da gestação alterando formas da bacia e ampliando o ventre, com a transparência do feto e embrião crescendo, comovente e tocante, uma experiência transcendental é olhar estas peças maravilhosas, um privilégio!

 

A arte a serviço da elevação ao divino, Grey nos leva além de preconceitos, mesquinharias e identificações ilusórias (MAYA), chegando ao campo infravermelho térmico do calor emanado do corpo, um campo energético que todos sentimos ao abraçar a amada em um dia frio; e daí Grey vai nos alçando a vôos maiores, mostrando o padrão vibratório das glândulas-chacras-sefirots gerando campos mais sutis como registrados nas fotografias kirlian, atingindo o eu espiritual, o self junguiano, composto de sutis campos quânticos de pura energia (matéria é energia), passando pelas representações do divino em diversas culturas até a imagem não antropomórfica de um sol ou bola de luz que vivenciamos nas mais altas projeções –viagens astrais fora do corpo físico, no espaço sem onde e no tempo do agora perpétuo, o gerúndio quântico, o presente permanente dos alquimistas, o giro sufi, o êxtase da iluminação, satori, samadhi…

 

O que São Franciso de Assis mostra em sua oração mais conhecida- “fazei de mim um instrumento de vossa paz”, o amém das orações onde “seja feita a Vossa vontade”…onde todos somos emanações do UM, filhos do mesmo pai-origem, irmãos… irmão Sol, Irmã Lua, irmã pedra, irmão jumento…

 

Outras obras, quadros a óleo como BEIJANDO que mostra em transparência um casal unido pelo beijo com o símbolo grego apeíron, infinito, o oito deitado, unindo-os pelo timo no peito e pela pineal na cabeça, outra imagem comovente que faz lágrimas de comoção saírem dos olhos, nos tocando com cores e luzes como O BEIJO de Rodin faz no tridimensional com volumes e sombras do casal congelado na ansiosa fração de segundo antes do toque dos lábios no primeiro beijo…

 

Outra obra mais comovente ainda é COPULANDO, que retrata um casal em intercurso sexual, entrelaçados em fios dourados flamejantes de apeirons sobrepostos, com corpos em transparências anatômicas, gerando um campo sexual que atrai os olhares cósmicos das forças de vida e morte, da continuidade da vida, da futura alma que deseja encarnar a sansara-ciclo kármico,  e no centro dos dois uma transparente e quase imperceptível mandálica Shri yantra do Tantra, símbolo da interpenetração dos opostos.

 

Outra imagem comovente de consciência ecológica é GAIA, onde a vida natural e o mundo industrial poluente-suicida são mostrado com o símbolo da grande árvore, Ygdrasil, um painel de complexidade indescritível, para ser admirado por horas fazendo o ego dilur-se e perder-se dentro dele, aliás, toda obra de Grey é assim meditativa.

 

Como  Wilber explica no prefácio de SACRED MIRRORS, após a tecnologia da fotografia (que Flusser explica) libertar os artistas do mero retratismo (mimesis aristotélica);  Paul Cézanne derruba a perspectiva renascentista, o que vem permitir outros impressionistas  como Matisse, pontilhistas como Seurat e expressionistas libertaram nossa sensibilidade para perceber as cores (chegando a Kandinsky com seu espiritual na arte Abstrata, para quem a verdadeira arte envolve o refinamento da alma, do espírito), os Cubistas nos trouxeram uma nova compreensão da forma, e Grey nos brinda com sua visão pessoal do espiritual em um outro nível, além do olho físico e corporal, além da mente culturalmente cultivada, para o transcendente, indo além  do corpo e da natureza como pré-verbal, pré-conceitual, pré-mental, chegando a nos fazer vislumbrar o transverbal, trans-egóico, transindividual, o espírito que é universal, além de formas e idéias, o DIVINO..

 

Assim, a ARTE primeiro envolve o desenvolvimento e crescimento do próprio artista no fazer sua arte-obra em processo (quando o tempo e espaço desaparecem no transe do fazer artístico, e o artista inexiste, o ego morre e se esquece de si, de comer e dormir possuído pelo “sobrenatural” envolvimento da obra-paixão), e em segundo lugar a arte compartilha o desenvolvimento espiritual do artista transpirada em sua obra para evocar intuições místicas similares no observador- fruidor, colaborando com a expansão de nossa consciência por meio da sensibilidade estética ao sagrado.

 

Desde 1973 Grey fazia PERFORMANCES muito interativas, e INSTALAÇÕES , todas obras sempre muito rituais; filho de um artista gráfico, criado convivendo com artes, realizou ousadias como METRO PRIVADO e a peregrinação ao pólo magnético no extremo norte do planeta, tudo registrado em fotografias como toda performance documentada; muitas explorando a perspectiva da morte como consciência da não-permanência, do efêmero e transitório de tudo, do desapego.

 

De 1975 a 1980 Grey realizou dissecações no necrotério de uma escola de medicina, aprofundando seus conhecimentos de anatomia e de ilustração científica de obras de medicina e anatonia (vivenciando o NIGREDO o PUTREFATIO alquímico, a obra em negro),  uma das obras deste período foi derramar chumbo no ouvido interno do cadáver fresco de uma mulher recém falecida, tirando um molde em chumbo dos espirais do labirinto dela…esta obra ocasionou um pesadelo iniciático em Grey.

 

Sonhos xamânicos como os descritos por Castañeda em livros como ERVA DO DIABO e CAMINHO DE IXTLAN acometeram Grey, em um dos pesadelos Grey viu-se em um tribunal, julgado por um juiz cego e um júri furioso e indignado, acusado de profanar o seu cadáver indefeso por aquela mesma mulher cujo corpo Grey tinha dissecado dias antes no necrotério (em seus estudos práticos de anatomia humana) e derramado chumbo derretido no ouvido dela …  e Grey conta que explicou a ela que retalhou seu corpo e derramou o chumbo em nome da arte…por fim  o juiz e júri o alertam para fazer obras positivas e deixar os mortos repousarem em paz, este sonho teria despertado-o para a obra SACRED MIRRORS (Espelhos Sagrados) realizada com devoção durante dez anos, de 1979 a 1989, até a animação pó computador em 1999, o website já no Século XXI e o projeto de construção física da Capela que hoje é virtual ou exibida em exposições.

 

Além de performances, instalações, esculturas, pinturas e arquitetura (a pirâmide dos espelhos sagrados, em animação computadorizada, video-arte de 1999), a obra de Grey existe em livros, posters, camisetas, ilustrações em livros e revistas, e na internet em seus websites disponibilizadas, demonstrando que, como o ideal do homem renascentista de Florença  (Leonardo da Vince e Michelangelo),  Alex Grey é um artista multimídia no conceito do Século XXI, desconhecer sua obra no mínimo é estar fora do que há de mais contemporâneo na arte.

 

 

Bibliografia.

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GREY, Alex. The mission of art. Boston: Shambala. 1998.   ISBN I-57062-396-1.

 

GREY, Alex. Transfiguration  . Rohester:Inner Traditions. 2001. ISBN 089281-851-4.

 

GREY, Alex. Sacred Mirrors, the visionary  art of Alex Grey. Rohester:Inner Traditions, 1990.  ISBN 0 89281-314-8.

 

www.alexgrey.com

 


 

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APCA por zuleika dos reis


 

 

 

                   Começou no ônibus, numa segunda-feira, a partir da conversa entre dois sujeitos sentados no banco lateral ao meu. Ouvia-lhes as vozes, sem prestar atenção às palavras, nesse estado meio sonambúlico em que alguns ficam quando estão sós, mas acordei subitamente com a decodificação da tal sigla e do endereço: Rua Independência, 520. Ouvira mesmo o que ouvira, de dois sujeitos comuns, às 9 da noite, assim, sem código ou senha? Em casa descobri que há, só na Capital e adjacências, dez ruas Independência, quatro da Independência, uma travessa e ainda três praças com o mesmo nome. Depois de muita procura lá estava, na lista de endereços da Zona Sul: APCA, Rua Independência, 520. Informaram-me que os encontros acontecem todos os sábados, às 16 horas. Nenhuma solicitação de qualquer dado pessoal.

                   Sábado, quatro da tarde. Atravesso a sala e entro no auditório onde já estão, pelo menos, umas sessenta pessoas. O coordenador chama-se Carlos, nos dá as boas-vindas, explica-nos os objetivos de tais reuniões e que seus princípios são os mesmos que norteiam o trabalho dos irmãos da A.A. Lê-se, no quadro negro, ao fundo: Posso viver minha vida somente um dia de cada vez, lembrando-me de que não tenho domínio sobre a vida de ninguém, a não ser sobre a minha própria. Carlos esclarece, antes de encerrar sua fala, que no primeiro sábado de cada mês, as reuniões são divididas em duas partes: a inicial, para depoimento dos ingressantes; a segunda, após breve intervalo, para realização de palestra sobre tema de interesse geral e, finalizando o encontro, atividade de integração dos novatos entre si e com os membros veteranos.

                   O primeiro depoimento nos vem de um senhor baixo e atarracado, calvo e corado, jeito de português dono de armazém. Logo me dou conta do clichê.

                   “Sou líder de um grupo dos sem-terra e minha companheira, que pertence à liderança das mulheres, acabou de receber um convite para posar nua na Playboy. O cachê é alto, quase tão bom quanto ela e com o dinheiro dá pra gente comprar uma bela casa aqui na Zona Sul, quem sabe até na Vila Mariana. Só que alguns dos companheiros não aceitam, alegam que o Sistema sempre agiu assim para neutralizar a ação revolucionária. Embora constituam minoria, tais companheiros têm ainda certo poder de influência. Retruquei que isso não passa de discurso ideológico da década de cinqüenta o qual, já desde muito antes do fim do Socialismo, não funciona mais. Não adianta, eles não arredam pé, dizem que se cedermos a esse jogo seremos considerados traidores e expulsos do Movimento. Não somos traidores, compreendem? Só é a nossa chance real de termos um teto e todo mundo sabe que a Sorte não bate na mesma porta duas vezes.”

                   Cala-se e nos encara, esperando uma reação qualquer. Não vem nenhuma, e então cede lugar ao próximo, homem jovem de bela aparência, mas com uma corcunda respeitável.

                   “Fico pensando num leque de soluções, por enquanto fechado: colocar carpete na sala, tradicional ou de madeira, recusar-me a sair de casa sob qualquer pretexto, ficar trancado no escritório, todos os dias, até alta madrugada, sumir cada fim de semana, ou separar-me da mulher. Minha mulher é, sem comparação, a coisa mais linda que jamais Deus pôs sobre a face da Terra e ao natural, senhores. O problema é que ela quer sair todas as noites e muito bem vestida, não importa para onde. Sempre concordo, apesar de exausto. Meu drama é que, entre o banho e o derradeiro retoque no cabelo, passam-se várias horas. Enquanto espero, vou contando os tacos do assoalho na sala de jantar. Não superei ainda a marca dos 2734, porque a sala é grande e com muitos empecilhos como a mesa, as cadeiras, os vasos… sobretudo os próprios tacos, por se revezarem nas posições horizontal e vertical, tudo isso dificultando, de modo extraordinário, a contagem que recomeço do zero na noite seguinte.”

                   Tive vontade de sugeri-lhe a Odisséia, à guisa de catarse, mas faltou-me coragem.

                   Linda mesmo é a jovem que neste momento se dispõe a falar. Olhos cor-de-outono – sei lá por que me ocorre esta imagem – mini-saia, meias pretas, batom e unhas vermelhas.

                   “Meu problema, com uma única exceção aos oito anos, é com os presentes. Não, não com vocês, sou bastante sociável. Já se detiveram alguma vez sobre os papéis com que se embrulham os presentes? O brilho, a magia, a sedução que oferecem? É sempre uma dupla agonia: por um lado, o olhar ansioso das pessoas, na expectativa da minha reação e por outro, o conhecimento de que nada, absolutamente nada que esteja dentro pode ser comparado àquela beleza primeira. E há comemorações demais, aniversário, Natal, Ano Novo, Páscoa, amigos secretos. À medida que cada festa se aproxima aumenta-me a angústia, e logo vem chegando a hora de outra.”

                   Que belas meias pretas!

                   A pessoa agora diante dos olhos é a antítese perfeita da anterior. Senhora de meia idade, ancas e seios fartos, ar de boa dona de casa e ainda melhor cozinheira. Diz, apenas: “Minha ampulheta está com defeito.”

                   Sob a estranheza geral, Carlos solicita-lhe que continue. Ela conclui com um peremptório não.

                   O que me ocorre imediatamente, e creio que a todos os demais, é que tal metáfora (só pode se tratar de metáfora, a não ser que “ampulheta” se reporte àquele pequeno ícone que aparece no computador e, nesse caso, basta chamar um técnico) se relacione a algum problema de natureza hormonal, a disfunções de menopausa, período sempre difícil na vida da mulher. Mas, e se a palavra em questão se refira a algo mais complexo, que ultrapasse a esfera individual? O tom solene com que foi pronunciada a frase e a própria palavra “ampulheta”, confere alguma legitimidade a esta terceira hipótese.

                   O próximo depoimento vem de um senhor sorridente de uns setenta e cinco anos, de terno, colete cinza, chapéu… a portar a elegância clássica dos que passeavam no centro de São Paulo quando a cidade ainda era a terra da garoa, dos saraus e de Mário de Andrade. Logo às primeiras palavras, percebe-se que é um dos membros veteranos.

                   “Estou aqui para lhes dizer que, afinal, conheço bem cada uma das páginas da minha vida, a qual me parece inteiramente satisfatória, uma vez superadas todas as antigas dúvidas. Venho para me despedir e para me colocar inteiro à disposição dos senhores.Terei imenso prazer em recebê-los no meu coquetel amanhã.” Cita o local e o horário, volta a sentar-se, cercado pelos aplausos e pelos tapinhas nas costas.

                   Atordoado por agudo e um tanto injustificável sentimento de decepção, penso: Também aqui? Como é possível?

                   Uma nova depoente já nos fita, por cima de seus óculos.

                   “Tenho trinta e cinco anos, sou funcionária do Estado e do Município. Não me lembro de qualquer página anterior nem me preocupam as vindouras. Minha função mais importante é ler o Diário Oficial, ainda que atenda também à portaria, ao telefone. Trabalho doze horas por dia, com duas de intervalo para o almoço, incluindo o tempo para me locomover entre ambas as repartições. Faço plantão um sábado por mês. Estou tranqüila, porque não há incompatibilidade entre os cargos que ocupo, afinal é preciso viver sempre dentro da Lei. Qualquer dúvida quanto a nomeações, demissões, promoções, cursos de reciclagem, qualidade total, decretos do Prefeito e do Governador, aposentadorias, inquéritos administrativos, é comigo mesma. Todos dizem que tenho excelente caligrafia. Por sinal, devo tirar um abono amanhã, para ir ao oculista.”

                    Uma pena que Gogol já tenha escrito a tua história, com o elemento fantástico que, para teu mal, talvez jamais chegues a experimentar.

                   Este parece um cientista-mirim. Doze anos, no máximo, e também usa óculos.

                   “Não estou aqui por minha causa, mas por causa do meu pai. Para facilitar-me as pesquisas, solicitei-lhe a compra de um computador. Ele assim o fez e tudo ia bem até que me pediu umas aulas para, segundo suas próprias palavras, “aposentar a velha máquina de escrever”. Sou filho temporão, meu pai tem sessenta e nove, é professor aposentado há muitos anos e, de uns meses para cá, começou a escrever crônicas. Já lhe dou aulas há uma semana e o velho ainda apresenta dificuldades para movimentar o mouse, quanto mais para digitar e salvar textos no Word. Descobriu que não tem controle motor e está com um terrível complexo de inferioridade. Quero muito ajudar meu pai, senhores, mas confesso que não sei bem o que fazer.”

                   Já este outro deve ser vendedor, talvez pela maleta, quem sabe pela precisão dos gestos e do olhar, que parece dirigir-se a todos e a cada um ao mesmo tempo. Também pode ser político.

                   “Há uma coisa que não consigo compreender e que me incomoda diariamente nas livrarias aonde vou por necessidade de ofício. Por que o formato dos livros continua retangular, desde o tempo de Gutenberg? Por que não pode haver livros redondos? Na literatura infantil até que venho observando algumas tentativas de inovação, mas na literatura para adultos… E agora, com bibliotecas inteiras à disposição via Internet, meu sonho parece de vez impossível, porque as telas dos computadores são tão quadradas – permitam-me o desvio conceitual – tão quadradas quanto a tela da TV. Num mundo onde todas as rodas são redondas, por que tudo se torna cada vez mais quadrado, a começar pelos livros?”

                   Ninguém arrisca resposta para sua inalienável questão.

                   Carlos intervém:

                    – Alguém gostaria de fazer o último depoimento de hoje, antes do intervalo para o café?

                   O rapaz alto e magro, cabelos negros e desgrenhados, fica em silêncio nos olhando… nos olhando…

                   “Eu já fui poeta…” e abarca toda a sala com expressão do mais absoluto desamparo.

 

 

 

                   Tento me aproximar da garota cujos presentes não podem ser abertos, é impossível. Vários sujeitos esparsos têm a mesma idéia e chegam primeiro. Ocorre-me que, há dez anos, jamais teria perdido uma corrida dessas. Agora cinco metros e com barreiras… Sem outra alternativa, ponho-me a percorrer a multiplicidade de cabeças, à procura, talvez, dos indivíduos do ônibus. Não os vejo, sua função deve ter sido apenas a de passar a deixa. Quem sabe, foram ao cinema. Só me resta circular pela sala e ouvir as conversas.

                   “… viajou uma semana sem deixar nada na geladeira… nem imagine comigo nas férias passadas… minha namorada tem doze anos e aparelho nos dentes… o tempo parou às seis da tarde durante oito dias… me deixou plantado no meio de uma frase durante um mês… ainda não sei o que fui fazer em Paris… será que esses encontros vão ajudar mesmo… esperar… esperar… esperar… nenhuma brisa… nada… ninguém… a terra é de todos… esse é papo do sem-terra… e se ficarem sabendo… claro que já sabem… deve haver vários aqui… aquele de paletó marrom parece um deles… as últimas estatísticas… filial em Nova Iorque… não gosto do modo como venho falando… ele ainda não percebeu… o meu anda meio cismado… já chegamos à nona página… ainda não sei a cor dos meus olhos… reparou Roberto, tudo parece coisa do mesmo autor, com alguma leitura mas iniciante, sem dúvida. Artur, se surgissem de novo um Quincas Berro D’Água, um Augusto Matraga, um Rosendo Juárez, uma Bola de Sebo… você concorda que prefeririam permanecer para sempre onde estão?”

                   Atraído por estas frases completas em tal contexto, custo a lhes compreender o significado, assim como a natureza dos indivíduos que as acabam de pronunciar. Assombra-me minha lentidão. Como se puderam fundir tão rápido os dois mundos dentro de mim? A colocação desse Roberto… Se eu estivesse inserido em uma estrutura perfeita, de linguagem sem fraquezas nem balbucios, toda plena de si mesma e contendo cada um dos meus pensamentos, atos, fatos, ainda que terríveis, até mesmo mortais e assim, completo, me tornasse para sempre conhecido, sem a necessidade de qualquer gesto autônomo, desde a primeira página até a última, preferiria abdicar de tal paraíso por destino ignoto? Agora, se eu fosse apenas um esboço… o papel abortado, no saco de lixo, faria a tentativa de existir pelo meu próprio esforço, no mundo exterior dos homens, até a vala onde todos as coisas e seres formam o mesmo húmus.

                   Acordo para o vazio ao redor. Todos já voltaram para o auditório.

                   Certa vez, há mais de vinte anos, publiquei um livro de contos. Depois, foram infinitas noites sem dormir, porque era um livro ruim, demasiado ruim. A partir daí, nunca mais ousei mostrar qualquer palavra a ninguém, apesar dos textos se acumulando nas gavetas.

                   Acabo de sair da Associação de Personagens de Contos Anônimos. Saio, felizmente ileso, na verdade menos do que desejava. Ocorre-me, por acréscimo, que ainda venha responder a processo pela apropriação indébita de uma sigla, o título deste conto (?) fato do qual acabo de me dar conta. A gargalhada pelo trocadilho idiota espanta as pessoas na calçada. Será que há algo mais importante no mundo do que diverti-las por um momento?

 

 

 

 

                   Olhos cor-de-outono, mini-saia, meias pretas, batom e unhas vermelhas. O acaso fez com que a reencontrasse alguns meses depois, já nem me lembrava mais daquele conto. Laura é muito mais do que um esboço, é a criatura que pretendo manter a meu lado e, para isso, só lhe dou presentes ao natural, exatamente como se mostram nas vitrines das lojas, nas prateleiras das livrarias, nas bombonières, onde quer que estejam, límpidos, lúcidos e nus de qualquer invólucro. Afinal, apenas eu conheço o único modo de torná-la feliz.

A FRAUDE NA EDUCAÇÃO por walmor marcellino

 

 

DÉFICIT EDUCACIONAL

Enquanto a prefeitura de Curitiba e o governo do Estado apostam políticas eleitorais sobre a eficácia de seu sistema de ensino e a eficiência de sua preparação pedagógica, a tragédia da educação continua à vista. Anísio Teixeira e Paulo Freire ficariam horrorizados com as pedagogias usadas em seu nome.

Em primeiro lugar, agrupamentos de 10 até o máximo de 30 crianças e adolescentes é o recomendado para uma sala de aula, para que o processo de ensino seja eficiente, supondo que o(a) professor(a) seja efetivamente habilitado(a) (e comprometido(a)) com sua escolha e adesão profissionais. E isso seria apenas o começo de uma solução educacional. (Nas escolas particulares e nas classes ricas, o critério seria nada menos do que o preço.)

Todavia, nem as políticas públicas nem os sistemas de ensino e formação (educação) conseguem equacionar esse número “funcional” de estudantes numa sala de aula; porém assim mesmo reconhecem que o coletivo de alunos numa sala deve ser proporcional a suas condições culturais, psicológicas e de capacidade de atenção-concentração (vale dizer, quanto mais pobre e “desassistido” ou sem recursos culturais e estabilidade emocional, maior atenção e menor deve ser o grupo discente para obter mais atenção pedagógica. E isso nega essa massificação de que “há escolas para todos”!). Mas eles não “conseguem equacionar” essa questão elementar, porque preferem a propaganda de que a UNESCO lhes reconhece o esforço (não a solução, mesmo porque as políticas da UNESCO são políticas de “boa-vontade” e estímulos).

Assim, secretários e assessores comissionados no geral não passam de pelegos oportunistas que, a serviço das autoridades que os nomearam, mentem para a população sobre a educação que lhe é oferecida e fingem preocupação com o sistema educacional, com as condições técnicas de ensino e com a preparação e eficiência dos professores e da sua burocracia política, pretendendo assim justificar essa sua formidável propaganda enganosa.

 

UM OLHAR NO ESPELHO poema de leonardo meimes

 

Não suporto um olhar no espelho.

Me aterroriza a expressão

Plácida e ao mesmo tempo mórbida

Que me acomete

 

Como mantenho esta face angelical

Sendo que, pouca fama

Têm minhas ações mais perversas,

Minha intro-perversidade?

Sois vil, vil, vil!

 

Refletindo agora percebo

O quanto sou vil.

Percebo a malícia perene,

A cadência intrigante

De meus pensamentos mais

ridículos

 

Brincas com sentimentos?

Brincas com as dificuldades?

Brincas com a ignorância?

SIM, sim, sim

 

Quase me quebro no espelho

Por não querer beijá-lo.

Eis uma aversão a mim mesmo

Aversão mais perigosa

 

Abre-se a notória realidade

Cai em meu colo como um fado

Não aquele que soa lindo e triste

E sim o que pronuncia o oráculo

Que sela o destino

E termina em fatalidade.

BOCETA e EDUCAÇÃO por joão batista do lago


 

 

 

Pois é… Taí uma solução para a “solução” da Educação!

Claro, os moralistas de primeira hora… de primeira ordem; as beatas e os “ministros”; padres e pastores; igrejas e botecos da fé dita cristã; poetas e escritores da ética almofadada; senhoras e moçoilas moralistas da sociedade desvirginada; pais e irmãos, motores do sexo capital ou do capitalismo sexual – vão se indignar com a moça que está oferendo a boceta – a nossa xana ou xoxota querida – por 1 milhão de dólares.

 

Natalie Dylan, pseudônimo utilizado pela última virgem – possivelmente! – do século XXI, tem 22 aninhos. E este fato tem uma importância fundamental, melhor dizendo, tem dois enunciados [entre outros] “históricos”: 1) ajuda a construir o discurso do feminismo no sentido de que a mulher é dona total e absoluta do seu corpo e pode dele fazer o que se lha dê na telha; 2) ajuda a desconstruir o discurso religioso e político de tez moralista, que pretende o corpo da mulher como propriedade – seja de igrejas, seja de estados nacionais.

 

Mas, como sou um curioso inveterado, penso cá com meu botões! E bem ou mal chego a uma inferição hipotética: esse “objeto de desejo”, a boceta, seria o significado mais forte do Capitalismo… De uma tipologia de “capitalismo selvagem”, segundo conceito de alguns estudiosos… Ao mesmo tempo fico imaginando: como seria uma campanha publicitária para “vender” esse produto, fonte de desejo de [alguns!] homens e mulheres? Não lhes tirarei a primazia e o privilégio da criação. Eu, cá, tenho já as minhas imagens! Inclusive o slogan do discurso da campanha…

 

Mas, outra coisa está zunindo no meu ouvido: será que no Brasil encontraríamos esse produto? Digo, uma jovem de 22 anos virgem?! Será! Tenho cá minhas dúvidas! Mas consideremos que exista: como reagiria a tal campanha um país que tem para além de 70% de católicos? Como reagiria um país, com mais de 80% de população cristã? Qual seria o enunciado discursivo para implementar uma campanha publicitária que visasse vender uma “xana” virgem? Onde estaria a concentração dessas “xoxotas”, nas jovens negras ou nas jovens brancas? Qual o mercado potencial? Qual o mercado real? Enfim… Quem mais “comeria” essas bocetas: homens ou mulheres? Aqui também não lhes privarei da primazia e do privilégio de suas respostas.

 

Bem, para terminar esta prosa informo a quem mais interesse houver sobre este produto que a notícia foi divulgada ontem pela Agência Reuters, desde Los Angeles, Estados Unidos da América.

AZUL NOTURNO poema de bárbara lia

O anjo louco do casario deserto.
Era invisível feito música.
De noite subia na árvore.
De dia descia ao poço.

A voz – imã de luz.
O perfume – avenca suave.
A sombra – azul noturno.
O olhar de mar – salgado.

Anjo sem céu.
Anjo da terra.
Enlouquecido
de som e luz.

PATRICK – por hamilton alves

– Moço, quer comprar uma toalhinha? – aproximou-se de mim, que saía de um supermercado, um garoto simpático de mais ou menos onze anos.

                                   – Toalhinha?! Peraí, vou ver se encontro uns trocados…

                                   – Tenho que levar alguma coisa de comer para casa…

                                   – Você não tem pai? Não tem mãe?

                                   – Não.

                                   – O que é feito deles?

                                   – Morreram…

                                    – De que?

                                   – O pai era pintor e caiu de um telhado. A mãe de operação de uma hérnia.                     

                                   – Quem cuida de você?

                                   – Minha avó.

                                   – Você tem irmãos?

                                   – Tenho mais cinco; seis comigo. Cinco meninos e uma menina.

                                   – Você é o mais velho?

                                   – Sim.

                                   – Você estuda?

                                   – Sim.

                                   – Onde você mora com sua avó?

                                   – Em Palhoça. Todos os dias vimos para cá para tentar conseguir dinheiro.

                                   – Como é que vêm.

                                   – De ônibus.

                                   – Vocês pagam o ônibus ou vêm de carona?

                                   – Às vezes, o cobrador nos deixa sem pagar, às vezes não.

                                    – E, quando é o caso de pagar, como fazem?                       

                                   – A gente dá um jeito.

                                   – Que jeito?

                                   – Vem-se a pé?

                                   – A pé?! Numa distância dessas?!

                                   – Nossa casa é perto de São José, não é muito longe.

                                   – Se fosse o caso de querer ficar com você ou levá-lo para a minha casa para lhe cuidar, toparia?          

                                   – Tenho minha avó, gosto muito dela, não quero ficar sem minha avó.

                                   – Tudo bem.

                                   – O senhor não vai levar a toalhinha?

                                   – Não, tente vendê-la à outra pessoa. (Já lhe tinha dado uma boa grana).

                                   – Obrigado.

                                   Seu nome é Patrick, um garoto de onze anos aproximadamente, que já conhece tanta adversidade: sem pais, com cinco irmãos, lutando de forma brutal para sobreviver.

                                   Quantos Patrick vivem em condições semelhantes sem que nos demos conta?

                                   Sumiu rapidamente de meus olhos, sem muita esperança de conseguir mais alguns trocados para levar comida para casa. Até aquela altura, disse-me que não tinha comido nada. Era perto de três horas da tarde.

                                   Que destino estará reservado para Patrick e seus cinco irmãos?

                                   

Riu, mas agora rui a plutocracia – por alceu sperança


 

Costumamos pensar que o Brasil está caído num “mar de lama” e o restante do mundo vive no bem-bom do crime punido e da prosperidade. Mas a incompetência do governo norte-americano para dar uma pronta resposta ao drama de seus excluídos, como se viu no episódio do furacão Katrina, já havia mostrado algo mais além do jardim.

Os espantosos exemplos de gastos fantásticos em guerras e conflitos são coisas corruptas. A vitória do narcotráfico é coisa corrupta. A facilidade para formar de quadrilhas para assaltar o erário é coisa corrupta. Isso acontece agora mesmo em todo o mundo e nem sempre chega ao conhecimento da nossa população mais humilde. Esta, na sua santa ingenuidade, acredita aquele vereador parlapatão e aquele prefeito atrapalhado pela parentada o máximo em matéria de crime contra a humanidade. A raiz de tudo isso é, na verdade, o capitalismo, mãe prolífica das crises e da corrupção.

Vejamos o caso recente da Ucrânia para tecer algumas confrontações com a “lama” brasileira. A querida Ucrânia, que nos deu tantas e tão prezadas famílias, bases para o atual desenvolvimento do Paraná, também não merecia isso. Se no Brasil, digamos, formou-se um governo de “trabalhadores” (esse negócio de “trabalhismo” dar zebra é coisa velha, nem surpreende mais), na Ucrânia se formou um governo de ricos. No país eslavo, os Daniel Dantas e os Marcos Valério da vida não se limitaram a financiar campanhas, mas assumiram eles mesmos o governo e ministérios.

No Brasil foi organizada uma estrutura de poder de pobres trapalhões como Delúbio e Silvinho, financiada por esquemas milionários para servir às suas ambições de poder. Já na Ucrânia os ricos dispensaram os títeres e eles mesmos foram mamar direto nas mirradas tetas do erário. Nos dois casos, as denúncias de corrupção se evidenciaram meras conseqüências das facilidades com que corruptores e corruptos agem. No Brasil, foi pago o tal “mensalão” (na verdade apenas uma variação do conhecido caixa 2 de campanha eleitoral) para garantir o apoio dos políticos à sustentação de uma ruinosa política econômica, fundada no desumano neoliberalismo. Na Ucrânia, os ricos pagaram a eleição e assumiram diretamente as rédeas do governo, sem precisar de intermediários.

O “Correio” da Ucrânia foi a estrutura alfandegária. Vários funcionários do governo dos ricos apareceram envolvidos em “operações corruptas” apuradas pela polícia. Começava a ruir naquele momento o governo da primeira ministra Yulia Tymoshenko, a “heroína da Revolução Laranja”, operação milionária que levou ao poder o presidente Viktor Yuschenko. A “Revolução Laranja” foi vendida como a redenção definitiva da Ucrânia: agora estava escorraçada do poder a “raça” dos pobres, com sua mania de querer um governo para o conjunto da sociedade.

Acreditava-se que a falastrona e bilionária primeira ministra não roubaria e não deixaria roubar, como se diz por aqui, e deu no que deu. Como uma espécie de Jânio Quadros de saias, Dona Bilionária foi demitida depois de sete meses de governo em meio ao fragoroso desmonte de um esquema de corrupção engendrado por funcionários de alto coturno do “revolucionário” governo “laranja” ucraniano.

Por falar em laranja, vamos agora abrir espaço para uma receita de culinária. Não tema: não é a volta da censura.

Ponha na mesma panela democracia, liberdade de imprensa e uma pitada de vergonha na cara. Aí achará, apurando o caldo, aquele homem público que facilitou o enriquecimento de empresas prestadoras de serviço ao Estado. Ao ser posto em pratos limpos, adicione o molho: a investigação de quem colaborou com a ponta corrompida e a ponta corruptora, ou seja, os ingredientes responsáveis por decisões, pareceres, juízos e iniciativas de leis, atos ou contratos administrativos que favoreceram esses interesses. Aí é só servir ao xilindró.

O importante é que, seja rico ou seja pobre, o corrupto receba o fuzilamento que bem merece − moral, é claro. Não ouso pensar em nada mais “radical”, como aquilo que habitualmente se faz com os pobres-diabos ladrões de galinha.

 

 

Alceu A. Sperança – escritor

RUMOREJANDO (Mudança da maior potência do planeta. Esperando) por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I (Conto mobiliário, curto, pseudo-infantil).

Ela comeu com sofreguidão uva de mesa no colo do namorado, este sentado numa cadeira. Aí ela terminou de comer na cama e eles, depois da comilança, viveram felizes para sempre…

Constatação II

Não se pode confundir pulha com pilha, muito embora quem é pulha sempre pilha os cofres públicos, privados e outros menos cotados. A recíproca não é necessariamente verdadeira, até porque os eleitores brasileiros ficam uma pilha de nervos em ver o número de pulhas que vicejam por aí…

Constatação III

E como poetava o convencido, nosso velho conhecido:

“Ser cobiçado

Ser desejado

Pelas mulheres,

Aqui em Curitiba

Ou seja, lá onde for,

Não precisou ser

Meu desiderato.

Portanto,

Por favor,

De pitibiriba,

Neres.

Pelo menos,

Por enquanto…

Sempre foi de somenos

Importância tal.

Eu nunca fiquei

Estupefato

Com esse ato

Cortejador,

Também

Não prestei

Muita atenção

E deixei,

Simplesmente,

A elas, mais de cem,

A decisão,

A postura opcional

E tudo acontecer

De modo natural,

Essencialmente

Como sempre normal

Tão-somente”.

Constatação IV

Rico tem impressora a laser; pobre, papel carbono; quando muda o salário mínimo, mimeógrafo a álcool.

Constatação V

Uma das obviedades e vade-mécum de quem quer tirar proveito em tudo: “O negócio é sempre ser amigo do rei que esteja, naquele momento, reinando”.

Constatação VI

Pra quem está pensando em investir pra tocar seu próprio negócio Rumorejando, face os tempos novos, sugere os seguintes ramos com o mercado em franca expansão: coletes a prova de bala, alarmes para carros e casas, grades de proteção, cerca elétrica, firmas de segurança de outras firmas de segurança e assim por diante. De nada!

Constatação VII

Não se pode confundir carreata com careta, até porque, dependendo quais eleitores estiverem participando da carreata e a gente for do outro candidato a gente não vai deixar de fazer uma careta, caramunha, carantonha, esgar, momice, trejeito. Tudo de desprezo. A recíproca não é verdadeira, porque pode ser uma carreata que mereça da nossa parte um simples muxoxo.

Constatação VIII

Rico é empírico; pobre, nunca leu um livro na vida.

Constatação IX

Deu na mídia: “Homem preso no Egito por propor troca de esposas na internet

A polícia ordenou a detenção durante quatro dias do funcionário, acusado de apologia da libertinagem”. Data vênia, como diriam nossos juristas, mas pelo jeito a polícia egipcia ainda não ouviu falar em swing…

Constatação X (Teoria da Relatividada para principiantes corinthianos).

É muito melhor estar entre os quatro primeiros na segundona do que entre os quatrro últimos na primeirona.

Constatação XI (Teoria da relatividade para principiantes paranistas).

É muito melhor estar entre os quatro primeiros da terceirona (Valha-me, meu time), do que entre os quatro últimos da segundona.

Constatação XII (De uma dúvida crucial).

Será que a linha do Equador, com esse aquecimento global, ficou desalinhada? Quem souber a resposta, por favor, enviar correspondência para o e-mail desse assim chamado escriba ou através do blog http://rimasprimas.blogspot.com

Constatação XIII

O que se vê,

Hoje em dia,

Na TV

Homem chorando

Não tá escrito por aí

Tampouco no gibi.

Antes não se via.

Estão desmistificando,

O dito do Martinho

Que homem não chora

Quando a mulher

Vai embora.

Ninguém quer ficar sozinho

Nem um minuto sequer.

Constatação XIV (De conselhos úteis).

Se você é vegetariano, ou adepto da comida macrobiótica, não faça proselitismo disso, pois todo proselitista é um chato. Quando não, um cricri. De nada!

Constatação XV

Tá na hora de eliminar a reversão à esquerda, em Curitiba. E para não haver excesso de velocidade nas ruas de sentido único, lombada e lambada de multa aos mais apressados. E já que estamos falando de assuntos de nossa cidade, quem deveria controlar os decibéis, já que parece que ninguém controla.? Quem souber a resposta, etc., etc.

As Nuvens do Curitibano – por tonicato miranda


Dizem que os Curitibanos são casmurros, desconfiados, fazem poucos amigos, sendo muito fechados ao contato com recém-chegados. É tudo verdade. É tudo mentira. Depende sempre! Depende da onde você vem. Depende de como você chega. Depende de quanto tempo você está se aproximando. Os Curitibanos são de fato introvertidos e meio machões. Não machões gaúchos, fanfarrões, mas machão que despreza a mulher apenas para provar que quem manda em casa é ele e não ela. Um machão que não bate, não dá porrada, procura se impor com o olhar. Coisa de alemão, se muito duro; coisa de polaco, se um pouco mais manso.

Dizem que a cidade era chamada Cidade dos Portugueses. Mas isto durou até três quartos passados do Século XIX. Depois, os migrantes a tomaram de assalto e os tropeiros deram lugar aos carroceiros italianos e polacos, estes os últimos a chegarem por aqui. Mas não sabemos se foi por conta da criação; por medo de serem penalizados, com o retorno forçado aos seus países de origem – o fato é que foram muitos os fatores contribuindo para deixá-los casmurros. Os pais e avós dos italianos, alemães e polacos de hoje criaram os filhos com receios de migrantes fugitivos. Não falar e trabalhar era a forma mais comum de se abrigar e estar longe de confusão.

Mas tem outras características que podem ser referenciadas à introspecção do povo curitibano: o clima. Um amigo disse-me que quando chegou aqui, no início dos anos 80 do século passado, passou no seu segundo ano curitibano quase 150 dias sem ver o sol e o céu. Estava literalmente debaixo de um cataclismo nuvioso. Disse que não enloqueceu porque buscou realizar viagens para o interior e também porque teve alta dose de tolerância, pois ainda estava descobrindo a cidade. Mas naquele ano, acho que em 1983, não teve mais do que 120 dias de céu aberto. Não ver o sol, não ver o céu e as estrelas, foi uma experiência para ele antes de tudo triste.

Este meu amigo começou a chamar Curitiba de Curral de Nuvens. E procurou explicações para isto. Uma delas era de que a Serra do Mar, no leste, e a Serra de São Luiz do Purunã no lado noroeste, formam um corredor em direção a São Paulo. Construíram as duas serras um grande funil à passagem das nuvens. Quando as massas frias cruzam os pampas gaúchos e Santa Catarina, atingindo o Paraná, têm de atravessar o Corredor da BR-116 e entrar num brete, estacionando no curral de nuvens. Pode-se dizer que se fixam sobre a cabeça dos locais, para desespero dos migrantes. E os habitantes, sem poder ver o sol, ficam carrancudos e tristes. O meu amigo diz que a ausência do sol em Curitiba pode ser responsável pela grande quantidade de senhoras idosas carecas. O que comprova que o sol representa uma fonte de energia vital à saúde dos cabelos.

Mas deixando as velhinhas carecas de lado sigamos a outra versão diferente do Curral de Nuvens. Uma amiga geógrafa certa feita afirmou que os ventos vindos do norte, fazem uma curva quase na divisa do Paraná com São Paulo e retornam para o norte. As correntes de ventos sulinos, por sua vez, fazem a curva do litoral para o interior, não ultrapassando a fronteira entre os dois estados. Mas esses, segundo a geográfa, seriam os ventos considerados baixos. Os ventos mais altos cruzam esta fronteira e vão para o sudeste, chegando até as faldas do Nordeste Brasileiro. Portanto, nós estamos morando exatamente onde o Vento Faz a Curva. Não é de se estranhar que a expressão “lá onde o vento faz a curva” é um dito tão popular nas conversas dos curitibanos. Embora não seja exatamente aqui que o vento faça a curva, os reflexos das curvas feitas pelos ventos acabam espirrando suas aragens por aqui. E haja nuvem parada sobre a cidade.

Mas de tanto falar no Curral de Nuvens eis que agora, às 15h 20 min, a porteira de São Paulo liberou as nuvens, e como manada desgarrada avançaram em desabalada dando espaço para as do fim saírem da frente e assim surgir o sol. E ele finalmente deu o ar de sua graça. O azul se faz belo como nunca. Obrigado São Pedro Paulista! Obrigado Vaqueiro Breteiro das Nuvens! E viva o Azul! E viva o sol.

Quem sabe não pegue um ônibus e vá até o centro da cidade.

Quem sabe virando para o lado do meu companheiro de assento, eu diga:

__ Bela tarde, hem senhor?

E ele, olhando-me com ar desconfiado, balbuciou um simples e mortal

_ É!

E nada mais vai dizer porque o destino dele é não gostar do calor e da gente alegre e despachada. Lá com seus botões ele deve ter pensado:

“__ Esses estrangeiros. É só abrir um sol de nada e fazer um calorzinho besta que eles começam a ficar falantes e achar que são donos do pedaço. Pelo sotaque ele não é mesmo daqui”.

MEU ENCONTRO COM A CATEDRAL GÓTICA por flávio calazans

Europa, o velho continente, a terra de onde meus ancestrais vieram, em caravelas, construíram o Brasil. Voltando após várias gerações, piso esta terra antiga, respiro seu ar, bebo suas águas, comungo inteiro com todos os sentidos com este continente que é passado e memória, arquétipos do inconsciente coletivo esperam-me incrustrados em cada pedra, cada parede, cada rua dessas cidades mais velhas do que a memória… Cidades cobertas por séculos e séculos de poeira acumulada com sangue, música e artes… Cidades fundadas por celtas, cujos dólmens telúricos foram enterrados pelos templos edificados pelos romanos, e sobre as ruínas destes os cristãos erigiram suas catedrais.

            Templos sobre templos sobre templos… Camadas de deuses empilhados, sobrepostos, enterrados, esquecidos… ruínas carcomidas, orgulhosas de seu passado.

            A catedral é uma igreja, um templo cristão, entretanto, mais do que isso, a catedral é uma obra de arte, uma peça gigantesca que toca-me por todos os sentidos, estou aberto a isso a essas sensações são o que procuro, o reencontro com os sentimentos de meus remotos ancestrais. Religião é religar, reencontrar, amar como ensina Santo Agostinho.

            Andando entre as casas baixas da cidade, por ruas sinuosas, muito ao longe já destaca-se a torre, erguende-se como um dedo apontando ao céu, desta torre gritam o sino, uma nota forte que espalha-se por tudo, faz meu corpo vibrar ao seu ritmo, tingindo toda realidade com a boa nova do tempo.

            A catedral é um relógio, então… Regula a hora de acordar, de almoçar, de ir dormir…

            Chegando frente à catedral, olho para cima mais e mais, até que minha nuca toca as costas e percebo que não tenho mais como erguer o rosto, mas mesmo assim a catedral continua, desafiando-me a superar meus limites de percepção, superar espiritualmente as limitações do meu corpo físico…

            Suas torres tocam as nuvens, convidando-me a escalar com os olhos suas paredes salpicadas de detalhes incrustrados, esculturas que contam mil histórias.

            Salta-me involuntáriamente à memória que catedral significa sede da cátedra, o trono do catedrático, a cadeira do bispo coroado que ali transubstancia o pão e vinho no decorrer da missa, o poder alquímico de transformar o chumbo do pecado no ouro da virtude, sete vícios em sete virtudes cabalísticas.

            O portal parece ser construído para gigantes, sinto-me novamente desafiado a crescer como quando eu era criança e ansiosamente esperava ser gente grande, só que além da metáfora do cresimento físico, a catedral instiga a um crescimento espiritual, subo os degraus um a um, como no ritmo do sino, no ritmo visual das torres, lento e paciente, dando-me tempo para saborear cada sensação física, cada emoção, cada sentimento subliminar que meus ancestrais, aquelas inteligências antigas, nestas pedras escreveram para mim.

            Ao adentrar o portal, a surpresa! A primeira sensação é de escuridão e trevas… densas, negras e até assustadoras, mas de um tremor momentâneo, excitante até, desafiando-me a entrar neste abismo, neste buraco negro, noite escura da alma, nigredo alquímico.

            Por uma eternidade paro, plantado, magnetizado ao piso de granito frio e úmido, essa eternidade é um tempo subjetivo (Bergson), pois no fluxo do tempo exterior a mim a duração foi de nanosegundos… A partir dalí todo o tempo deixou de existir, há apenas o alquímico PRESENTE PERMANENTE, o Zen japonês, o Tao chinês, a meditação aqui e agora.

            Começa um crescendo musical, o ritmo do êxtase místico, estou sentindo a mística da catedral.

            O segredo me toca, pois me deixo ser tocado por ele, é a entrega, a unio mística.

            Entrego-me em confiança, fé, aos pais dos pais dos meus pais que escreveram este livro de pedra para mim e para os filhos dos filhos dos meus filhos no mais distante futuro… Sinto-me um elo de uma corrente, sinto-me tudo e nada… nirvana… liberdade… felicidade… amor!!!

            Não há palavras para descrever o turbilhão, o vórtex de emoções, muito rápidas, intensas, sobrepondo-se umas às outras em um ritmo hipnótico, profundo e arrebatador.

            Por todos os lados há trevas, profundas e um instintivo sonar de morcegos diz que as paredes estão muito longe, que há muito, muito espaço, mais do que eu preciso, parece que há espaço para todos, como se todas as pessoas do mundo pudessem entrar aqui.

            O próprio conceito de espaço deixa de fazer sentido, estou em uma outra dimensão, um plano espiritual onde nossa lógica não mais funciona.

            Ao passear os olhos pela imensa treva, um ponto atrai meu olhar, um arco-íris cruza aquele negrume como um raio descendo do céu, um Fiat Lux, uma alma buscando o pó vermelho, o barro adamah-Adão, para iluminá-lo com um sopro de vida… Sinto que estão contando-me uma história antiga e mística que já ouvi inúmeras vezes, só que agora eu vivencio a história com um espetáculo de sensações.

            Lá no céu de onde brota esse arco-íris colorido está um vitral, ele parece flutuar sobre as trevas, uma fonte de luz multicor, cercado de trevas que ele insiste em vencer, uma mensagem de esperança, um estímulo à auto confiança… Meus olhos são premiados com as cores lindas, centenas de figuras ancestrais habitam o vitral, como se uma humanidade inteira lá me saudasse, abençoasse, convidasse a comungar com eles, estar em sua comunidade.

            Este arco-íris pousa sobre a estátua de um santo incrustrada em uma coluna, destacando-o, ele é um iluminado, um exemplo a se observar, sua vida é sua obra e seus atos são sua mensagem.

            Lembro-me de São Francisco de Assis, da Ecologia, Irmão Sol e Irmã Lua. “Fazei de mim um instrumento de Vossa paz, onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver discórdia, que eu leve a união…”. Uma lágrima escorre pelo meu rosto, desprende-se dos fios da barba e cai em câmera lenta até o chão, observo-a em seu caminho e ela oferece-me a forma de uma flor de prata e cristal ao encontrar-se com o chão cinzento de rocha… Seu som ecoa e sobe pelos meus pés como uma avalanche… estou  hipersensível!

            Este ambiente multiplica cumulativamente minha sensibilidade em progressão geométrica, a cada segundo que passo este cenário abre novas portas da percepção em mim.

            Meus olhos vão se acostumando ao escuro, que parece ir cedendo em camadas, recuando, obedecendo ao meu desejo de ver cada vez mais.

            Então surge o teto, das colunas saem nervuras orgânicas que se encontram na abóboda, a ogiva, o globo sem limite de tamanho que parece flutuar, levitar, por milagre sobre o vazio, uma rocha sólida suspensa no ar.

             Colunas que aparentam fragilidade, finas e delgadas enfileiradas parecem dar a certeza de que não são elas a segurar todo aquele ameaçador peso de rocha sólida, mas paradoxalmente sinto-me em paz, tranqüilo e calmo, com uma fé e certeza de estar seguro alí, de que tantas toneladas de pedra não me ameaçam, nunca desabariam sobre mim..é uma sensação de estar protegido, dentro da ordem do Cosmo, fazer parte disto tudo.

            Uma sensação de paz interior..boa, muito boa sensação.

            Meus olhos continuam acostumando-se ao escuro, sinto-me dentro de uma enorme caverna, e sinto-me envolvido por memórias que não são minhas, volto a tempos do antes, pré-históricos, quando homens da caverna protegiam-se no ventre telúrico da mãe-terra..sou primitivo, inocente, cheio e esperanças e sonhos do meu potencial racial..é um encontro místico com o que há de mais profundo em mim mesmo.

            Gradativamente, os detalhes vão surgindo, revelando-se um a um conforme estou receptivo e pronto para receber as mensagens simbólicas; figuras vão emergindo do mar de sombras no ritmo que meus olhos podem ir apreciando-os, meu ritmo pessoal de crescimento espiritual…parece um ritual de iniciação de uma sociedade secreta, uma escola de mistérios esotérica…o lento lapidar da pedra bruta de pedreiros maçons..o lento cozinhar da via úmida no athanor alquímico do orvalho cozido rosa cruciano, simbologia templária e martinista, o lento abrir das pétalas dos chacras yôgues indianos…

            E o mais surpreendente é que tudo vai ocorrendo no ritmo do meu próprio corpo, na velocidade que eu posso suportar, na medida da minha natureza física, respeitando a capacidade de resistência e meus orgãos sensoriais…pergunto-me que gênios arquitetaram e edificaram esta obra iniciática, este prédio que é um mecanismo mágico? Um templo que é uma melodia de emoções, música pura, melodia e harmonia das esferas pitagóricas, ecoando e reverberando por estes tetos esféricos, estas colunas em arco e estes vitrais de pura luz nestas paredes incrustradas de detalhes de cima a baixo, repletas de capelas laterais, nichos nas colunas, decoração nas bordas e beiradas, cada uma escondendo uma história e convidando à imaginação ou à memória genética e racial dos arquétipos do Inconsciente Coletivo…histórias dentro de histórias como as figuras esculpidas no manto da estátua de um bispo.

            A catedral gótica é um espetáculo estético indescritível.

            A arquitetura é uma das belas artes, e visitar uma autêntica catedral gótica dissipa toda e qualquer dúvida.

            Tamanha é a quantidade de minúcias que sinto-me tomado por uma suave vertigem, pois para onde quer que eu olhe há um coral de vozes ancestrais falando comigo por lindas imagens que pedem para ser saboreadas, um banquete de sabor e saber incomensurável.

            A catedral foi uma obra de arte coletiva, foi sendo construída por várias gerações, aqui trabalharam filhos,pais, avós, bisavós, trabalharam por toda sua vida..séculos de investimento pessoal, financeiro e intelectual, em uma construção ritualística que foi sendo entranhada destes sentimentos e desta energia, acumulando idéias inspiradas e conclusões umas sobre as outras debatidas por filhos, netos e bisnetos sobre a planta desenhada por um arquiteto falecido há 120 anos.

            Uma obra social, coletiva, de autoria colaborada em mutirão por todos, uma legião de artistas fixaram nela as mensagens que julgaram importantes passar para a posteridade, passar para o futuro, a catedral é uma carta de pedra que meus ancestrais enviaram para mim..uma carta aberta com seu amor para as futuras gerações, um patrimônio espiritual aberto pra quem entrar nela, minha herança mística.

            Estonteado pelo vórtice emocional ao ser tomado da consciência da magnitude e do poder da catedral, apóio a mão na coluna mais próxima..a pedra é dura, áspera e porosa, gélida e levemente umedecida ao tato.

            Eis que percebo, pouco a pouco, não mais do que uma suave sensação, que a pedra parece pulsar, como se estivesse viva…e prestando toda atenção focada na pedra logo logo tenho certeza de que a pedra vibra mesmo, como um longo murmúrio, uma oração ou canto gregoriano, um mantra indiano ou oração sufi, um interminável OMMMMMMM como que um eco do Big Bang da explosão da origem do universo, o reverberar das supercordas, o som das esferas de Pitágoras.

            Sinto que a vibração é como uma suave corrente de água passando por um cano, só que muitas, infinitas vezes mais sutil.

            Recordo-me que os dólmens celtas do culto da mãe-terra eram do mesmo granito, e que eram fincados como uma acupuntura telúrica sobre lençóis freáticos subterrâneos, os “onfalus”, ou nós das linhas e meridianos da energia telúrica, linhas-ley, uma sabedoria da religião dos Druidas…e os romanos edificaram seus templos a Ártemis ou Diana sobre os dólmens, e depois os cristãos no mesmo lugar edificaram as catedrais de Nossa Senhora Virgem Maria.

            Concentro-me nas solas dos meus pés, e aos poucos fico consciente da vibração subindo por eles também, do piso de granito em lajotas escuras e claras com um labirinto desenhado no transepto, a vibração brota do chão vindo de baixo, nas catacumbas onde corre por séculos o rio subterrâneo, a correnteza, a água corrente batendo e tremendo ritmicamente, e esta pressão acaricia os alicerces ecoando pelo granito poroso e repercutindo por toda a catedral…e como o corpo humano é mais da metade feito de água esta pusação vai ecoando sutilmente, imperceptivelmente, subliminarmente em um crescendo cumulativo e trepidante por todo o corpo físico.

            É quando um arrepio sobe-me inesperadamente da base da espinha dorsal até a nuca, uma corrente elétrica que arrepia toda minha pele desde as pernas até o topo da cabeça tomando-me de assalto.

            Somente na fração de segundo seguinte é que compreendo a sensação.

             O órgão tocou uma nota, agora na segunda nota musical é que percebo o que ocorre, tem alguém tocando o teclado, e o coral está a postos, vão cantar!

            As primeiras notas parecem preencher todo o espaço, vibrando tanto através do ar como da rocha sólida, ricocheteando nas nervuras cilíndricas das colunas e dançando pelos cantos arredondados das paredes..pois tudo é circular, redondo.

            A melodia desliza e escorre subindo até o centro da abóboda, o ovo gigantesco que flutua no céu, e de lá o som é multiplicado, somado e transformado em uma alquimia da melodia, desfilando e descendo pelos arcobotantes devolvido como uma panacéa universal, o elixir da longa vida, o ouro da pedra filosofal.

            O universo inteiro parece tremer sob a voz do órgão, até a rocha dança, tudo se move (Heráclito “panta rei”), tudo está vivo e pulsante.

            E eu sou parte disto, sinto toda a água do meu corpo vibrar em uníssono com a harmonia do órgão, a voz passa através de mim, ecoando, e minha barriga treme, a bexiga, os rins, a umidade da pele, a gordura líquida, o sangue, a linfa, tudo trepida e dança acompanhando as notações do órgão, até mesmo as lágrimas de meus olhos rolam pelas faces no mesmo ritmo.

            O espetáculo arrebata meus sentidos, a vertigem do enorme espaço introspectivo, os raios de luz colorida dos vitrais, os detalhes esculpidos nas pedras, esta melodia mística, tudo combina-se em uma suave vertigem de transe místico inenarrável, um prazer crescente.

            Alegria de misturar-se a esta força de vida…abandono das memórias passadas, das culpas, arrependimentos e remorsos, do ontem…

            Esquecimento das angústias e planos, sonhos, devaneios e esperanças futuras…

            Só existe este momento, um êxtase do agora, do aqui, do presente permanente de estar vivo, é só o que importa, o milgre da vida…

            E como Willian Blake, vejo o infinito em um grão de areia…será este o sentido da frase:  “o poeta se torna vidente por meio de um longo, intenso e racional desregramento dos sentidos” de que fala Rimbaud?  O caminho dos excessos que leva à sabedoria de Blake? O que o poeta Fernando Pessoa denomina “sentir tudo de todas as maneiras”? Ultrapassar a sí próprio, misturar alquimicamente os impulsos sensoriais além dos limites do possível?

            Re-ligar-se à vida, ser um com tudo o que existe..”En tô pan” -um o todo, comungar com a “Anima Mundi”..

             Serro as pálpebras, e em segundos sinto meu corpo balançar, dançando ao ritmo desta música cósmica..tudo em mim que é líquido parece ondular como um mar, é como se antes eu fosse um lago espelhado de águas paradas, e, neste momento, pela primeira vez uma pedra caísse formando círculos de ondulações, a melodia visual das ondas do mar, movimento, vida espiritual.

            Sinto-me despertando de dentro para fora, expando-me, meus ouvidos tocam tudo, como se eu fosse todo tato pelo som, apalpando e tateando todo o espaço pelo som.

            Não há mais um centro da consciência, não há mais os limites do corpo, eu sou o ar que preenche toda a catedral, e mais até, eu sou a catedral, ela e eu somos um, carne e pedra sem limites, ambos somos uma só matéria, um só corpo..sou barro, granito, pó, água da vida na pia baptismal, orvalho da primavera, brisa, chuvas e marés, sou toda a água do mundo, ondas propagando-se, das nuvens do céu aos maremotos e tsunamis, e sou todo o pó levado pelo vento, areia da praia e pó do himalaia, poeira de estrelas, sou o ritmo das estrelas e a galáxia girando, sou o escuro entre as galáxias e sou muito mais além, em inominavel infinito, indescritível variedade de um só…e sou o som que vibra estas cordas da realidade…

            Não há mais palavras, estou além das limitações da mente, e vivencio experiências que são só minhas, impossível descrever, infantilidade seria sequer tentar.

            Mys em sânscrito é calar-se, daí os termos mistério e místico, é a hora de calar.

            Entendo em meu coração a vivência dos alquimistas, que dizem que a catedral gótica representa os elementos Fogo e Ar, pois ela desperta em mim os outros elementos de Água e Terra, e desta alquima surge o êxtase, a bem-aventurança, a bênção de paz e calma interiores.

            A catedral oferece um transe místico, uma dádiva, um presente cósmico, um dom divino gratuito a qualquer pessoa que se abrir para ela, que desejar sinceramente receber este toque, ser tocada pelo divino.

            Abro meus olhos, agora toda a catedral parece diferente, todas as linhas curvas que antes pareciam direcionar-se a um centro, cada uma das nervuras parece independente..não há mais um centro..minha percepção mudou, todas as linhas seguem para um infinito…a catedral agora me diz que o centro desta circunferência está em toda a parte.

            Não há um único lugar para olhar, para onde quer que eu olhe as linhas escorrem e levam a outras linhas ..meu olhar desliza e passeia “flaneur” em ondas que sobem ao teto e descem por outra coluna, saltitando pelo piso quadriculado até subir pelas pedrinhas coloridas de um mosaico, escorregando pelo afresco do teto até afundar em um vitral de verdes, vermelhos, amarelos e azuis de figuras cheias de vida, subindo até a abóboda para depois descer ao acaso por uma coluna e continuar a dança sem fim da catedral eterna.

            A catedral é cíclica como o tempo celta…Ourobórus, a cobra com o rabo na boca, sem princípio nem fim, eternidade…”Omnia in unum”- tudo em um.

            Sinto um prazer de maravilhar-me com tudo, como uma criança descobrindo a variedade do mundo em um jardim…”o infinito em um grão de areia”…

            Sinto-me abençoado, purificado, livre, feliz, uma alegria única.

            A catedral é um enorme reverberador, uma caixa de som, o som das vozes do coral parece entoar um cantochão, canto gregoriano…mas o intelecto racional já está demasiado ausente para classificar e entender, e a memória passada sem sentido foi esquecida, desapegada…a mente desliga-se para dar espaço a algo maior e mais antigo, mais livre, verdadeiramente natural, vivo.

            O som insistente repercute, vozes humanas lindas cantam um indecifrável latim, e vejo as notas de suas vozes escalando as colunas e paredes pelo ar, crescendo e preenchendo o espaço e encontrando-se com as notas do órgão que vem descendo…e do encontro, do choque dos soms surgem redemoinhos melodiosos, ecos dentro de ecos, turbilhões, vórtices de sinfonias sobrepostas em um beleza complexa.

            E as vertigens do espaço somam-se às vertigens destas soms, em vertigens dentro de vertigens em camadas que nunca sonhei sentir.

            Sensações novas, indescritíveis…acumulando-se umas sobre as outras, tocando-me…despertando partes de mim que antes eu mal vislumbrava, sensações vagas daqueles raros momentos quando estou entre o dormir e acordar, no limiar do sonho, pálpebras entreabertas, vendo dois mundos sobrepostos…

            Imensidões, infinitude..mistério além das palavras.

            A palavra infinito agora não é mais um conceito intelectual lido em livros, é uma experiência de vida, um encontro com DEUS dentro de mim, D-EU-S…

            Um entusiasmo como em pentecostes, a presença do Espírito Santo, o Mana, El, Prana, Kundalini, Ouro Filosofal…impossível tentar descrever..calo-me, há mundos além das palavras, além da mente.

            Eu poderia passar mil séculos aqui dentro desta catedral e meu olhar passaria sempre por caminhos diferentes, únicos, novas combinações, ramdômicas, infinitas, cada qual diferente das outras.

            Deixo-me flutuando neste sentimento de eternidade…aprendendo algo que está muito além das palavras…

            Saboreio este banquete fora do tempo, fora do espaço, fora deste corpo, para então descobrir que o fora está dentro, e estou em mim, assimilando e digerindo estes mundos além da melodia, que brotam no vazio silencioso entre as notas, janelas para um silêncio amoroso de eternidade e paz.

            Não existe mais aquele eu que entrou na catedral, não sou o mesmo que entrou aqui.

            Vi, ouvi e senti como nunca antes…estou diferente, transformado…

            Sinto que é hora de sair..olho o relógio, a missa está apenas começando, percebo, surpreso, que tudo ocorreu em alguns minutos desde que entrei.

            A sensação foi de muitas horas, tudo foi muito intenso, como prometeu Mefistófeles ao Fausto de Göethe, os dias se passam em horas, e em horas vive-se vidas inteiras…o tempo dobra-se sobre sí mesmo  neste campo santo, espaço sagrado de celtas, romanos e cristãos medievais…depósito de sabedoria antiga acumulada.

            Ao sair percebo que a mente reconstitui-se, reconstrói-se pouco a pouco, regenera-se…evanescendo o sentimento de consciência cósmica…mas saio daqui ligado a esta catedral, sei que agora posso, sempre que desejar, voltar para este lugar fora do lugar e tempo fora do tempo, sempre que precisar posso retornar a este êxtase vibrante…

            E isto nada nem ninguém poderá nuca tirar de mim.

            Encontrei aquilo que vim aqui buscar.

            Começo agora.

             

             

            PENSANDO SOBRE  A CATEDRAL

 

            Depois do turbilhão sensorial da catedral sinto que a mente lógica e racional precisa defender-se da sensação de desligamento e impotência a que foi submetida, o ego sente-se ferido e defende-se raciocinando, refletindo, pensando desesperadamente para afirmar sua importância.

            Enquanto caminho a esmo passeando pela vielas do vilarejo medieval que tem o privilégio de ter tamanha catedral, a mente vai divagando sua voz tagarela sem parar, esperneando, não presto atenção, mas isto não a impede de resmungar inteminávelmente, só ignoro-a e concentro-me na minha respiração e nos meus lentos passos.

            A mente resmunga o nome Fulcanelli, o alquimista autor dos livros “Mistérios das Catedrais”e “Mansões Filosofais”, desfila símbolos alquímicos, zodiacais, maçônicos, cabalísticos, etc.

            O conceito de esconder mostrando, colocar todos os segredos preciosos bem a vista, expostos para todos que queiram compreender.

            As colunas e a escuridão metaforicamente simulando o bosque celta dos rituais druídicos, muito além do sentimento de caverna inicial…a mente corrigindo autoritária a verdade de minha intuição…e ao mesmo tempo sentindo-se superior a todas as pessoas que nunca tiveram experiências místicas, arrogante e petulante gabando-se de ser espiritualmente evoluída…

            A porta de entrada aponta para o Ocidente, e ao entrar o fiel caminga passo a passo para o Oriente, o sol nascente, simbolicamente saindo das trevas da ignorância para a luz, a iluminação.

            Quatro paredes são os quatro elementos da matéria e três portais são a trindade cabalística do espírito, a soma de 4+3 é igual a sete, o número mágino da guematria judaica, numerologia do espírito encarnado, “mens agitat molens”.

            A planta da catedral tem o formato de uma cruz, é o Crisol, cruz alquímica, ponto no qual a fervura do forno athanor (a-tanatos, vida eterna) transubstancia chumbo em ouro…entre os braços da cruz o transepto, no piso um labirinto-mandala onde o iniciado enfrenta seu demônio interior: Minotauro, Tifon, Fenrir, Tiamate, Dragão, imperfeição, paixão descontrolada, estabanada, o ódio projetado em seu inimigo, um espelho que reflete aquilo que teme em sí manifestar.

              Na rosácea da direita entra a luz do sol do meio-dia, iluminando o altar com luz branca, o cisne, albredo.

            Já na rosácea da esquerda nunca entra luz, ela é o nigredo, a noite escura da alma, putrefatio, matéria bruta inconsciente.

            Por fim, a rosácea da porta de entrada recebe a luz do sol poente e toda a nave é iluminada do vermelho emocional, é o rubredo, a pedra filosofal.

            O clerestório tem uma fileira de compridas janelas com vitrais multicoloridos, é a cauda do pavão que ilumina as missas das vésperas (6h) e marianas 18h).

            Cada catedral guarda o que a Teologia Dogmática chama de “DÚLIA”, uma Relíquia, um pedaço do corpo de um santo (como Osiris esquartejado, Tiamate, Ymir, Frankenstein, Tiradentes no Brasil), remanescentes da passagem física de um iluminado santo a serem venerados…Em Bolonha há os cadávers de cinco crianças assassinadas a mando de Herodes, a tigela com a qual São João Batista batizou Jesus, as sandálias de Jesus e até maná do deserto de Moisés. Em Chartres há a camisola com a qual a Virgem Maria deu a luz a Jesus na manjedoura. Colônia tem os corpos dos três reis magos (Melquior, Gaspar e Baltazar), mas três dedos deles estão emprestados à cidade de Hildesheim.Pisa tinha a coroa de espinhos com a qual Cristo foi crucificado, mas a penhorou a um banco. Florença tem cabelos da Virgem e ampolas com seu leite que amamentou o menino Jesus.Em Pazzi, no Convento de Santa Maria Madalena havia o feno da mangedoura. Gênova em 1319 teve o Santo Graal mas o hipotecou, manteve o prato sobre o qual Salomé recebeu a cabeça de São João Batista. Muitas igrejas tem os cravos que pregaram Jesus na Cruz, pedaços de madeira da Cruz, etc…

            A mente continua despejando memórias, Carmina Burana, Abelardo e Heloísa, Arte Sacra, Teologia, Direito Canônico, Pastoral Universitária, Santuário, Corcunda de Notre Dame, hagiografias, venda de indulgências, o Burro de Buridan, Santa Joana D’Arc queimada como bruxa pela Inquisição, o bispo Dionísio de Atenas, São Francisco de Assis, Exercícios Inacianos, quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete,  Imitação de Cristo, Galileu Galilei, Salmos diversos e um entulho de leituras, bagagem acumulada, mas não me prendo, deixo a mente divagando seu caleidoscópio, perdida em seus labirintos, presa a sequências lógicas que superei, e sinto a beleza do encadeamento de suas idéias, a lógica agora é um prazer plástico, suas ilusões brliham como um cristal bonito e frágil..

            O intelecto agora é transparente, há outros níveis de prazeres onde não suspeitava antes…a elegância de um fluxograma, a sensibilidade de uma equação aritmética, o sentimento da geometria, a delicadeza da álgebra, o perfume de uma abstração e o sabor de um silogismo.

            Lambendo a lógica.

            A vida invadiu a mente, ruindo as muralhas entre pensar e sentir…”o que em mim pensa está sentido” disse Pascal, e “o que em mim sente está pensando” respondeu Fernando Pessoa.

            A mente gagueja que Vitrúvio equacionou analogias entre as medidas do segmento áureo geométrico entre o corpo do homem e o templo e pedra, regras de proporção…parece que a mente civilizada quer integrar minha experiência, estratégicamente a mente sabe que “se não pode vencê-los, junte-se a eles”, e sobrepõe a imagem mental de um corpo humano à planta baixa da catedral, destacando as glândulas pineal, tireóide, timo, suprarenais, etc …rins sobre confessionários, tireóide e praratireóide sobre os púlpitos, cada ponto com uma função orgânica na comunidade que é o corpo da igreja-eclésia-assembléia.

            Surge a árvore da vida da cabala, as sefirot soprepondo-se, depois os chacras yogues, figuras geomânticas, zodiacais, pantáculos e pentagramas, lendas e literaturas, ciências e artes plásticas, uma miscelânea de ecletismos.

            Usufruo desta avalanche enciclopédica como se fosse o desfile e uma escola de samba no carnaval, a mente é incapaz de explicar o desenho complexo da catedral e de assimilar as sensações físicas que ainda pupulam por todo o corpo que habito, e é diverdido assistir a mente, é como ver as crianças brincando e correndo pelo quintal.

             A mente arrogante e prepotente sem atenção sossega, vai calando-se até um silêncio saboroso, o não-pensar…e neste tempo fora do tempo a catedral envolve-me novamente, a catedral é o mundo, o cosmo inteiro, a existência, o ser.

            A catedral sou eu. Eu sou a catedral.

            Não importa sair ou não da catedral, não faz sentido, tudo é espaço sagrado e momento de prece, oração, além da mente, além do ego.

            Eu sou.

           

 

 

 

O FIM DO REGIME FEDERALISTA? por vicente martins


 

 

Bem que poderia ser Serra versus Lula. Lula versus Serra. Mas a polarização emergente se desenha Aécio versus Lula. Lula versus Aécio. Vejo, nos próximos dois anos, Aécio Neves como a grande ameaça para o Palácio do Planalto. Não estou me referido ao PSDB, agora com menor expressão partidária do que antes da primeira gestão de Lula, refiro-me aos sujeitos atuantes do Partido, em particular Aécio Neves.  Lula não  deve temer o São Paulo de Serra e  sabe que sua consolidação política depende muito  de uma nova relação inergovernamental com Minas Gerais.

 

Falo há anos que vejo, em construção, um novo modelo de federação brasileira. Um olhar aistórico verá a atual crise dos Estados como resultado de um posicionamento isolado de Aécio Neves, uma tensão intergovernamental, com prenúncio de movimento autonomista dos Estados e a gênese de um processo de construção de um novo paradigma para Federação brasileira.

Para alguns analistas governistas, um bate-papo, mais cedo ou mais tarde, entre o governador mineiro reeleito Aécio Neves e o presidente Lula da Silva, garantirá o concerto entre a União e o Estado de Minas Gerais, desde que Minas se ajuste aos determinantes da União.

 

A idéia de a crise dos Estados ser apenas um choque de opiniões políticas reforça a chamada tese da “sobrevivência pela negociação”, ingênua e anacrônica, tendente a congelar ou naturalizar um modelo de Federação exaurido pela estrutura externa, o capitalismo global, e pela conjuntura interna, crise da competência política dos Estados Federados.

 
No Brasil, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são entidades federativas, mas a União, entre os demais, tende a ser um ente subordinante. A Federação brasileira funciona, na prática, assim: só a União pode legislar sobre tributos e os Estados se limitam a gerenciar os impostos. Logo, a União é política e paradoxalmente mais forte do que os Estados.

O Brasil é, para o Direito Internacional, uma Federação excêntrica. A concentração fiscal da União, legitimada pela Constituição Federal de 1988, tira a liberdade política dos Estados. Afinal, onde não há capacidade legislativa não há liberdade política. Os Estados Unidos e o Canadá há muito tempo descobriram que a práxis da federação significa a descentralização da arrecadação, o que os levou a adotar um sistema de transferências de impostos entre as entidades federativas.

Os Estados Unidos e o Canadá são boas referências de modelo de Federação, não por força jurídica, mas por determinação e fortalecimento dos poderes políticos, particularmente o Legislativo e o Judiciário e da consolidação da sociedade civil como uma instância também política e cidadã.

Se copiamos, em 1889, o modelo jurídico de federação norte-americana para nossa República, por que não copiar também sua práxis? Não é hora de abolirmos o que nos é ficção jurídica e colocarmos em prática o respeito à autonomia dos Estados?

As respostas exigem de nós um olhar histórico do que é o Brasil, de modo a ficarmos expeditos e, em prontidão, não para um guerra ou conflito interestadual, mas para abolirmos o atual modelo de Federação, esgotado por sua crise tributária e fiscal, principal base de sustentação da nossa Forma de Estado.

Não é difícil constatar que nosso modelo de Federação é ainda marcado por uma má distribuição de competências legislativas e está, por isso, exaurido. A União, em se tratando de matérias de ordem econômica, centralizou, extraordinariamente, as competências políticas, o que eqüivale a dizer ter ampliado, de 1891 a 1988, sua capacidade política, legislando, exclusivamente, sobre matérias referentes aos tributos.

A exclusividade competencial é incompatível com a descentralização política, pilar da Federação. A tendência de extinguir esse modelo de Federação é uma necessidade imperiosa da globalização, de um movimento que não admite, no âmbito das Nações, relações de subordinação automática entre os entes intergovernamentais da Federação. Dividir poder político é princípio da Federativo e imperativo da democracia.

À luz do Federalismo, a declaração de moratória de Minas deve ser vista, deixando de lado qualquer especulação subjetiva da felonia mineira, predição de um movimento autonomista dos Estados ou do fim de um modelo federação exaurido pela estrutura do capitalismo global. Não é um visão pessimista ou escatológica da nossa atual Forma de Estado, mas um olhar dialético sobre o processo de construção da Democracia brasileira e do Estado Democrático de Direito, fim último da Federação

Os demais Estados brasileiros que ainda não aderiram à marcha insurgente o farão mais cedo ou mais tarde, por uma injunção de sobrevivência política, em nome de uma resistência governamental em favor do self-government.

Diria mais: os Estados que não aderiram, ainda, ao movimento autonomista simplesmente apostam, dentro de uma perspectiva de democracia eleitoral, na inércia do eleitorado e estão presos às coligações partidárias e à solidariedade ao projeto de governo do PSDB. Se ainda não há pressão social, pensam alguns governadores, ainda há tempo para esperar pra ver no que vai dar esse vaivém federativo.

Certo é que há sinais concretos de esgotamento do atual modelo federativo: moratória, crise fiscal, déficit público, inflação, recessão, instabilidade da moeda, instabilidade política e desemprego estrutural. Se o Brasil está quebrado e o Brasil é a Federação, então a Federação também está desmantelada e alquebrada. Não ha remendo para sua quebreira, senão emenda à sua reforma. Eis um grande desafio histórico para o Congresso Nacional.

Não podemos ser uma Federação porque simplesmente a Constituição Federal de 1988 prescreve, rigidamente, que somos uma união indissolúvel de União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não existe Federação pronta, inalterável, eterna, a Federação é um processo de construção de autonomia, democracia e auto-sustentabilidade das entidades intergovernamentais. Aliás, neste final de século, não se justifica um paradigma de indissolubilidade para as questões de ordem política, social, jurídica ou ética das nações, federativas ou não. Afinal, uma Forma de Estado não pode está acima do Estado e de sua sociedade política.

Se a Constituição de 1988 não declarasse, nos seus dispositivos, que somos uma República, acreditaríamos que o Brasil é uma Federação? A indagação é apenas pra lembrar que, historicamente, ainda não conseguimos construir um modelo próprio de Federação. Nossa Federação não nasceu de necessidades práticas, mas por obra jurídica.

A moratória mineira resulta de um interesse público, de imperiosa determinação de governo, logo, se deve atualizar a Federação à realidade de seus entes, particularmente os Estados. A moratória não é calote, é prerrogativa de ordem jurídica dos governos estaduais. Portanto, a reação do governo central à declaração de moratória mineira é, no mínimo, anacrônica.

A história de nossa Federação é um rodar cego. No império, quando a assembléia provincial pôs em xeque a centralização política do Imperador, recebeu como resposta a dissolução do poder legislativo e a conseqüente outorga da Carta de 1824. Mais tarde, quando, em 1834, fizemos o Ato Adicional à Carta de 1824, houve desconcentração de prerrogativas legislativas e de encargos administrativos, mas se descartou a descentralização dos recursos públicos, atingindo frontalmente as políticas sociais, particularmente a instrução pública. E as felonias federativas, manifestas nas rebeliões imperiais, também foram duramente abafadas pelo governo imperial.

A história se repete na atual tensão entre Minas e o Palácio do Planalto. Deixando de lado as questões de ordem pessoal entre o presidente  Lula da Silva e o governador Itamar Franco, banais e pequenas, o que justificaria as posições hostis e de alijamento do governo central contra os governos mineiro e gaúcho senão em nome de uma atitude diligentemente conservadora e feudal de resguardar o atual modelo de Federal, iníquo e antidemocrático?

No limiar do novo século, especular a reforma do atual modelo de federação brasileira indicaria a sua extinção? Não devemos pensar que a idéia de abolir um modelo é, necessariamente, condenar a República à desordem política. Pelo contrário, a extinção de um modelo esgotado pode significar a construção de uma Federação efetivamente democrática, isto é, do lídimo e real Estado Democrático de Direito.

Se, para uns, a abolição da Federação pode ter uma feição separatista, tendente à formação de Estados Independentes, não é pertinente transformar nossa Federação centrípeta, centralizadora, em uma Federação centrífuga, efetivamente intergovernamental, unidos pela moeda, pela língua e pelo respeito ao autogoverno de cada Estado?

Não podemos ser uma Federação porque simplesmente a Constituição Federal de 1988 prescreve, rigidamente, que somos uma união indissolúvel de União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não existe Federação pronta, inalterável, eterna, a Federação é um processo de construção de autonomia, democracia e auto-sustentabilidade das entidades intergovernamentais. Aliás, neste final de século, não se justifica um paradigma de indissolubilidade para as questões de ordem política, social, jurídica ou ética das nações, federativas ou não. Afinal, uma Forma de Estado não pode está acima do Estado e de sua sociedade política.

Se a Constituição de 1988 não declarasse, nos seus dispositivos, que somos uma República, acreditaríamos que o Brasil é uma Federação?. A indagação é apenas pra lembrar que, historicamente, ainda não conseguimos construir um modelo próprio de Federação. Nossa Federação não nasceu de necessidades práticas, mas por obra jurídica. A moratória mineira resulta de um interesse público, de imperiosa determinação de governo, logo se deve atualizar a Federação à realidade de seus entes, particularmente os Estados. A moratória não é calote, é prerrogativa de ordem jurídica dos governos estaduais. Portanto, a reação do governo central à declaração de moratória mineira é, no mínimo, anacrônica.

A história de nossa Federação é um rodar cego. No império, quando a assembléia provincial pôs em xeque a centralização política do Imperador, recebeu como resposta a dissolução do poder legislativo e a conseqüente outorga da Carta de 1824. Mais tarde, quando, em 1834, fizemos o Ato Adicional à Carta de 1824, houve desconcentração de prerrogativas legislativas e de encargos administrativos, mas se descartou a descentralização dos recursos públicos, atingindo frontalmente as políticas sociais, particularmente a instrução pública. E as felonias federativas, manifestas nas rebeliões imperiais, também foram duramente abafadas pelo governo imperial.

A história se repete na atual tensão entre Minas e o Palácio do Planalto. Deixando de lado as questões de ordem pessoal entre o presidente  reeleito Lula da Silva e o governador reeleito Aécio Neves,  , banais e pequenas, o que justificaria as posições hostis e de alijamento do governo central contra os governos mineiro e gaúcho senão em nome de uma atitude diligentemente conservadora e feudal de resguardar o atual modelo de Federal, iníquo e antidemocrático?

No limiar do novo século, especular a reforma do atual modelo de federação brasileira indicaria a sua extinção?

Não devemos pensar que a idéia de abolir um modelo é, necessariamente, condenar a República à desordem política. Pelo contrário, a extinção de um modelo esgotado pode significar a construção de uma Federação efetivamente democrática, isto é, do lídimo e real Estado Democrático de Direito.

 

Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará.EE 

VINÍCIUS ALVES, poeta e editor lança HOJE seu livro OLHO & FÔLEGO na Livrarias SARAIVA em FLORIANÓPOLIS.

convite-folego

 

O quê?: lançamento do livro Olho e Fôlego
De quem?: Vinícius Alves
Quando?: dia 04 de novembro / 2008 –  terça-feira
Onde?: Livraria Saraiva – shopping Iguatemi/ FLORIANÓPOLIS
Que horas?: a partir das 18:30 hs

 
            Olho e Fôlego, de Vinícius Alves, é a reunião de todos os seus livros de poemas publicados anteriormente, agora num só livro, além de 3 outros inéditos. Por isso chamou-o suas “sobras completas”, já que desde 89 até hoje toda a sua produção consta no livro.
           O livro traz nas orelhas comentários de Fernando Karl, Estrela Leminski, Fábio Brüggemann, Élson Fróes e Rodrigo Garcia Lopes e, na quarta-capa, pequena análise de Toninho Vaz. No miolo, ao fim do livro, fortuna crítica de Lauro Junkes e Renato Tapado.
 Vinícius Alves nasceu em Florianópolis em 18/06/61. É editor e escritor. Publicou os livros Labirinto, (Edições Bernúncia), 1985; Nens Nãos Quasis (Editora Semprelo), 1986; 10 hai kais ou aki meu haraquiri, (Editora Semprelo), 1987; Coisa, (Editora Semprelo / FCC), 1987; Arte em Tear (Letras Contemporâneas), 1992; + 12 HAIKAIS OU – (Bernúncia Editora), 1994; No Chão do Chão (FCC / Oficinas de Arte), 1996; O Corvo, Corvos e o Outro Corvo (Bernúncia Editora / EdUFSC), 2002; De(z)s O(r)de(n)s ao cupim ou dez hai-kais furados, 2003 (no livro em homenagem a irmã de Ruth Laus) a forma no olho, com Jayro Schmidt e Jandira Lorenz (FCC / Oficinas de Arte), 2004; ETC É TER ÁS (FCC / Oficinas), 2007; e agora OLHO E FÔLEGO / Bernúncia, 2008.
 Colaborou no suplemento cultural Anexo, do Jornal A Notícia por dois anos e meio (1998 – 2001). Foi articulista do Jornal EGO. Tem poemas e pequenos contos publicados em sites da internet. Foi editor, juntamente com Pinheiro Neto, da revista Contos & Poemas, na década de 80. É diretor da Bernúncia Editora desde 1995. Participou das antologias: Contos de Carnaval, publicado pela Editora Garapuvu de Francisco Pereira e Contos de Natal, Editado pela Bernúncia Editora.

POESIA E ORALIDADE por manoel de andrade

A Poesia, ao longo do tempo, foi perdendo a nítida feição com que nasceu: a oralidade. Conta-se que há 2.500 anos, o poeta grego Simónides de Ceos  — célebre pelo hino que compôs aos heróis das Termópilas e que treinou sua memória para correr a Grécia declamando os poemas de Homero, de Safo e de poetas que o antecederam  — encontrou um dia seu discípulo e conterrâneo Baquílides, escrevendo suas odes sobre uma placa de cera e o acusou de trair a poesia cuja magia e encanto, dizia, estava em sua expressão declamatória e não na palavra escrita. “A Poesia, afirmava ele, é uma pintura que fala”. A poesia oral consta dos mais antigos registros literários da Grécia micênica e embora, no terceiro mundo, ainda se encontrem hoje culturas ágrafas, cuja expressão poética se manifesta apenas pela oralidade, é necessário lembrar que a literatura nasce da littera(letra), como pressuposto da escrita e da leitura.  Assim, um fenômeno não pode excluir o outro e é tão importante valorizar a tradição oral da poesia, quanto reconhecer que sem a escrita, parte de todo o seu acervo histórico se perderia com o tempo. Nesse sentido tanto a poesia escrita, como a vocalizada ou dramatizada são expressões por onde permeia a mágica dimensão poética. Nas antigas culturas de tradição oral os poetas eram tidos como os receptores e transmissores do Conhecimento e reverenciados como os guardiões da Sabedoria e por isso considerados tão importantes como os reis, sendo que os reis podiam ser mortos, mas matar um poeta era considerado um sacrilégio. O premiado poeta nicaraguense Ernesto Cardenal, em seu  notável Prólogo a la antología de la poesía primitiva, afirma que “ el verso es el  primer linguaje de la humanidade. Siempre ha aparecido primero el verso, y después la prosa; y ésta es una espécie de currupción del verso. En la antigua Grécia todo estaba escrito en verso, aun las leyes: y en muchos pueblos primitivos no existe más que el verso. El verso parece que es la forma más natural del lenguaje”.

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          O que se pretende hoje, quando a própria literatura tem que competir com outras formas poderosas de expressão, e a televisão chegou para ocupar um vastíssimo território da leitura, é tentar recuperar um pouco da oralidade da poesia que, desde Mallarmé, vem abrindo caminhos para o “espaço” e a “visualidade”. “Um dos problemas da poesia moderna — disse em Curitiba o poeta Affonso Romano de Sant’anna, no segundo Paiol Literário de 2006  é que ela não soube recuperar essa coisa tão primitiva — e tão moderna —que é a oralidade da poesia modernista. De alguma maneira, ela se desviou; em certo momento virou algo prosaico e se afastou da declamação. (…) Um dos problemas da poesia de vanguarda no Brasil, no rastro da década de 50, é achar que poesia era visualidade, e só. Pode ser, também, mas isso é uma redução, um empobrecimento. Há vários tipos de enfoques, de dicções, e a oralidade é fundamental”. Quando se pensa no grande esforço que faziam Castro Alves, declamando seus poemas em praças ou grandes auditórios e Maiakowski, ante as multidões nas fábricas, assembléias ou teatros russos, imagina-se o que fariam eles com um microfone na mão. Hoje com a sonoridade eletrônica tudo isso foi facilitado  mas, na ausência de uma cultura poética vocalizada, esses recursos   têm beneficiado sobretudo  a música e os cantores, e muito pouco a poesia e os poetas. É indispensável também salientar que a “postura oral” da poesia, mesmo ampliada pelos recursos eletrônicos, vai muito além da simples leitura ou da mera declamação de versos, para ensaiar-se num contexto em que a “palavra” e o “gesto” devem transcender para o encantamento, para o seu significado potencial de beleza, como um ato emocional de busca e de encontro do poeta consigo mesmo porque é nesse exato momento que o poema realmente está “vivo”. Nesse contexto cabe aqui registrar a importância que Paulo Autran, deu à oralidade poética, não obviamente pelo seu ofício de ator, mas pela sua imensa paixão pela poesia. Nos últimos anos de sua vida, no programa  “Quadrante”, declamava diariamente (pela rede Band News) poemas de Drummond, Bandeira, Quintana, Pessoa, Casimiro, Varela e tantos outros. Iniciativas como essa e similares são partes de uma ofensiva para reconquistar um território onde a poesia, por um lado, foi perdendo seu status cultural, abalado, ao longo de várias décadas, pelos exageros intelectualistas de tantas vanguardas, e por outro, ao ter seus segmentos gradativamente eliminados pela indústria editorial, num “mercado” onde as tiragens são cada vez menores e a custos insuportáveis para os autores. Na ponta desse “balcão” estão ainda as grandes livrarias que, além de não correr riscos com o sistema de consignação, não dão visibilidade aos títulos de poesia.

 

          Diante dos atos e dos fatos, a partir da década de noventa, a reação surgiu com os ciclos de leitura, oficinas de poesia, encontros poéticos semanais ou mensais e os festivais nacionais e internacionais de poesia. Isso sem desconsiderar outras formas “meta poéticas” contemporâneas com amplos recursos áudios-visuais digitalizados com que a ciência eletrônica vai aculturando as novas gerações.  Esta ânsia de dar voz para a poesia não é, por certo, apenas um grito contra a indiferença editorial,  mas também um oportuno pretexto para um saudoso reencontro da poesia com seus legítimos e milenares arquétipos. Um reencontro com o encantamento do verso pronunciado e também a reconquista de sua fraterna beleza num mundo onde a competição vai  fechando  os caminhos da solidariedade humana e as expressões superiores do espírito.

          Neste sentido o Festival Internacional de Poesia de Medellín, na Colômbia, organizado pela Revista Prometeo, a partir de 1990, é o maior evento mundial do gênero. Em 2001, lá estavam inscritos 107 poetas, vindos de 70 países, que, ao longo de 10 dias, encantaram cerca de 150 mil amantes da poesia. Como se sabe, o Festival de Medellín foi agraciado em 2006 com o Prêmio Nobel Alternativo oferecido pelo Parlamento da Suécia. Esse reconhecimento é um indiscutível aval ao significado internacional da poesia e à importância que a palavra pode ter num mundo marcado pela violência e pelo desamor. Acredito, porém, que um dos primeiros fóruns  latino-americanos pela oralidade poética se instalou na Casa del Lago, em 1959, no México, pela iniciativa   do escritor  Juan José Arreola. Sob a denominação de “PoesíaEnVozAlta”, onde a leitura literária contracenava com textos de teatro, este experimento intelectual — no qual pontificaram escritores como Carlos Fuentes, Octavio Paz, entre outros — continua sua trajetória na atualidade com o nome de “PoesíaEnVozAlta.05”, integrando poetas mexicanos de diversas tradições orais e poetas estadunidenses vinculados ao movimento Spoken Word. Um destaque aqui para os Jograis de São Paulo que já a partir de 1955, num gesto inovador e perseverante, dão início à declamação da poesia de língua portuguesa, apresentando-se em todo o Brasil, bem como em Portugal, Angola e no México, somando, ao longo de cinqüenta anos, mais de mil e duzentos recitais pela viva-voz da poesia.

 

          Depois do Festival de Medellín, os encontros poéticos começam a surgir, destacando-se o Festival Internacional de Poesia de Granada, na Nicarágua, onde o ano passado se reuniram cerca de 150 poetas vindos de 40 países. Destacam-se também O Festival Internacional de Poesia de Havana; de Rosário, na Argentina: de Zagreb, na Croácia, e o de Berlim, considerado o maior festival de poesia da Europa.  Aqui, no Brasil, desde o Salão Nacional de Poesia de Montes Claros iniciado há vinte anos, os festivais começam também a se multiplicar.

 

           Tudo isso indica que existe uma imensa e qualificada atividade poética no Brasil, na América Latina e no Mundo, contrastando com a insensibilidade dos grandes trustes editoriais, que alegam ausência de público para a poesia. O que há, sim, nessa “aldeia global” de que nos fala McLuhan, é um cadinho de transformações culturais aceleradamente angustiante. Por um lado uma imensa produção editorial publicada com critérios exclusivamente mercadológicos onde pontificam autores de ficção consagrados pelo mau gosto dos leitores, abundantes títulos de auto-ajuda movimentando o varejo das livrarias, alem de uma galeria de publicações periódicas focadas em atualidades, entretenimento e veleidades sociais com que certas editoras, convenientemente, “alimentam” uma ampla sub-cultura. Por outro lado as novas gerações, manipuladas pelas grandes gravadoras, o rádio, a televisão e tecnologias auditivas, já chegam marcando seu território com uma certa cultura musical de mercado. São nestes disputados balcões que a poesia é naturalmente descartada. Nesse jogo cultural globalizado, onde seus marketeiros  impõem o modismo e a aparência, surgem os mais irreverentes e alienantes paradigmas de consumo, maculando o significado da estesia literária como um todo e da poesia em particular. Solitária, contagiada pelo vírus do hermetismo, fragilizada pela dispersão e o isolamento de sua própria confraria e, assim, sem norte cultural, a poesia, contudo, segue fiel à sua própria beleza nessa estranha sociedade de espetáculo.  Avança confiante em cada verso que nasce, em cada poema declamado, em cada livro publicado, em cada poeta que ainda sonha, em cada apoio da cultura oficial, buscando punhos para segurar sua inefável bandeira,  para semear o seu renascimento num tempo ainda por vir.  

 

          O que se propõe é seguir os passos dessa vanguarda solitária de poetas que cruzam continentes e seus próprios países para se reunir em nome da beleza da poesia. Nesse sentido, aqui no Brasil, pela sua importância demográfica, existem, relativamente, poucas iniciativas. Desde 1986 acontece anualmente o Salão Nacional de Poesia Psiu Poético, organizado pelo poeta Aroldo Pereira, em Montes Claros, Minas Gerais. O  Festival Nacional de Poesia de Goyaz e de Osasco. Na cidade de São Paulo mensalmente acontece na Casa das Rosas a Quinta Poética organizada pelo poeta e editor Raimundo Gadelha e anualmente o Encontro de Poesia FalaDescrita, organizado pela FAAP  e coordenado pelo poeta Omar Khouri. Em setembro deste ano realizou-se a I Bienal Internacional de Poesia, um super evento cultural de poesia organizado pela Biblioteca Nacional de Brasília.  Seria motivador enumerar alguns outros eventos poéticos semelhantes que começam a surgir pelo Brasil afora, mas seria uma pesquisa exaustiva para ser declinada nos limites deste texto. Já aqui no Paraná, tudo ainda está por fazer. Não existem acontecimentos poéticos com dimensões internacionais, nacionais e nem locais. Em Curitiba, salvo melhores informações, existem reuniões de leitura de grupos de poetas e trovadores independentes e uma “Oficina de Poesia”, que acontece semanalmente na Biblioteca Pública do Paraná.

 

           A 1ª Semana da Poesia Paranaense, realizado neste setembro de 2008, no Centro Cultural Alberto Massuda, foi uma tentativa bem sucedida de reunir alguns grupos curitibanos e convocar os poetas do interior do estado. Com 20 poetas inscritos e oito livros lançados, o objetivo do evento foi colocar o poeta em contato com o público e criar um fato cultural que venha a ser incorporado oficialmente na agenda anual da Cidade. O entusiasmo com que o público aplaudiu os discursos poéticos e o ambiente fraterno que contagiou os poetas participantes, dizem bem do acerto desse primeiro passo. Fica aqui anotado nosso bem intencionado apelo para que a cultura oficial e acadêmica amplie essa modesta iniciativa  — limitada em sua convocação pelas dimensões físicas do ambiente – com eventos semelhantes e maiores. O Estado tem seu grande Teatro onde em 1965  realizou-se o mais belo espetáculo de poesia já realizado no Paraná.

(Veja  link https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/09/18/a-noite-da-poesia-no-teatro-guaira-por-manoel-de-andrade/) O Município tem um amplo local, privilegiado pela natureza e já com nome de poeta e a iniciativa privada, há um ano, presenteou Curitiba com um grande teatro universitário.

 

          Nós, os poetas, temos plena consciência de que não podemos mudar o mundo, embora nosso DNA seja feito de sonhos. Por isso somos tão poucos e  estamos cada vez mais sozinhos. Quem sabe por sermos os herdeiros solitários de tantas utopias!? A pós-modernidade aniquilou o homem. Tentou matar Deus, tentou matar a Verdade, está tentando matar a Arte e a Poesia. Na década de 70 perguntaram a Pablo Neruda o que aconteceria com a poesia no ano 2000. Ele respondeu que, com certeza, não se celebraria a morte da poesia. Que em todas as épocas deram por morta a poesia, mas que ela está sempre ressuscitada e que parece ser eterna. O grande poeta e revolucionário argentino Juan Gelman, prêmio Cervantes de 2007, afirma que “Lo extraordinário es como la poesía, pese a todo, a las catástrofes de todo tipo, humanas, naturales, viene del fondo de los siglos y sigue existiendo. Ese es el gran consuelo para mí. Va a seguir existiendo hasta que el mundo se acabe si es que se acaba alguna vez”.

 

           A poesia está inscrita no âmago da alma humana e ela é de todos os tempos. Desde Homero, há 3.000 anos, cantando as peripécias de Ulisses e os combates de Aquiles; desde Camões cantando a saga dos grandes descobrimentos, até Castro Alves cantando a liberdade para os escravos e Drummond de Andrade, dizendo-nos, poeticamente, que há sempre “uma pedra no caminho” de nossas vidas. A palavra, na poesia, foi e será sempre a mais bela forma de resistência contra um mundo desumano, e um profético aceno para um tempo melhor. 

 Eis porque nós, os poetas, sentimos que só resta nossa própria plenitude, esse misterioso monólogo com a história e o incognoscível, porque habitamos o território do encanto e do amanhecer. Cantamos porque vivemos dessa partícula de sonho que nos sobrepõe ao real, como disse Ingenieros. Cantamos porque acreditamos na missão imperecível da beleza, apesar de todo esse desamparo e essa perplexidade ante um mundo cada vez mais violento e cruel. Cantamos “porque a canção existe” e essa é a nossa fortuna. Cantamos para dizer nossas verdades e repartirmo-nos em cada verso. Cantamos porque cada palavra, cada poema nosso é uma esperança de busca e de encontro, um mágico roteiro para a liberdade, uma proposta de diálogo com o mundo, um gesto de amor para legitimar a condição humana e também nossa gota de lirismo para salvar a poesia de sua angustiante agonia.

 

 

TEORIA DO CONHECIMENTO poema de joão batista do lago

Se há um indivíduo

Existe um animal;

Se há um sujeito

Existe um sentido;

Se há um sentido;

Existe um pensamento;

Se há um pensamento;

Existe uma idéia;

Se há uma idéia

Existe um discurso;

Se há um discurso

Existe o outro;

Se há o outro

Existe a comunicação;

Se existe a comunicação

Existe a linguagem;

Se existe a linguagem

Existe um signo;

Se existe um signo

Existe o significado;

Se existe o significado

Existe a interpretação;

Se existe a interpretação

Existe o ser;

Se existe o ser

Existe o complexo;

Se existe o complexo

Existe o não-idêntico;

Se existe o não-idêntico

Existe o social;

Se existe o social

Existe a Sociedade

 

ABOMINÁVEL LITERATURA crônica da hamilton alves

Ontem, quando o encontrei meio por acaso, atravessando a mesma rua, saindo de uma livraria (logo de onde, dado seu propósito, que me revelou em seguida), seguimos juntos até um bom trecho, trocamos algumas palavras, e, ao fim desse encontro inesperado, confessou-me de bate pronto:

– Abandonei a literatura.

Havia lhe formulado a pergunta sobre o que produzira ultimamente.

Não produzira nada. Acabara se convencendo, embora com uma até admirável obra, sua disposição irrevogável de não escrever mais nada. Quis uma explicação para tão inesperada quão surpreendente decisão.

– Aborreci livros, acho tudo isso uma perda de tempo. Até porque…

Passou próximo de nós um conhecido (ou parente), que lhe tocou no braço. O tal sujeito segredara-lhe algo ao ouvido, para o que revelou certo espanto. Seguiu caminho e nos deixou às voltas com a revelação que me acabara de fazer: “abandonar, por fim, esse maldito ofício das letras” – como se expressou.

– Mas só agora é que você entende de abandonar o belo ofício?

– Belo? Não há nada de belo nas letras. O que há, sim, é tortura e decepção.

Dizia-me que se fosse somar o tempo que despendeu em escrever livros não saberia quantas horas, dias, meses, anos perdera pacientemente em compor seus contos, suas novelas, poemas, etc. Decepção porque nunca fora valorizada sua obra. Seus livros sempre encalharam nas estantes das livrarias. Em casa, continua com numerosos exemplares de velhas edições. É tanto livro que a mulher vive lhe apoquentando o juízo.

– Isso (creio eu) passou a ser uma psicose. É livro por todos os lados. Entro em casa tropeçando em livros, o que só junta barata e traça.

Tentei de alguma maneira convencê-lo de que sua obra, embora fosse razoável que dissesse que ainda não colhera grandes triunfos, era muito considerada. Era citado como um dos melhores dentre os demais. Citei exemplos de escritores renomados que nunca receberam um prêmio, nunca tiveram o trabalho reconhecido, mas que hoje eram lembrados com seus contos publicados em revistas, jornais, até mesmo em antologias.

– Não me iludo mais. – disse-me como se quisesse por sobre o assunto uma pá de cal.

Abraçamo-nos e nos despedimos, não antes que lhe recomendasse que revisse sua posição. As letras muito perderiam com sua decisão.

Segui meu caminho refletindo sobre a confissão súbita do amigo escritor. Teria razão para abandonar, depois de tantos anos, a literatura?

Também eu não tivera crises semelhantes de mandar tudo às favas? Não escrever nem mais um bilhete. Por fim a essa carreira mal sucedida de escrevinhador. “Estou cansado de ser datilógrafo” – disse outro desiludido, Otto Lara Resende.

Bem pensando, o velho escritor tinha lá seus bons motivos de abominar tudo isso.

Lembrei-me de Tonio Kroger, personagem de Thomas Mann, que fora também assolado pela mesma idéia de viver uma vida medíocre, afastado da ambição de tornar-se merecedor dos aplausos do mundo. Ou “viver despercebido como uma sombra parda”, como assinalou, ao fim, como sendo seu maior anseio.

A túnica de Nesso – por alceu sperança

“Dormia a nossa Pátria mãe tão distraída / Sem perceber que era subtraída / Em tenebrosas transações” (Chico Buarque, Vai Passar)

**

Reza a mitologia grega que o centauro Nesso tentava estuprar a bela Dejanira quando foi golpeado mortalmente pelo marido dela − o semideus Hércules. Se estivéssemos no Brasil, nas eleições de 2002, diríamos que o centauro neoliberalismo/PSDB/PFL estuprava a Nação, aumentando fortemente a dívida externa e liquidando o patrimônio nacional à custa de privatizações descuidadas, autoritárias e altamente prejudiciais à população, quando foi golpeado pelo Hércules/PT.

Na mitologia, a morte de Nesso parecia o fim dessa história de estupro. No Brasil de 2002, também pareceu que a vitória do PT seria a morte do centauro neoliberal, ao menos em Pindorama. Mesmo ferido, entretanto, Nesso/neoliberalismo convenceu Dejanira/Nação que para Hércules/PT não a trair, bastava ela presentear o semideus com uma túnica feita de sua pele mágica. Dejanira não desconfiou, porém, que o casaco de pele estivesse envenenado pelo sangue do centauro neoliberalismo/empréstimo/caixa 2/dólares em paraíso fiscal.

O que aconteceu, afinal, com Hércules? Ao vestir a túnica feita com a pele de Nesso, o veneno foi liberado, queimando a pele de Hércules/PT, que começou então a cortar na própria carne: cassava, digo, arrancava pedaços do corpo na tentativa de se livrar da túnica/empréstimo/caixa 2/dólares no exterior. Mas se de fato acontecer com o PT o mesmo que com Hércules, Lula está feito: basta, como Hércules, atirar-se numa fogueira (o colo dos ricos?) para destruir a túnica. Aí será possível ouvir o estrondo de um trovão, em meio ao qual o todo-poderoso Júpiter (Sistema financeiro global? Grande burguesa patrícia?) arrebatará seu filho para o Olimpo, onde, em meio a festas semelhantes aos comícios do passado, com claques e duplas sertanejas, receberá Hebe (a blindagem? Ou, como é deusa da juventude, a aparelhada UNE?) em divino casamento.

Como até agora a tragédia grega da dupla Hércules/Nesso se repetiu em toda a linha para a dupla PT/neoliberalismo, não perca o próximo episódio da mitologia moderna: o PT morrerá envenenado pela túnica de Nessoliberalismo ou acabará nos aposentos da divina Hebe, endeusado pela juventude?

O que ocorre hoje no Brasil é só mais um capítulo de uma novela nada mitológica: a crise do sistema político-institucional, potencializada pelo modelo econômico neoliberal e pela natureza antidemocrática e corrupta do sistema eleitoral, tudo isso agravado pelo enfraquecimento e privatização do Estado e o saque indiscriminado do patrimônio público. O PT rompeu o compromisso com mudanças ao fazer a opção de agir como a malsinada dupla PSDB/PFL. Herdou, de quebra, também a rede de corrupção que já existia, adotando um comportamento igual ao das elites na gestão do Estado e no exercício do poder.

Está tudo preparado: os ricos vão proteger o PT desde que ele mantenha a política neoliberal. Uma dúzia de parlamentares foram cassados e no lugar deles entrou quem, afinal? Nada além de suplentes menos votados, eleitos pelo mesmo, rigorosamente o mesmo sistema eleitoral corrupto e bilionário hoje em vigor. É a grande pizza da década, com o molho light de uma reforminha eleitoral cosmética. Na cabeceira da mesa, a dupla PSDB/PFL (hoje, DEM) esfrega as mãos de contentamento.

Quando fizeram aquele inútil referendo da compra de armas deveriam ter pensando em outro: “Você aceita a continuidade da política econômica neoliberal? Sim ou não?” Claro que seria deselegante, depois do plebiscito, sair por aí dando tiros para comemorar o categórico Não.

Rumorejando (Com a vitória do Massa e do meu Paraná almejando) – por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Quando o obcecado, por razões óbvias, sentiu que estava sendo obrigado a se aposentar, evidentemente contra a sua vontade, pensou: “Torna-se mister que eu divulgue meu elevado know-how”. Aí resolveu usar o seu espírito – na opinião dele – altamente altruísta, criando uma escola, para a qual deu o título de Centro de Formação de Amantes. Rumorejando ainda não conseguiu saber se houve muitas matrículas. No entanto, em algumas que ocorreram, os alunos comentaram que adoraram as aulas práticas.

Constatação II

Deu na mídia: “Paraná precisa construir pelo menos mais 15 presídios. Apesar de o número de vagas nas penitenciárias paranaenses ter dobrado nos últimos seis anos, o excedente de presos no estado ainda ultrapassa 14 mil”. Data vênia, como diria nossos juristas, mas Rumorejando acha que o moto perpétuo está inventado: Quando terminarem os 15 novos presídios estiverem prontos, outros tantos serão necessários. E assim por saecula seculorum, até o fim dos tempos…

Constatação III

Não se pode confundir alegria com alergia, até porque o exemplo clássico é o aparecimento repentino da tua sogra, mostrando alegria por sua – dela – vinda, na tua casa e você começa ficar com manchas por todo o teu corpo, por causa da alergia.

Constatação IV

Na homilia

Dom Praxedes,

O padre bonachão,

Instou

A família

A não cometer pecado.

Quando terminou

Teve a impressão

De ter falado

Pras paredes.

Coitado!

Constatação V

A candidata,

Insensata,

Qual um polícia,

Com malícia,

Com irônico jeito

E de modo arbitrário,

Questionou,

A masculinidade

Do adversário.

O eleitor não perdoou

A sua iniqüidade

E ela se ferrou.

Bem feito!

Constatação VI

Na vida,

Talvez bisonha,

Se perde, se ganha.

No futebol,

Chova ou faça sol

Meu time,

Cá da terra

Por mais que se anime

Qualquer partida

Só se ferra.

Constatação VII

Após a lua-de-mel

Persiste

A sensação

Que não existe

Em um lugar qualquer

Algo assim bom

Como uma mulher,

Ou… um plantel.

Constatação VIII

Ela nunca quis

Acompanhá-lo ao motel

Por mais que ele insistisse

Pedisse,

Implorasse,

Chorasse,

Abrindo um berreiro.

Um dia, ela topou

Com pressa, ele se deitou

Na cama com dossel

Enquanto ela foi ao banheiro.

Rapidamente, ele quis

Tomar um cialis,

Cujo efeito apregoado

Era de pouco tempo.

Na pressa, o comprimido

Da sua mão escapou

E caiu no tapete, pois o chão

Não era lambris.

Por mais que procurasse

Não mais o encontrou.

Aí, deprimido,

No desespero ficou

Resolveu achar

Um passatempo.

Pegou, do bolso, um baralho

Que de tão velho tava embolorado

E quando ela despontou,

Toda vaporosa,

Toda charmosa,

Perguntou,

Com os nervos em frangalho:

Qual jogo você sabe jogar?

Coitado!

Constatação IX

O carvoeiro,

Com o rosto todo encarvoado,

Chegou em casa

Ficou branco de tão assustado.

E pelos seus olhos passou um nevoeiro:

A filha no colo do namorado,

Quase nua

E ele com as mãos no seu busto,

Com cara de que estivesse no limbo.

Os dois vendo um filme da Nasa

No qual, fumando um cachimbo,

Naquele instante,

O astronauta estava sentado,

Num pedaço da lua

Que estava na minguante.

Que susto! *

Coitado!

*Não ficou claro se o carvoeiro levou um susto com medo que o astronauta caísse da lua na minguante ou se foi por causa das condições que encontrou a filha, ou pelos dois fatos.

Constatação X

Tentei resolver

Uma equação

Não deu por matemática

Nem por informática.

Aí recorri à gramática,

Mas não deu no particípio

E cheguei à conclusão

Que não havia solução.

A equação insolúvel,

Irresolúvel,

Por princípio,

Se referia

A uma gata,

Ingrata

Que eu a havia

Lançado

Na mídia

E, depois que venceu,

Com perfídia,

Qual um político,

Me esqueceu.

O fato apocalíptico

De ela girar em torno

Do seu próprio umbigo

Me deixou morno,

Prostrado.

Achei, de tudo, o fim

Coitado!

De mim…

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br