Arquivos Mensais: julho \31\-03:00 2009

MELANCOLIA de otto nul / palma sola.sc

Tomo um trago

Com que me evado

Num momento vago

De meu enfado

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Espio a noite

No escuro breu

Sob o teu e o meu

Íntimo desajuste

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Ora me vejo

Em teus olhos

Melancólicos

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Ora anoiteço

Em teu regaço

Em teus abrolhos

FOTOPOEMA 19 de rudi bodanese e drummond / florianópolis

RUDI poema&foto19

DIÁRIO DE UM MALDITO de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

Manhã Abro o espelho

do banheiro

indeciso, sem saber

se passo no pulso

perfume ou lâmina.

.

Tarde Cuspo, só para ver minha

saliva virar nuvem.

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Noite Excitado, vejo o contorcionismo elegante

da puta perfumada aparando as unhas.

Como pombo vendo milho,

sinto vontade de engolir as unhas.

.

Madrugada Bares fechados

colho saborosas

guimbas orvalhadas.

JB VIDAL INTERPRETA SEU POEMA “OFERTÓRIO-OLFATO” – VÍDEO

o poeta interpreta seu poema OFERTÓRIO-OLFATO na segunda noite do evento PRIMEIRA SEMANA DA POESIA PARANAENSE promovida pelo ESPAÇO CULTURAL ALBERTO MASSUDA na primavera de 2008. em Curitiba.

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DÊ UM CLIQUE NO CENTRO DO VÍDEO:

MENOS CIVITAS por sérgio da costa ramos / florianópolis

Será que a velha definição latina de cidade ainda está valendo? Civitas-civitatis. Reunião de cidadãos, nação, pátria, lugar onde se respeita o direito do cidadão. Aglomeração humana de certa importância, localizada em área geográfica circunscrita, com numerosas casas próximas entre si e destinadas à moradia, ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e outras não relacionadas com a exploração direta do solo.

Hoje, a “cidade moderna” vai perdendo o seu significado institucional. Avança sobre todos os solos e tornou-se vítima de outras atividades sinistras, como o furto, o roubo, o assassinato.SERGIO DA COSTA RAMOS

Eça de Queiróz não gostava das cidades, como deixou claro no seu libelo contra essa “criação antinatural”, em Cidade e as Serras. Na comparação entre as selvas, a verde e a de pedra, o monóculo do escritor só tinha olhos para a primeira:

“Na natureza, nunca se descobriria um contorno feio ou repetido. Nunca duas folhas de hera se assemelharam na verdura ou no recorte. Na cidade, pelo contrário, todos repetem servilmente a mesma casa, todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação.”

Dizem os pragmáticos que esse hábito de condenar as cidades e enaltecer a natureza é apenas “uma licença para a poesia”, uma chispa para o gênio criador do homem romântico. A cidade é a “realidade” – que a maioria das pessoas acha “um Inferno”, embora recuse o “Paraíso” do meio do mato.

As pontes de Floripa foram concebidas para um fluxo de 40 mil veículos/dia. Já recebem mais de 80 mil. Trata-se do próprio Inferno (Ro)Dante…

É o progresso, dizem. E o homem vai atrás, cada vez mais absorvido por esse mundo de gases, óleos, resinas e misturas químicas, que envenenam os poros, a alma, a mente.

Sempre que o ser humano aspirou pela paz de espírito procurou um jardim – pois se ressente de um, desde que foi expulso do Éden. Não por acaso os lugares de paz e meditação religiosas se assentam em jardins: o claustro dos mosteiros, os canteiros das casas muçulmanas, as fontes dos jardins hindus, símbolos do Paraíso.

Sempre que se deixou subjugar pela cidade, o homem perdeu o melhor dos seus dons – a capacidade de continuar humano, como lamentou Eça, contemplando as vinhas da Serra da Estrela:

“Os sentimentos mais genuinamente humanos se degeneram nas cidades. Nelas, os rostos humanos nunca se olham.”

Muitas vezes, não se olham para não testemunhar a violência. Transita pela internet uma denúncia preocupante. A de que Floripa, há muito, deixou de ser um jardim de paz. A cada grupo de 100 mil habitantes, nada menos do que 3.926 já teriam sofrido perda patrimonial por furto – números que, proporcionalmente, superariam os desumanos prontuários do Rio e de São Paulo.

Dou a Floripa o benefício da dúvida, recusando-me a aceitar para a Ilha o mesmo e cruel destino de cidades que lhe são irmãs em beleza natural, como o Rio de Janeiro.

Afinal, “Casa de Horrores” já basta o Senado, naquela cidade ao mesmo tempo medieval e futurista, chamada Brasília.

CHARLES BUKOWSKI, o escritor e poeta – editoria

Nasceu em Andernach, na Alemanha, a 16 de agosto de 1920, filho de um soldado americano e de uma jovem alemã. Aos três anos de idade, foi levado aos Estados Unidos pelos pais. Criou-se em meio à pobreza de Los Angeles, cidade onde morou por cinqüenta anos, escrevendo e embriagando-se. Publicou seu bukowskiprimeiro conto em 1944, aos 24 anos de idade. Só aos 35 anos é que começou a publicar poesias. Foi internado diversas vezes com crises de hemorragia e outras disfunções geradas pelo abuso do álcool e do cigarro. Durante a vida, ganhou certa notoriedade com contos publicados pelos jornais alternativos Open CityNola Express, mas precisou buscar outros meios de sustento: trabalhou 14 anos nos Correios. Casou, se separou e teve uma filha. É considerado o último escritor “maldito” da literatura norte-americana, uma espécie de autor beat honorário, embora nunca tenha se associado com outros representantes beat, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg.

Sua literatura é de caráter extremamente autobiográfico, e nela abundam temas e personagens marginais, como prostitutas, sexo, alcoolismo, ressacas, corridas de cavalos, pessoas miseráveis e experiências escatoló gicas. De estilo extremamente livre e imediatista, na obra de Bukowski não transparecem demasiadas preocupações estruturais. Dotado de um senso de humor ferino, auto-irônico e cáustico, ele foi comparado a Henry Miller, Louis-Ferdinand Céline e Ernest Hemingway.

Ao longo de sua vida, publicou mais de 45 livros de poesia e prosa. São seis os seus romances: Cartas na rua (1971), Factótum (1975 ),  Mulheres (1978),  Misto-quente (1982), Hollywood (1989 ) e Pulp(1994).

Bukowski publicou em vida oito livros de contos e histórias: Ereções, ejaculações e exibicionismos (1972) – que no Brasil foi publicado em dois volumes, Crônica de um amor loucoFabulário geral do delírio cotidiano (L&PM POCKET, 2006) – , South of No North: Stories of Buried Life (1973), Tales of Ordinary Madness (1983), Hot Water Music (1983), Bring Me Your Love (1983), Numa fria (1983), There’s No Business (1984) e Septuagenarian Stew (1990).charles-bukowski

Seus livros de poesias são mais de trinta, entre os quais Flower, Fist and Bestial Wail (1960), You Get So Alone at Times that It Just Makes Sense (1996), sendo que a maioria permanece inédita no Brasil. Várias antologias, além de livros de poemas, cartas e histórias foram publicados postumamente, como O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio (L&PM Editores, 1998 / L&PM POCKET 2001), com ilustrações de Robert Crumb. Este livro é uma espécie de diário comentado dos últimos anos de vida do autor.

Bukowski morreu de pneumonia, decorrente de um tratamento de leucemia, na cidade de San Pedro, Califórnia, no dia 9 de março de 1994, aos 73 anos de idade, pouco depois de terminar Pulp.

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O CORAÇÃO QUE RI

A tua vida é a tua vida
Não a deixes ser dividida em submissão fria.
Está atento
Há outros caminhos,
Há uma luz algures.
Pode não ser muita luz mas
vence a escuridão.
Está atento.
Os deuses oferecer-te-ão hipóteses.
Conhece-las.
Agarra-las.
Não podes vencer a morte mas
podes vencer a morte em vida, às vezes.
E quanto mais o aprendes a fazê-lo,
mais luz haverá.
A tua vida é a tua vida.
Memoriza-o enquanto a tens.
És magnífico.
Os deuses esperam por se deliciarem
em ti.


Charles Bukowski
(Tradução de Tiago Nené)

PATIFES ILUSTRES “AGAIN” por walmor marcellino

Os “patifes ilustres” continuam construindo o seu Estado brasileiro. Agora chegou a vez de um imbecil fazer dos arquivos “mortos” de crianças e adolescentes um agravante de criminalidade; com o aplauso da associação dos idiotas da aristocracia judiciária. De vez em quando, em vez de atacar especialmente a corrupção no seio do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, um bilontra faz um projeto de lei para aumentar seus privilégios e elevar a repressão sobre as classes sociais subalternas, acusando-as de lamentáveis matrizes do crime. Não explicitamente o crime institucionalizado, de que é parte, o que é o mais grave no país, mas sim os crimes das classes sociais modeladas pelo poder de classe.

É tal nossa indigência político-cultural que às escâncaras qualquer patife da “justiça” usa sua “formação cultural-social” e seu “consenso aristocrático” para coitar-se e coabitar com essa “lei geral” — que em si é a civilização dos privilégios em nome da ordenação social. Paradoxalmente, alguém então estranhará que grileiros-assassinos na Amazônia sejam sócios de governadores, prefeitos, senadores e deputados e protegidos pelo Poder Judiciário? Confraria do seja grileiro e/ou político.

E assim não é de espantar que o patife ilustre-governador do Rio de Janeiro ande matando meia dúzia de cidadãos da periferia para cada acusação de que por ali existem bandidos armados; ou um juiz “ilustre” dê seu habeas corpus baseado em tecnicalidades jurídicas para um grileiro ou bandoleiro seu par social, como consócio no poder de classe e do projeto de civilidades…

“Crescei e multiplicai-vos” – diz um brocardo da mitologia religiosa. E então os meritocratas decidiram que à doença do bacharelismo somariam o equus-eqüi-burocratismo como “agente especial” na democratização de classe e sociedade, com foro tão mais elevado quanto a diplomacia conquistada. Esse funcionário nobiliárquico pode até fazer greve.

E toda essa patifaria política imitiu-se no poder — até por desavisada tradição na forma constitucional, de que lhes compete fazer e mandar cumprir suas leis, desde que esse “consenso” non sense lhes concede “a liberdade da esperteza”, com a unanimidade em seus iguais nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Vai daí que o Supremo não decide que é anticonstitucional a existência de foros privilegiados para altos bandidos, foros especiais para outros, prisão especial para as classes de “saber e formação”. E cana para “essa savandija”, essa malta malthusiana de espaços públicos e da produção direta, naturalmente.

A grande dúvida então aparece: essas classes de bosta estão no poder “que arduamente conquistaram” ou este é um país de bosta, cuja população se vai modelando pelo crediário e pelas vitualhas que caem ao chão durante o epulatio, nesse grande festim, fraternizando a horda com o patriciado.

SOBRE A POESIA, OS POETAS – editoria

  • “O poema não é feito dessas letras que eu espeto como pregos, mas do branco que fica no papel’

Paul Claudel

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  • “O poeta faz-se vendo através de um longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos”

Arthur Rimbaud

  • “A poesia não voltará a ritmar a acção; ela passará a antecipar-se-lhe”

Arthur Rimbaud

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  • “Deus, que nos fizeste mortais, porque é que nos deste a sede de eternidade de que é feito o poeta?”

Luis Cernuda

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  • “A poesia não é nem pode ser lógica. A raiz da poesia assenta precisamente no absurdo”

José Hidalgo

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  • “Fazer poesia é confessar-se”

Friedrich Klopstock

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  • “A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisível”

Nathalie Sarraute

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  • “Para mim, o importante em poesia é a qualidade da eternidade que um poema poderá deixar em quem o lê sem a ideia de tempo”

Juan Ramón Jiménez

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  • “A poesia é um nexo entre dois mistérios: o do poeta e o do leitor”

Dámaso Alonso

VARIAÇÕES SOBRE TEMAS DIFERENTES por mário de almeida / porto alegre

Escolada 
Da série “Poesia numa hora dessas?!” 

“Lua, lua…” 
disse o poeta, 
procurando uma rima, 
uma frase, 
uma imagem. 
“Ai meu santo” 
disse a Lua, escolada. 
“Lá vem bobagem.” 
(Verissimo, O Globo, 23.07) 

Ué, não era para escrever sobre as catacumbas de Paris!? 

O engenheiro paulista José Carlos Pellegrino e eu fomos colegas no Ginásio, há mais de 60 anos, e somos amigos até hoje. 

Parte da fortuna da minha vida é que uns 40 como ele também jogam no nosso time da Fraternidade. 

Pellê, outros do time e eu nos reunimos num jantar, em São Paulo, em janeiro deste ano. Ele lê as minhas crônicas aqui, sempre registra a leitura, às vezes com comentários, às vezes não. A última crônica recebeu dele um elogio, inda com a ressalva que prefere as não-fúnebres. 

Eu já havia “atropelado” semana passada a prometida crônica sobre as catacumbas de Paris e, como décadas de amizade têm direito a preferências, sepultei de vez o assunto. 

Aurea e eu já matamos in loco a nossa curiosidade e até nos divertimos com as frases que provam o refinado humor francês, mas quem quiser saber a história daquelas catacumbas, basta acessar um Google da vida, onde há dezenas de sites sobre aquele mundo subterrâneo, onde, como visitá-lo e coisas tais.

Decidi que esta coluna “vai na valsa”, ou seja, vou valsar com assuntos diferentes. E nada de apelos lúgubres.

Tirei a dúvida da minha filha Carla, antes do vestibular, quando a indecisão dela vacilava entre duas vocações: imprensa e ciência. Expliquei a ela a não-incompatibilidade se a escolha fosse jornalismo.

Aprovada na Federal do RJ, ainda no primeiro semestre já estagiava na redação do Jornal da Ciência, publicação da SBPC e, antes de formada, já era remunerada como se o fosse. Formada, foi trabalhar no Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz. Depois, com uma bolsa do Conselho Britânico, partiu para um mestrado em divulgação científica em Londres.

Foi, e 11 meses depois, em 2007, voltou com o cartucho na mão para a Fiocruz, mas logo se afastou para cursar – como bolsista – doutorado na mesma especialidade na UFRJ, coisa que já acontece desde o ano passado. Minha filha, por bom tempo, como milhares de brasileiros que se aprofundaram nos estudos, tem como prêmio – por alguns anos – emprego fixo: estudante profissional.

É um investimento do governo para capacitar, ainda mais, cidadãos com grande potencial de gerar dividendos nas mais diversas atividades.

Carla acaba de completar 29 anos, dois a mais que Augusto Chaves, “estudante profissional” cursando a terceira faculdade sem concluir alguma e que acaba de assumir a presidência da UNE.

Mais um filiado do PCdoB que, como outros, chega ao cargo. Já ficou notório que mudaram a UNE e o PCdoB, pois se sabe que, em troca de apoiar o “lulismo”, verbas das estatais e de outros órgãos públicos vão regar a antiga entidade que só se envolvia em política quando em defesa de interesses nacionais, incluindo sua heroica luta contra a ditadura.

Quanto ao PCdoB…

Carla, milhares de bolsistas e o augusto pelego* deste governo são financiados, também, pelo contribuinte. Mas os “dividendos” do pelego serão pagos no ato para o lulismo que o patrocina.

Em O Globo de 22.07, Zuenir Ventura escreveu boa e, em alguns trechos, divertida crônica sobre aquela pergunta por vezes desagradável: lembra de mim?

Conta o caso de um colega dele que não se lembrando, mas dizendo-se lembrar, foi vítima da impertinência:

– Qual é o meu nome?

– Se você não sabe o seu nome, eu é que vou saber?

Lembrei-me de antiga historinha atribuída ao folclórico político mineiro José Maria Alckmim, ao abordar o filho de um eleitor: “Como vai seu pai, meu filho? – Meu pai morreu há muito tempo, doutor Alckmim. – Morreu para você, filho ingrato. Porque continua vivo no meu coração.”

Zuenir cita duas espécies humanas: uma que não faz a pergunta e vai logo lembrando a que fato ou situação se conheceram e a outra, do incômodo “Tá se lembrando de mim, não?” Essa crônica do Zuenir me remeteu ao próprio e a 2003.

O mesmo veículo da Feira do Livro que nos apanhou no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ele para fazer uma palestra sobre o 35º ano em que o ditador Costa e Silva assinou o famigerado Ato Institucional n° 5, e eu para dirigir e participar da leitura pública, com texto meu com cerca de 60 minutos com os antigos companheiros do nosso Teatro de Equipe.

Ainda no carro, fui logo lembrando ao Zuenir que estivéramos juntos 30 anos antes, ele, Henfil e eu que, atendendo a convite do então prefeito carioca Marcelo Alencar, formamos o júri de um concurso de desenho de crianças de uma favela carioca. Depois, nunca mais.

Após a palestra e a nossa apresentação, no Centro Cultural Erico Verissimo, Rafael Guimaraens e eu ainda autografamos para os presentes alguns exemplares do nosso “Trem de Volta – Teatro de Equipe”, lançado dois meses antes no Theatro São Pedro.

Eu, que havia levado o meu exemplar do “1968 – O ano que não terminou”, inverti a situação e ganhei do autor uma carinhosa dedicatória: “Por esse nosso reencontro, Mario, o meu abraço emocionado. Só não quero esperar mais 30 anos para te rever”.

Meses depois, em 31 de maio, livraria cheia de amigos, a gente apenas se cumprimentou na noite de autógrafos de Flavio Tavares para o seu livro “O Dia em que Getulio matou Allende”.

A fortuna me sorriu, saí com o bolso cheio de cartões de gente que há muito não via e há mais de 40 anos eu não falava com Leonel Brizola. Brizola – que, em 1961, quando governador do Rio Grande, solicitou uma apresentação especial para a minha peça “O Despacho”, no Teatro de Equipe – e eu chegamos cedo à livraria, o que rendeu um grande papo.

Três semanas depois, ele “se despedia da vida para entrar na História”.

Passando na TV por um canal de esportes, assisti ao início de uma entrevista de Romário, que vive num inferno astral. O “baixinho” começou muito bem:

– Quero logo avisar que não fui eu quem trouxe a gripe suína para o Brasil.

Como não continuei a ver, não sei se ele acrescentou que não é senador, não se chama Sarney, Renan, Collor e muito menos pizzaiolo…

O Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e mais 11 entidades reuniram numa pizzaria paulistana cem pessoas, muitas com nariz de palhaço. Cardápio: Pizzas de abobrinha com jabá, conhaque Senador e cachaça Providência. 
Inté.

*Vocábulo que acusava líderes sindicais de apoiar o governo em troca de benesses pessoais.

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Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de “Antonio’s, caleidoscópio de um bar” (Ed. Record), “O Comércio no Brasil – Iluminando a Memória” (Confederação Nacional do Comércio) e “Confederação Nacional do Comércio – 60 Anos” (CNC); co-autor, com Rafael Guimaraens, de “Trem de Volta – Teatro de Equipe” (Libretos); e um dos autores de “64 Para não esquecer” (Literalis).


FUGA PICTÓRICA OPUS 2002 – 4 / de tonicato miranda – curitiba

para Régis Duprat

20 de Março de 2002

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pim, pim, pam, pingos pingam e re-pingam na lata

tam, tam, tam, tooommm, dedos pingam no piano

pim, pim, pam, o pingo regular não me arrebata

tam, tam, tum, toommm, pingos leves e soltos, atonais

quem escuta delicia-se, aplaude, assobia, pede mais

o gênio nos emociona com seu gorro de um azul ciano

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é um urso, um gorila, um orangotango, ou um Monk?

está claro, falo de Thelonious Monk e seus pianos

com seus dedos de martelo nos dá algo mais que ronque

nós dá a delícia da música pulsante e suas surpresas

comida virtual a nos encher os ouvidos e as mesas

thank you Thelonious, por sua música em todos estes anos

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Monk é primata e gênio, símio sem similar entre humanos

qualquer ambiente noturno ou de tarde querendo escurecer

onde haja num canto de sala, modestos e afinados pianos

debaixo de vasos e seus panos – é preciso parar e ouvir

tam, tam, tooommm, dedos respingam no nosso sorrir

a magia do Deus musical Thelonious, algo além do viver

.

muita fumaça no ar, contraste de sons do piano e da caixa

tam, tam, tooommm, continua a viagem por Round Midnight

tempos atrás parávamos, por horas repetindo a mesma faixa

viajávamos de Istambul ao Hemisfério Sul, e ao gueto

numa rua de Nova York onde jamais estivemos, nem em libreto

nossa ópera era mesmo aqui, com Monk, sob a luz difusa da “light”.

.

Monk nos deu a paciência no pulo dos acordes levemente feridos

a pausa das notas machucando a dor de amores platônicos – puro funk

pingando na alma, vagarosamente, como o vagar dos convencidos

tam, tam, tooommm, jazz. Sal Peanuts – Charlie Park ainda por aqui

como o buquê de flores musicais debaixo de um grande pé de pequi

árvore goiana habitante da minha juventude, irmã dos acordes de Monk.

OFERTÓRIO-olfato de jb vidal / florianópolis

emanações voláteis tomaram o meu sentido

neste enigmático circular do mundo,

colaram-se em mim todos os odores,

carrego-os como testemunhos da existência,

digitais de minha presença onde não devia estar,

cheiros, perfumes, permanece a indiferença,

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senti-os todos, suaves e agressivos,

alegres, tristes, céleres e lentos,

impregnaram-se, sem que permitisse,

dos porcos, dos jardins, das virgens e prostitutas

dos esgotos e dos vales,

da chuva, das montanhas, dos ares,

.

senti o cheiro da fome,

dos mijos e das merdas,

dos corpos suados, dos coitos e das celas,

os cheiros das ruas, dos dias, das noites

dos palácios e casebres,

cheiros de mim e pessoas paralelas

.

ofereço a quem interessar este sentido

completo, intenso, plural,

desfaço-me dele diante dos fins,

cansado de ser hipótese, abdico de mim mesmo,

confesso, que um não haverá,

o odor de meu corpo em meio a flores de funeral

FATO ALARMANTE por hamilton alves (extra) / florianópolis

A sra. Otília da Silva Godinho, uma pessoa pobre, que conheço há muito tempo, avó de um afilhado meu, Giovani, e prima de uma pessoa que mantém longa relação de irmã natural, resultante de mais de 40 anos de convívio diuturno, que, por isso mesmo, está incorporada a minha família, veio a falecer hoje no Hospital Florianópolis, do Estreito, depois de ter sido ali internada, desde há aproximadamente duas semanas, acometida de enfarte. Aguardava vaga no Hospital Regional, de São José, para efetuar um tratamento de seu grave problema de saúde, devendo ali submeter-se a um cateterismo ou a outro procedimento semelhante.

A principio, da. Otília foi acolhida numa maca e assim ficou alguns dias no corredor do Hospital até que lhe fosse conseguido um quarto, onde se acomodasse melhor. O problema é que no Hospital Regional não havia vaga na UTI para onde ela deveria ser tratada após o ato cirúrgico.

Os dias se passaram. Não houve em aproximadamente quinze dias que ficou a espera dessa vaga para poder tratar adequadamente de seu problema cardíaco condições de lhe dispensar o devido tratamento médico. Ficou, praticamente, submetida a soro, sem alimentação adequada, pobre que era e carente que é o Hospital Florianópolis de recursos quanto à mantença de clientes do SUS (ou pobres) ou que dependem da assistência estatal.

Nenhuma atenção com o caso de da. Otília. Nenhum interesse maior pelo seu problema de saúde.

Por que é carente o Hospital Florianópolis de recursos? Por que há falta de leitos hospitalares na rede hospitalar a pessoas pobres? Por que uma pessoa atacada de um problema grave de saúde depende de vaga na UTI de um hospital? Por que a vida de uma pessoa tem que ficar à mercê dessas deficiências?

A quem cabe responder a essas perguntas?

Ao governo do Estado, que permitiu que em espaço nobre da cidade fosse erguida a Igreja do Edir Macedo, onde poderia ser construído um hospital?

Ou que simplesmente não providencia o melhor atendimento médico à população carente, com a construção de melhores e mais bem aparelhados hospitais, onde não falte vaga para receber doentes em regime de urgência em UTI,s ou em quartos em que possam ter o melhor atendimento? Ou ao governo municipal? Ou ao governo federal? Ou ninguém é responsável por essas mazelas?

Que interesse revela o poder público, seja municipal, estadual ou federal em prol da saúde ou do bem estar do povo?

Na visão da classe dirigente, esses governecos que estão aí só usufruindo das benesses do poder, dane-se o povo.

Morreu, hoje, da. Otília da Silva Godinho por falta absoluta de melhor atendimento e assistência hospitalar. Outros estão na mesma situação para morrer por falta de tais recursos assistenciais.

Até quando o povo ficará à mercê dessa irresponsabilidade do poder público no enfrentamento desse gravíssimo problema médico-assistencial?

MANHÃ SEGUINTE de joanna andrade / curitiba

Palavras arquivadas na memoria

Fugazes Faces Flashes

Um momento sem dono

A cada piscar de olhos um blackout

Um tiro Uma facada

Um  Coração Assassinado

Um vale de lagrimas caramelizadas no peito

Uma saudade Um adeus Um comfronto

Uma escapatoria Uma falta

Aleatoria Alegria Algoz

Um sorriso que mata

Em seu sinonimo social

Palavras modelos em perfis anorexicos

Cheios de pose cheios de posse

Gordas atras de suas grades

Finas nos chás da tarde

Intelectuais às 9 da noite

Voluptuosas na madrugada

Ensalivadas em bocas lacradas com o proprio orvalho na manha seguinte

Decoram o ceu das bocas

Ensimesmadas.

H1N1, PANDEMIA DE LUCRO – editoria

Que interesses econômicos se movem por detrás da gripe porcina???
No mundo, a cada ano morrem milhões de pessoas vitimas da Malária que se
podia prevenir com um simples mosquiteiro.
Os noticiários, disto nada falam!

No mundo, por ano morrem 2 milhões de crianças com diarréia que se poderia
evitar com um simples soro que custa 25 centavos.
Os noticiários disto nada falam!

Sarampo, pneumonia e enfermidades evitáveis com vacinas baratas, provocam a
morte de 10 milhões de pessoas a cada ano.
Os noticiários disto nada falam!

Mas há cerca de 10 anos, quando apareceu a famosa gripe das aves…
…os noticiários mundiais inundaram-se de noticias…

Uma epidemia, a mais perigosa de todas…Uma Pandemia!
Só se falava da terrífica enfermidade das aves.

Não obstante, a gripe das aves apenas causou a morte de 250 pessoas, em 10anos…25 mortos por ano.
A gripe comum, mata por ano meio milhão de pessoas no mundo. Meio milhão contra 25.
Um momento, um momento. Então, porque se armou tanto escândalo com a gripe das aves?

Porque atrás desses frangos havia um “galo”, um galo de crista grande.

A farmacêutica transnacional Roche com o seu famoso Tamiflú  vendeu milhões de doses aos países asiáticos.
Ainda que o Tamiflú seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou 14 milhões de doses para prevenir a sua população.

Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de lucro.

-Antes com os frangos e agora com os porcos.

-Sim, agora começou a psicose da gripe porcina. E todos os noticiários do mundo só falam disso…
-Já não se fala da crise econômica nem dos torturados em Guantánamo…Só a gripe porcina, a gripe dos porcos…

-E  eu me pergunto: se atrás dos frangos havia um “galo”, atrás dos porcos… não haverá um “grande porco”?

A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflú. O principal acionista desta empresa é nada menos que um personagem sinistro, Donald Rumsfeld, secretario da defesa de George Bush, artífice da guerra contra Iraque…

Os acionista das farmacêuticas Roche e Relenza estão esfregando as mãos, estão felizes pelas suas vendas novamente milionárias com o duvidoso Tamiflú.

A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da saúde.

Não nego as necessárias medidas de precaução que estão sendo tomadas pelos países. Mas, se a gripe porcina é uma pandemia tão terrível como anunciam os meios de comunicação.

Se a  Organização Mundial de Saúde se preocupa tanto com esta enfermidade, porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza o fabrico de medicamentos genéricos para combatê-la?

Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos genéricos a todos os países, especialmente aos pobres, essa seria a melhor solução.

CHATOS por hamilton alves / florianópolis

Alguém já tentou definir o que é um chato? Creio que seja um animal de difícil definição porque é tão múltiplo, tão variado em sua espécie, que se torna problemático achar um termo ou um conceito que o enquadre naquilo que é ou significa. Joyce certa vez disse que nunca encontrou um chato pela frente. Era um gênio e todo o sujeito que o é tem uma forma de enfrentar um chato. Ou fenômeno equivalente. Joyce, provavelmente, via, no chato, um motivo de análise ou de incorporá-lo ao anedótico da vida. E, por esse ângulo, o chato era uma riqueza. Ou um objeto digno de atenção. Também adorava cidades sujas, como se diz que Paris seja. Uma ocasião uma senhora, em Trieste ou outra cidade, lhe lembrou que Paris era muito suja. Joyce, com sua proverbial complacência com tudo neste mundo, lhe respondeu: “dirty is marvellous!”. Era um louco e, para loucos, a ordem estabelecida é o caos. Ou próximo disso.

Quanto a mim, tenho uma paciência (ou a revelo, pelo menos) com chatos sem limites.

Assim, sou capaz de entreter conversa com chatos por tempo sem fim, como me tem ocorrido sempre.

A última (ou uma das últimas) em que me deparei com um chato, narrou-me uma história que não fazia nexo, que mudava de tom e de tema de minuto a minuto. Mas como eu estava ligado em outros aspectos da figura dele, cor dos olhos, a forma dos dentes, o movimento das orelhas quando falava, a calvície que se apresentava nele já em estado de grande progresso, a cor do rosto, que se transmudava de pálido para róseo, dependendo do caráter de sua história, um cacoete de mexer com o nariz curioso, me entretinha com isso enquanto desenrolava sua narrativa mirabolante.

Até que me vi livre dele por um desses estratagemas que costumo usar em momentos assim. Disse-lhe que naquele momento tinha que comparecer à consulta de um dentista, estava com problema num dente meio sério – aí ele afavelmente me estendeu a mão, mas ainda me pediu um instante para concluir o derradeiro episódio de sua desarticulada história, toda cheia de instantes épicos.

Até que se aproximou outro chato e disse:

– Esse seu amigo não pinduca bem, não é?

Dei-lhe um sorriso em resposta, que entendesse como bem quisesse.

A minha admiração é que entretenho papo com chatos, mesmo quando seja o caso que os fatos que aborda não formem sentido. Entro na conversa do modo mais inesperado e surpreendente para ele, certamente, e para mim.  De repente, vejo-me como um maluco falando a outro maluco – e tudo acaba, em geral, para mim, num desfrute de bom humor, que produz o efeito psicológico de me tornar leve como um passarinho. Entenda-se tudo isso. Joyce e eu temos algo em comum – a tolerância com chatos.

TODO O PODER AOS BARNABÉS por alceu sperança / cascavel.pr

Os municípios brasileiros vivem dias muito difíceis. Os vereadores se desdobram para mostrar serviço e não têm como: nada que eles façam tem qualquer influência do que realmente importa para as pessoas – salário, renda, estrutura de saúde, domínio ideológico das grandes corporações mundiais sobre cada centímetro do planeta.

Em Cascavel, eles decidiram mostrar que fazem mais do que discutir sexo dos anjos e quadratura do círculo, passando a se exibir nos bairros para ver se a popularidade aumenta. O prefeito só enrola, pois o orçamento é um terror e as necessidades são imensas. Nem se arrisca a processar malfeitores, pois se estes vencerem na Justiça o Município tem que pagar custas judiciais proibitivas.

Há precatórios simplesmente criminosos, impagáveis, mas a espada de Dâmocles está sempre sobre o prefeito: intervenção, sequestro da arrecadação de impostos, quebradeira da estrutura de saúde, professor sem salário…

De resto, um dos truísmos mais cultivados por aqui desde a ditadura é que um prefeito só traz “benefícios” para a cidade se estiver de quatro debaixo de um presidente ou governador. Se for contra o estado ou o governador, não traz nada. Se é a favor, não passa de capacho e pau-mandado.

Por que os municípios vivem essa tamanha sensação de que tudo está errado? Por que houve a redução do número de vereadores? Não, porque quando havia mais vereadores a situação crítica era a mesma e o prefeito precisava “mensalizar” mais gente para aprovar projetos e ter à disposição o tal “cheque em branco” – margem de manobra imoral para dispor do dinheiro público sem o controle dos representantes do povo.

A crise se deve à imprensa, que não elogia os esforços hercúleos do prefeito para pôr a casa em ordem? Não, porque o velho Joseph Pulitzer (1847–1911), na mais magistral aula de jornalismo de todos os tempos, deu o tom: “Nossa missão é confortar os aflitos e afligir os confortados”. Puxador de saco na imprensa (“um abraço para o deputado Fulano”) é criatura desprezível. Desligue ou rasgue.

Todas as forças políticas ideológicas tradicionais, com exceção apenas dos comunistas (que jamais concorreriam à Prefeitura), já tiveram a chance de administrar municípios brasileiros e quebraram a cara neste período pós-ditadura. Estranhamente, os mesmos fracassados continuam vencendo eleições. Quer dizer, estranhamente para quem não sabe como as salsichas são feitas e como ocorre o financiamento das candidaturas…

A causa local da crise é que no geral não houve nenhuma reforma administrativa real nas Prefeituras. Mudam nomes de prefeitos e secretários, mas o organograma básico é o mesmo. Os cofres são raspados até o centavo, o povo não percebe melhorias e só vê a violência aumentar. O nepotismo, o loteamento de cargos, a troca de favores e o tráfico de influência estão na base de todos os quiproquós verificados há décadas.

Só proibir a nomeação de parentes seria um passo ainda muito tímido, pois pode ser contornado nomeando parentes dos cupinchas. Falta-nos uma reforma administrativa revolucionária, eliminando logo de cara todos os cargos de confiança, a não ser três ou quatro para ouvidoria, controladoria, auditoria, algo assim.

A fortuna economizada iria tapar um pouco o buraco da saúde e reforçar a Educação em Tempo Integral. É preciso extinguir todas as secretarias e seus salários milionários. É a hora de privilegiar exclusivamente os funcionários de carreira nas tarefas administrativas.

Todo poder aos barnabés! No lugar de secretários pagos a peso de ouro, governar só com a Câmara, já bem paga, e os conselhos populares. Os mamadores, que perderão a teta já quase seca da vaca-povo, vão odiar. Que odeiem. Vamos deixar esses homens trabalhar, mas na iniciativa privada.

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES por juca (josé zokner) / curitiba

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Deu na mídia: “Papa pede que fiéis com problemas econômicos tenham fé”. Data vênia, como diram nossos juristas, masRumorejando acha que ao invés de pedir aos fiéis que tenham fé, seria melhor que o Sumo Pontífice pedisse uma moratória, em nome dos fiéis aos seus respectivos credores.

Constatação II

Data vênia, etc., mas Rumorejando acha que no Senado da República não havia Diretor-Geral, mas sim Ditador-Geral e que, depois, foi alçado à condição de Secretário Geral para Assuntos Secretos…

Constatação III

E como se sentia desorientado aquele ex-ativista: “A gente pode se desencantar com a Esquerda, mas não dá para se encantar com a Direita. Ficar no Centro é filhadapu…ce.

Constatação IV (Pseudo-fanatismo, com tendências a corno).

Chegou

Resfolegante

No doce lar.

-“Está apurado?”

Perguntou,

Rindo à-toa,

Maldosamente,

A patroa.

Coitado!

-“Não é isso”,

Contestou

De modo elegante.

-“É que o meu Paraná,

Talvez

Graças a um Orixá,

Passou,

Milagrosamente,

A ganhar,

Mais de uma vez.

E ele vai agora jogar

Contra o Guaratinguetá

Ou o Fortaleza,

Ou o Ceará.

Sei lá!

-“Que beleza!”

-“Que torcedor

Você me saiu!”

E que amante!

Você nem viu,

Nem reparou

Que eu estou

Nua, perfumada,

Almejante,

Enfim,

Preparada,

Querendo,

Pretendendo

Fazer amor?

Coitada,

De mim!”

Constatação V (E já que falamos no assunto).

Surgiu um zunzum,

Um vavavá*

Que o meu Paraná

Ganhou outra porfia,

Mesmo com apatia,

Ou foi o contrário:

Perdeu de menos um

Adversário?

*Vavavá 1. barulho de vozes; algazarra, gritaria

2. agitação, alvoroço, tumulto. (Houaiss).

Constatação VI

Deu na mídia: “FGV: renda maior não alavanca qualidade de vida no Nordeste. O estudo apresenta amplo diagnóstico das mazelas e conquistas socioeconômicas dos nove Estados nordestinos, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, entre os anos de 2001 e 2007”. Piauí e Maranhão foram os que apresentaram piores índices de desenvolvimento. Ainda a mídia, coincidentemente ou não, apresentou a seguinte informação: ‘Não sei por que esse bombardeio’, diz o senador Paulo Duque, novo presidente do Conselho de Ética, aliado do senador José Sarney, que tem a tarefa de investigar o presidente do Senado. Quem souber a razão do bombardeio, por favor, cartas diretamente e não através de Rumorejando, ao senador Paulo Duque…

Constatação VII

Madona e Jesus Luz não estão mais juntos, diz o jornal Daily Mail. Taí mais uma notícia de transcendental importância para o futuro da Humanidade!

Constatação VIII

Foi a formiga, montada no boi que disse para ele: “Veja quanto nós já puxamos o arado. Já vai dar para semear nesta área para o cultivo da próxima colheita. A cigarra nem se deu conta disso porque ela só fica cantando”.

Constatação IX

Este neto do senador José Sarney na gravação da conversa que teve com o pai, ao fazer troça de não aparecer para trabalhar, ganhando um salário de cerca de sete mil reais, revelou que tem o perfil das elites dirigentes, podendo, logo, logo exercer um cargo importante no nosso país.

Constatação X (De um pseudo-soneto, da série iniciada na semana passada: “Ah, o amor…”)

Você se despe na minha frente,

Fazendo surgir teus encantos

Eu fico com olhar nada inocente

E te cubro com beijos como se fossem mantos.

Teus arrepios ao beijar teu pescoço

Ao te abraçar fortemente por detrás

Você tenta se desvencilhar com alvoroço

E eu impeço que você seja capaz.

Você me sussurra “espere” e me pede calma,

Mas quem pode ficar calmo nessa hora

Com esse turbilhão todo que vai pela alma?

Diante da doce visão que me é dado a ver

A vazão do amor tem que ser já, já. Agora!

Depois? Ah, depois! Corre-se o risco de morrer.

Constatação XI

Com relação ao pseudo-soneto da constatação anterior, vale lembrar que a mídia noticiou: “governo vai comprar vacina contra gripe suína para 2010”. Será que não é muito temporão? Não se corre antes o risco de morrer? (Perdão, leitores).

Constatação XII

O sorriso da aeromoça

Era tão profissional.

E ela era tão insossa,

Tão amuada

Que parecia

Que nela não havia

Nem um pouco de sal.

Coitada!

PÁTRIA, MADRASTA VIL! por clarice zeitel vianna silva / rio de janeiro

REDAÇÃO DE ESTUDANTE CARIOCA VENCE CONCURSO DA UNESCO

Imperdível para amantes da língua portuguesa, e claro também para Professores. Isso é o que eu chamo de  jeito mágico de juntar palavras simples para formar belas frases. Premiada pela UNESCO, Clarice Zeitel Vianna Silva, de 26 anos, estudante que termina a faculdade de direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários.

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PÁTRIA, MADRASTA VIL!

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Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência. .. Exagero de escassez… Contraditórios? ? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada – e friamente sistematizada – de contradições.
Há quem diga que ‘dos filhos deste solo és mãe gentil.’, mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil  está mais para madrasta vil.
A minha mãe não ‘tapa o sol com a peneira’. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra… Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)… Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos…
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente… Ou como bicho?

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Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu o prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por esta redação.

A redação de Clarice Zeitel foi incluída num livro com  outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da Unesco.

FOGÃO COM COMPUTADOR DE BORDO de otaciel de oliveira melo / fortaleza

– E o senhor quer comprar um fogão? – perguntou-me o vendedor da loja, olhando desconfiado para os meus cabelos brancos.

– Sim. O meu está todo enferrujado, anda vazando gás e, antes que alguma explosão danifique o prédio onde moro ou mate a minha empregada, eu vou trocá-lo.

– Então o senhor nos procurou na hora certa. Esta semana recebemos um modelo de fogão que é aquele que o Bill Gates usa em sua casa informatizada de 25 milhões de dólares, situada no Estado de Washington, USA.

– Vala-me, Deus! Homem, eu quero um fogão só para cozinhar, compreendeu? Desses que agente usa um fósforo, ascende uma das bocas, coloca a cuscuzeira em cima e pronto. Nada de muito sofisticado, desses que um assalariado pode pagar em suaves prestações mensais.

– Não se preocupe, meu amigo: todos os nossos fogões são vendidos à prestação. Agora, esse tipo de fogareiro que o senhor quer nos comprar já deixou de ser fabricado há muito tempo. Para começar, fósforo é uma coisa obsoleta, e todos os nossos fogões são dotados de um COMPUTADOR DE BORDO que gerencia uma quantidade enorme de funções indispensáveis a uma perfeita fritura.

E continuou o nosso diligente vendedor, mostrando-me uma brochura com os últimos lançamentos:

– Veja, por exemplo, esse maravilhoso termômetro conectado diretamente ao Windows XP: ele é capaz de medir variações de temperatura da ordem de milésimos de graus centígrados, deixando o seu frango no ponto. Isso mesmo: nem mal passado nem bem passado, mas à temperatura que o cliente desejar. Além desse termômetro, o forno dos nossos fogões tem um sensor de fumaça que percebe se a carne que foi colocada para assar encontra-se ou não em bom estado de conservação. Este sensor é gerenciado por um software chamado smoke-feeling, programado para detectar variações infinitesimais de odores estranhos em decorrência de pequenas alterações no tecido animal ou vegetal, alterações estas reveladas pelo cheiro da fumaça.

E provocativamente eu perguntei:

– E fumaça tem cheiro?

– Não tem para aquelas narinas que estão sempre obstruídas – respondeu com certa irritação o perspicaz vendedor. E arrematou:

– O senhor já passou a 5 km de um aterro sanitário sem sentir o cheiro de borracha queimada? Pois saiba que os computadores dos fogões de última geração têm um olfato muito mais sensível do que o de qualquer ser humano. Estou começando a perceber que o senhor é uma pessoa pouco informada sobre os últimos avanços tecnológicos, mas continuarei atenciosamente com a minha explicação, só que de agora em diante usando uma linguagem muito mais simples. O senhor já ouviu falar em um dispositivo chamado grampola da pirumbeta?

– Eu? Nunca! Nem num fogão nem em coisíssima nenhuma. Para mim isto é palavrão, se não for sacanagem.

– Pois eu explico do que se trata: a grampola da pirumbeta é um dispositivo que regulamenta a distribuição do tempero desejado possibilitando uma perfeita homogeneização do sabor do alimento. Nada daquelas manchas localizadas de colorau, sal em excesso em alguns pontos, pimenta do reino e cuminho em outros. Tudo agora é distribuído de tal maneira a espalhar o tempero de maneira uniforme por todo o corpo em fritura. A grampola emite raios laser que penetram no tecido animal ou vegetal e promove esta homogeneização. Não me diga que o senhor não está maravilhado com esta fantástica invenção? Quem gerencia a grampola é um soft chamado hot-dog, criado por um cozinheiro brasileiro que, com a crise financeira mundial, trabalha também como garçom no restaurante da NASA.

– Você até agora só falou do forno. E as bocas, são também computadorizadas?

– É claro que sim. Tanto as bocas quanto a chama. A boca é acesa graças a uma célula fotoelétrica que aciona um dispositivo chamado fire on. Assim que o senhor abrir a tampa do fogão, e assobiar uma música programada qualquer (“perfume de gardênia”, por exemplo), se formará uma chama no interior de uma película transparente. A chama como um todo se espalhará no interior desta película na forma de um pequeno cogumelo, semelhante em design ao desenvolvido pela explosão da bomba atômica de Hiroshima. Esta película transparente fará com que o recipiente onde se esquenta o leite, por exemplo, pareça flutuar sobre um colchão de raios luminosos. É a coisa mais linda do mundo. Não é à toa que Bill Gates mexe os ovos que ele come todos os dias no café da manhã só pelo prazer de contemplar esta chama fulgurante e multicolorida. Disseram-me que e a música que ele assobia para acender uma das bocas do fogão é “I’ve spent my money”. Não me peça, por favor, explicação sobre esta escolha, pois eu não conheço os hábitos de consumo da mulher do homem mais rico do mundo.

– Me diga mais uma coisa: é verdade que vocês dão de brinde um exemplar da Bíblia Sagrada para quem comprar um desses fogões?

– Meu amigo, não confunda as coisas. Este livro de 730 páginas que acompanha o fogão não é a Bíblia Sagrada, mas o seu manual de instrução. Ele ensinará ao comprador a tirar o máximo de proveito desta extraordinária revolução tecnológica que é este fogão computadorizado.

– Só mais uma curiosidade: e para apagar o fogo, o que eu devo fazer.

– Simplesmente assobiar a música “perfume de gardênia” de trás para frente. Fácil, não?

D’ALMA por donato ramos / florianópolis

A saudade triste junto ao poeta chorou.
A lágrima pura também existiu.
O poeta sabia ter dentro de si alguma coisa que, aos poucos, ia tomando forma.

A materialização da lembrança… olhos aprisionados na saudade daquilo que, um dia, existiu.
Veja o que sobrou do poeta:
Olhos alongados no horizonte, à procura do que fugiu de si.
…..
De rezas e de rosas, fiz versos pra você.
De tanto andar, esqueci.
…..
Hoje haverá um céu e um sol como os outros de outros de outros dias, ou chuva iguais às outras, ou vento como os outros que já existiram em dias como este.
J.C.Meira Matos, no seu livro POEMAS SEM ENDEREÇO confirma que hoje haverá pássaros, é certo, e o mar estará onde sempre esteve, com suas ondas batendo como sempre foi.

Realmente, hoje se trabalhará como sempre se faz e se terá fome.
Morrerá gente certamente, algum parente talvez, talvez lá pelo meio dia caia uma chuva fina como às vezes cai no me io dia… e alguém roubará pela primeira vez e alguém, amará pela vez primeira igualmente…
Os rios continuarão correndo para mar e os ditados continuarão valendo…

Nascerá muita gente e muita gente desistirá de continuar por aqui.

Mas, muitos, ainda, sentirão o que, ainda, alguns sentem: saudade, mesmo sabendo que hoje será um dia igual aos outros…
…..
Da distância infinita do meu pensamento, quando este se alonga e força a lembrança, você sempre aparece.
Muda o tom das coisas que me rodeia, muda o tempo e as cores das margens dos rios, rasga e cola folhinhas velhas…

Vem me falar de promessas, de coisas das quais não lembro mais, de abraços e beijos esquecidos, sem marcas profundas,.
Você, sempre você é quem aparece.

DEALBAR de j.l. gaspar / fóz do iguaçu.pr

Mandeei minha cambona

adispondo-le as águas tantas

em demorado brasido,

que é como se esferve mateado.

Porungo mais curtido de conversa

sem terminação que de erva

na folha tosta com gramíneos,

já cancheada al saber do pó;

nos recuantes na madrugada…

E o paladar então travado

vai recortando solito à calma

pensar a solidão do mundo,

na surta coité da memória.

Temperança fragária sorvendo

o verde esconso da minha vida.

“A FORRA” e “FIRME E FORTE” – de raymundo rolim / morretes.pr

A forra

Os sinos já haviam dobrado mais que o suficiente para que os ofícios principiassem com a abertura dos trabalhos. E nada do sacristão parar com as badaladas. Fechara-se por trás da porta de ferro antiga e blindada, que em tempos idos de guerra, serviu a cidadezinha como torre de vigia e abrigo de víveres e água potável, caso resistisse aos impactos. E lá estava ele, que havia enlouquecido com o vinho do padre e resolvera mostrar a todos, como é que se fazia! (É que a cidadezinha não aprovara o namoro dele com a filha do prefeito). Prevenido, lembrou-se de estocar também muito vinho, para que sua permanência fosse o mais agradável possível, já que de antemão, traçara planos. E o sino continuou, e foi por todo aquele dia e adentrou a noite. A cada hora, era socado pelo sacristão com uma fúria terrível a ferir os ouvidos dos pacatos cidadãos que, de joelhos, rezavam para que lhe voltasse o juízo. Ainda mais que era moço bem quisto de todos, pois o conheciam desde criança, devotavam-lhe até algum apreço, apenas não aprovavam o namoro dele com a filha do prefeito, devido a incrível rebeldia da moça em acatar as ordens paternas, além de ser dona do único lupanar existente na região, onde os prazeres corriam graúdos e às escâncaras. Escandalosos, exatamente! Mas, paixão é paixão, e a moça lhe roubava por completo todo o seu ser e o fazia sofrer de modo vil. O vinho já ia pela metade do estoque quando, ao sétimo dia, chegou o vigário da capital para exorcizar o moço que se encontrava possuído de coisa ruim. A imprensa teve acesso ao fato. Chegaram caravanas de repórteres com suas câmeras de assédio e gente de binóculos, caneta e papel na mão. Procurou-se pela mocinha, a tal da Juju, a dona do bordéu, lá no próprio, para que se obtivesse mais informações sobre aquele caso purpúreo que intrigava e daria matéria sobre matéria. Saiu-lhes a atender uma mocinha extravagante e semi-nua que soltava baforadas de um cigarrinho enroladinho – cigarrinho de artista como ela dizia – hummm- e bebia longos tragos no gargalo da garrafa. Informou-lhes ela, que a prima Ju desaparecera há uma semana e que provavelmente deveria estar numa outra festa louca, lá na torre, com o sacristão. Bem que se ouvia música em altíssimo volume entre as badaladas e risinhos e fumacinha de cigarrinhos artesanais saíam pela chaminé impoluta, que ganhava ares de fábrica ao povoadinho….! “Valha-me Santo Expedito”! – ouviu-se uma horinha lá o sacristão dizer isto sussurrando -!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Firme e forte

Ela já havia entrado na idade. E era idade o bastante para duas ou três vidas. E danou-se a querer se apaixonar novamente. Seu queixo trêmulo e o andar claudicante não ofereciam perigos maiores, mas que o glamour tinha ido pelo ralo, isto tinha. A coisa estava cada vez mais difícil, quando lhe surgiu à frente um senhor de iguais tremores no queixinho e tempo de vida. Foi amor à primeira vista. A palavra primorosa que ela, a descendente do tempo, dirigiu-lhe em tom ansioso e espontâneo, foi à custa de saber se aquele senhor ali, postado à sua frente, estava mesmo potente! Ao responder aquele “sim” analítico e convicto, o oponente-pretendente teve uma síncope e seu coração não agüentou tanta emoção. Ela comoveu-se tanto e de tal forma com o fato (pois, havia acabado de perguntar se ele estava “contente”) que acabou por acompanhá-lo em mesmo guardamento em mesma capela mortuária. Ele também já andava ouvindo com dificuldades… e ela se expressava por parábolas. Foi bom assim.

PERGUNTAS À LÍNGUA PORTUGUESA por mia couto / moçambique

Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.

A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou.

Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica. Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio.

No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.

Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?

Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

– Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

– No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

– A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?

– O mato desconhecido é que é o anonimato

– O pequeno viaduto é um abreviaduto?

– Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.

– Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?

– Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

– Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

– O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

– Onde se esgotou a água se deve dizer: “aquabou”?

– Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

– Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

– Mulher desdentada pode usar fio dental?

– A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?

– As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: “finanças”?

– Um tufão pequeno: um tufinho?

– O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?

– Em águas doces alguém se pode salpicar?

– Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?

– Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
– Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
– Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós.

Colocámos essoutro português – o nosso português – na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas – o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.

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escritor moçambicano, nascido na cidade da Beira, em 1957

A IRMÃ do GIBA – de jorge lescano / são paulo

Era dançarina. Não uma grande dançarina de boate grã fina, dessas que têm cartazes luminosos na porta e leão de chácara que fala pra mais de três línguas. Não. A irmã do Giba, naquela época não tinha flores no vestiário nem admiradores ou amantes esperando na saída. Nem a cara dela nos jornais tinha. Nada disso, coitada. Dançava num inferninho que tinha mais pulgas que fregueses; acho que nem nome tinha, de tão mixuruca. Não é Giba? Aquela espelunca tem nome?

Todos a conheciam como o buraco da Merilin. É verdade, Giba, o pessoal chamava assim sem segundas intenções. Tinha maldade não.

Merilin era o nome que a irmã do Giba usava lá. Era lá também onde o Jão se virava. Eles se namoravam e o sonho dos dois era comprar aquela joça.

Pois bem. Uma noite chegou ao buraco um tal de senhor Jonson ou Ximiditi, com a respectiva senhora Ximiditi ou Jonson. Um casal de coroas turistas, que saíram zanzando por aí pra ver como o povo se diverte à noite. Pelo jeito, estavam de saco cheio de andar daqui pra acolá com um monte de outros gringos, só falando a língua deles.

Então. Era um casal muito do respeitável, como eles dizem. Eram… Sei lá o país deles. Loiros feito palha e vermelhos como assustados. Ele era…, ou ainda é Giba? Um cara importante, pelo jeito…

É do tipo que precisa pagar imposto porque tem e paga em dia; vai a missa domingo de manhãzinha e comunga cada seis meses. De cinco em cinco anos sai da terra dele pra visitar o Brasil e ver o carnaval no Rio. Quer dizer, um cara cem por cento. A senhora Jonson é sócia de uma porção de clubes e associações de pobres. Também acha que tem que ter uma constituição só pra mulheres. Quer dizer, uma supermulher.

Então chegam no Buraco, sentam e começam a tomar todas, feito gringos e com cada dose ficavam mais vermelhos.

O Jão era o apresentador do show. Sentava nas mesas dos bons fregueses e dos estranhos que tinham muito dinheiro e tempo pra gastar. Eleajudava empurrando uísque ou coisa que o valha.

Pois é. Numa hora daquela noite, deu à luz uma idéia genial, dessas que não pintam duas vezes na mesma cabeça e que se for desperdiçada nunca mais volta.

Quando a irmã do Giba apareceu pra dançar, ele foi até a mesa do senhor Ximiditi e cochichou no ouvido dele. Pelo jeito, o senhor Jonson não gostou nada da conversa porque fez que não e enfiou o narizão no copo; o Jão não se ofendeu e saiu de fininho como quem entra no velório errado.

A Merilin dança uma, dança duas, mais uma e dança outra. O senhor e a senhora Ximiditi estavam se divertindo pra valer. A senhora Jonson, na euforia do espetáculo piscou pro Jão, o Jão tocou de leve no joelho da senhora Ximiditi. O senhor Jonson olhava os seios que passavam que nem gato vendo peixe. E o Jão aí como quem não quer nada. Mais um tempo e volta a irmã do Giba, desta feita com uma roupinha que só vendo! Aquela fantasia era da escola de samba, não era, não, Giba?

É. Era da escola.

Aí então, o senhor Ximiditi vira pro Jão: cerrto, ele diz, o dinherro é dela.

O Jâo sorriu feito besta e disse pro senhor Jonson: mas o senhor não esquecer de mim, vai? Dizia isso com aquele sotaque nordestino, magina…

O senhor tem que lembrar que fui eu que fiz o programa, disse o Jão. O senhor ta vendo como a crioula é bonita e bem feita, e o senhor não faz idéia de como é carinhosa. O senhor nem contou as dosas que servi pra sua esposa. Pra mais de dez, só pra que o senhor tenha um bom programa esta noite. O senhor pode contar comigo pra levar sua patroa até o hotel, é só me dar o endereço, eu me encarrego de que fique confortável. Isso tudo era pra morrer de rir!

Cerrto, diz o gringo abrindo a carteira, senhorr também merrece.

O Jão quase engole o nariz de tanto sorrir.

A irmã do Giba dançou outra vez porque uma das meninas estava de chico e a outra em cana. O senhor Jonson babava feito criança. Mulherr loirra muito bom, falou piscando, negrra melhorr, mais quente, como África. Ah! Ah! Ah!

A senhora Ximiditi que não entendia patavina, caiu na risada abrindo a boca deste tamanho, engasgando e ficando roxa. Apontava o nariz do marido com o dedo e gargalhava que nem doida. De trás do balcão, o gerente olhava e ria e anotava as risadas na conta. A mulher engasgou de vez e o Jão aproveitou o ensejo pra enfiar a mão nas coxas dela.

Assim que acabou o número, a senhora Jonson, numa clara amostra de emancipação feminina, como diz  o Giba, desabou em cima da mesa. Então aí o Jão e o senhor Ximiditi foram pro vestiário.

Lá estava apenas o dono da boate, sentado em uns caixotes e cercado de copos e garrafas cheias e vazias. Sentaram. Daí a pouco apareceu a Merilin. A roupa que estava usando era de quando tinha três anos e meio, imagina então o tamanho dos olhos do gringo, e ainda não tinha visto o estriptise.

O senhor me desculpe, disse ela com dengo. Ele sorriu. Você também, ela disse pro Jão. Eu não sou egoísta e acho que a beleza deve ser mostrada democraticamente a todos, respondeu ele gastando toda sua lábia.

Não sabia que tinha visitas, insistiu a irmã do Giba arrumando o decote pra que o senhor Ximiditi não vomitasse dentro dele. Por mim não tem grilo, disse o dono. Então ela olhou pro senhor Jonson.

O senhor Ximiditi não é um freguês, diz o Jão, é um amigo da gente e do Brasil, e sorriu com aquele seu jeito de safado. Ela disse que estava com calor e tirou a blusinha…

O Jão já estava de saída com a loira.

Depois de certo tempo, toda a mão de obra do senhor Jonson era esperar a Merilin na saída, mas o Jão não os perdia de vista.

Claro que a estória não é tão escura como parece, tem até um final feliz, é ou não é, Giba?

O Jão ficou sabendo depois que o senhor Ximiditi não era turista coisa nenhuma e decidiu encompridar o namoro; o senhor Jonson gostou da brincadeira e pelo menos uma vez por mês visita a Merilin, quando as crianças estão na escola. Ela não dança mais e o Jão também não. Acabaram casando de papel passado e só de sacanagem mandaram moldurar a certidão e penduraram na sala. Não é engraçado?!

Foi um casamento e tanto, porque o Jão gosta dela. Sim, ninguém pode dizer que não goste. Quem deu o dinheiro foi o gringo, como é de praxe nestes casos. O senhor Ximiditi prontificou-se pra ser o padrinho, mas o Giba se enfezou e acabou não deixando.

A Merilin agora é mãe de dois moleques bonitinhos. O Junior batuca que é um danado, vai ser artista que nem a mãe. O Jéferson, então, é forte como um boizinho e o que joga de bola não está escrito.

O Jão e a Merilin são um casal feliz no duro. É verdade que o senhor Jonson contribui bastante. O Jão sempre dá um jeito pra que a senhora Ximiditi esteja bem informada sem implicar. A Merilin não tem queixas do marido porque ele adora as crianças. O Jâo abriu um barzinho com o irmão dela, não é Giba? E eles tão se dando bem, é ou não é?

Este ano o senhor Jonson fez tantas visitas à Merilin que o casal já comprou televisão de tela plana compacta.

Você não acha bonita essa estória?

Mas quer saber uma coisa? Um dia destes me encho do parceiro e acabo com a raça dele. Você e eu, hein, Giba?

Pensando bem, o que o senhor Ximiditi poderia fazer? Nada. O senhor Jonson não podia fazer nada. Ele é tão inocente como a senhora Ximiditi. Eles dois também sonham, como qualquer hipi, com uma vida mais pura, mais natural, mais justa por assim dizer. Qualquer coisa do tipo acampamento pra festival de roqui. Tenho certeza que pra ir pro céu aceitariam com gosto um regime na base de sardinhas em lata, sem se importar com o pescador ou se tem que ser pescadas. Garanto que a senhora Jonson acredita que as sardinhas são como as ostras, só que nascem na lata.

O Jão emprestou a namorada a troco de uns trocados porque quis, ninguém mandou. A Merilin continua com o gringo porque é bom ter conforto dentro de casa e ninguém tem nada com isso. Ou será que tem, hein, Giba?

– Ó João, manda duas esprimidinhas e aquela cerveja! – a chegada de alguns fregueses interrompeu a conversa.

Ele saiu de trás do balcão atendendo o pedido, enquanto eu ficava matutando que, no fim das contas, esses gringos estão ajudando o desenvolvimento do Brasil.

– Você não acha, Giba?

Ele balançou a cabeça para os lados, duvidando.

CORRENTE AMPLIADA de harry laus / tijucas.sc

Num bar de esquina da Barata Ribeiro com a Siqueira Campos, eu tomava um cafezinho antes de ir para o Ministério da Guerra, onde o expediente da Diretoria de Armamento começava às 11 horas. De Juiz de Fora à Vila Militar, da Vila ao Ministério, agora podia dormir tarde, acordar sem o alarde do despertador.

Foi nesse bar que encontrei Walter Wendhausen, catarinense, meu conhecido das noites de Copacabana. Apresentou-me seu companheiro de apartamento, Luís Canabrava, contista premiado em São Paulo com o livro Sangue de Rosaura. Morava no 418 da Barata, eu no 435 do outro lado da rua. Bastaria o fato de trabalharem em publicidade (na Sears, depois na Mesbla) para nos unir. Meu fascínio pela propaganda vinha de longe, quando mandei o layout de um anúncio para uma agência de Porto Alegre e nunca soube o resultado. Mas havia outros elos: ambos desenhistas e pintores. Walter conhecedor da música popular, guardando seus preciosos discos numa velha geladeira pintada de verde-oliva.

No 418 morava também o contista Renard Perez, irmão do gravador Rossini Perez, e o ator Jason Cesar. No apartamento junto ao meu, o jornalista Antônio Pinto de Medeiros, conhecido de Natal, redator deO JornalSálvio de Oliveira, em frente ao meu prédio, completava este simpático quadro de vizinhança, onde não faltavam gostosas confabulações sobre arte, literatura e teatro, algumas vezes acompanhadas pelo brilho verbal de Jayme Maurício ou a irreverência de Sansão Castello Branco.

Sansão aparecia sempre de improviso, sandálias nordestinas, uma pasta com desenhos, projetos de decoração, o caderno de capa preta com os telefones “de todo o Rio de Janeiro”. De calça cinza, larga camisa preta, levou-me um dia a um velho edifício da rua Barão de Ipanema:

– Eneida, este é o Laus, oficial do exército, também contista.

Eneida, outra pessoa-chave de minha vida, uma das mais importantes como ser humano autêntico. De uma vivacidade sem limites, tinha seu caderno com os telefones também “de todo o Rio”. Jornalistas, críticos de arte, compositores, cantores, conhecia a todos, por todos conhecida como cronista do Diário de Notícias, responsável pelo Baile do Pierrots, lançadora das tardes de autógrafos na Livraria São José de Carlos Ribeiro.

Numa livraria ou galeria de arte, na entrada dos teatros ou no bar Vermelhinho, chegava com o ruído das pulseiras e colares de prata, os ativos olhos verdes saltando de uma pessoa a outra, beijos, abraços, um dito gostoso, uma palavra de humor. Mulher excepcional, amiga incondicional de seus amigos, defendia-os mesmo no erro:

– Sei que você não está certo, seu porcaria, mas afinal somos ou não somos amigos?

Impossível relacionar todas as pessoas conhecidas através de Eneida. Algumas, pura apresentação; outras, convivência rápida, sem consequência; mas também muitas de sólida ligação. Na literatura,Jorge Amado, James Amado, Aníbal Machado, José Condé, Valdemar Cavalcanti, o coronel M. Cavalcanti Proença, além de Antônio Bandeira, Ana Letícia, Rossini Perez, nas artes plásticas. Figura obrigatória nos Bailes do Pierrots, Elizeth Cardoso cantava sem se fazer de rogada nos grandes almoços de sábado, em casa de escritores e artistas.

Jayme Maurício, como bom gaúcho, aparecia no 435 com uma garrafa de vinho. Um dia, em 1954, trouxe Mário Faustino, o poeta, o maior poeta com quem convivi, poeta desde o amanhecer até a noite. Antes de dormir, para o descobrimento de novas palavras, ia avançando sua busca nas páginas do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Conversação instigante, agressiva, fulgurante, não concedia aos outros o que não concedia a si próprio: comodismo e improviso na criação artística.

Quando Mário voltou de Belém do Pará, onde morava, para trabalhar na Fundação Getúlio Vargas, ficou hospedado dois meses comigo. Esse período permitiu-me conhecer e avaliar sua inteligência, a cultura profunda. A presença do poeta trazia uma grande carga de emulação. Insistia para que se trabalhasse, lia sem cessar e, de vez em quando, interrompia a leitura para mostrar uma descoberta, fosse um poema inteiro, um verso ou uma simples palavra.

Tudo isso reforçou em mim uma convicção posta em letra de forma numa entrevista que concedi a um jornal de Belém, onde estive com Eneida e Renard Perez em 1956:

– Escrever pra mim, corresponde a um necessidade interior que posso, quando muito, adiar; impedir é impossível.

Mas, em 1956, ia perder o amigo (Sansão) que me chegou sob a forma envolvente e mágica de um balé.

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(Capítulo I, texto 5, do livro De-Como-Ser – Memórias de Harry Laus, 1978)

grifos originais.

NOSSA HOMENAGEM NA “SEMANA DO AMIGO”

quero através dessas duas músicas e do modo mais simples agradecer a amizade, dos companheiros da EQUIPE PALAVREIROS DA HORA e dos colaboradores, que nunca faltou na construção deste espaço que tem por objetivo divulgar nossa arte e nossa cultura, feita por aqueles que não se curvaram à produção oficialesca nem ao criminoso “mercado editorial”. também agradecer aos amigos colaboradores de outros países, da nossa américa latina tão sofrida e mesmo assim esperançosa de um melhor porvir; aos nossos amigos de além mar, europa e áfrica, não menos sacrificados e aos nossos leitores (amigos virtuais) que,  com sua presença, atestam a qualidade das nossas publicações incentivando, assim, a sua continuidade e aperfeiçoamento.

MUITO OBRIGADO.

jb vidal

Editor

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CLIQUE UMA VEZ NO CENTRO DO VÍDEO:

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FILA INDIANA de nauro machado / são luis.ma

Um atrás do outro, atrás um do outro,
ano após ano, ano após outros,
minuto após minuto, século
após séculos, continuam

(a conduzir seus madeiros
na perícia dos próprios dramas)

um atrás do outro, atrás um do outro,
ano após ano, ano após outros,
minuto após minuto, século
após séculos, e de novo

um atrás do outro, atrás um do outro,
até a surdez final do pó.

De O Calcanhar do Humano (1981)

Conversa Aberta sobre Miguel Bakun – dinah ribas pinheiro / curitiba

Nesta Quinta-feira, na Casa Andrade Muricy

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O crítico carioca Ronaldo Brito, a artista plástica Eliane Prolik, e o historiador de arte Artur Freitas realizam nesta quinta-feira, dia 23, às 17h, na Casa Andrade Muricy, um bate –papo com o público. A Conversa Aberta sobre a Produção de Miguel Bakun, acontece no espaço da exposição sobre o importante pintor paranaense que completa centenário de nascimento em 2009. A mostra que pode ser vista até o dia 9 de agosto reúne 54 obras, a maioria inéditas. Junto à exposição está disponível para compra o livro “Miguel Bakun, a Natureza do Destino” com imagens cuidadosamente selecionadas pela organizadora Eliane Prolik e ensaios críticos inéditos. Quem deverá estar na platéia é o pintor, desenhista, ilustrador e professor paulista Paulo Pasta, que estará visitando a exposição aberta no último dia 30 de junho, e que tem atraído inúmeros visitantes de Curitiba e de outros Estados. “Estou muito satisfeita com a presença dos jovens”, ralata Eliane cuja principal intenção em organizar esta homenagem é divulgar a obra do mestre para as novas gerações.

Contatos com Eliane Prolik

PÁTIO DE HORRORES por sérgio da costa ramos / florianópolis

Não há aperfeiçoamento que não possa piorar o horror em que se transformou o aterro da Baía Sul, a partir dos anosSERGIO DA COSTA RAMOS1970. Os prefeitos e os arquitetos do caos conseguiram ali um efeito pior do que a desgraça que se abateu dos céus sobre a cidade alemã de Dresden, reduzida a pó na Segunda Guerra Mundial.

Às margens das águas cristalinas do Rio Neva, no estuário do Báltico, os russos se orgulham de São Petersburgo e de seus monumentos, como a Catedral de Santo Isaac e o Hermitage, o mais belo museu do mundo.

À beira do Tâmisa, ergue-se a gótica e milenar Torre de Londres, onde Henrique VIII fez decapitar Ana Bolena, para esconder o seu próprio alpinismo sexual.

À beira do Sena, deita-se uma antiga estação de trem, transformada no belo Museu D’Orsay, casa e albergue dos gênios do Impressionismo.

Às margens da Baía Sul, em Floripa, ergue-se a subestação da Casan, conhecida mundialmente pela insensatez dos que plantaram aquele liquidificador bem ali, ao lado do que deveria ser um jardim de Burle Marx.

Trata-se da admirável Chernobyl do “chorume” e faz lembrar o aroma emanado dos antigos “pés de loiça” do Colégio Catarinense, porcelana sobre a qual os rapazes depositavam o seu produto em estado bruto e não processado.

Ali, à beira-baía, só nos resta rogar ao São Vento Sul que use o seu eólio látego para depurar a atmosfera do local, como, aliás, tem feito com proverbial regularidade desde o século 19.

Na falta de qualquer estrutura de saneamento, era o vento sul o principal “spray” que depurava aquele ambiente, espécie de aerosol mitigando a catinga que se desprendia dos barris de carvalho, penicos ambulantes da classe abastada, transportados por escravos.

Os moradores da Rua do Príncipe, depois Conselheiro Mafra, jogavam os seus dejetos nas praias próximas ao atual Mercado Público. Já o pessoal “melhor de vida” contava com o “esgotomóvel”: negros plásticos e ornamentais, à semelhança dos crioulos de Debret, de ombros largos o bastante para suportar o recipiente, chamado “Tigre”.

Serviço infame e infamante, que só era executado depois de um “toque de recolher”, às 20h em ponto. Hora em que os pobres escravos deixavam as casas senhoriais com o “Tigre” às costas, rumando para a Prainha ou para o ancoradouro da Arataca, próximo ao Forte de Sant’Ana.

Continuamos dependendo do “gari” chamado vento sul.

Sem ele, o parque imaginado por Roberto Burle-Marx cada vez mais se parecerá com uma cloaca urbana. Repleta de garajões, cortiços, puxados, estações de esgoto, sambódromos, camelódromos – e outras passarelas onde possa desfilar a insensatez humana.

EDUARDO HOFFMAN e seus HAICAIS (VI) /curitiba

Caymmi sei quem é

é o mais lindo peixe

da Lagoa de Abaeté

=

blues morcego blues

diabo botando letra

na melodia de Deus

=

vá além

vende-se carro

de funerária com cinco

marchas fúnebres

=

trançando à toa

do bambu sai a pipa

a base voa

=

brasas de junho

estenda a mão

haicai balão

=

luzes passeiam

no levíssimo mini-circo

místico balão

=

retranca

fazendo reportagem

lá no Centro Espírita

mando matéria ?

DIABÓLICA, A CERVEJA chega aos bares / curitiba

Nesta quarta-feira (22) a cerveja Diabólica será oficialmente lançada em Curitiba. A festa acontece no Vox Bar, com direito a chope da Diabólica e show com as bandas Hillbilly Rawhide e As Diabatz. A comemoração, entre outras coisas, marca uma mudança de escala. A produção, que antes era de volume quase caseiro – o pré-lançamento, em fevereiro, teve 350 garrafas somente -, passa para cerca de mil litros. Ela saiu do caldeirão infernal dos idealizadores da receita e teve seu primeiro lote produzido em grande escala nos tanques da cervejaria Gauden Bier, localizada no bairro curitibano de Santa Felicidade.

370--FestaDiabolica

A receita da endiabrada bebida curitibana leva sete tipos de malte, incluindo um defumado responsável por deixar um sabor amadeirado. Além disso, ela passa por um processo chamado de “Dry Hopping”, que é a adição de lúpulo no final do processo de fermentação. Como toque final, o teor alcoólico resultante é de 6,66% abv, que faz referência ao número da besta.

A bebida é avermelhada e turva, com espuma puxada para o marrom claro. No aroma, percebe-se uma forte referência de frutas cítricas, algo suave e até adocicado. Já no gosto ela “te pega de jeito”. Encorpada, traz um gosto intenso, com lúpulo e amargor bem marcados, meio frutado e seco.

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Serviço:

* Festa de lançamento da cerveja Diabólica. Quarta-feira (22) no Vox Bar (Rua Barão do Rio Branco, 418, Centro, Curitiba). Informações: (41) 3233-8908.

* Cerveja Diabólica: Preço em torno de R$ 15,00 a garrafa. Ela pode ser encontrada na Cervejaria da Villa, Carocha Bar, Sláinte Irish Pub, Armazém da Serra e em breve em outros locais. Mais informações (41) 9202-4100, www.cervejadiabolica.com.brinfo@cervejadiabolica.com.br.

BALEIAS, BLUES & GUARAPUVÚS por fernando alexandre / florianópolis

FERNANDO ALEXANDRE - BALEIA DE ANDREA RAMOS -Baleiailustração de andrea ramos.

Depois do tempo da Tainha. No fim do tempo das Anchovas. Quando o vento sul  congela e vira inverno. Quando os Guarapuvús começam a bordar de amarelo os  morros sempre verdes e melancólicos.

Elas chegam de mansinho, pisando devagar, pé-ante-pé. Sempre juntas com o agosto, setembro, outubros. Imensas  dentro da própria imensidão. Infinitas e oceânicas. Pacíficas e atlânticas. Ilhas viajantes fugindo/procurando destino próprio.

Imensos úteros. Cheios, ocupados, em busca de outras ilhas-úteros com mares calmos e águas mais quentes.

Imensas mães parindo e cuidando de imensos filhos. Um parto de deuses.

As baleias  voltam devagar, com muito cuidado. Ainda choram dores passadas, transpassadas e repassadas. Carnificina e mar de sangue gravados no chips da memória. Seu óleo iluminando a estupidez truculenta do bicho-homem e bucólicas cidades europeias. Dando liga para a argamassa que construiu essa civilização.

As baleias choram. E brincam. E pulam. E parem. E choram. Gemem num desesperado blues. Grito quente, úmido e rouco. Grito de negro, de sofrimento, de  perseguidos. Um blues infinito e profundo como o azul do mar. Triste e contemplativo.

As baleias choram. E brincam. E pulam. E parem. E dançam. Ternas crianças de muitos metros e algumas toneladas. Viajantes incansáveis de milhas e sonhos em mares nunca/sempre navegados. Acrobatas do tempo e da sobrevivência. Francas no nome e nos gestos. A grande mãe.

As baleias dançam e traçam generosos gestos  na coreografia infinita – e azul – do horizonte.

As baleias dançam. Dançam e nos contemplam com a sabedoria dos deuses orientais e olhos de peixe.

Imensa lágrima cênica no oceano.

Pasmos e à sombra dos Guarapuvús, contemplamos paquidermicamente.

Para começar a Semana – de tonicato miranda / curitiba


TONICATO MIRANDA - Semana de Julho

para todos amigos

(e espero ainda preencher uma barca de Noé com eles)

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Ainda não fui.

Ainda trabalho desesperadamente.

E ainda não totalmente amei ninguém, não matei ninguém.

Ainda não consegui deixar de gostar de “My funny Valentine“.

Ainda me extasio com a música, com o sax e os trompetes.

E sinto muito frio.

Ainda morro de amores pelos amigos.

Ainda estou preso ao Rio de Janeiro, seus morros, meus parentes.

Deslumbro-me com as barcas cruzando a Baía de Guanabara.

Das barcas miro o Cristo, e ele mira o Pão de Açúcar que mira Copacabana e Botafogo.

Ainda continuo torcedor do Fluminense.

Ainda o Pico do Papagaio, há todo um Grajaú dentro de mim.

Saudades do bonde, da Borda do Mato, dos tamarindos estalando na língua.

Ainda Lúcio Alves cantando “Valsa de uma cidade“.

Ainda fiel a Curitiba, ao Rio Marumbi do Cardoso.

Fiel ao Bife Sujo, ao Bar da Mara, ao Metrô, ao Stuart e ao Hermes.

Ainda o Passeio Público de outrora, seus macacos e os pés de amora.

Ainda que viva mais do que Matusalém, que dizem viveu 300 anos, não serei rei.

Mesmo que viva como ele, não encontrarei palavras mais fortes do que a música, eu sei.

Ainda que seja gentil, tomarei porradas, sentirei dores.

Ainda que pense em todas mulheres, não terei seus amores.

Mesmo que viva ou não viva, a vida passará na estrada.

E mesmo que não vá com ela, serei testemunha do vento que ela faz.

Ainda que não vá ao Barigüi, sei do bem que a paisagem me faz.

Ainda que a palavra seja forte, ela não trina no bico do passarinho.

Tenho carinhos na caixinha, dedos gentis sob a luva

E mesmo que goste mais do vinho, aceito mordiscar a uva.

E sendo apaixonado por pães, aceito um chá quente com cuca.

Ainda gosto mais do calor, peitos expostos, dos corpos seminus.

Ainda gosto de Gauguin, Toulouse Lautrec e Dalí.

Estou morrendo por aqui, voando em palavras a Parati.

Ainda admiro Bashô, Whitman, Maiakovski, Pessoa e Gerson Maciel.

Ainda me transporto com Neruda, Chico, Lorca e Mallarme.

Ainda “Yesterday“, “Summertime“, Joplin, Hendrix, Coltrane, “My favourite things“.

Não queria terminar, mas o amargor do trabalho diz muitos sins.

Ainda me despeço com Valentine, Bill Evans e Chet Baker na agulha.

Ainda desejo a você um Bom dia!

E um dia será mais do que bom, será terno.

Ainda vestirei um terno e casarei com o dia, com a noite e a madrugada por testemunhas.

Ainda cortarei os cabelos e a barba, totalmente careca de pelos e unhas.

Deixarei “Angel eyes” me acompanhar ao inferno dos sentimentos.

Wynton Marsalis me devolverá a ilusão.

Ainda tomarei com prazer um chimarrão.

Ainda irei preferir a amizade de um cão.

Serei dos tolos e tordos um simples irmão.

Ainda me despedirei de todos ou não.

Ainda prefiro as conversas durante a sobremesa.

sempre prefiro sair da reunião à francesa…

Ainda…

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ilustração do autor.

IMAN MALEKI, o pintor HIPERREALISTA do IRAN – editoria

Fotografia ou obra de arte? Uma obra de arte, principalmente porque parece uma fotografia daquelas tiradas com uma máquina fotográfica digital moderna de muitos pixels, que permite observar cada detalhe e colorido da cena, objeto ou personagem fotografado. Assim é a arte do iraniano nascido em 1976, em Teerã, Iman Maleki, considerado o principal pintor de arte realística vivo.

IMAN MALEKI

No mundo das artes, muitos artistas torcem o nariz para obras figurativas, mas até os puristas rendem-se às pinturas do artista iraniano. Segundo a artista plástica e professora de artes do Rio de Janeiro, Gabriela Irigoyen, a principal qualidade do trabalho de Iman Maleki está em criar esse jogo com o observador de suas obras. “Será uma fotografia, será uma pintura?”, diz Gabriela, acrescentando que outro aspecto interessante das pinturas do artista é de permitirem constatar que a beleza retratada em seus quadros é exemplo vivo que existe na natureza e no cotidiano das pessoas.

IMAN MALEKI - 1Sisters-and-a-book

“Em um mundo repleto de relativismos, de ‘achismos’, de ‘incertezas’ e de negação da realidade, onde ladrões se dizem inocentes e mentiras são ditas com a certeza de verdades, apreciar as pinturas de Iman Maleki nos deixa mais esperançosos”, assina Gabriela. Ela acrescenta que o realismo contemporâneo é também uma resposta ao caos da pós-modernidade. “É como dizer; olhe bem, com bastante atenção e você será capaz de ver coisas no nosso cotidiano que são extremamente belas e que pintadas ficarão para sempre. Essa também é uma questão sempre presente na humanidade: eternizar o momento”, completa a artista.

IMAN MALEKI - boy

Iman Maleki o faz com uma poesia e destreza admiráveis. Ele desenha como ninguém. Pronto, já sabemos que não é mais necessário saber desenhar bem para ser um grande artista, mas deixem quem sabe expressar-se através do bom desenho fazê-lo.

IMAN MALEKI - Omens-of-Hafez

Iman Maleki é fascinado pela arte da pintura desde que era criança. Aos 15 anos, começou a aprender pintura com quem foi seu primeiro e único professor, Morteza Kautozian, até então o maior pintor realista do Irã.

IMAN MALEKI - Composing-music-secretly

Enquanto estuda, começou a pintar profissionalmente. Em 1999, graduou-se em desenho gráfico pela Universidade de Arte de Teerã. Desde 1998 tem participado de várias exposições. Em 2000, se casou e no ano seguinte criou o ARA Painting Studio e começou a ensinar pintura, considerando os valores clássicos e tradicionais.

IMAN MALEKI - Memory-of-that-house

As mais importantes mostras de que Iman Maleki participou foram: The Exhibition of Realist Painters of Iran, no Tehran Contemporary Museum of Art (1999) e The Group Exhibition of KARA Studio Painters at SABZ Gallery (1998) e SA’AD ABAD Palace (2003).

Em 2005, recebeu os prêmios William Bouguereau Award e Chairman’s Choice Award no Segundo International ARC Salon Competition.

Exéquias midiáticas – por cleto de assis / curitiba

CLETO DE ASSIS - EXÉQUIAS Michael_Jackson

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No dia 07 de julho de 2009, o mundo inteiro, enlaçado pela TV e pela Internet, viu um espetáculo meticulosamente produzido, dentro da tecnológica mise-en-scène de Hollywood, precisamente na terra do cinema, Los Angeles.

Compreendo: a indústria do entretenimento, ao transformar cantores e jogadores de futebol em semideuses, cativa milhões de mentes que também buscam, por meio de seus ídolos, alcançar extática plenitude, embora uma felicidade engastada em fantasias. Mas não pude deixar de sentir como somos nutridos por sentimentos paradoxais.

Ao mesmo tempo em que perdemos dias a velar e a chorar um distante personagem sabidamente produzido pela fábrica de ilusões – e que já foi causticamente imolado por erros e desencontros, em passado recente, pela mesma mídia que agora o coloca em altar mais alto do que os dos santos – conseguimos não perceber o desafortunado que passa por nosso lado e esquecer rapidamente a criança que morre de fome ou frio, a mãe que mingua por não ter como socorrer seus filhos.

Hoje uma família (os Jackson’s Five, que já devem ser Jackson’s Ten, Twenty or more) fez o seu espetáculo lacrimejante e, muito possivelmente, douradamente tilintante, capaz de fazê-los gastar 25 mil dólares em uma urna mortuária banhada a ouro. Hoje Stevie Wonder, um dos amigos do menor dos Jackson que cantaram em sua homenagem, disse singelamente que Deus precisou de Michael antes de findar seu tempo de permanência na Terra. E todos choraram e aplaudiram. Mas também hoje a mesma CNN, que transmitiu segundo por segundo as cenas do fantástico funeral,  noticiou que os Taliban, lá no Paquistão, estão comprando crianças para treiná-las em ataques suicidas. Quantos de nós protestamos e choramos por isso? Que deus está chamando prematuramente as crianças paquistanesas?

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C. de A.

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Desculpem-me os fãs de Michael Jackson, mas tive que recorrer à poesia para fazer meu contrachoro.

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Memorial a Peter Pan

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Aprendi a rezar pequenininho, ajoelhado ao pé da cama.
“Santo anjo do senhor, meu zeloso guardador…”
Aprendi sem saber o que era zeloso
e nem piedade divina.

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Depois conheci outras orações

as decoradas e ditas sem sentimentos

improvisadas e cheias de sensações
rezas medicinais de curandeiras
preces de urgência socorrista
súplicas de desespero de última hora
ladainhas repetitivas e sem sentido
apressadas jaculatórias
ladários corta-tempestades
litanias por amores perdidos
padre-nossos e ave-marias de carpideiras incontritas
reza braba e despachos de encruzilhada.

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Desaprendi a rezar depois de pequenininho.

Aprendi a buscar dentro de mim
na vida e na viva deusa Gaia
energias mais próximas,
nem por isso distantes da energia cósmica,
nem por isso menos miraculosas, menos reconfortantes.

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Mas não conhecia ainda a oração que hoje,
pasmo ser vivente do terceiro milênio,
testemunhei no mega-espetáculo, no mega-funeral,
na mega-encomenda fúnebre sacramentada por hinos profanos,
na produzida despedida do Peter Pan midiático
saído prematuramente da terra do agora
em busca de uma sonhada terra do nunca.

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No adeus televisivo, vinte mil curiosos
inauguradores dos funerais com bilhetes e lugares marcados
representantes de milhões de órfãos e viúvas
do cantor bailarino de mil faces e de uma só e terrível solidão.

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Ao ver, em cores e ao vivo,
diretamente da cidade dos anjos
as exéquias do agora outro arcanjo Miguel,
son of Jack, o predador,
pensei no esquecimento constante imposto por seus milhões de órfãos e viúvas
a milhares de mães e filhos anônimos
que ontem, hoje e manhã
sofreram e penarão a dor e a solidão da morte,
sem ter ao menos uma pequena criança a rezar por eles
para pedir a um anjo menos holiudiano
que os reja, os guarde, os governe, os ilumine,
amém.

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Cleto de Assis

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Foto: CNN

RENATA ANTUNES comenta em ASSÉDIO MORAL NA ESCOLA de josé dagostim

Comentário:

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Boa tarde!
Sou professora de filosofia do segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio.
Estava passando um filme, inclusive sobre menores infratores (JUÍZO), quando um aluno que estava atrapalhando todo o grupo com conversa se negava a fazer silêncio.
Após meus pedidos insistentes para ele ficar quieto, não obtive sucesso e acabei falando mais forte para que ele “calasse a boca”. Ele me respondeu que nem o pai o mandava calar a boca. Eu respondi que isso era uma pena, mas não o estava xingando nem desrespeitando, apenas queria silêncio e não havia sido atendida, mas que ele deveria, naquele momento, se calar.
Isso gerou polêmica entre meus colegas que acreditam que um professor, principalmente de rede particular, não pode “mandar”calar a boca.
Isso pode ser considerado assédio moral por esse aluno????
E toda a falta de respeito que sofremos por parte deles?? Realizo um trabalho com muita dedicação nesta mesma escola há 21anos e hoje tenho me feito várias perguntas a esse respeito. Que escola enfrentamos hoje?
Espero que me ajudem….
Obrigada
Renata Antunes

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VEJA O ARTIGO COMENTADO: AQUI

MATAR UM POETA de nelson padrella / curitiba

Quando um poeta morre uma estrela se perde no infinito

uma lâmpada se apaga

o caminho fica mais escuro.

Quando você mata um poeta

o mundo fica mais pobre

você fica mais miserável

e o sangue do poeta nas tuas mãos

manchará para sempre teu caminhar.

Morto, o poeta não se transforma em flor

ou em qualquer dessas formas passageiras

ele será sempre a luz que assombra

a voz que cala na tua consciência.

Você pode matar um poeta. A Poesia não morre.

JORGE AMADO, UM FORAGIDO por hamilton alves / florianópolis

Numa entrevista recente que deu ao jornal “O Estado de S. Paulo”, no qual trabalha há seis décadas, segundo dito na resenha assinada por Laura Greenhalgh (com 85, atualmente, escreve para o jornal desde os 20 anos), Gilles Lapouge, a certa altura, declara que “Jorge Amado é um escritor adorado na França”.

Estranhou que tivesse escolhido para morar, em Paris, num quartier dos mais feios. Indagou a Amado o motivo dessa escolha. Respondeu-lhe que ali se refugiava para poder escrever em paz, sem que ninguém o incomodasse, diferente, por exemplo, do que lhe ocorria no Brasil, mesmo fora da Bahia , no nordeste (em alguma cidade, mesmo desconhecida), onde sempre era visitado, quando não por amigos, mas por algum bisbilhoteiro ou jornalista, que lhe propunha entrevista para qualquer jornaleco.

Não sei dizer se aqui em seu país Jorge seria assim adorado pelo público ledor. Ou haveria tanta gente que gostasse de suas novelas.

Particularmente, li apenas duas de tantas que escreveu: “Pastores da noite” e “A morte e a morte  de Quincas Berro d,Água”, que está entre as melhores coisas que produziu.

Jorge sempre alimentou a esperança de ganhar o Nobel de literatura, que contemplou dois outros escritores, que foram seus contemporâneos e amigos, Garcia Marques e José Saramago. O primeiro sacudiu o coreto da literatura mundial com o clássico “Cem Anos de Solidão”, o outro com “O ano da morte de Ricardo Reis”, único escritor de língua portuguesa a obter o           prêmio da Academia da Suécia, fatos que, certamente, lhe deixaram decepcionado ou, no mínimo, com água na boca. Mas Jorge tinha bastante jogo de cintura para dar a volta por cima desses pequenos infortúnios.

É difícil encontrar um leitor apaixonado pela obra de Jorge. Conheci alguns poucos, mesmo assim não revelavam conhecê-la em detalhes, e, sim, alguns livros esparsos. “Capitães de Areia”, por exemplo, teria sido um livro importante na bibliografia de Jorge, como outros muito badalados, “Dona flor e seus dois maridos”, “Gabriela, Cravo e Canela”, que fizeram certo furor quando lançados e viraram filme dois deles, além de mini-séries de novela.

Jorge, à parte seus méritos literários, era um homem generoso. Eu próprio pude prová-lo, quando lhe mandei um dos meus livros (uma pequena novela, com que estreei nas letras). Mandou-me um cartão, com dizeres muito estimulantes: que gostara do livro e que levasse por diante minha carreira de escritor.

Lapouge conta, nessa entrevista, que teve um encontro com Jorge, na Bahia, (percorreu de ônibus grande parte dos Estados nordestinos), contando que se decepcionou um pouco com ele: “Amado era um homem muito engajado, dizia besteira, não o entendi bem. Um amigo dizia que ele era mesmo raso, mas havia um anjo que escrevia por ele”.

Quando se citam grandes escritores brasileiros, indica-se, em geral, o trio de ouro conhecido: Machado de Assis, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Por que não Jorge Amado, adorado, como diz Lapouge, na França?

Cumpre saber-se porquê.

O PODER ILIMITADO por walmor marcellino / curitiba

A função senhoriagem e a adesão patrimonialista do Poder Judiciário só é percebida quando de uma agressão aos direitos sociais; em casos de grande repercussão pública. Enquanto ele se vai jubilando na “consentida violência” do poder social WALMOR MARCELLINO FOTO 1contra a sub-cidadania ‑ em que esta é submetida ao aramado das imputações, ações, mandados e repressões num longo itinerário das acusações, “atestados”, interditos e provimentos ‑, essa mordomia de toga e capelo se fantasia como uma cidadania de luxo que estaria a nos “civilizar pelo rigor das leis”, ao mesmo tempo que apascenta pela conveniência do poder de classe a alimária que somos nós. “La Boétie” explica essa aberração social a que nos levam os costumes da supremacia jurídico-política.

Você não pode analisar e caracterizar decisões judiciais como ajuste e conveniência dessa corte de “patifes ilustres”, pois estará sujeito “às penas da lei” por desacato; ainda que esse togado seja uma besta e não você o inquinado de animal irracional. “Patifes ilustres”, volto a explicar, foi a magistral descrição do filósofo David Hume das ações e decisões de régulos e togados “investidos na representação da Justiça, das leis e normas”, rêmoras da corte que aproveitam a oportunidade para “livrar o barato”, a passos largos, isto é, sempre ajustando também seus interesses senhoriais e patrimoniais; com seus pares do reino.

O bispo Ladislau Biernasky tachou de absurda e inconstitucional a decisão de um juiz federal de impedir manifestações públicas de protesto nas praças de pedágio no Paraná. E de onde surgiu essa luminosa estupidez jurídica ‑ perguntam os cidadãos ativos?

Vamos por partes: um rábula qualquer vai a um jornal do Estado e combina com o editor a propina para a boataria ou difusão de “uma conspiração” contra as “empresas”, digo quadrilhas do pedágio. O lheguelhé  publica a “matéria”; e o advogado desses quadrilheiros vai ao juiz apresentando “as evidências” de uma conspiração” contra a indigitada “empresa vítima”. E o que faz o juiz? O “patife ilustre” dá uma “penada preventiva”, cassando o direito social-popular de manifestar seu repúdio ao confisco de seu direito constitucional de ir-e-vir. E onde tal fato ocorre? Aqui na província republicana! E quem vai punir os três escusos e mancomunados? O poder de Estado jurídico? Quem protestará contra o tríplice abuso? Nós, a sociedade inerme contra esses bandidos associados; afinal somos pobres republicanos.

O fato nos leva a uma indagação: o que é o Poder Judiciário de uma República Inacabada, perante a nação e o povo brasileiros, nestes começos do século XXI? Sua legitimidade, se não provém diretamente do povo soberano, ou mesmo de um autocentrado conceito de “nação”, é o quê? Um conluio de sumidades jurídicas, como um cenáculo aristocrático a tripudiar e ofender a democracia que construímos? Respostas para o Supremo Tribunal Federal, Brasília.

QUIMERA de otto nul / palma sola.sc

Quem me dera

Fosse agora

A suprema hora

.

De encontrá-la

Entre as coisas

Perdidas de outrora

.

Que fosse como

Um talismã

De segredos

.

Indevassáveis na aurora

Do eterno buscar

De coisas no degredo

.

Que fosse nada

Ou muito pouco

Qual obra fanada

.

x x x

(julho/09 – Otto Nul)

OBRIGADO, LULA por alceu sperança / cascavel.pr

O presidente Lula fez um favor ao País pondo fim às ilusões daqueles que ainda acreditavam que ele e o PT tivessem qualquer coisa de esquerda. Se ele próprio não tivesse dito, seria preciso continuar a desmascará-lo dia após dia, e ainda assim haveria iludidos, crentes em que ele, seus satelizados e mensalizados poderiam um dia encaminhar o Brasil ao socialismo.

Lula, o PT e seus satelizados estão claramente no campo da direita. Sua opção é a neoliberal, sendo necessário, assim, organizar a resistência. Enganadores, travestiam-se de esquerda sob o falso pretexto de combater as privatizações, no exato momento em que criavam em seus porões as famigeradas PPPs (parcerias público-privadas), que significam entregar o que é do povo a empresas privadas, especialmente transnacionais. As práticas revelam seu verdadeiro caráter, em nada diferente da balela tucano-pefelista (hoje, demonista).

Com as ilusões desfeitas, já podemos colocar os pingos nos is e começar a unificação da esquerda brasileira. Esquerda, sim: é bobagem essa história do Caetano de que os conceitos de direita e esquerda estão demodês. Nem ele está. Hoje, neste mundo tão cheio de injustiças, doença e miséria, em que poucos nababos enriquecem e milhões de pessoas sofrem e sucumbem, é impossível não delimitar dois campos opostos: a direita, para onde Lula escolheu ir, é o neoliberalismo, e a esquerda é, no mínimo, o antineoliberalismo.

O neoliberalismo não tem nada de demodê, portanto. Por isso, a Intersindical, em seu II Encontro Nacional, decidiu criar uma divisa para barrar as tentativas neoliberais de tirar direitos do povo: “Nenhum direito a menos, avançar nas conquistas”. Com essa bandeira, a Intersindical vê claramente a “perspectiva de aprofundamento, ainda maior, dos ataques promovidos pelo capital às conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras no segundo mandato do governo Lula”. Serão leis, medidas provisórias e administrativas e reformas da Previdência, Sindical e Trabalhista, dentre outras, e há o risco de setores majoritários do movimento sindical se renderem a essas manobras.

A proposta da Intersindical é “intensificar a discussão, conscientizar, mobilizar e unificar os lutadores sociais para derrotar a política dos governos neoliberais, que retiram as conquistas e direitos históricos da classe trabalhadora, bem como buscam destruir as suas formas e possibilidades de organização como classe”.

A criação da Intersindical se baseou na necessidade de enfrentar o Estado capitalista, com autonomia e independência dos trabalhadores em relação aos governos, patrões e partidos. Busca a organização autônoma e independente dos trabalhadores, sustentada em suas organizações de base, visando a romper com o corporativismo e combatendo a burocracia, o assistencialismo e o aparelhismo sindical. Algo de novo no front, portanto. Engabelar os trabalhadores era a regra. Mas a máscara finalmente caiu.

No entanto, há muita ignorância neste País em relação ao verdadeiro papel dos governos – federal, estaduais e municipais. Sua função na verdade não é governar, mas administrar a crise. Mal e porcamente, com nosso dinheiro. E elevadíssimos índices de popularidade.

E TU TCHÊ LOCO? por bruxa gaudéria / porto alegre

E tu, tchê loco, depois de tudo o que se sabe sobre a devastação da Floresta Amazônica por conta do teu sacrossanto “churrasquinho”, ainda não tomou vergonha na cara? Olha o exemplo que estás dando para os teus filhos…

Tenho visto que a definição de “gaúcho” por esses tempos que correm não é outra que… “comer churrasco!” Já houve tempo em que gaúcho era sinal de consciência política, e até ecológica: os bruxamovimentos ecológicos partiram daqui, as feiras de produtos orgânicos começaram aqui, a primeira associação nesse sentido, a AGAPAN, nasceu aqui. E isso fazia com que a gente estufasse o peito de orgulho por ser gaúcho.
As escolas do Brizola, então, aquela enorme quantidade de escolas espalhadas pelo Estado… isso sim era uma definição decente da nossa gente.

E não me venha com essa de que “isso é uma coisa cultural”. Até bem pouco tempo, o prato tradicional do brasileiro, em geral, era feijão com arroz, uma saladinha e – de vez em quando – uma carne. Nos domingos, uma galinha. Nunca essa cosa loca de x no almoço, x no jantar, e, no domingo, dê-lhe churrasco… Aqui pelas redondezas do meu rancho, o céu chega a ficar enevoado nesses dias, de tanta fumaça…
Eu sei que a maior devastação é para exportation, mas mesmo assim… olha o exemplo!

Sem contar a gordura, que agora tem um nome poético… obesidade! e as diabetes? Antes do advento da tal fast food, a gauchada era guapa! As gurias eram umas potrancas bem fornidas, mas sem exagero! Olha só a Yeda Maria Vargas!… Te espelha! E a Teresinha Morango… tudo umas esbeltezas.
E o mundo velho sem porteira parece que endoidou de vez! pôes que agora, além do povo se entupir de toda sorte de porcaria, ainda por cima querem que as china véia fiquem tudo uns fio. Pros bagual berrar na porteira do rancho: te cuida com o vento, vivente! Vai de lado… Ou… essa, se comer uma azeitona, vai parecer que tá grávida!
Os taura, ao contrário, em vez de cuidar da roça e ficarem macanudos ao natural, chegam a tomar uns trecos, uns tais de anabolizantes… e acabam parecendo uns abobados da enchente, como dizia a minha avó.
A deseducação é tanta, que canso de ver os PRÓPRIOS PAIS! (???) oferecendo uns tais salgadinhos – que tem o mesmo nome dessas coisas do computador, e devem ter o mesmo gosto misturado com papelão e regado com suquinho de inhãnha –, os chips.
Depois de tanta carne, tanto fast food, tanto salgadinho, e dê-lhe refrigerante pra fazer a gororoba descer, vem a parte dos remédios, das cirurgias, das culpas e dos consultórios de psicologia (e aí eu gosto porque o meu fica assim de loquinho). PURA NEURA! tudo isso.

Pra ter tanto churrasco, por exemplo, tanta carne e tanto lugar pro gado, já fizeram desaparecer um terço do Rio Grande. Os outros dois se foram com a soja e agora com os tais eucaliptos. E é por isso que o nosso frio ficou reduzido a 3 meses, com 36º em junho, o verão é aquele verdadeiro inferno, e não acaba, não acaba, não acaba nuuuunca, a gente torra, a gente vê tudo cor de laranja… eu já senti os meus óvulos fritando pelas próximas três gerações… e, pelo que sei, o buraco na tal camada de ozônio, aqui, é o maior de todos. Ah, disso podemos nos ufanar! Somos os maiores!…
Sem contar otras pragas… mas isso é pra depois.

Texto de ROSE PORTO ALEGRE.

MINHAS HISTÓRIAS por alberto moby / rio de janeiro

Domingo, 12 de Julho de 2009
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OS POEMAS PARA A LIBERDADE DE MANOEL DE ANDRADE: A POESIA COMO ARMA
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A editora paulistana Escrituras acaba de lançar o livro Poemas para a Liberdade, do poeta catarinense Manoel de Andrade (http://www.escrituras.com.br/livro.php?isbn=9788575312902), do qual já havia publicado, em 2007,

Alberto Moby

Alberto Moby

Cantares. Poemas para a Liberdade é, na verdade, é uma reedição. Publicado inicialmente na Bolívia, no Peru e na Colômbia, em 1970, e no Equador, em 1971, é um conjunto de poemas que falam da luta armada e cantam a saga guerrilheira na América Latina dos anos 1970, então controlada por ditaduras militares. Independentemente do seu valor histórico inestimável, Poemas para a Liberdade é uma obra da qual, apesar de tudo, transbordam delicadeza, amor, esperança e por isso consta de vários catálogos de literatura latinoamericana e seus poemas, de várias antologias, como Poesía Latinoamericana – Antología Bilingüe, publicada em 1998, pela editora Epsilon, do México, cujas páginas o autor compartilha, entre outros, com poetas consagrados como o uruguaio Mario Benedetti, falecido este ano.

Os mais jovens talvez não saibam. Os que sabem nem sempre se lem­bram. E os que lembram provavelmente não sintam mais aqueles sentimentos angustiantes e ao mesmo tempo cheios de esperança que moviam milhares de jovens na América Latina em busca de uma sociedade justa e fraterna. Falo dos chamados “anos duros” da ditadura militar no Brasil, logo acompanhada por outras ditaduras, e das lutas de resistência, com as armas possíveis e as imaginadas, contra o autoritarismo, a falta de liberdade e a barbárie que entre as décas de 1960 e 1990 povoaram boa parte da América Latina.
Entre esses jovens havia um, chamado Manoel de Andrade, vindo do interior de Santa Catarina, que começou a se destacar entre os colegas (na época ficaria melhor o termo “companheiro”) de Curitiba, onde decidiu viver, pelo caráter engajado de sua poesia.
Lembre-se que “engajado”, naquela época, era sinônimo de “subversivo” e, quase sempre, também de “comunista”, “palavrões” que, naqueles tempos de Guerra Fria, podiam também ser traduzidos como o “Mal”, em oposição ao “Bem”, representado pelo “Mundo Livre”, isto é, os EUA e seus aliados (quase sempre muito mais por medo do que por afinidade ideológica).
Em 1965, Manoel de Andrade, com sua poesia militante, ganhou o 1º prêmio do Concurso de Poesia Moderna, do Centro de Letras do Paraná. No mes­mo ano, participou da histórica Noite da Poesia Paranaense, ao lado de poetas hoje consagrados como Helena Kolody, João Manuel Simões e o gran­de poeta e compositor Paulo Leminski, no teatro Guaíra, de Curitiba. Em 1968, aos 28 anos, é apontado pela imprensa paranaense como uma dos seus três grandes destaques literários, junto com Jamil Snege e o contista Dalton Ter­visan. No mesmo ano, a revista Civilização Brasileira publica seu poema “Can­ção para os homens sem face”:
Canto a vergonha de ser brasileiro num tempo defecado
canto meu povo
e se ainda não canto meu país,
é porque não sei cantar na presença de homens indecentes;
eu canto sobretudo para aqueles que preservaram seu sonho,
para os que ousaram lutar e morrer por ele,
canto a memória de um guerrilheiro argentino.
E eis que meu verso se endurece
para que eu cante meu melhor combate
e só assim posso cantar para os irmãos e camaradas
recrutando companheiros para a luta…
e quando meu canto é feito para os ouvidos dos justos,
eu canto sem temor […]
[…]
Como guerreiros invisíveis
meus versos se infiltrarão no país dos corruptos
pelas fronteiras das entrelinhas
e renascerão nos lábios dos militantes
ora como uma flor, ora como um fuzil.
Talvez, mesmo que esses versos façam algum sentido para você e mesmo que possam ser identificadas, lá no distante 1968, vergonhas muito pa­re­cidas com as de hoje, e que possamos também reconhecer este nosso tempo, de democracia e liberdade, como um “tempo defecado”, de “homens indecentes” ou um “país dos corruptos”, talvez seja quase impossível imaginar o que significava isso naqueles “anos de chumbo”. Outras palavras do poema expressam melhor que clima era aquele: eram os tempos dos “que ousaram lutar e morrer”, que evocava “a memória de um guerrilheiro argentino” – Er­nes­to Che Guevara, morto no dia 8 de outubro do ano anterior em nome de uma luta que se pretendia internacional contra a injustiça do capitalismo e, par­ti­cu­lar­mente na América Latina, contra a opressão dos ditadores. Por isso o poema de Manoel de Andrade era feito de versos para “cantar para os irmãos e ca­ma­ra­das”, “recrutando companheiros para a luta”, “ora como uma flor, ora como um fuzil”.
Não podia ter dado outra coisa. Em março de 1969, perseguido pelo re­gi­me militar, principalmente pelo fato de ter feito panfletagem de seu poema “Saudação a Che Guevara”, Manoel de Andrade foge do Brasil. Nessa época sua poesia já começava a ser conhecida por todo o país por meio de jornais e re­vistas literárias. Nos perigosos versos que lhe valeram a fuga do país, ele di­zia:
No nosso ódio indigesto
na voz da rebelião,
na passeata de protesto
em cada homem sem pão,
em cada cidadão livre
que é metralhado na rua,
no seio de cada greve
no salário de quem sua,
no estômago que late
na opressão e na fome
nesse mal que nos consome
como farol claro e forte
surge tua imagem, teu nome
teu braço de guerrilheiro
teu sonho e tua verdade
nos apontando o roteiro
em busca da liberdade.
A força e a contundência desses versos, hoje, podem parecer ingenui­da­de, coisa de uma juventude demasiadamente crédula, especialmente empol­ga­da com o sucesso da Revolução Cubana, em janeiro de 1959, e com seu herói mais charmoso, Che Guevara, filho de uma família de classe média argentina que, depois de percorrer toda a América Latina, conhece, no México, os irmãos Fi­del e Raúl Castro e, com um pequeno grupo, resolve se meter numa “a­vem­tu­ra” que por acaso deu certo. Mas, insisto, não é possível ter uma visão mi­ni­ma­mente clara daqueles jovens (que, aliás, se transformaram em alguns de nós atualmente ou já nos pais de muitos outros que agora lêem esse meu post) e, consequentemente, da poesia de Manuel de Andrade sem nos fixarmos na é­poca em que tudo isso aconteceu. Ou, então, como explicar que um simples poema pudesse ser o principal responsável pela saída de alguém do próprio país, deixando pra trás família, amigos, projetos, o curso de uma vida?
Mas a vida de cavaleiro andante de Manoel de Andrade estava só co­me­çan­do. Ao deixar o Brasil foi para a Bolívia, onde continuou escrevendo e di­vul­gan­do seus poemas engajados. Em 1970 é lançado, pelo Comitê Central Re­vo­lu­cionário da Universidad Mayor San Andrés, em La Paz, seu primeiro livro, Po­e­mas para la libertad, publicado também pelas federações universitárias de Cuz­co e de Arequipa, no Peru, que foram consumidas e reeditadas em todo mei­o estudantil do Peru e cujos exemplares se espalharam por toda a América do Sul, levados por mochileiros e estudantes latinoamericanos.
Mas a ampla aceitação de seus poemas pela juventude universitária não deram a Manoel de Andrade nenhuma tranquilidade. Muito pelo contrário, essa a­ceitação representava ainda mais perigo, perseguições, fugas. Expulso da Bo­lí­via em 1969, antes da publicação de seu livro, foi para o Peru, de onde tam­bém foi expulso, no ano seguinte, e para a Colômbia, onde, no mesmo ano, so­fre o mesmo destino. O alcance da sua militância política pode ser avaliado pe­lo destaque que na época os mais importantes jornais da América Latina e as mai­ores agências internacionais de informações, como a AP e a UPI, deram a ele. Numa época em que não havia telefones celulares nem internet, pode-se imaginar o perigo que seus poemas revolucionários podem ter representado.
Conhecido por promover debates, ministrar palestras e declamar seus versos em universidades, teatros, galerias de arte, festivais de cultura, congres­sos de poetas, sindicatos, reuniões públicas, privadas e clandestinas e até no in­terior das minas de estanho da Bolívia, Manoel de Andrade e seus versos não podiam ser vistos como nada menos do que muito perigosos. Por isso o governo peruano o expulsa do país “por realizar atividades que constituem um manifesto perigo para a tranquilidade pública e segurança do Estado”.
Mas a aventura de Manoel de Andrade não pararia aí. Em 1971 estava no México, onde, entre outras coisas, se apresentou no Instituto Mexicano-Cubano; participou das comemorações do 37º aniversário de morte do herói revolucionário nicaraguense Augusto César Sandino; viajou para a Califórnia, nos EUA, onde ministrou várias palestras e recitais em organizações chicanas e nas universidades de Los Angeles e Berkeley. É o próprio autor quem nos conta, generosamente, parte dessa trajetória:
Eu chegara ao México, depois de cruzar, ao longo de três anos, todos os países da América Latina (exceto Venezuela) e trazia, desfraldada na alma, a bandeira das lutas de liberação na­cio­nal que incendiavam o Continente e por isso, depois do meu recital no Instituto Mexicano-Cubano, na Cidade do México, fui “convocado” para levar aos Chicanos (norteamericanos de origem mexicana) a notícia do que se passava na América, como um estímulo à sua luta no contexto de segregação em que viviam dentro das próprias entranhas do “monstro” impe­ri­a­lis­ta. É uma fase belíssima da minha vida que não posso contar aqui. Meu livro “Poemas para a Liberdade”, teve sua 3ª edição en San Diego. Ao cabo de três meses tive que voltar ao Mé­xi­co para novo visto no passaporte, mas quando tentei voltar para terminar minha “missão”, os yanques já não me permitiram a entrada. Do México fui para Ecuador, onde dei um cliclo de pa­les­tras na Universidade Central do Equador, sobre problemas centro-americamos […] e mexi­ca­nos. No Equador publicaram a 4ª edição do meu “Poemas para a Liberdade”. Depois de dois me­ses tive que sair correndo de Quito (onde cheguei a primeira vez, expulso do Peru e a se­gun­da, espulso da Colômbia) porque fui acusado pelos estudantes de agente da CIA. (Eles não entendiam como é que eu corria a America Latina, pra cima e pra baixo, e estava sempre infil­tra­do entre a classe estudantil e o pessoal de esquerda.) Fui alertado por um amigo estudante de arquitetura e saí por Quayaquil, num transatlântico italiano (Rossini) e entrei, sem pro­ble­mas, no Peru, pelo porto de Callao. Resolvidos alguns problemas no Peru, fui pro Chile de Allen­de, onde comecei a escrever minhas memórias de viagem e artigos para o jornais e re­vis­tas sobre o problema dos chicanos e sobre o colonialismo português na África. Minha mulher foi pra Santiago e, pela minha filha, voltei com ela pro Brasil em meados de 72, e em Curi­ti­ba, depois de descobrir que o DOPS já sabia da minha volta e me procurava, transferi minha OAB para Santa Catarina, para tentar advogar. Mas também lá o clima de repressão e espi­o­na­gem era terrivel. Era a época em que estava começando a Guerrilha do Araguaia. Voltei pra Curitiba e passei a viver no anonimato social e literário. Por indicação de um amigo, e para so­bre­viver, fui vender a Enciclopedia Delta Larousse. Ninguem sabia onde eu estava. Somente aparecia no fim do mês para entregar os meus contratos de venda e receber minha comissão. Em seguida sumia pelo interior do Paraná ou Santa Catarina e somente minha família sabia de mim. Foi uma bela estratégia porque eu pude trabalhar e me esconder ao mesmo tempo.
[…]
Voltei a escrever em setembro de 2002 […], durante os 30 anos que não escrevi nada, mas tive uma vida muito intensa e acabei esquecendo que eu era poeta […], mas também tive uma vida intelectual muito rica.
Tive o privilégio de conhecer Manoel de Andrade graças à coincidência de termos uma amiga em comum, a antropóloga e historiadora Philomena Gebran, a quem ele não via há mais de 30 anos e que, através de mim, graças às maravilhas da internet, pôde reencontrar em Curitiba, onde ambos moram atualmente. Somos, portanto, apenas amigos virtuais. Mas é como se fôssemos amigos há muitos anos, compartilhando a maior parte dos sonhos, das grandes frustrações e, principalmente, as esperanças que os muitos sustos da vida não conseguiram levar. Naqueles tempos difíceis parecia para muitos que a força das armas – e, no caso de Manoel Andrade, a sua eram os versos – era o caminho. Hoje, não sei qual o caminho (e acredito que ele também não), mas continuo acreditando, como ele, em uma sociedade justa, humana, fraterna. Por isso recomendo com veemência a leitura dos seus Poemas para a Liberdade. Pelo menos para que os que não saibam fiquem sabendo, os que sabem se lembrem e os que lembram voltem a pensar sobre a esperança.

PEDRAS, FLORES e LÁGRIMAS por clô barcellos / porto alegre

Uma pedra pode nos emocionar? Se nelas colocarmos qualquer significado, as pedras nos farão chorar. Assim como elas, os cadáveres poderão significar muito para os vivos e imediatamente surgirão lágrimas

CLÔ BARCELLOS

CLÔ BARCELLOS

de saudade, reverência e respeito.

Vá ao cinema, mas leve lenços de papel. Óculos escuros. Boinas, mantas. Mesmo que você seja uma rocha, um cético, um pragmático, o diretor de A Partida, Yojiro Takita, vai buscar lá dentro do seu peito uma lembrança, uma referência, um contato sutil com o que você tem de mais humano.

De uma forma muito discreta, vai fazer, primeiro, você sorrir. Depois, vai fazer você achar tudo muito engraçado. Você vai relaxar. Vai observar com divertimento o jeito esquisito de falar dos japoneses, com suas expressões guturais rascadas, misturando tons agudos e graves na voz, no arregalar dos olhos apertados e naquele típico movimento corporal, teatral, cheio de hierarquia e submissão.

A precisão dos japoneses fará com que a história seja muito clara. Fácil de entender. Ele, um músico. Ela, uma esposa dedicada e amorosa. Depois das chances com a música, a opção é voltar para a terra natal e procurar um emprego. Qualquer um. Mesmo que seja lidar com os mortos.

Então, o filme dá a primeira estocada. Você não vai ficar muito à vontade. Vai repelir aquele anti-herói. Quer vê-lo afastado de uma profissão tão putrefata. Que ele busque outros caminhos, que ouça a voz da normalidade e do que é moderno: a morte deve ser ignorada, os rituais não têm mais sentido.

Mas que sentido, afinal, tem a vida? O salmão que sobe o rio, vencendo as rochas e a correnteza rasinha, talvez precise chegar onde nasceu para só depois se entregar à morte. Todos temos um cantinho que significa, que importa, onde colocamos nossas lembranças. Bem afastadas e escondidas, para que não nos deixem fragilizados.

No filme, a música traz à tona essas emoções bem guardadas. Aconchega, mesmo no espaço vazio, para onde Daigo Kobayashi lança suas notas, através de um velho violoncelo de criança, e nos abre o coração.

A flor de cerejeira, comum em várias cenas do filme, também tem um significado. Associada à vida do samurai tão efêmera quanto a da flor que se desprende da árvore, é uma lembrança da impermanência. A morte é comum a todos nós.

No entanto, o diretor vai nos desafiar pela beleza da fotografia, e no acompanhamento da trajetória de Daigo vamos aprendendo a recebê-lo de volta como um herói verdadeiramente humano. Voltaremos a nos aliar a ele, respeitando a sua dor e conhecendo seu trabalho.

Você vai sair do cinema querendo reverenciar os vivos e os mortos. Vai fazer uma saudação curvando o corpo para a mocinha que diz boa noite na saída da sala.

E, seja uma rocha ou não, você vai se sentir tocado. Isto é muito raro. Guarde muito bem essa sensação. Poucas vezes, se sentirá tão vivo.

NA MORADA de marilda confortin / curitiba

externa12

Na minha casa

não tem compartimento secreto

nem lugar proibido.

Minha casa é um livro aberto

Com meus amigos divido.

Na minha casa tudo combina

Com qualquer clima, qualquer astral.

O chinelo havaiana não reclama

De morar debaixo da cama

Com um velho sapato social.

As fotos dos filhos estão por toda parte

Exibo sim, são minhas obras de arte

Não importa que partam

Sou porto,

São partes de mim.

Uma erva daninha nasceu na floreira

E cresceu trepadeira, não posso arrancar

Um pé de gerânio abriu a cortina

E na surdina deixou o sol entrar.

Lá em casa tem creme pra cabelo seco,

molhado, pixaco, loiro, ruivo e preto.

Tem óleo, toalha e escova de dente

vá que alguém de repente resolva pernoitar.

Os livros povoam a sala, banheiro,

armários, gavetas e estantes.

São meus companheiros,

eternos amantes

nunca vão me abandonar.

Na parede não tem uma rede,

Mas tem um desenho de lápis de cor

Feito por minha mãe, num papel almaço.

Tem muito mais valor

Do que qualquer obra do Picasso.

Tenho tudo que preciso

No meu Cinema Paradiso:

Poderoso Chefão, Telma e Louize

Chico, Betania, Cartola e Gil

A Rita está ali, mas o Milton sumiu

Na cristaleira não tem taça de cristal

Mas tem cachaça, tequila e mescal

Um vinho barato, licor de pequi

E uma última dose de bacardi.

Na minha casa

Não tem compartimento secreto

Nem lugar proibido.

Minha vida é um litro aberto

que trago com meus amigos.

.

ilustração da autora.

‘Dor da discriminação ainda é sentida nos EUA’, diz Obama / nova york

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um discurso histórico nessa quinta-feira (16), em Nova York, e comentou sobre os direitos civis dos negros diante da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP, pela sigla em inglês).

O sacrifício dos outros “começou a jornada que me trouxe aqui”, afirmou Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, falando da importância da instituição.
Não se deixe enganar: a dor da discriminação ainda é sentida na América”, disse o presidente, filho de uma mãe branca do Kansas e de um pai negro, do Quênia.

Obama cumprimenta Julian Bond, diretor da NAACP, e recebe aplausos do rapper e ator Sean Combs, em Nova York (Foto: Kevin Lamarque/Reuters)

Obama cumprimenta Julian Bond, diretor da NAACP, e recebe aplausos do rapper e ator Sean Combs, em Nova York (Foto: Kevin Lamarque/Reuters)

O mandatário americano afirmou ainda que a crise econômica afetou os negros. Comentou ainda que as crianças afro-americanas têm cinco vezes mais chance de parar na prisão do que as brancas. E disse que é preciso melhorar o ensino no país.

“Nós temos que falar para nossas crianças. ‘Sim, se você é um afro-americano, a chance de crescer no crime e em gangues é maior. Sim, se você vive em um bairro pobre, você vai ter mais dificuldades do que quem cresce no rico subúrbio”, disse. “Ninguém escreve o seu destino por você. Seu destino é escrito pelas suas mãos, não se esqueça disso.”

O racismo é sentido, segundo Obama, “pelas mulheres afro-americanas que recebem menos para fazer o mesmo serviço que as mulheres de diferentes cores. Os latinos ainda não são bem-vindos em nosso país. Os americanos muçulmanos são vistos sob suspeita só por estarem rezando. E nossos irmãos e irmãs gays ainda são atacados e têm seus direitos negados.”

G1. grifos do site.

“CARPE DIEM” in ODES (1, 11.8) do poeta romano HORÁCIO (65-8AC)

Carpe diem quam minimum credula postero

Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi

finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios

temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.

seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,

quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare

Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi

spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida

aetas: carpe diem quam minimum credula postero.

.

TRADUÇÃO:

Colhe o dia, confia o mínimo no amanhã

Não perguntes, saber é proibido, o fim que os deuses

darão a mim ou a você, Leuconoe, com os adivinhos da Babilônia

não brinque. É melhor apenas lidar com o que se cruza no seu caminho

Se muitos invernos Júpiter te dará ou se este é o último,

que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar

Tirreno: seja sábio, beba o seu vinho e para o curto prazo

reescale as suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento

está fugindo de nós. Colhe o dia, confia o mínimo no amanhã.

“KINDLE” AMEAÇA ESNOBISMO LITERÁRIO – por joanne kaufmann / são paulo

Sara Nelson, ex-editora do periódico “Publishers’ Weekly“, estava recentemente num jantar quando Ed Rollins, consultor de campanha do Partido Republicano dos EUA, chegou carregando um leitor eletrônico Kindle.

“Falei: ‘Posso ver?’”, contou Nelson. “Você pode fazer de conta que está examinando o hardware e, na realidade, verificar o que seu dono anda lendo.” (Para constar: o Kindle de Ed Rollins estava repleto de jornais do dia.)
Sara Nelson possui um Kindle e um Sony Reader. Para ela, o fato de ser dona de um leitor eletrônico de livros, embora não seja necessariamente uma medalha de honra literária, transmite ao menos um interesse por livros.

“É realmente caro”, disse ela sobre o modelo Kindle 2, que a Amazon vende por US$ 359. “Se você se dispõe a pagar, está declarando ao mundo que gosta de ler -e que provavelmente não está usando a máquina para ler um livro barato,

ilustração do site.

ilustração do site.

de consumo de massas.”

Para outros escritores e editores, porém, o Kindle é uma péssima ideia.
A escritora Anne Fadiman ficou aliviada ao saber que sua coletânea de ensaios, “Ex-Libris”, não está disponível no Kindle. “Seria realmente irônico se estivesse”, disse ela. O livro trata de sua paixão duradoura pelos livros enquanto objetos. “Há uma opção [no site] da Amazon para o usuário ‘transmitir à editora que gostaria de ler este livro no Kindle‘”, ela comentou. “Espero que ninguém diga isso à editora.”

O mundo editorial debate intensamente o Kindle e outros aparelhos semelhantes -eles vão ajudar ou prejudicar as vendas de livros e os pagamentos adiantados feitos aos autores? Vão canibalizar a indústria de livros? Vão lhe infundir novo ânimo?
Essas discussões estão deixando de lado outro detalhe: como o Kindle vai afetar o esnobismo literário?

Se você tiver 1.500 livros em seu Kindle -capacidade máxima do aparelho-, isso significa que você é menos bibliófilo do que se tivesse os mesmos 1.500 livros expostos em estantes (partindo da premissa de que você tenha de fato lido alguns desses livros)?

A prática de avaliar as pessoas pelas capas de seus livros é antiga e consagrada. E o Kindle, cuja aparência lembra a de uma grande calculadora branca, é o equivalente tecnológico a um papel marrom opaco usado para encapar livros. Se as pessoas abrirem mão de suas coleções de livros ou deixarem de comprar novos volumes, será cada vez mais difícil formar opiniões imediatas sobre elas, simplesmente percorrendo casualmente suas salas de estar.

“Sempre observo quantos livros há nas estantes e quais são os livros”, disse Ammon Shea, que passou um ano lendo o “Oxford English Dictionary” inteiro e publicou um livro sobre a experiência. “É o equivalente falso-intelectual a fuçar no armário de remédios de uma pessoa.”

Ellen Feldman, que escreve ficção literária, se preocupa com o que vai acontecer à irmandade inefável entre os amantes de livros se o Kindlepassar a ser largamente adotado. Ela estava almoçando num restaurante em Nova York quando viu um homem na mesa ao lado lendo “The Collected Poems of Emily Dickinson“.

“Comecei a especular sobre ele”, contou Feldman. “Fiquei fantasiando, tentando lembrar se havia uma faculdade nas redondezas e especulando que ele talvez fosse professor.”
Nicholson Baker, também escritor, pensa mais ou menos o mesmo, apesar de definir-se pelo conteúdo de sua biblioteca (física).

Anos atrás ele chegou a seu trabalho, um emprego temporário, carregando uma cópia de “Ulisses”. “Queria que as pessoas soubessem que eu não era simplesmente um funcionário temporário, mas um funcionário temporário que estava lendo ‘Ulisses’”, contou.

Hoje em dia, disse Baker, “me emociono quando as pessoas leem meus livros. Não me importa como os leem.”

Ante a situação financeira lamentável em que se encontra o setor dos livros, é provável que a maioria dos autores se disponha a deixar preconceitos de lado. O romancista Chris Cleave, que assina uma coluna no “The Guardian“, foi franco. “Amo meus leitores e quero que leiam o que escrevo”, disse ele. “Se fosse preciso, escreveria meus textos à mão para eles.”

.

O ARTISTA VISUAL JOSÉ ANTONIO DE LIMA CONVIDA / rio de janeiro

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O ARTISTA TEM UMA PÁGINA EXCLUSIVA NESTE SITE: VEJA AQUI

SE ESTE POEMA FOSSE… de noémia de souza / maputo . moçambique



Se este poema fosse mais do que simples
Sonho de criança…
Se nada lhe faltasse para ser total realidade
Em vez de apenas esperança…
Se este poema fosse a imagem crua da verdade,
Eu nada mais pediria à vida
E passaria a cantar a beleza garrida
Das aves e das flores
E esqueceria os homens e as suas dores…
– se este poema fosse mais do que mero
sonho de criança.

Ai meu sonho…
Ai minha terra moçambicana erguida –
Com uma nova consciência, digna e amadurecida…
A minha terra cortada em sua extensão
Por todas essas realizações que a civilização
Inventa para tomar a vida humana mais feliz…
Luz e progresso para cada povoação perdida
No sertão imenso, escolas para crianças,
Para cada doente, e assistência da ciência consoladora,
Para cada braço de homem, uma lida
Honrada e compensadora,
Para cada dúvida uma explicação,
E para os homens, Paz e Fraternidade!

Ah, se este poema fosse realidade
E não apenas esperança!
Ah, se o fosse o destino da nova humanidade
A cantar então a beleza das flores,
Das aves, do céu, de tudo que é futilidade –
Porque a dor humana então não existiria,
Nem, a infelicidade, nem a insatisfação,
Na nova vida plena de harmonia!

L. Marques, 29/5/1949 (Vera Micaia)

JORGE LESCANO é PALAVREIRO DA HORA! E A EQUIPE FAZ A FESTA!

o PALAVRAS,TODAS PALAVRAS após algumas publicações, esparsas, de trabalhos literários do escritor e artista visual jorge lescano e apoiado no grande número de acessos nos links específicos, tomou a feliz iniciativa de convidar lescano para colaborar com a página de maneira mais regular, ou seja, jorge assume o compromisso de publicar quinzenalmente! convite aceito! é desta forma que o PALAVRAS se mantém e alcança todo esse sucesso. outra razão não é senão os PALAVREIROS e suas publicações  que atrai essa grande quantidade de leitores. sobre jorge lescano, fala a sua obra. no BUSCAR, acima, você acessa o que foi postado do escritor, dramaturgo e artista visual.

JORGE LESCANO

mesmo contrariando sua aversão por fotos, conseguimos, com alguma dificuldade, esta raridade. não tem “algo” de DALÍ aí?

.

Como artista plástico participou de 15 salões de Arte Contemporânea, 10 exposições coletivas e realizou 3 exposições individuais, entre 1969-1975.

Em 1976 fundou e coordenou a Oficina Literária no SESC no CCD Carlos de Souza Nazareth – SESC (Consolação) depois de ter sido premiado na categoria conto no  Concurso Literário organizado por este centro.

Em 1978 publicou Amanhã São Perón – contos, Editora Ática.

Em 1983 publicou Os Quitutes de Luanda – conto infantil – Criar Edições, Curitiba; premiado pela Biblioteca Internacional da Juventude – Munique, Alemanha.

Na década de 1980 ministrou cursos e oficinas de Escrita-Leitura em diversas Casa de Cultura e Bibliotecas Municipais.

Desde 1992 ministra aulas de Criação Literária e Teoria do Teatro no Espaço Violação – Escola de Música e Arte.

De 1992 a 1995 lecionou Teoria do Teatro no Teatro Escola Macunaíma.

Em 1996-97, ministra aulas de criação de textos nas Oficinas de Criação da Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Em 1996-98 leciona Teoria do Teatro na Escola Recriarte.

Em 2003 lecionou História das Artes Cênicas na Escola Everton de Castro.

Em 2004 dirigiu o espetáculo Máscara Preta, de Maurício Ayer.

Em 2006 dirigiu o espetáculo O Homem de Praga, com texto de sua autoria e apresentações no Espaço Violação e no Teatro Julia Bergman.

Tem participado como dramaturger em diversas montagens.

Vários dos seus textos foram encenados, dentre eles: O Mordomo; Era uma vez… Jack, o Estripador; Atrás do Móvel.

É tradutor de espanhol-português-espanhol.

PROFECIA de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

Na minha morte

milhões de pássaros vão cantar

por que milhões de pássaros cantam sempre.

.

Crianças nascerão,

por que  crianças nascem todos os dias.

e como combinado também

muitos homens morreram na mesma hora

que homens morrem a todo minuto.

.

Flores se abrirão

por mais que aqui seja inverno,

mas em algum lugar do mundo será primavera

e lá as flores se abrirão

.

E rosas secaram em jardins e floriculturas

Porque a muito tempo que rosas secam nos jardins

e causam prejuízo nas floriculturas

.

Neste dia uma pomba fará seu primeiro vôo

e nos cantos escuros e camas de toda a terra

haverá êxtases e fecundações

e terá em algum lugar  chuva, em outro sol

em metade do planeta será claro em outra, escuro

como no ing-iang

.

E posso profetizar

Que na exata hora da minha morte

alguns copos e pratos  se quebrarão

para sempre

por que é corriqueiro que pratos quebrem

SENTADO À SALA DOS SUICÍDIOS de joão batista do lago / são luis.ma

Sentado à sala dos suicídios

Revi-os todos. Um por um.

De nenhum deles quero renascer!

Sentado sobre minhas tumbas

Assisto o desfile das carcaças

Condenadas à morte

.

Outrora, quando me era folião

Entrudo dos carnavais da vida

Sentia o gosto do mel

Agora, da corte do meu patíbulo

Vejo a sangria de cada ferida

Cantando loas, aos condenados, em vida

.

Já não me aquece o desespero de tê-la

Como dantes se fizera precoce:

Modelo que não sabia morrê-la…

Hoje desfilo todos os meus suicídios

Gerados na sacristia das minhas angústias (e)

Aplaudo com carinho todos os meus dissídios

.

Deem-me férias, pois, todos os deuses

Sacripantas que açulam pretendidos e puritanos e damagogos

Deixem-me suicidado diante de vossos cadafalsos

Aliterem-me como a miudeza dos pingos das chuvas

Como o eco de todas as dores do mundo…

Mas deixem-me sentado à sala dos suicídios

NENA INOUE convida para PROJETO 70

Mostra70+2

Meus Caros Amigos…

Nesta quarta e quinta-feira  faremos a 1.a Mostra do Projeto  70,  que trata sobre o período da Ditadura no Brasil.

Na programação, um texto do Boal, um encontro com Gloria Ferreira e ainda uns vídeos depoimentos de pessoas que entrevistamos em ruas, feiras, bares e casas de Curitiba  sobre a memória dos fatos/pessoas dos anos de chumbo no Brasil.

A entrada é franca e sua presença será muito bem vinda.

E pra aquecer ainda mais e arrecadar fundos, caldinho de feijão, caldinho de peixe, vinho e cachaça mineira.

Apareçam… será um prazer.

Gracias,

Nena Inoue

SERVIÇO: PROJETO 70/ MOSTRA DE PROCESSO

Dias 15 e 16 de Julho. 20h.

PROGRAMAÇÃO: Dia 15: Leitura do texto Murro em Ponta de Faca, de Augusto Boal. Com André Coelho, Moa Leal, Nena Inoue, Patricia Ramos, Raquel Rizzo e Rodrigo Ferrarini.

Dia 16: A Arte dos Anos 70 e a Vivência no Exilio. Bate papo com  Gloria Ferreira (RJ)

Local: ACT – Ateliê de Criação Teatral. Rua Paulo Graeser Sobrinho, 305. CURITIBA.

Informações: 3338 0450

ENTRADA FRANCA!!

“SESC CAMPINAS” DORME COM OS COTURNOS DA DITADURA (veja a carta do hélio leites)

o reconhecido artista curitibano HÉLIO LEITES foi censurado e humilhado pelo general/diretor do sesc e viúva da ditadura, de 1964, sr. danilo santos de miranda, representante direto do todo poderoso marechal/presidente, através de seu ajudante de ordens o soldado sérgio conhecido pela alcunha de “conceito” e seus sucessores de plantão na ” guarita”  sesc/campinas, onde exercem, por saudosismo e outros interesses, a ditadura do patrocínio. é necessário que os artistas e pessoas ligadas a arte e a cultura repudiem e se neguem a participar de eventos em ambientes rançosos como este.

leia, abaixo, a carta do artista.

helio3helio

Ao Sr. Presidente do Sesc

Danilo Santos de Miranda

Sesc – SP

.

ref.: “Sesc Campinas censura contador de histórias”

ou “a ditadura do Patrocínio”

ou “Era uma vez outra vez…”

ou “Solidariedade não dói.”

.

Eu, Hélio Leites, contador de histórias de Curitiba-Pr, fui censurado no Sesc Campinas pela segunda vez. A primeira vez ocorreu no ano passado quando fui convidado a participar do I Encontro de Contadores de Histórias – organizado pela Cia Narradores Urbanos e impedido de participar do evento, quando me indispus com o funcionário Sérgio “Conceito”, que me proibiu de vender minhas inutilidades artesanais nas dependências do burgo. A alegação foi que era proibida a comercialização de produtos no interior do Sesc, quando no entanto, era permitido vender coca-cola na lanchonete. Neste ano, sem justificativa aparente, tive meu nome censurado pela diretoria cultural do Sesc Campinas, no dia da abertura, no hall do teatro, apesar de meu nome constar na programação do evento. Eu lhe pergunto: até quando vai persistir essa censura? Vim à Campinas este ano porque, quando fui convidado para o evento, alegaram que o funcionário birrento tinha sido transferido para São Paulo. Deve, pensei, deve ter recebido uma promoção pelo seu auto desempenho. Ledo engano, a mágoa ainda lateja, e eu, que acreditava que ela saía na urina.

Nem sei se ele foi, mas deixou aqui sua escola, o ranço de sua intransigência ainda cheira no ar; a intolerância de sua disciplina ainda reverbera nas portas e guardas, bem como a soberba de sua ditadura ainda pulsa nos remanescentes, que me censuraram novamente. Impedir um velho de trabalhar no último ofício que a vida lhe reservou deve ser crime inafiançável moralmente, e passível, espero, de processo judicial. A humilhação, a decepção e a violência moral não tem preço. Quando se adquire cabelo branco, vem junto no mesmo pacote, imunidade para lamentar. Velho não tem vez, nem voz neste país, tanto que qualquer funcionariozinho com seu cetro de rádio-comunicador sente-se autoridade para praticar a censura. Se um Sesc desses, verdadeiro templo erigido ao Deus Comércio, proíbe um pobre artesão de contar histórias num evento coletivo, está no fundo demonstrando necessidade de reciclagem. Não é só lixo que se recicla, educação também. Revela ainda total incompetência para gerenciar conflitos, revela também sua truculência cultural e sua vaidade arrogante e deixa à mostra a ditadura do patrocínio. Quem paga pode censurar. A censura acabou no Brasil, menos no Sesc Campinas.

Depois de viajar sete horas de Curitiba à Campinas, arrastando bagagens e histórias pelas rodoviárias da vida e ser “barrado no baile” e impedido de comungar histórias com meus pares, lhe confesso que isso não me engrandece nenhum pouco, acredite, estou me sentindo um refugo. Uma tristeza profunda me abalou até as varizes e paira sobre o meu coração velho. O que me consola é uma réstia de esperança, nuvem que de Campinas vai até o Pilarzinho onde moro. E é essa nuvem de solidariedade que não me deixa abandonar essa profissão que amo e que o mundo me reservou. Contar histórias é a profissão mais antiga do mundo e a mais nova.  Quando você não conseguir fazer nada na vida e nada em sua vida der certo, vá contar a história de seus fracassos. O povo adora ouvir histórias de fracassos dos outros que é pra não cometer os seus. Desisti sim, mas foi do Sesc Campinas, não dos outros “Sesquis” do Brasil, os quais espero que sejam mais dóceis, receptivos e amigos do que o Sesc Campinas.

Continuo levantando a bandeira de contador de histórias, com o propósito de juntar pessoas, falo de amizade, solidariedade, honestidade, auto-estima, terapias alternativas e vivências de humor, matéria prima tão em falta no mundo corporativista. Espero que este grito seja jogado no ventilador da internet e espalhe essa nuvem de esperança pelo ar. Para que nunca mais na história desse país, um velho precise se humilhar escrevendo um S.O.S. e colocando dentro de uma garrafa e jogando no mar. Só estou procurando dignidade. Alguém viu alguma por aí?

.

Saudações

Hélio Leites

“Solidariedade não dói”

.

o artesão e contador de histórias HÉLIO e a participação das crianças em suas apresentações pelo Brasil.

o artesão e contador de histórias HÉLIO e a participação das crianças em suas apresentações pelo Brasil. foto de deborah schwanke.

A FITA MÉTRICA DO AMOR por martha medeiros / porto alegre

Como se mede uma pessoa? Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento. Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade.

Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.

Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma. Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.

Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.

É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações. Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes.

Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho.

REVISITANDO HANNAH ARENDT por márcia denser / são paulo

Certa vez Hannah Arendt escreveu que pensar é intrinsecamente uma atividade anti-social e subversiva, porque é um ato que ameaça todas as versões oficiais do direito e da ordem. Por isso, tanto nos sistemas totalitários quanto naquele em que prepondera o Pensamento Único, que impõem a “verdade única”, pensar livremente é crime. Mas como

Marcia_Denser_nova

pensar, senão livremente? O pensamento elimina as ficções convenientes que mascaram as deformações de uma ordem social. Um dos feitos de Arendt é conseguir manter a filosofia fora do alcance dos interesses político-partidários, conferindo à sua obra um caráter aberto, muito distante de imposições dogmáticas.

Aliás, sobre autoridade, ela afirma: “Visto que a autoridade sempre exige obediência, normalmente ela é confundida com alguma forma de poder e violência. Contudo, a verdadeira autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção, pois onde a força é usada, a autoridade como tal francassou.” Para ela, no domínio da política, onde o sigilo e o embuste deliberado sempre tiveram um papel importante, o auto-embuste (ou auto-engano) é o perigo por excelência, o impostor auto-enganado perde todo o contato não só com sua platéia, mas também com o mundo real, o que aumenta em muito sua periculosidade.”

A “introjeção” da ideologia dominante – a ponto do dominado fazer coincidir suas aspirações com as do dominador é o quê campeia na mídia.  A exemplo, vocês leram no UOL, primeira página de 01/06, um artigo com o título “MST tucano”? Uma espécie de obra-prima em matéria de desinformação e vinculação da cartilha tucanodemolóide, sua“ideologia de segundo grau” cada vez mais perversa e burra. Confiram, que não vou citar – afinal, quem dá cartaz para trouxa é lavadeira.

Nesses tempos tão bicudos, tão estéreis, é um alívio revisitar o livre-pensar de Hanna Arendt, cujo tema foi a liberdade e sua tarefa a de iluminar e restaurar a importância do setor público, onde o diálogo permite a emergência da política como uma das grandes dimensões da dignidade humana. Digo isto a propósito da releitura de As origens do totalitarismo: imperialismo, a expansão do poder (Rio, Documentário, 1976), especificamente quando ela trata da emancipação política da burguesia e das ligações desta com o poder.

Segundo Hannah, o imperialismo surgiu quando a classe detentora da produção capitalista rejeitou as fronteiras nacionais como barreira à expansão econômica. A burguesia ingressou na política apenas por necessidade econômica: como não desejava abandonar o sistema capitalista, cuja lei básica é o constante crescimento econômico, a burguesia tinha que impor esta lei aos governos – para que a expansão se tornasse o objetivo final da política externa.

Em meados do século XIX (a partir de 1870), ocorre uma crise econômica em toda Europa devido à superprodução de capital, ao surgimento de dinheiro “supérfluo” causado pelo excesso de poupança, que já não podia ser produtivamente investido dentro das fronteiras nacionais. Pela primeira vez, o investimento de poderio não abria caminho ao investimento de dinheiro, mas a exportação do poder seguia os caminhos do dinheiro exportado, visto que investimentos incontrolados em países distantes ameaçavam transformar vastas camadas da sociedade em meros jogadores, mudar toda a economia capitalista de um sistema de produção para um sistema de especulação financeira, e substituir lucros de produção por lucros de comissão. A época foi marcada por falcatruas, escândalos financeiros e jogatina no mercado de ações!

Mas verificou-se que os acionistas ausentes não queriam correr os tremendos riscos relativos ao aumento de seus lucros, embora estes também fossem tremendos. Só a força material do Estado poderia protegê-los. Então ficou claro que a exportação de dinheiro implicava em exportação da força de governo. E muitos governos viram com apreensão crescente a tendência de fazer dos negócios uma questão política e de identificar os interesses econômicos de grupos com os interesses nacionais. Mas parecia que a única alternativa à exportação do poder era o sacrifício deliberado de grande parte da riqueza nacional. Só a expansão dos instrumentos nacionais de violência poderia racionalizar o movimento de investimentos no estrangeiro e reintegrar na economia da nação as desenfreadas especulações com o capital supérfluo, ou excedente, desviado para um jogo que tornava arriscadas as poupanças.

A primeira conseqüência da exportação do poder foi esta: os instrumentos de violência do Estado, ou seja, a polícia e o exército – que na estrutura da nação existiam ao lado das demais instituições nacionais e eram controlados por estas – foram dele separados e promovidos à posição de representantes nacionais em países fracos e não civilizados. Em regiões atrasadas, sem indústria e sem organização política, onde a violência campeava livremente, as “leis do capitalismo” tinham permissão de criar “novas realidades” (ou seja, pesadelos de ponta) . O segredo do sucesso estava precisamente no fato de terem sido eliminadas as leis econômicas para não barrarem o caminho à cobiça das classes proprietárias. O dinheiro enfim podia gerar dinheiro porque a força, em completo desrespeito às leis, econômicas e éticas, podia apoderar-se  das riquezas.

somente o acúmulo ilimitado do poder podia levar ao acúmulo ilimitado do capital.

Não é profética a pertinência do pensamento de Hannah Arendt aqui e agora, agora e sempre?

VIAJANDO COM A VIAGEM de tonicato miranda / curitiba

para Luiz Alceu Molento

Será que aquele que está nascendo agora

saberá de nós dois e deste mundo envelhecido?

Forjemos palavras para os lamentos e as lamúrias

em ritual de oferenda ao broto das araucárias

às sumaúmas, aos jatobás e ao amanhecer.

Pare e para toda a paisagem murmura

doces canções ao ser que não conseguirá crescer.

.

O Século 21 saúda e inveja o Século 20

que um dia já invejou o Século 19 com todo seu requinte

onde embora nem todos pudessem ser garbosos

havia ternos e vestidos para todos, para os velhos e os novos

um africano nu de então não era um africano sem roupa

nem uma doença exposta, pronta para se espalhar nos navios

araras e periquitos voavam nas palhadas das palmeiras

de quando em vez até imitavam nossos assobios

hoje andam presas em gaiolas com argolas “made” exportação

cruzam oceanos, mas não são passageiras dos “Queen Elizabeths”.

.

Mas tomemos um trago no boteco da esquina

e tanto faz que o copo seja sujo, esperemos que ainda toque um tango

aceito até um vaneirão ou uma salsa, brindemos às sobras

dê cá um abraço, aguce o olhar, esprema os sentidos, mãos-a-obra

porque os humanos, ao criador, ainda são a sua maior virtude

.

Não precisa detestar meus textos e poemas pra me derrubar

sei que sou mais comum do que na salada a alface

qualquer pequeno vírus consegue me adoentar

basta resfriar direto o olhar na minha face

.

Sei que estou atrasado em alguns compromissos

mas para que tanta pressa pra envelhecer largado a um canto

para que tanta agonia para cevar o orgulho dos homens de preto

aceito um trago e uma massa gorda depois de emagrecer tanto

aceito uma pinga antes e uma pinga depois de uma gelada cerveja

.

Se admitirmos que amanhã estaremos ferrados

ainda valerá a pena olhar de cima a Serra do Mar

imaginando um marzão besta pra se navegar

lá embaixo, pra além da Ilha do Mel e da minha caneta

pra lá da nossa morte e da matança que estamos impondo ao planeta

.

Viajar com a viagem é mais do que quedar-se ao olhar

é voltar a todo instante ao futuro

pois para onde formos seremos sempre parte do barco

e não apenas o corpo em movimento esperando transpor o muro.

RIMBAUD por hamilton alves / florianópolis

De Rimbaud, mais que tudo do que produziu (e não foi muito) conheço “Le bateau ivre” (ou “O barco bêbedo”), que  gostaria de dizer melhor, na voz popular, “bêbado”. Esse poema é uma pequena autobiografia do poeta, tanto quanto pude julgá-lo ou interpretá-lo à primeira leitura. E isso já conta alguns anos. Nem me lembro de quem era a tradução. Mais tarde (decorridos alguns anos), li outra. Esta de Augusto de Campos, emérito tradutor.

Mas que autobiografia mais hermética, mais fechada, mais misteriosa.

Como todo o grande poema, esse de Arthur (por delicadeza / perdi minha vida) também se esconde, se enfurna, se encerra em seus desvãos de pouca luz. Ou de pouca clareza.

Quando chegou a Paris, por volta dos 15 anos, Rimbaud, de um talento precoce, viu que a poesia chafurdava na mesmice ou no mais puro convencionalismo, ainda seguindo os padrões mais ou menos do parnasianismo, mas já se inclinando, pouco que fosse, para o simbolismo, tendo em Stéphane Mallarmé sua figura máxima (Un coup de dés n,abolira le hasard).

Aos 17 anos, quando dera por concluida sua obra resumida a poucas páginas, abandona a poesia para traficar armas em Harat, uma cidade na Arábia.

Perguntado por que encerrara sua carreira de poeta, respondeu:

– À la merde la poésie.

Formou com outro grande poeta uma dupla que revolucionou aqueles tempos sisudos, em que poetas eram vistos (ou concebidos) como vivendo em redomas ou seres tocados pelos dedos dos deuses (ou de exceção) – Paul Verlaine. Eram (ou primavam por ser em tudo) dois marginais, que romperam com todos os preconceitos. Rimbaud largou o amigo, que, em certo momento, lhe disparou um tiro quase mortal pelo qual pegou uma pena de dois anos de prisão.

Depois se reconciliaram. Tudo não passara de mal entendidos.

O fato é que, desde então, se separaram, mas Verlaine nunca mais esqueceria o amigo. Rimbaud, certamente, tão pouco esqueceria Verlaine, que produziu um poema da mesma grandeza de “Le bateau ivre”:  “Chanson d’automne”, que tem essa belíssima primeira estrofe:

“Les sanglots longs

Des violons d’automne

Blessent mon coeur

D’une langueur monotone”.

(julho/09)

O PLANO AGACHE na revista “O CRUZEIRO” – editoria

PLANEJAMENTO URBANO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM 1950:

O Rio de Janeiro de 1950

A A REVISTA O CRUZEIRO - AGACHE - PLANO - FOTO RIO rio01
Officiellement mon cher Pimenta, tu n’as rien vu”, disse-me Agache após ter feito passar ante meus olhos todos os desenhos, projectos, perspectivas e maquettes, de cujo emmaranhado surge, pouco a pouco, a visão maravilhosa do Rio de Janeiro de amanhã.

Agache e o nosso Prefeito temiam que um plano ainda em simples delineamento, exposto a uma opinião pública ainda não bem preparada, fosse mal apreciado.

Contradictei porém ambos com tal ardor ou taes argumentos que, cansados ou convencidos, eles calaram-se sorrindo.

E quem sorri não desaprova.

Cedi pois, sem constrangimento, ao pedido dos diretores da “Cruzeiro” para transmitir a impressão que trouxe daquella visita ao Rio de Janeiro de 1950, ao Rio de Janeiro de nossos filhos e nossos netos.

Indubitavelmente o plano geral de transformação e desenvolvimento de nossa cidade, projectado para ser concluído dentro de 30 a 50 anos, constituirá um forte e nobre élo entre a geração de hoje e as gerações vindouras, encadeando os sentimentos da nacionalidade, desenvolvendo a consciência social do povo, fortalecendo enfim a alma brasileira.

Lendo as plantas e contemplando o grande esboço que encerra a concepção geral do novo Rio de Janeiro, senti que Alfred Agache havia compreendido bem as possibilidade formidaveis de progresso de nosso paiz.

Indiscutivel, com effeito, é que o Brasil será dentro de 10 ou 20 annos a mais populosa nação latina do mundo; e como é extenso o seu territorio e enormes as suas riquezas, facil e prever o alento novo que aqui receberá a raça e as fortes e elevadas affirmações de valor que aqui ella dará.

A confiança que o povo brasileiro tem no porvir não nasce portanto da fantasia ou do sentimentalismo senãoA A REVISTA O CRUZEIRO - AGACHE - PLANO - FOTO rio03b que se alicerça na razão, nos factos, nos ensinamentos da Historia, na analyse do passado.

É mesmo uma fé do que uma previsão scientifica.

Previsão scientifica, realmente, deve ser o plano de transformação de desenvolvimento de uma cidade.

Eis porque o projecto em elaboração cogita já das ligações que um dia terão de ser feitas entre o Rio e Nictheroy, entre o Rio e a Ilha do Governador, ligações intelligentemente articuladas, que com as avenidas largas, verdadeiras arterias, que se estenderão até aos suburbios extremos da cidade e as grandes ruas que communicarão os arrabaldes e bairros entre si.

Não falta grandiosidade e belleza nessa obra gerada com notavel senso pratico e exacta compreensão das realidades.

Sabe-se aliás que a funcção característica do urbanista é conjugar as necessidades materiaes da cidade com as exigencias superiores da intelligencia.

Alfred Agache conseguiu plenamente tal objectivo no traçado de transformação de nossa Capital.

Não descerei às descripções minuciosas, detalhadas, que pouco interessam.

Deixo de preferencia ao leitor, na nevoa de algumas palavras, um campo aberto á imaginação, ao sonho, ao ideal que é o início de todas as realizações.

O Rio de Janeiro terá majestade e harmonia pela singular expressão artística com que no novo plano são resolvidos todos os seus problemas urbanos.

Em frente á barra da Guanabara, no terreno que se conquistará ao mar pela rectificação do incongruente sacco da Glória, ficará a praça monumental – vestibulo sumptuoso da cidade – reservado ao desembarque das grandes personalidades que aqui aportarem e naturalmente destinado ás manifestações, comicios e demonstrações do povo por se tornar o logradouro de maior area e o principal centro da metropole.

Maravilha de architectura, banhada na luz de projectores occultos, esta praça terá a forma de U retangular com a abertura voltada para o Oceano, descortinando e ao mesmo tempo compondo as mais variadas e encantadoras perspectivas.

Tomando o centro da linha do fundo, a avenida Rio Branco dahi partirá, imponente, com exacto prolongamento do eixo da praça.

Integrar-se-á destarte nossa principal via publica na sua funcção definitiva de entrada nobre da cidade.

Quero que o leitor tenha a visão, embora rapida e fugaz, do futuro Rio de Janeiro, da inegualavel cidade que entrevi nos desenhos e nas palavras de Alfred. Agache, tal como os contemporaneos de Haussmann ante-gozaram nos projectos deste a magnifica realidade que é o Paris de hoje.

Uma nova e larguissima rua, formada pelo prolongamento do actual canal do Mangue, cortará perpendicularmente a Avenida Rio Branco, indo até ao mar, no cáes da antiga Alfandega. E se estenderá no seu sentido opposto, transpondo, sempre com a mesma largura, os bairros e suburbios que ficam além da Praça da Bandeira, para penetrar nas regiões aonde a cidade, livre do contraforte das montanhas e da barreira do mar, rapidamente se despeja e se desenvolve.

Essa rua passará deante da Estação Monumental a se construir nas proximidades da Praça da Bandeira, e que colherá, em um só feixe, todas as estradas de ferro que servem ao Rio: Auxiliar, Rio d’Ouro, Leopoldina e Central do Brasil.

Será a mais larga, a mais longa e mais movimentada avenida de nossa Capital, rasgada do mar até á zona dos suburbios, pondo assim estes em communicação directa com o centro da cidade.

Correndo quasi parallelamente é actual Avenida Mem de Sá, e prolongando-se além desta uma outra ampla e bella avenida virá entroncar-se com a precedente, no ponto fronteiro á referida Estação Monumental.

Receberá deste modo o centro ferroviario uma via publica de grande proporção, ligando-o aos bairros de Botafogo, Leme, Copacabana, Ipanema, Gavea e Laranjeiras.

Encurtando as distancias entre os bairros, varias outras ruas serão abertas, algumas transpondo pequenos tunneis ou cortando fraldas de montanhas, inteiramente desimpedidas para o trafego rapido e frequentemente offerecendo seductores aspectos da privilegiada natureza que é o orgulho e a alegria de nossa gente.

Vencendo a rotina, sujeitando a architectura ás imposições e caprichos da moderna sciencia de construir, expandindo emfim livremente um anhelo de progresso e de perfeição, de conforto e de arte, Agache valeu-se da area devoluta resultante do desmonte do Castello para ensaiar um systema de urbanização original que consubstancia as idéias mais adeantadas e mais logicas das tendencias actuaes.

O arrojo da composição ha de ferir certamente a sensibilidade dos que não foram ainda tocados pelo espirito novo da arte.

Estou certo porém de que, realizado o projecto, felizmente já officialmente approvado, aquella zona da cidade dará aos seus visitantes a verificação material de que a cidade que ali se creou não foi obra do acaso, producto do empirismo, mas sim que obedeceu aos desejos da intelligencia, ás aspirações do sentimento e, principalmente, ás razões da utilidade.

Não cuidarei de esmiuçar o traçado, já conhecido do público, e que pertence ao typo monumental do haussmannismo.

Interesse maior tem porém o systema adoptado para as edificações, onde o problema dos arranha-céos encontrou solução interessante e justa.

Cada bloco de construcção receberá na peripheria, isto é, nas faces voltadas para as ruas que o limitam, edifícios de altura uniforme de 22 metros. Mas no interior do bloco, na area vasia fechada pela orla desses edificios, serão admittidos arranha-céos, com altura de 80 metros, dispostos de modo a formarem espaços livres – verdadeiras praças internas – destinada ao estacionamento de automoveis.

As vias publicas terão pois o trafego inteiramente desimpedido, sem o as pecto de garage que offerecem as actuaes ruas centraes, atravancadas de vehículos parados, em abandono.

Considerando o sol causticante e as intemperies que castigam as cidades tropicaes como a nossa, os passeios além de espaçosos, com 7 metros de largura, serão cobertos em forma de galeria como os passeios da cidade de Turim e da rua Rivoli, de Paris.

De quando em quando, atravessará essas galerias uma passagem para acesso ás praças centraes onde se erguem os edifícios gigantes.

Apreciando essa concepção de Agache, através da maquette em gesso metalizado que a materializa, senti nalma A REVISTA O CRUZEIRO - CAPA DE 17 DE OUTUBRO DE 1964 - 171064caum anseio de viver, que não era senão o desejo de gozar a majestade sem igual, a belleza sem par, o conforto sem falhas que offerecerá aquelle recanto da cidade, aquella area conquistada com o sacrificio do historico morro do Castello, mas dignificada pelo genio da raça latina em uma obra realizada pela vontade do povo brasileiro.

Sob a scentelha desse enthusiasmo, passei o olhar pelo esboço geral do plano de remodelação do Rio, esboço que ocupa a mais larga parede da sala de trabalhos do urbanista Agache.

Pude então fitar a imagem, indecisa e fugitiva, mas insuperavel e magnifica, do futuro Rio de Janeiro.

Desembaraçada do morro de Santo Antonio, polypo que lhe difficulta a respiração, kysto que lhe enfeia a physionomia, reconheci as mesmas ruas, os mesmos bairros, as mesmas tradições da cidade; mas sobre o intrincado destas obras, sem desrespeito ao passado, sem desdem pelo sentimento brasileiro, havia o traço do progresso, a confiança em um grande destino, traduzida pela trama das novas avenidas, ruas e boulevards, cuja connexão inteligente estimulava a vida e a expansão de nossa capital e cuja expressão de beleza honrava a moldura inconfundivel e esplendida com que Deus presenteou a terra carioca para a alegria e felicidade de seus habitantes.

Mas o Rio de Janeiro de amanhã será tambem o recreio e a ventura dos forasteiros que desejem nutrir o espírito e encher o coração.

Será o grande orgulho do Brasil e a mais linda metropole do mundo.

memória viva.


“Me gustán los estudiantes” – por alceu sperança / cascavel.pr

“Que vivam os estudantes, jardim de nossa alegria (…) passarinhos libertários (…) o fermento do pão que sairá do forno com todo seu sabor!” Os estudantes e sua rebeldia, fome e sede de Justiça encantavam Violeta Parra, que também cantou em louvor à vida e preferiu sair dela em 1967. Mas seus versos ecoarão para sempre, tanto em agradecimento à vida que nos tem dado tanto quanto pelo amor aos estudantes e seu coração valente.

A professora Rosana Kátia Nazzari procurou ver a quantas vai esse encantamento no livro Empoderamento da Juventude no Brasil – Capital Social, Família, Escola e Mídia (Coluna do Saber, 2006), que trata de questões candentes da juventude brasileira. Meio anestesiada, a participação mais ativa da estudantada está de volta, finalmente, depois de perceber que foi enganada por seus “líderes” com a farsa lulesca. Quem apurar bem os ouvidos já começará a ouvir seus brados e cânticos anunciando uma nova era, pois a que aí está não presta nem é desejável que se sustente.

Trata-se, aliás, de um fenômeno mundial. Além da França, como sempre, e do México e Grécia, mais recentemente, no Irã os estudantes levantaram a voz para interromper um discurso do presidente Ahmadinejad, que, eleito em 2005 e novamente agora, em processo marcado por inúmeras suspeitas, irritou a juventude com medidas anunciadas como a salvação da Pátria, mas que beneficiam meia dúzia e prejudicam a muitos.

O presidente prometeu na campanha que iria dividir de maneira mais justa a riqueza do petróleo quando assumisse o poder, e essa “bolsa família” lhe garante o aplauso de multidões entusiasmadas, particularmente em províncias pobres, onde faz comícios a toda hora. Na prática, o que faz é cercear a liberdade de imprensa e restringir as organizações populares, inclusive as estudantis, enquanto gasta a rodo e provoca inflação. Os estudantes têm mesmo que reagir.

Depois de uma longa e infrutífera intervenção da ONU, os jovens perderam a paciência e se levantaram contra a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), para cujos dirigentes os estudantes estão sendo “manipulados”. Isso acontece sempre que os manipuladores de ontem não conseguem mais dominar como antes: “Essa vontade de criticar tudo deve ser lavagem cerebral que fizeram em vocês!”, ouvi na década de 70.

Os estudantes do Haiti têm toda razão em protestar: há um bocado de tempo, a intervenção da ONU é renovada a cada seis meses, mas agora a tal Minustah quer ocupar o país por pelo menos dez anos, enquanto oficialmente diz que “nosso objetivo é sair do país o mais rapidamente e para isso necessitamos da colaboração dos cidadãos”. Ou seja: se você não entregar a rapadura, nós não vamos embora…

No Brasil, os estudantes se anunciam através do Levante do Busão, em São Paulo. Foi uma reação ao aumento injustificado nas tarifas de lotação e metrô, pois enquanto o passe do transporte urbano aumentou 400% em doze anos, o salário só se reajustou em 120%. E 40% da evasão de alunos nas salas de aula se dá por falta de acesso ao transporte público.

Ocorreu na época um confronto com a Polícia, mas isso não desestimulou os jovens. Embora a manifestação dos estudantes fosse absolutamente pacífica, eles foram espancados, agredidos com balas de borracha, gás lacrimogêneo e de feito moral. Um estudante foi imobilizado, espancado com cassetetes e teve um braço deslocado. Preso e algemado, os policiais sequestraram seus documentos – bateram, literalmente, sua carteira.

É essa a democradura que temos neste País. Se não são os estudantes para nos mostrar essa realidade, comemos com farinha a propaganda “democrática” oficial.

NOTURNO de jorge lescano / são paulo

O beijo de despedida à sombra  do pessegueiro invadindo a calçada por cima do muro. Ninguém à vista. O bar da esquina, com as portas abaixadas, é um bloco cinzento. A lâmpada de iluminação pública: sol elétrico sobre o lago de asfalto orlado pelo duplo bosque de eucaliptos e suas sombras projetadas no chão e nas fachadas. Do outro lado o fim da vila formando uma pracinha.

Entreolham-se. Provavelmente pensam a mesma coisa: quem são? De onde surgiram os quatro homens que gesticulam preguiçosamente ao ritmo de suas próprias vozes?

Ela pressiona com seus dedos a mão dele se transformando em punho.

Os homens, à contra-luz, são figuras de sonho. O rumor das vozes e a impossibilidade de identificá-las ou de entender suas palavras, como se falassem um idioma estrangeiro, aumentam esta sensação. Um deles levanta o braço e no vulto da mão acreditam perceber um brilho metálico apontando em sua direção. Nenhum dos dois poderá afirmar com certeza, uma vez que a fonte de luz fica atrás do grupo e só permite comprovar os movimentos laterais, nunca aqueles que fizerem para a frente ou para trás. Estes gestos de aproximação ou recuo não alteram as silhuetas na tela da noite.

Esperam ou apenas avaliam a conveniência de esperar?

Ela esboça um passo em direção ao interior da casa. Ele a segura pelo pulso receando que percebam sua hesitação. Talvez pensem que se os desconhecidos associam a vacilação à presença deles, terão mais um motivo para esperar, e não é improvável que suas possíveis intenções em relação a eles ganhem novo incentivo. Da sala chega o tom esvaído da luz do abajur. Certamente deve provocar nos observadores alguma imagem parecida àquela que o casal tem do quarteto.

O volume preto e murmurante de um carro flutua rápido e breve na nata de luz da esquina.

Ela acredita ver o estremecimento de um dos homens, porém, não poderia dizer se é de fato uma sensação óptica ou o desejo de algo que para ele se manifesta no quase imperceptível tremor dos lábios e da mão que envolve seu punho. Ela sente os dedos se umedecerem ao contato com a pele do homem , sem, contudo, poder precisar de qual dos dois nasce a transpiração.

Ao longe, o martelar de um trem perfura a noite.

O grupo está em silêncio, reunido em arco: as duas extremidades voltadas para o casal. Vagarosamente um deles descansa o peso do corpo sobre uma das pernas, dobrando o joelho da outra; o segundo afunda as mãos nos bolsos do paletó e levanta os ombros como se sentisse frio; o terceiro dá um passo para trás e apóia as costas no muro; o quarto permanece imóvel: boneco de neve espessa e negra.

Quebrado brilho perfila o nariz dele, luz opaca além dos cílios.

Para ele, a cabeça da mulher é uma bola informe sobre o pálido triângulo do decote. Toda ela um sutil perfume de alfazema que aos poucos vai se aproximando até encostar os lábios na boca dele. Um contato breve e suave, sem movimentos supérfluos: ficar nas pontas dos pés e levantar o rosto e apoiar os calcanhares novamente no chão e esconder a testa sob a franja de cabelo e ao mesmo tempo a mão abandonar a outra mão.

Um do quarteto faz um gesto que poderia ser interpretado como de aproximação (se as sombras não eliminassem a perspectiva). Ela tenta disfarçar a procura da porta, que toca com os cotovelos. Ele deve sentir que não é mais possível prolongar a situação. Olha na direção do rosto dela e depois para dentro da casa.

Antes de ela acabar de abrir a porta, ele, como querendo seu testemunho, já vai à direção dos desconhecidos olhando um ponto por cima de suas cabeças. Provavelmente imagina o nervosismo dela ao dar duas voltas à chave e o abajur sendo apagado enquanto procura o isqueiro.

Após acender o cigarro, leva a mão ao bolso interno do paletó e a retira lentamente, como se carregasse um peso que o pequeno objeto e seu brilho não justificam.

Anda, talvez pensando na moça encostada na porta, (des) esperando o grito, ou os passos apressados, ou o silêncio como um som total e interminável abafado pela noite e que corresponda à dança muda, individual e simultânea, dos cinco homens no espaço retangular da esquina. Anda como se ignorasse os obstáculos.

Entre as imagens que surjam na mente dela, dificilmente poderá aparecer a dos desconhecidos fazendo um corredor silencioso para que ele passe sob seus olhares à luz da lua amarela  que desenha em preto o flanco dos gatos nos telhados e salpica cera na folhagem.

CANÇÃO DA TORRE MAIS ALTA de arthur rimbaud / marselha.fr

Mocidade presa
A tudo oprimida
Por delicadeza
Eu perdi a vida.
Ah! Que o tempo venha
Em que a alma se empenha.

Eu me disse: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
De algum bem que seja.
A ti só aspiro
Augusto retiro.

Tamanha paciência
Não me hei de esquecer.
Temor e dolência,
Aos céus fiz erguer.
E esta sede estranha
A ofuscar-me a entranha.

Qual o Prado imenso
Condenado a olvido,
Que cresce florido
De joio e de incenso
Ao feroz zunzum das
Moscas imundas.

UMA LUZ NA JANELA de paola rhoden / brasilia

Toda tarde quando voltava cansada do trabalho para minha casa, passava pelo centro da pequena praça de minha cidadezinha. Caminhando distraída pelas aléias cheias de flores, não percebia mais nada além do perfume no ar exalado pelas plantas e de uma janela que ficava ao fundo, destacando-se no escuro da tarde em seu quadrado iluminado. Todos os dias era a mesma coisa, quando entrava na praça, via ao fundo a janela e sentia o perfume no ar.

Passaram-se semanas naquela rotina.

Certa noite, voltando um pouco mais tarde que o costume andei mais devagar pelas aléias perfumadas. De vez em quando parava para olhar ao redor, cheirava o ar! Alguma coisa estava diferente, e não conseguia imaginar no que poderia ser! Continuei andando pela praça, distraída e pensativa, até que me veio a lembrança: A JANELA!

Ora! Vejam só! O que me chamou a atenção foi isto: “a janela estava escura”.

Fiquei a imaginar o que teria acontecido! Porque a janela estava escura hoje?

Parei, e fiquei a olhar na direção onde deveria estar o retângulo de luz. Fiquei ali alguns minutos, sem pensar em nada, apenas olhando naquela direção. O barulho de um carro passando em uma rua lateral tirou-me então daquele devaneio, e voltando a realidade da vida, pensei: ‘Como o ser humano se apega às mínimas coisas! Como aquela luz refletida em uma janela desconhecida, já fazia parte de meu dia a dia! O simples fato de não estar lá naquela noite, causou-me um sentimento de perda, ao ponto de fazer-me ficar ali parada, pensando!

Então analisei, como muitas outras coisas e acontecimentos, essa janela já fazia parte de minha jornada pela vida!

( Premiado em 2007 )

DR. SERGIO FELIPE DE OLIVEIRA – VÍDEO PALESTRA: CIÊNCIA E ESPIRITISMO – DOENÇAS E MEDIUNIDADE / são paulo

palestra do professor dr.sérgio felipe de oliveira, clínico, neuro cientista,  e pesquisador da glândula pineal. duração da palestra completa 1h:10, sendo o tempo de cada parte de 00:08 a 00:10 minutos.

A CIÊNCIA A CADA INSTANTE NOS REVELA DESCOBERTAS SURPREENDENTES QUE NOS ACOMPANHAM POR MILÊNIOS.

PARA ASSISTIR CLIQUE UMA VEZ NO CENTRO DO VÍDEO:

PARTE 1:

PARTE 2:

PARTE 3:

PARTE 4:

PARTE 5:

PARTE 6:

PARTE 7:

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LEIA ENTREVISTA COM O DR. SÉRGIO FELIPE DE OLIVEIRA : AQUI

PARA ENTRAR EM CONTATO COM O DR. SÉRGIO FELIPE DE OLIVEIRA:

CLÍNICA PINEAL MIND

Rua Paulo Orozimbo, 916

FONE: 11.3209-5531

Próxima ao Parque da Aclimação / SÃO PAULO. CAPITAL.

O SUTIÃ das MANHÃS por sérgio da costa ramos / florianópolis

Depois de amargar as manchetes de uma semana inteira toda aquela desgraceira que respinga de Brasília ganhamos um sábado e um domingo de pôr-do-sol de folhinha.SERGIO DA COSTA RAMOS

Ainda bem. Respirei fundo. Tenho um nariz pequeno e por isso estiquei-o ao máximo, como o bico dos beija-flores, querendo me consolar com os polens que levitavam na manhã de sol.

Olhei o morro da Lagoa, ostensório erguido pela natureza para guardar a Conceição e suas dunas. Na baía sul, contemplei o Cambirela, Himalaia da Serra do Mar, seio empinado que dispensa recheios e espartilhos.

É isso que me consola. Olhar ao redor as intimidades da minha terra e sentir o conforto dessa paz e desse patrimônio visual, que ninguém nos tira. À medida que o tempo avança, a recordação do berço acende nos viventes aquela indestrutível cumplicidade com a sua “querência”, o seu recanto, o seu chinelo, o seu pijama. É comum pedirem os homens, antes de morrer, que trasladem seus ossos para o lugar onde viveram a infância, onde sentiram pela primeira vez o aroma das flores, onde aspiraram o oxigênio da mãe e sugaram a via láctea da primeira refeição.

E de onde vinha esse fortificante? Dos seios. Por isso prefiro os seios, como os americanos. Claro, como bom brasileiro, não economizo o olhar a um bumbum bem calibrado, aqueles dois hemisférios femininos, ao mesmo tempo curvilíneos e voluptuosos.

Minha terra – e não falo só da Ilha, mas de toda Santa Catarina – do litoral ondulado ao Peperi-Guaçu argentino, é uma sucessão de seios. Razão tinha o governador-escritor, Jorge Lacerda, ao pincelar seu Estado, em texto memorável:

– A natureza, aqui, parece ter convocado as montanhas numa verdadeira insurreição telúrica, para conter a marcha do homem. O chão catarinense foi sacudido por uma convulsão de serras. Para dominá-lo, foi mister a obstinação heróica daquelas raças que trouxeram do Velho Continente a decisão de luta e a paixão da conquista.

O Estado é um triângulo deitado, o vértice no Peperi-Guaçu, lá na fronteira gringa, e a base no Atlântico, em cuja mesa o Criador serviu um “espumante” de raro sabor e pura beleza: 531 quilômetros de praias.

Santa Catarina – assim como a Ilha – é uma beldade deitada. As pernas ficam no Oeste, o umbigo no Vale do Rio do Peixe. E os seios se empinam na Serra do Mar, com seus bicos intumescidos emergindo da renda azul dessas manhãs de julho.

Ainda bem que eles, os seios verdes da terra Catarina, ainda nos cercam de calor e de afeto, e nos consolam e protegem da sensaboria dos últimos acontecimentos – ao abrigo desses dias de cristal, no sutiã das manhãs…

ESPECULAÇÕES SOBRE O AMOR SIMPLES por luiz felipe leprevost / curitiba

se você pensa que as mulheres
fazem comigo o que elas querem
está mais do que certa
já fiquei esquecido dentro de
mulheres que eram freezers
já derreti em fogo brando na
palma da mão de confeiteiras sádicas
perito em carícias, já fui
confundido com Marlon Brando
(Último Tango em Paris)
no segundo andar de
sobradinhos pré-fabricados da periferia
já arquitetei planos e
mais planos de conquista
já me meti entre coxas com odores
dos quais nunca mais me livrei
parido nem sei quantas vezes
de mulheres que eram eu
mulheres que eram o diabo, o bicho
mulheres que eram uma catedral
mulheres que eram peixes de
águas profundas, escuras
mulheres que eram o
pico mais alto do planeta
mulheres cujo o corpo não era feito de
ossos e músculos, mas de lágrimas
outras com as quais você trepava com a
voz mais do que com o ventre
mulheres em quem a beleza era doença
em quem a doença se equiparava a Deus
mulheres que não gozavam, choviam
que em cada beijo continham uma reza de fé
mulheres em quem você entrava como
entrasse na mais grossa areia
mulheres com as quais sangrei a cada mês
mulheres…
vocês mulheres dão mais trabalho
do que assaltar um banco

ÉTICA e MORAL – por ivanir de jesus henemberg / londrina.pr

O que é moral e o que é ético?

Em primeiro lugar, é preciso definir o que seja Ética. Pesquisadores do porte de Chaïm

Perelman, da Universidade de Bruxelas, Norberto Bobbio, da Universidade de Milão e Carlos

Alberto di Franco, da Universidade de Navarra, costumam considerar ética o conjunto das

atividades que refletem valores da sociedade que sejam universais (que se aplicam a todo o

mundo) e atemporais (que se aplicam em qualquer tempo).

No entanto, a atitude considerada ética às vezes admite variações de enfoque em razão

da cultura em que está inserida.

Muitas coisas, apesar de não serem consideradas éticas, continuam a serem feitas e são

até toleráveis num determinado grupo social.

Alguns comportamentos inicialmente considerados pouco éticos acabam se tornando

tão corriqueiros que a lei os transforma em procedimentos corretos – é o que se chama de

Direito Consuetudinário.

É a diferença entre o que é moral e o que é aceitável. Muitas atitudes, apesar de

imorais, acabam sendo toleradas e passam, ao longo do tempo, a serem consideradas

aceitáveis.

A ética, eu e os outros

Por outro lado, parece-nos claro que um estudo sobre a Ética não pode deixar de lado o

conceito segundo o qual a Ética nasce quando entra em cena o outro. É o Outro, com seu

olhar, com sua crítica, que nos define e nos forma para o mundo, porque toda lei (moral ou

jurídica) regula relações interpessoais, inclusive aquelas com um Outro que a impõe. Esta

visão de Ética holística é prevalecente tanto no campo sócio-político quanto no campo

comportamental, o que explica porque nós não conseguimos compreender quem somos sem o

olhar e a resposta do outro.

Ética no mercado de trabalho

A ética aplicada se destina a discutir as práticas individuais e corporativas nas

múltiplas áreas de atuação do ser humano em sociedade, visando à determinação da atitude

correta relacionada a cada esfera da ação humana, buscando solucionar os eventuais

problemas morais que surgem no exercício profissional e na vida social. A ética se reporta,

necessariamente, a toda prática humana, seja ela profissional ou não. A rigor, existe, ou

deveria existir, uma ética aplicada a cada atividade profissional. E as éticas profissionais

nascem da progressiva especialização das atividades.

A imagem do trabalho criada pela sociedade capitalista é a de uma condenação. A

palavra trabalho deriva do termo latino tripalium, que designava um instrumento de tortura

utilizado na Roma antiga. O pobre estaria condenado ao trabalho, enquanto só o patrão teria

direito ao descanso e ao conforto. Esta concepção negativa do trabalho é rejeitada pela ética.

A ética enxerga o trabalho como sendo algo que deve ser realizado com amor e consciência.

Concorda com a definição dada por Gibran: “O trabalho é o amor feito visível”. Em nível

individual, devemos enxergar no trabalho a maior fonte de autoridade moral. O trabalho

honesto dignifica aquele que o realiza. Ele não nos garante apenas a sobrevivência material,

mas também nos reconforta o espírito. Para quem tem no trabalho uma fonte de prazer, a vida

se torna leve mesmo que, por vezes, traga-nos fadiga e desgaste. É ele também que nos provê

dos recursos indispensáveis ao nosso próprio refazimento. É no trabalho, igualmente, que

burilamos a nossa humanidade, aprendendo a ser útil aos outros – lição maior da vida. É no

labor diário que obtemos o aprendizado que nos faz melhores, o conhecimento que nos

enriquece e a competência que nos promoverá a tarefas ainda mais necessárias. Quando

oferecemos à vida o melhor de nós, a vida nos oferece também o seu melhor. O trabalho é um

direito, mas também um privilégio quando o encaramos como um instrumento de

autoconstrução íntima.

Quando trabalhamos com amor, consciência e fé, ainda que não nos reconheçam e

respeitem, os nossos esforços se converterá, por fim, na moldura da nossa própria felicidade.

É dever de cada um promover a excelência do próprio caráter sem olvidar a ação em prol de

uma sociedade simultaneamente igualitária e livre.

Ivanir de Jesus Henemberg, é professor da Rede Pública Estadual, licenciado em Biologia, Especialista e Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Londrina.

EIS O HOMEM de marco aurélio campos / porto alegre

o pampa gaúcho. estância em Bagé/RS.

a pampa gaúcha. estância em Bagé/RS.

I

Brotei do ventre da pampa
Que é Pátria na minha terra
Sou resumo de uma guerra
Que ainda tem importância,
E, diante de tal circunstância,
Segui os clarins farroupilhas
E devorando coxilhas,
Me transformei em distância.

II

Sou do tipo que numa estrada
Só existe quando está só.
Sou muito de barro e pó.
Sou tapera, fui morada.
Sou a velha cruz falquejada
Num cerne de curunilha.
Sou raiz, sol farroupilha,
Renascendo estas manhãs,
Sou o grito dos tahãs
Voejando sobre as coxilhas.

III

Caminho como quem anda
Na direção de si mesmo.
E de tanto andar a esmo,
Fui de uma a outra banda,
E se a inspiração me comanda,
Da trilha logo me afasto
E até sementes de pasto
Replanto pelas vermelhas
Estradas velhas parelhas,
Ao repisar no meu rastro.

IV

Sou a alma cheia e tão longa,
Onde as saudades rebrotam
Como os caminhos que voltam
Substituindo os espinhos,
E a perda de alguns carinhos
Velhos e antigos afrontes,
Surgiram muitos, aos montes,
Nesta minha vida aragana,
Destas andanças veterana,
De ir descampando horizontes.

V

Sou a briga de touros
No gineceu do rodeio.
Improtério em tombo feio,
Quando o índio cai de estouro.
Sou o ruído que o couro faz,
Ao roçar no capim.
Sou o rin-tim-tim da espora
Em aço templado.
E trago o silêncio guardado,
Do pago dentro de mim.

VI

Fazendo vez de oratório,
Sou cacimba destampada,
De boca aberta, calada,
Como a espera do ofertório.
Como vigia em velório,
Que tem um jeito que é tão seu.
Tem muito de terra… é céu,
Que a gente sente ajoelhando,
De mãos postas levantando
O pago inteiro para Deus.

VII

Sou o sono do cusco amigo,
Dormindo sobre o borralho.
Sou vozerio do trabalho,
Na guerra ou na paz – sou perigo.
Sou lápide de jazigo
Perdido nalgum potreiro.
Sou manha de caborteiro,
Sou voz rouca de cordeona,
Cantando triste e chorona,
Um canto chão brasileiro.

VIII

Sou a graxa da picanha
Na bexiga enfumaçada,
Sou cebo de rinhonada.
Me garantindo a façanha.
Sou voz de campanha,
Que nos lançantes se some.
Sou boi-ta-tá – lobisomem.
Sou a santa ignorância.
Sou o índio sem infância,
Que sem querer ficou homem.

IX

Sou Sepé Tiarajú,
Rio Uruguai, rio-mar azul,
Sou o cruzeiro do sul,
A luz guia do índio cru.
Sou galpão, charla, Sou chirú,
de magalhanicas viagens,
Andejei por mil paisagens,
Sem jamais sofrer sogaço.
Cresci juntando pedaços
De brasileiras coragens.

X

Sou enfim, o sabiá que canta,
Alegre, embora sozinho.
Sou gemido do moinho,
Num tom triste que encanta.
Sou pó que se levanta,
Sou raiz, sou sangue, sou verso.
Sou maior que a história grega.
Eu sou Gaúcho, e me chega
P’rá ser feliz no universo.

PARE! EU CONFESSO de marilda confortin / curitiba


Pare, eu confesso!  Apesar de latir, eu não mordo

como o cachorro-louco. Não me bote na coleira.

Sou uma inofensiva poetisa.

Por favor não me transforme em pedreira.

Pare, eu confesso! Apesar do carma dos olhos azuis,

não sou Helena, aquela professorinha querida,

que tanto amou a poesia

que não sobrou amor pra dar pra mais ninguém.

Pare, eu confesso! Sou só uma indefesa mortal,

condenada a sofrer de prisão de versos,

urticária na alma e incontinência verbal.

Sou portadora desde nascença

de uma doença literária crônica,

um distúrbio compulsivo obsessivo poético

causado por uma discrepância lingüística

que inflama a verve, queima o peito,

estufa o ego,  altera a hipérbole

e enche o sacro santo que todo mundo.

Mas não sou a única, Meritíssimo!

Aqui mesmo, neste mesmo lugar, existem vários sujeitos ocultos

que se provocados, poderão cometer eufemismos coletivos,

cuspir  metonímias sem sentido

e se esvair em hemorragias de metáforas implícitas.

E ao contrário do que dizem os críticos, Meritíssimo,

a farmacologia ainda não inventou uma antítese eficaz

capaz de combater essa catacrese catastrófica.

Todos dias, a milhares de anos,

aparece uma criança, um adolescente normal,

um pai ou mãe de família tradicional,

que de repente se depara com uma noite enluarada

e começar a fazer frases rimadas com nua, sua, rua

e se sentir como se fosse o primeiro homem a pisar na lua.

Não condene os poetas, Meritíssimo.

Eles não merecem essa pena. Carecem é de pena.

Se não forem protegidos, serão banidos, como todos os artistas.

Imagine que triste um mundo sem poesia, sem magia,

sem música, sem atores, sem pintores,

sem um enfeites, sem deleite, sem alegria…

MANHÃ DE NUVENS por otto nul / palma sola.sc

Manhã de nuvens

Permeada de azul

Com raios de sol


O gato passa

Passa o cão

A vida passa


Aqui e ali

Nada de anormal

Nem bem nem mal


O homem trilha

O destino que lhe coube

De modo fatal

x x x

(junho/09 – Outro Nul)

CAIXAS por zuleika dos reis / são paulo

Abro os olhos não para a velha cortina presa pelas argolas de madeira, na janela do quarto, e sim para formidável bloco de tom pardacento revelando-se, imediatamente, conjunto de objetos dos mais diversos tamanhos e espessuras a se expandirem em saliências e reentrâncias para todas as direções. Que espaço é este, que são tais coisas? É minha sala, são caixas e caixotes.  Nem todas as caixas são pardas, há razoável quantidade delas de variadas cores, mas como estas se encontram dispersas, prevalece a impressão de que tudo é pardo. Clara apenas a certeza de que caixas e caixotes servem para guardar coisas, para preservá-las de danos, além de outras funções das quais, neste instante, não me recordo.

Aquela caixinha ali, no topo, na extremidade à direita. Parece leve, levíssima, quase incorpórea. Ergo o braço, seguro-a delicadamente, verifico-lhe o conteúdo: intacto. Fecho a caixinha verde com seu objeto a salvo, reponho-a no lugar, tranqüilizada. Concentro a atenção em um dos caixotes maiores. Mantenho as mãos imóveis, não é possível destacá-lo, muito menos abri-lo, é dos poucos que sustentam o bloco todo. No entanto, ou talvez por isso, ostente na pele a tatuagem: FRÁGIL.

No Norte da sala, completamente encoberto, protegido, o grande vulto que ocupa toda a extensão da parede e que, sem conteúdo durante a Reforma, sói concentrar em seu corpo a sapiência e a poesia de muitos séculos.  No Sul e junto ao lavabo, a velha valise para pequenas viagens. No Oeste, encostada à janela, a cama de armar, de onde acabo de me erguer. Junto a ela a cadeira de balanço, signo da mãe ausente nestes dias, cadeira também envolta, por inteiro, pelos papéis pardos.  As paredes do corredor, outrossim, esvaziadas dos quadros; no seu lado esquerdo, as portas cerradas dos quartos; na extremidade frontal, a Leste, a porta do banheiro principal, igualmente oclusa. Colocando-me ao lado da valise, após a pequena ablução matinal, posso ver pedaços de caixas no solo da cozinha, cômodo por enquanto sem acesso. Os homens da Reforma, que acabaram de chegar, preparam-se para iniciar suas tarefas cotidianas, nos vários espaços da casa. Para além de todos os fragmentos à vista, abre-se o quintal invisível.

Imagino a luz da manhã a se espalhar pelo tanque, pelo armário com seus materiais de limpeza, pela máquina de lavar com as partes à mostra, pelo cesto de roupa suja, vazio neste momento, pelos varais com pregadores ali esquecidos, libertos da carga habitual, pelo barracão, testemunha de antigas reuniões e de encontros furtivos, por ora a servir de hospedaria para móveis expulsos do próprio habitat; luz a iluminar a horta minúscula, os vasos e seus pratinhos com areia politicamente correta, as avencas, as samambaias, cascatas verdes sob as quais vibraram esperanças de cores múltiplas e, por fim, a casinha remanescente do Fidel, que nos deixou há muitos anos, mas cuja foto ainda marca presença em algum velho álbum de família: sua velha e inútil casinha, no extremo esquerdo do terreno, bem próxima do portão dos fundos, por onde entro para molhar as plantas; bem perto também da calçada, onde estão os sacos de lixo.

Invasores ruídos promíscuos, estridências por todos os lados a reverberarem nos tímpanos. Mãos invisíveis a orquestrarem o som das coisas sendo rasgadas, despregadas, tornadas fragmentos de si mesmas; as coisas sendo destituídas da própria história para a instituição de uma outra, desconhecida, na qual já não caberá o conteúdo de nenhuma das caixas, o nenhum conteúdo delas.

MULHERES IDEAIS… de joanna andrade / curitiba

Liberdade desenhada nas temporas ao custo de uma bala perdida coberta com chocolates num filme de bang-bang,

Solução por uma voz em várias, dialogismo bacteriano

– A cena do Adeus nunca dá em nada quando a estaca é zero-

Fuga desenhada no coração parado no dia dos namorados.

Mulheres ideais vestidas de coelhinhas contentes com seus ovos chocos

– Inquérito-

O fluxo da consciência vai alvejar minh’alma, vaga, eclética, insatisfeita e hipócrita.

Veneno solto pelas presas gastas de meus caninos surdos

-sim, estou cheia deste mundo-

Bombardeio de palavras pérolas de meu harbour,

Ao chão, ao longe………..a moça caída, vestida em branco aguarda o choro da cerejeira em flor.

Ao seu lado uma folha em branco criptografada.

“A GUERRA DO PARAGUAI”, ALGUMAS REFLEXÕES – por cleto de assis / curitiba

O autor faz um contra ponto com o artigo, aqui publicado no dia 06/07/09, do professor Mário Maestri, que o leitor pode acessar clicando AQUI.

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Não tenho a profundidade historiográfica do professor Mário Maestri para analisar a sua defesa do Paraguai na questão da Guerra da Tríplice Aliança*. Guardo apenas os ensinamentos ginasiais sobre o fato, que – reconheço – deve ter sido contado sob ângulo dos vencedores, como sói ocorrer. Também umas poucas referências lidas no decorrer da vida,Cleto De Assis - foto delemas que me possibilitaram formar uma razoável opinião sobre aquele episódio. Por outro lado, sou visceralmente contra qualquer guerra, resquícios do cérebro reptiliano do homem, que não encontra outras razões que não a agressão para defender sua sobrevivência.

De certa forma, temos que considerar a aparente fragilidade do nosso vizinho Paraguai diante dos três países que o cercavam e decidiram unir-se para combatê-lo. É característica do decantado caráter cordial do brasileiro ficar com pena do lado mais fraco e defendê-lo. Isso não existe, por exemplo, na alma dos estadunidenses, que matam uma mosca com um só tapa e conseguem se vangloriar com o feito…

Mas está se tornando cansativo o maniqueísmo estabelecido em algumas análises da famosa Guerra do Paraguai, pois não precisamos ser historiadores para entender que aquele conflito teve muitas causas e vários desenvolvimentos. Não podemos, de uma canetada só, acusar argentinos, uruguaios e brasileiros de agressores e usurpadores dos literariamente coitadinhos paraguaios. A começar pelo princípio: quem declarou guerra ao Brasil e o invadiu, nos primeiros anos do conflito, foi o ditador Solano Lopez, figura controversa, a quem muitos paraguaios reconhecem como um tirano. Um assessor seu, o engenheiro inglês George Thompson, destacado oficial paraguaio durante a Guerra da Tríplice Aliança, descrevia seu chefe como “um monstro sem igual”, no pior sentido das palavras. Consta que, no auge da guerra, Solano Lopez teria mandado torturar sua própria mãe e irmãs, por desconfiar que trabalhavam contra ele. Também usava métodos extremos para conseguir a lealdade de seus guerreiros: ameaçava-os com a morte e teria cumprido muitas dessas ameaças. Espera-se que o anunciado Memorial da Guerra da Tríplice Aliança mostre-o como realmente foi.

No contexto histórico da época, no qual o Paraguai se achava permanentemente ameaçado pela Argentina, aquele país mantinha certo complexo de inferioridade em relação a seus vizinhos, além de ter reduzido, com a ascensão da família Lopez ao poder, depois de 26 anos da ditadura de Rodriguez de Francia, o seu proclamado progresso político e econômico. Solano Lopez, deslumbrado com a história da França, quando visitou aquele país para comprar armas e fortalecer-se contra seus vizinhos, subestimou-os e imaginou poder enfrentá-los no braço. Há quem diga, no próprio Paraguai, que suas bravatas somente queriam esconder o fracasso administrativo de sua gestão e da de seu pai, que o antecedeu. E que teria sido advertido pelo próprio pai que não cutucasse os irmãos maiores com vara curta.

Há também que entender que o Paraguai, quando decidiu declarar guerra ao Brasil, tinha no seu fundo histórico quase cinquenta anos de ditadura: 26 de Francia, 18 de Carlos Lopez e os anos iniciais de Solano. Diz a história (contada pelos paraguaios) que Francia, apesar de ser um visionário e ter implantado alguns progressos na vida de seu país, era também um déspota e se espelhava na disciplina e na dureza política de Robespierre, um dos líderes da Revolução Francesa. Como o francês, prendia e matava à vontade.

Infelizmente tenho que compreender o texto de Mário Maestri com um dos que tendem a culpar os vizinhos do Paraguai pelos horrores daquela guerra. Ele diz objetivamente: “Os crimes cometidos contra a população e a nação paraguaias são de exclusiva responsabilidade das classes dominantes brasileiras, como um todo, e das facções liberais argentinas e uruguaias de então”. Note-se que ele concede exclusividade à responsabilidade das classes dominantes brasileiras ou, como se diz atualmente, as “zelites”. Nadinha de culpa às então classes dominantes paraguaias, lideradas por Solano Lopez.

Como tentei mostrar no início desse comentário, guerra é guerra. Ela carrega em seu bojo a morte, a miséria, a injustiça, por mais que os que a defendem como direito sagrado das nações digam o contrário. Depois da vitória, os despojos são divididos entre os vencedores. Assim foi no tempo das cavernas, nas escaramuças medievais e mesmo nas recentes guerras mundiais. Sem querer fazer pilhéria com a pilhagem, o Paraguai até teve sorte de só perder para o Brasil parte de seu território, hoje na mapa do estado do Mato Grosso do Sul. E se perdesse também o seu rio mais importante, dividido com o Brasil desde os tempos coloniais? Estaria hoje sem poder reclamar dos rendimentos da Usina de Itaipu, tanto em termos de energia quanto dos dólares que ela fatura.

Não, não houve justiça, não houve solidariedade entre povos da mesma região. Mas não misturemos as estações. Há que se trabalhar pela justiça social, pela igualdade, pela fraternidade, pela liberdade, princípios que os franceses legaram ao mundo e nem mesmo eles próprio conseguiram alcançar, até hoje. Assim como não houve justiça na revolução soviética, que também deixou um rastro monstruoso de sangue e agressão entre irmãos de uma mesma nação, mesmo com todo o palavreado teórico de Marx, Engels e Lenin.  Mas não podemos identificar as causas apenas na luta de classes, como conduz o texto do professor Maestri. Devemos notar que o coração humano tem muitas facetas, embora seja símbolo tradicional dos bons sentimentos (cordialidade nele se origina).

É preciso, antes de tudo, entender a natureza humana e suas múltiplas possibilidades. Para o bem e para o mal. Dizer simplesmente que classes superiores sempre dominam, exploram e martirizam as chamadas classes dominadas (em geral, as classes trabalhadoras), é puro maniqueísmo. Assim como o é afirmar que somente nas classes trabalhadoras estão “os homens e as mulheres de bem”. Há pessoas de bem por todas as partes. Há pessoas mal intencionadas por todas as partes. Esses dois tipos permeiam as organizações, os partidos políticos, as organizações religiosas, os governos de todos os países. Ninguém é santo apenas por aderir a essa ou aquela ideologia. Mesmo que seja à do nosso agrado pessoal.

Também é fácil dizer que o Brasil e seus colegas guerreiros são os culpados pela sucessão de ditaduras militares no vizinho Paraguai. Tal afirmação significa não reconhecer o passado histórico daquela área da América Latina, acostumado a ditaduras. Repito: somente com três supremos e totais mandatários (Francia, Lopez pai e Lopez filho), foram 52 anos de poder único antes da guerra. Mas o Paraguai teve a oportunidade de retornar à normalidade democrática, se é que ela algum dia existiu naquele país. E, agora, corre o perigo de se tornar novamente uma sociedade totalitária, caso Chávez e Lugo acertem definitivamente seus ponteiros para marcar a hora do chamado bolivarianismo do século XXI.

Entretanto, isso já é pano para outras mangas, que não sugiro aqui nem acolá. As expressões do artigo do professor Maestri já sugerem, sem precisar analisá-las em profundidade, que suas idéias estão totalmente solidificadas nas teorias marxistas que ele deve adotar e dificilmente conseguiríamos um relacionamento dialético para chegarmos a uma síntese, como o ilustre estudioso deve pregar teoricamente.

Mas não aguento mais duas perguntinhas que tenho na cabeça: que tratados espúrios foram feitos em Itaipu, quando o Brasil se responsabilizou totalmente pelos investimentos da obra e deu ao Paraguai a vantagem de, como parceiro exclusivo, utilizar a energia que sua demanda exigisse e receber a metade da fatura da venda da produção? Que terras teriam que ser devolvidas aos camponeses paraguaios que jamais produziram um grão de soja, supostamente tomadas por proprietários brasileiros que adquiriram áreas improdutivas e tornaram o Paraguai um grande exportador do produto? Se há desvantagens para o Paraguai em Itaipu (que, por certo, construiria ali uma enorme usina, caso o Brasil não tivesse tomado a iniciativa), que se discutam todas elas à luz do dia. Se há grileiros patrícios por lá, cadeia para eles, assim como deveria se fazer aqui.

Concordo com o professor Maestri pelo menos em um ponto: a Guerra do Paraguai foi um lastimável genocídio. Consta que o Brasil participou com 400 mil homens, com baixas de 60 mil, por ferimento de batalha ou doenças. O Uruguai, com um efetivo de 5.600 soldados, perdeu 3.100. Já a Argentina, com 30 mil combatentes, perdeu cerca de 18 mil, além dos civis que morreram em função da guerra, nas invasões dos paraguaios ou por doenças, estes estimados em 12 mil. Quanto ao Paraguai, parece que ainda pairam controvérsias, que mostram mortes entre 90% a 15 ou 20% de sua população. Não importa: nenhuma delas se justifica.

Há quem diga, no entanto, que não foram somente os golpes desferidos pelos soldados as principais causas da mortandade. Como nas demais guerras realizadas até o Século XIX, quando a Medicina ainda não tinha descoberto boa parte de seus curativos, as guerras de antanho matavam mais por doenças e por fome, principalmente pela cólera.

Novamente afirmo: não importa. Nenhuma guerra se justifica.

Aculturados pelo boi(-ismo) – por joão batista do lago / são luis.ma

Aprendi com o professor José Nascimento de Moraes Filho (falecido em fevereiro deste ano) que o folkloremaranhense é, JOÃO BATISTA 002possivelmente, se não o mais rico, mas aquele que guardaria a sua identidade mais próxima das raízes populares. E dentre todas, a mais forte manifestação floclórica do Estado é o boi bumbá. Até aí está tudo bem; tudo perfeito.

Infelizmente já não o tenho para um bate papo a respeito deste assunto. Infelizmente! E tenho certeza que, assim como eu, Nascimento de Moraes, também, não iria ficar calado diante de um processo de aculturamento da Cultura maranhense, sobretudo da Literatura.

Ninguém está aqui a negar o valor dos folguedos juninos que tem no bumba boi sua manifestação mais expressiva. Mas reduzir a Cultura e a Literatura maranhenses a essa corrente de boismo é algo desproposital e demonstra que os seus “pregadores” são sujeitos despreparados para o encaminhamento de políticas culturais.

Esse boismo, tipologia de aculturamento, é avassaladoramente prejudicial para o campo das Artes maranhenses.

Aos meus olhos é a reedição pósmoderna do “Pão e Circo” romano: dê-se comida… bebida… e brincadeira para todos…

As outras manifestações artísticas, como a Literatura e a Pintura, por exemplo, estão subsumidas no “campo patológico” desse boismo nefasto.

A maior expressão literária de São Luis, e consequentemente da Cultura maranhense, para se ficar apenas neste exemplo, é a Poesia, mas esta está enterrada nas toadas de bois (infelizmente!), agora elevadas à condição do gênero poético. Quanta enganação! Quanta burrice! Quanta pataquada!…

Urge, pois, a retomada da identidade da culturalidade marânhica. Há que surgir movimentos capazes de represar esse boismo reducionista imbecil e produtor duma geração de analfabetos funcionais.

Penso que, se vivo estivesse, Nascimento de Moraes encamparia mais esta luta por intermédio do Comitê de Defesa da Ilha de São Luis, hoje jogado às traças e carrapatos dos imcompetentes.

———

João Batista do Lago é poeta, escritor e jornalista; fenomenólogo e pesquisador cultural.

AS COBRAS PINTORAS de denise albuquerque e edson salomão / cachoeira do sul.rgs

O médico veterinário Edson Luiz Salomão tem uma clínica para pequenos animais na cidade de Cachoeira do Sul no Rio Grande do Sul onde desenvolve suas atividades e pesquisas e ainda ser o responsável técnico do Jardim Botânico e Zoológico do município. Nesse ambiente, seu filho João Vitor fazia um trabalho para a escola com tinta guache (não tóxica) quando o papel em que pintava caiu ao chão e uma das cobras que “passeava” por ali “borrou” seu trabalho e ainda ficou se contorcendo, em cima, por algum tempo. Para Edson, experiente com tais animais, chegou a dar a impressão de que ela (a cobra) sentia algum tipo de prazer.

Ao encontrar com Denise o veterinário mostrou para a artista visual o que havia resultado do “acidente” com a cobra e o trabalho de seu filho. Daí para frente podemos imaginar o que aconteceu: começaram as experiências como onde colocar a tinta no papel para as cobras se envolverem nelas e partirem para a “obra”. O resultado passou a surpreender a todos que visitam a clínica. Vejam abaixo o “trabalho” dessas artistas da natureza.

DENISE - C0BRAS 8

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DENISE - COBRAS

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DENISE - COBRAS 1

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DENISE - COBRAS 3

A experiência gerou uma parceria entre o homem e o animal. Edson e Denise quando percebem que as cobras grandes não estão se “expressando” de acordo com seus talentos “naturais”, retiram da sala de aula e buscam a ajuda das “menores” para finalizarem a “obra”.

Edson Luiz Salomão:

Formado em medicina veterinária em 1975 pela UFSM (Santa Maria), pós graduado em Zoologia na mesma universidade, é funcionário da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, é consultor científico internacional da revista  A HORA VETERINÁRIA. Responsável técnico pelo Jardim Botânico e Zoológico Municipal de Cachoeira do Sul/RGS. Tem uma clínica veterinária onde atende pequenos animais e animais silvestres machucados, ou apreendidos  pela PATRAN (patrulha ambiental) e pelo IBAMA em toda região central do estado.

Recebeu vários prêmios concedidos pelo Conselho de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul, como:

– Destaque em Medicina Veterinária Saúde Animal em 2002

– Destaque em Medicina Veterinária Saúde Animal em 2005

– Destaque em Medicina Veterinária 2008

Edson Salomão dando mamadeira para um filhote.

Edson Salomão dando mamadeira para um filhote.

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Edson com um gavião recuperado de um trauma na asa.

Edson com um gavião recuperado de um trauma na asa.

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Edson e um filhote de onça órfão.

Edson e um filhote de onça órfão.

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E agora as artistas:

Denise, no centro, Madonna na mão direita e Britney no pescoço. Palmas para elas!

Denise, no centro, Madonna na mão direita e Britney no pescoço. Palmas para elas!

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Denise Albuquerque:

É artista visual em óleo sobre tela, giz de cera, em porcelana e desenhos. Com participação em diversas exposições coletivas e individuais.

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DENISE  ANA MARIA

Denise Albuquerque, Ana Maria Braga e Edson Salomão quando da apresentação ao público do programa MAIS VOCÊ (tv globo) dos “trabalhos” de Madonna, Britney e grupo de ofídeos.

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VÍDEO da apresentação no programa MAIS VOCÊ . COPIE e COLE na sua barra de endereços.

http://video.globo.com/Videos/Player/Entretenimento/0,,GIM1050068-7822-COBRAS+PINTORAS,00.html

OFERTÓRIO – AMOR de jb vidal / florianópolis

estou a oferecer este amor

que nascido desta alma inquieta,

insiste em se revelar,

pra ninfas, putas e madonas

para o universo e o que mais houver,

que sem limites se dá, sem explicações deseja

.

um amor como nem todos,

vigoroso, egoísta e felino,

invejoso, exigente, obsceno,

delirante, inseguro e raivoso,

doce, amargo, cerebrino,

que fere, cura e se expande,

.

um amor que é causa em si mesmo,

completo por saber odiar,

estúpido, sábio e lascivo,

belo e ambicioso mais que tudo,

que arrasa, idiotiza, elucida  e eleva,

porque é limpo, é sujo, é luz, é treva

.

um amor que dissensia

e busca a Pureza,

canta e sofre a beleza do cio,

que lamenta nascidos e mortos,

invoca e deseja os anjos da arte,

abomina e repudia o átomo como parte

Rebelo em verde, amarelo, branco, azul anil… – por mário maestri* / porto alegre


Aldo Rebelo serviu-se de simples proposta de deputados paraguaios ao Parlamento Mercosul para publicar, no poderosoEstado de São Paulo, de 1º de maio, dia internacional dos trabalhadores, desbragada defesa da ação criminal do Império, quando da destruição do Paraguai como nação independente, em 1864-1870. A diatribe foi publicada dias antes da chegada de Fernando Lugo, na procura de rediscussão do acordo imposto pela ditadura brasileira, nos anos 1970, quando reinava no Paraguai Alfredo Strossner, o sinistro ditador morto há alguns anos, em Brasília, em exílio dourado, concedido sem qualquer ranger de dentes.

Rebelo não se opõe a “Memorial da Guerra da Tríplice Aliança” a ser organizado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Indigna-se, porém, com a possibilidade de que tenha como objetivo rememorar o “genocídio levado a cabo contra o povo paraguaio”, que define como “ignomínia contra o Brasil”. Para apoiar sua defesa incondicional da ação do Império contra a pequenina nação, desenvolve desbragada manipulação nacional-patriótica da verdade e do método históricos, ao estilo “verde, amarelo, branco, azul anil….”, dos anos 1970. Nada estranho nos atuais tempos bicudos, se o deputado não se assinasse comunista.

Abraçando o irracionalismo e o relativismo histórico, Rebelo propõe ser impossível escrever história isenta da guerra, pois as análises sobre ela variariam segundo os “autores e as conjunturas”. Fulmina as leituras do “passado com as lentes do presente”, talvez sugerindo que deva ser analisado com os olhos do passado ou do futuro! Defende que, para se ter “conclusões irrefutáveis” sobre “aspectos controversos da guerra”, faltariam sobretudo “muitos documentos a apresentar”. Proposta paradoxal para apoiador de governo que rejeita caninamente a exigência dos historiadores ao direito de consulta de documentos sobre o conflito classificados como secretos pelo atual governo!

O Mal Uso da História

Rebelo empreende igualmente passeio sumário na historiografia do conflito. Sempre apoiado na atual historiografia nacional-patriótica restauracionista, esclarece que as “primeiras interpretações tecidas nos panteões oficiais” – em geral por oficiais das forças armadas – teriam sido sucedidas por “criticismo exarcebado”, que define como “revisionismo infantil”. Fulmina, assim, sem ter a coragem de citar, o estudo Genocídio americano: uma história da Guerra do Paraguai, do jornalista Júlio Chiavenatto, que, apesar de seus indiscutíveis limites, contribuiu corajosamente, durante a ditadura, ao esclarecimento da ação – esta sim ignominiosa – do governo imperial no Paraguai.

Promove paradoxal defesa do imperialismo inglês no Prata, ao propor que o Império Britânico, além de não ter responsabilidades no conflito, teria tentado “pôr panos quentes na desavença”! Destaque-se que, em Cartas dos campos de batalha do Paraguai, o diplomata britânico sir Richard F. Burton [1821-1890] registrou, sem papas na língua, a visão geral das classes dominantes da grande potência imperialista: “Minhas simpatias vão para o Brasil, pelo menos enquanto sua ‘missão’ for desaferrolhar […] o grande Mississipi do Sul.”

Na sua empolgação nacional-patriótica, desatento à própria linguagem – surpreendente para autor de proposta de lei supostamente destinada a proteger a língua portuguesa da ingerência externa –, afirma nada menos do que o “nosso [sic] Império escravista” seria “pacifista”, escamoteando com sua apologia as múltiplas intervenções imperialistas do Segundo Reinado no Prata, entre 1851-1876! Registre-se a paradoxal apresentação do exército imperial como vanguarda da Abolição! […] o Segundo Reinado era pacifista […], e foi a guerra que conferiu a esta força militar fôlego e consciência para se reorganizar e se consolidar como instituição decisiva, a ponto de ser protagonista das rupturas históricas representadas pela Abolição […].”

Para inocentar os crimes realizados na guerra, apoiado em “pesquisadora americana [sic]” – estadunidense, prezado deputado! –, impugna a estimativa de 1,1 milhões de habitantes para o Paraguai, que reduz para 320 mil, dos quais “60 mil” teriam morrido “durante a guerra”. O paradoxal no raciocínio é que, se esses números forem corretos, o Paraguai teria perdido em torno de 20% de sua população! Um verdadeiro e indiscutível genocídio! A minoração apologética extremada da população paraguaia deixa também em péssimos panos o Império que, com mais de nove milhões de habitantes, necessitou de seis anos, dezenas de milhares de mortos e recursos impressionantes para se impor a país, segundo proposto, na época, com uma população menor do que a da província do Rio Grande do Sul – 430 mil habitantes, em 1872!

Guerra entre nós, paz com os senhores!

A avaliação histórica de Rebelo do grande conflito é de relativismo patriótico paradoxal. No conflito, o Paraguai teve suas razões e seus heróis, ao igual que o Brasil. “Cabe-nos”, apenas, “perfilar os heróis de cada lado”, cantando, cada um, paraguaio e brasileiro, loas aos seus feitos patriótico-militares. Os combatentes paraguaios merecem a honra eterna de seus compatriotas”, como “os mais de 50 mil brasileiros mortos merecem e aguardam o reconhecimento plena da Pátria, pois foi por ela e em nome dela que pereceram […]” – propõe o deputado.

Visão que liquida qualquer possibilidade de construção de interpretação geral da história, desde o ponto de vista dos povos e dos oprimidos, ao reduzi-la a realidade de valores e parâmetros essencialmente nacionais-patrióticos, que irmana oprimido e opressores. No frigir dos ovos, Rebelo substitui o grito sintética sobre a falta de contradição entre os oprimidos de todo o mundo, lançado há 161 anos, com a velha proposta nacional-patriótica de que os “proletários e povos de todo o mundo devem unir-se …. sob o mando das suas respectivas classes dominantes!”

Sem dúvidas a “historiografia ainda tem um longo caminho a percorrer” para elucidar todos os aspectos daquela guerra fratricida. Porém, ao contrário do que propõe Rebelo, não há hoje dúvidas, entre os especialistas não dogmáticos, sobre o caráter socialmente avançado do Paraguai, nascido das suas singularidades históricas que deprimiram o surgimento de classes proprietárias e comerciais, ensejando o desenvolvimento de poderosa classe de pequenos camponeses proprietários ou arrendatários, sobretudo das grandes fazendas públicas do país. Principal base social dos governos nacional-jacobinos paraguaios do dr. Francia e de Lopez pai e filho.

Contra-Revolução Liberal

O sentido da Guerra contra o Paraguai explicita-se plenamente após o conflito, quando o país, sob governos fantoches e liberais, foi obrigado a endividar-se para pagar, por décadas, indenizações draconianas ao Brasil e à Argentina e perdeu boa parte de seus territórios em favor desses países. A Guerra constituiu sobretudo espécie de implantação sob as forças das armas, com o apoio indiscutido da Inglaterra, de ordem liberal-mercantil no país. A partir dos anos de ocupação militar pelos exércitos do Império brasileiro, privatizaram-se aceleradamente as fazendas públicas, os ervais, as reservas florestais e constituíram-se grandes latifúndios, em geral propriedades de estrangeiros – argentinos, ingleses, brasileiros, paraguais colaboracionistasetc.

Desde a independência, em 1810, até o fim do sangrento conflito, em 1870, o Paraguai fora caso único de estabilidade política e social na América do Sul. Ao desorganizar para todo o sempre o poderoso campesinato de origem guarani, derrotado e profundamente dizimado durante a guerra, o conflito lançou aquela nação em uma situação de instabilidade e ditaduras militares, permanentes cortejadas e manipuladas pelos grandes interesses econômicos sobretudo do Brasil e da Argentina.

Alfredo Strossner manteve, de 1954-1989, uma das mais longevas, corruptas e desapiedadas ditaduras latino-americanas, ao dar as costas à Argentina e obter o apadrinhamento permanente dos sucessivos governos brasileiros. Foi durante o seu governo que os ditadores em turno no Brasil ditaram as condições draconianas que permitiram a construção da Usina Hidroelétrica de Itaipu Bi-nacional. Fernando Lugo elegeu-se defendendo precisamente uma rediscussão desses acordos espúrios e a devolução parcial das terras arrancadas ao campesinato paraguaio, hoje em boa parte nas mãos de grandes sojicultores brasileiros.

Por uma História e Política dos Povos

Os crimes cometidos contra a população e a nação paraguaias são de exclusiva responsabilidade das classes dominantes brasileiras, como um todo, e das facções liberais argentinas e uruguaias de então. No Brasil, na Argentina, no Uruguai, a população pobre partia, não raro, manietada e tratada como gado, para ir lutar em conflito que literalmente abominava, pois tudo tinha a perder e nada a ganhar na luta contra os irmãos paraguaios.

Na Argentina, os gauchos desertaram e levantaram-se em armas aos milhares contra os governos liberais de Mitre e Sarmiento que agrediam sua autonomia provincial e os direitos nacionais paraguaios. No Brasil, a negativa do homem livre em partir para o Prata obrigou a compra e libertação de cativos destinados a morrer sob bandeira negreira que manteria nos grilhões, por ainda quase vinte anos, seus irmãos. Durante a guerra, os quilombos brasileiros regurgitaram de desertores, que compreendiam que, se “deus é grande, o mato é maior!”

Ao contrário do que afirmam os proprietários das riquezas e do poder e seus intelectuais arrendados, não houve, ontem, como não há hoje, contradições entre os trabalhadores e trabalhadoras, entre os homens e as mulheres de bem das nações latino-americanas. O “Memorial da Guerra da Tríplice Aliança” que devemos construir deverá cimentar a aliança dos trabalhadores, pobres e oprimidos latino-americanos e celebrar o martírio dos populares e combatentes guaranis, brasileiros, argentinos e uruguaios, ceifados no altar dos mesquinhos interesses das suas classes dominantes nacionais.

Mário Maestri, 60, é doutor em História pela UCL, Louvain, Bélgica. Foi preso e refugiado durante a Ditadura Militar brasileira.

SOL em CÂNCER por josé dagostim / criciuma.sc

Romântico como uma brisa que corta o horizonte num brilho vaporoso, entre as nuvens.

O ar sonhador navega pelas ondas, em busca da harmonia de mais um ciclo…

O natural movimenta-se num perfeito espiral e conecta as energias reprimidas, refazendo momentos e reconstruindo as dimensões imbricadas do universo.

A carinhosa estação facilita o estranhamento amoroso que pertence ao inverso das dimensões modeladas, na relação mutua entre o verso e o longínquo mundo da alma. Assim, brilha os sentimentos em abundância e encharca o caranguejo numa busca lenta pelos mangues da existência.

POEMA III de sara vanegas / ecuador

y te he esperado sin rastro

y sin prisa

sobre los puentes y las cúpulas azuladas del verano

a través de los túneles interminables de la noche

en todos los andenes

lejos del mar y sus sirenas

te he esperado en esta ciudad

y en todas las ciudades

mientras la sombra crece sobre mis manos y el viento

es un mensaje ronco sin ventanas

te he esperado de cara contra las vitrinas

en el eco intermitente del teléfono

en los cuadros del Prado

y en las calles

pero más te esperé en las paredes repetidas del Cristal

y puedes creerme:

solo asomó tu silueta tras una de ellas

en el momento exacto en que yo partía

O TORNO ENTORNO/NO JARDIM DE SOFIA (zocha) por lilian reinhardt


Direito e  avesso
lume que evapora dos teus olhos
essa linha divisória  nunca divide
O torno entorno da massa
me argila
Sou a eflúvea entrega da fiação
que te escreve nos vitrais da meação
a própria sílaba calcinada
no ritual de lava-pés sempre inacabado
Sou o teu lado nunca exposto
o beijo oculto que te respira
frente e verso em  tua folha de rosto
sangue misturado
de ermidas longínquas
de coiotes silvados de cerrados capões
de trevas famintas de gargantas alquebradas
meu sangue verte-te ponto sideral
nestes cabelos de milho outrora verdes
em nuanças de trigais maturados
espigas debulham  grãos calcinam
em pedras lavradas sulcadas  pelas tuas águas
que te lava o corpo meu corpo entalhado no teu
vértice das mesmas horas cocção do mesmo breu
entre os anéis dos meus cabelos  em filigranas dores  anelos caligramam  partículas
páginas dos teus!

CEMITÉRIO DE PULGAS por jorge barbosa filho /curitiba

Você sempre quis ser bonita,

Sair bem na fotografia!

Ser muito bem editada

Só pra ficar na fita…

Da sociedade imbecil de Curitiba…

.

Eu tenho amigos

Que querem se matar

Por motivos tão breves,

Mas não têm a coragem de se jogar…

Ou recitar um verso honesto!

.

Ninguém está na minha pele

Para saber se choro ou Rio.

Talvez eu seja São Jorge, São Paulo!

O santo oco quando estou quieto,

Desde o instante que começo vociferar…

.

Não quero ninguém do meu lado!

Pra me dizer que sou o culpado

Pelos milagres dos incompetentes

Do sorriso Largo da Ordem,

Banguela da Boca Maldita.

.

A Rua XV é uma reta

Que me atinge como o cinismo

Da mulher que amo, e sangro!

Tanto, tanto! Até morrer por enquanto…

Por enquanto… Por enquanto…

.

Sou uma sombra vermelha na calçada,

Pisoteada com alegria, dos passantes

Que vem e vão, em vão!!!!!

De lá pra do aqui do aqui mesmo…

Os mesmos…

.

Você fica com este cemitério de pulgas

Pulsando ao teu lado, uhummm!!!

Se coça… desconfio da mulher que roça…

A xota pra fazer cultura…

Aposta!!!!!! Aposta?????

ISABEL GUERRA a madre “SUPERIORA” da pintura / zaragoza.esp

ISABEL GUERRA 11

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Referência da pintura espanhola contemporânea, madre Isabel Guerra é uma pintora hiperrealista, em cujos quadros o tratamento da luz tem especial significado. Alguns tem comparado sua obra com a do pintor holandês Vermeer. Autodidata, iniciou-se na pintura aos doze anos, e, aos 23, ingressou na vida monástica. Vive atualmente em clausura, no “Monastério de Santa Lucía” ,da Ordem Cisterciense, em Zaragoza, Espanha. Para ela,  “pintar e amar a Deus” se completam. O tema de seus quadros é, principalmente, a figura humana: jovens adolescentes -“porque asimilamos la esperanza a la juventud’, em atitudes de serenidade e repouso, mas também pinta naturezas mortas com grande maestria técnica. Autora também de livros, a cada tres anos vai a Madri expor seus trabalhos, que atrai enorme público. Acadêmica de honra da Real Academia de Belas Artes de San Luis e acadêmica correspondente da Real Academia de Belas Artes e Ciências Históricas de Toledo, Isabel começa sua jornada às cinco da manhã e, depois de quatro horas de oração, às nove e meia começa seu trabalho no ateliê de pintura. Este, é o único que diferencia sua vida das demais religiosas do mosteiro, já que estas se dedicam a restaurar livros antigos. A vida no convento serviu para um isolamento sereno das preocupações terrenas. Ela declara estar convencida que o mundo não deve perder as esperanças. Sua obra contém uma mensagem de resistência: “a beleza sendo possível, nem tudo está perdido…” “Mis lienzos buscan ser carta abierta a los hombres y mujeres de este tiempo, cuyas tumultuosas aguas forman imponente cascada que cae sobre el cauce estremecido del tercer milenio… ¡Ojalá pudieran ser carta dictada por el Sol que nace de lo alto! Una carta claramente iluminada por la Luz”. (Isabel Guerra)

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ABAIXO, AGUARDE AS TELAS APARECEREM:

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ISABEL GUERRA 1

ISABEL GUERRA a monja pintora / zaragoza.esp

OS TRÊS GRANDES por hamilton alves / florianópolis

É comum críticos literários considerarem Machado de Assis, João Guimarães Rosa e Graciliano Ramos como sendo o trio de ouro da literatura nacional. E o são, na verdade. Mas Graciliano é o menos destacado dos três. Ou que tem uma obra um pouco inferior em qualidade. “Angústia” é chatíssimo. Segue a linha da estética do século 19. “Caetés” é simplesmente soporífero. Como pode merecer destaque entre os livros do escritor alagoano. “Memórias do Cárcere”, que conta toda a travessia que fez de Alagoas até o Rio num navio de carga, preso pela polícia de Getúlio, é outro livro mal estruturado, que li (não fui ao fim, foi-me impossível) boa parte aos trancos e barrancos. Antonio Cândido deve ter adorado todos eles pelo simples fato de ser correligionário de Graça. E comungar de seus ideais políticos.

Há uma exceção na ruindade da obra de Graciliano e eminente exceção, diga-se. É sua pequena novela de pouco mais de cem páginas, “Vidas Secas”, que Nelson Pereira dos Santos transformou numa das melhores fitas do cinema brasileiro.

Rubem Braga lhe batizou com um nome que pegou – a novela desmontável. Pelo fato que pareceu ao Braga que todos os capítulos separados tinham sua própria autonomia e mais pareciam contos que uma novela.

Outros críticos disseram coisa semelhante.

Acho “Vidas Secas” uma novela perfeita. Tenho uma edição (ou duas) dela. Nem me lembro as editoras (ou uma só editora) que a lançou, com um prefácio (ou posfácio) de Etelvino Lins, que vai ao fundo de sua estrutura.  Ou de sua elaboração lenta, mas cuidada.

No entanto, Graça tinha por ela total desapego. Teria dito mais ou menos o seguinte quando a publicou:

– Não vale nada.

Tal declaração revela quanto um autor sabe pouco ou não sabe nada às vezes da qualidade de seu trabalho. Não foi a primeira vez que um artista fez tal declaração menoscabando sua obra. Van Gogh foi um desses grandes artistas que não tinha nenhuma dúvida sobre a desvalia de suas telas.

– Meus quadros não têm valor. – disse ele (Cartas ao Theo).

“Vidas Secas”, no entanto, já teve repetidas edições. Alcançou um sucesso estrondoso, mais do que qualquer outro livro de Graça.

Coloco essa novela em igualdade com outras famosas: “O Velho e o Mar”, de Hemingway, “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo, e ainda “O estrangeiro”, de Camus, além de outras que poderia citar, de igual estofo.

Em valor literário, essa pequena novela (tipicamente novela, como entendemos ou distinguimos o gênero no Brasil) se destaca na literatura brasileira como, talvez, um acontecimento único. Dizendo de forma diferente, não há outra que se lhe compare, a não ser que se admita que “O alienista”, de Machado de Assis, não seja conto mas também uma novela de poucas cinquenta páginas, como a considero.

Dá impressão ao leitor, ao findar sua leitura, – e o faz com inigualável deleite – que acabou de ler algo em que seu autor se esmerou ao máximo de suas possibilidades para traçar um quadro perfeito de um problema social e regional dos mais pungentes – a seca do nordeste, que dizima há séculos com aquela pobre gente, que ainda hoje, sem nenhuma iniciativa do poder público, sofre seus terríveis efeitos.

Fabiano, Sinhá Vitória e a cachorra Baleia são o triste retrato de uma região desolada pela miséria, pela degradação humana, ao mesmo tempo que, como dizia Euclides da Cunha, revelam que o sertanejo é, antes e sobretudo, um forte.

“Vidas Secas” é um monumento da literatura nacional.

A FALÊNCIA LIBERAL DE ONDE PROVÊM? por walmor marcellino / curitiba

De algum modo, somos vítimas do “paradoxo da informação ideal”, de que nos advertem os filósofos. Sob os interesses de classe (e caráter), tendemos a assimilar a ideologia sociopolítica que nos convenha; e então “nossos compromissos”WALMOR MARCELLINO FOTO 1objetivos e subjetivos desprezam quaisquer informações negativas, contrárias. Dessa maneira a intelligentsia contemporânea poderá afirmar e reafirmar a substância social da igualdade de direitos econômicos, sociais e políticos e a liberdade política concreta para consegui-los, o “idiota privatista” prosseguirá rejeitando o “interesse público” que não aproveite ao seu arrivismo.

Mesmo a produção destrutiva do capitalismo tem (teria?) uma finalidade que a sustém; e assim o sistema capitalista chegou a esta fase AD 2000, em que seu impulso-intenção produtora se liquefaz (naufraga) estrondosamente; com as pessoas que acreditavam na falácia liberal-produtiva (ainda que avassaladoramente destruindo natureza e comunidades) aturdidas no que se vai comprovando sua ”má-fé” ante a sociedade e a natureza ‑ sempre ameaçadas pela “ousadia” e cupidez imperial. Quanto a nós, reputados “imbecis coletivistas”, éramos a um tempo “ignorantes dos fundamentos dessa excelsa liberdade” como induzidos por uma “falácia patética” (sentimentalismo orientado para uma “humanização absoluta” ou simples “frustração ante as realizações alheias”) no desprezo à “única fonte real de progresso”: o próprio sistema capitalista e sua “lógica política liberal-democrático-representativa”.

Não pretendia aqui falar das “grandes virtudes” que, de uma ou outra forma, atraem e condicionam nossas atitudes e comportamento, e sim reconhecer que se consensuam nelas, por mais de 2.500 anos, aqueles “valores sociais” que a cultura eclética capitalista diz ter trazido à convivência no trabalho e na sociedade: a justiça, a coragem, a fidelidade, a compaixão, o amor, a temperança e a prudência, para apenas exemplificar, e não com o escopo de contrapor ao “malin génie” (má-fé intrínseca) de que padece a pós-modernidade.

Sabemos de onde provêm as idéias corretas ‑ da prática social, da experiência científica e da teoria crítica que viemos estruturando ‑; porém “o pensamento politicamente correto” é uma convenção do poder econômico-político, uma falácia alienante jogada sobre o vulgo. Então por que a polidez nos leva a admitir o falaço do provisionado intelectual a babar em nossos ouvidos e a nos reciclar a paciência com essa contumélia filosófica da burguesia?

Sugiro-lhes: não acalentar as burrices e dogmas de direita ou esquerda, de alienados e interesseiros, quando pretendem replicar ‑ ao modelo Fernando-Henrique Collor Cardoso, Gilmar Perlífero Mendes, Olavo Oh de Carvalho ou Diogo Decúbito Mainardi, assim alcunhados, respectivamente, como pelegos políticos: 1 – canhestro sociólogo neoliberal, 2 – jurisproduto e “patife ilustre”, 3 – filósofo fementido e 4 – pensador reciclado ao cotidiano. ‑ no que as práticas econômica, política e científica confirmam.

BAIXA A CRISTA AÍ: vovô era sem terra! – por alceu sperança /cascavel.pr

É curioso esse fenômeno de “ruralistas” com sobrenomes europeus se levantando iradamente contra os sem-terras, enquanto seus filhos, nas universidades, estão fazendo teses de doutorado sobre a brava luta dos despossuídos para superar a miséria. Meno male: pais desmemoriados, filhos estudiosos.

O que eram nossos avós na Itália, senão gente que vagabundeava pelos campos em busca de terras, que já estavam dominadas pelos “nobres”? Por que eles vieram para a América, se amavam tanto seu país? Por que foram aqui tão humilhados pelos proprietários de terras? Por que foram impedidos de tomar as melhores terras, sendo empurrados para as montanhas, como ocorreu no Rio Grande do Sul? Por que eram praticamente escravos em São Paulo?

Porque, minha gente, esses nossos avós eram gente bem parecida com o pessoal do MST, do MLST, da Via Campesina.

Meu bisavô Francesco Carlo Formighieri, pai de vovó Regina, a caçula nascida no Brasil, era uma espécie de camponês sem-terra na Itália. Pior: era perseguido pelo rei Humberto I, o Bom, como perigoso terrorista. Acusação: ele incendiava as propriedades dos aristocratas. Mas ele deu sorte: casou-se com Carolina Rasini Genitrini, cuja família tinha um bocado de terras. É como se o Stédile, digamos, se casasse com uma herdeira da Syngenta.

Mas esse feliz casamento, o sonho de dez entre dez sem-terras italianos, não o livrou do ódio que o rei lhe devotava, por teimar em combater as injustiças de seu tempo. Condenado à morte por enforcamento pelo rei que odiava os sem-terras italianos, Francesco, já com meia dúzia de filhos, mesmo deixando de ser sem-terra e passando a ser abastado proprietário, iria morrer para servir de exemplo aos revolucionários e rebeldes.

A família deliberou que ele viria para a América. Assim, foi para Caxias do Sul formar o Travessão Esperança. Alguns de seus descendentes vieram para Cascavel, onde fizeram coisas como ser o primeiro prefeito, iniciar a imprensa, bolar e construir a avenida Brasil, conquistar o Colégio Wilson Joffre, lutar pelo ensino universitário, trazer a primeira saca de sementes de soja e vai por aí.

Ah, e que fim levou o bondoso rei Humberto, graças a quem estou escrevendo estas mal-traçadas? Foi morto a tiros em 1900, em Monza, pelo anarquista Gaetano Bresci. E nesse dia meu bisavô já estava bem de vida no Brasil…

O sem-terra italiano Francesco, em melhores condições ainda que os avós de muitas outras pessoas que hoje vivem aqui e ostentam riquezas porque suas famílias souberam lhes dar boas heranças, à custa de muito trabalho e sacrifício, tem hoje no Brasil dezenas de descendentes que não precisam acampar debaixo de lonas pretas, nem sofrer a agressão dos mastins da intolerância. Mas os avós desses sobrenomes europeus que hoje circulam nas colunas sociais eram escorraçados como cães nos campos da Itália.

Vindos para o Brasil, foram enxotados para as áreas acidentadas. Os que conseguiam superar as dificuldades eram vistos com inveja, chamados pelo pejorativo “carcamano”, perseguidos pelas ditaduras, indo para a cadeia a qualquer pretexto, apanhando e sofrendo torturas.

Esses avós, posseiros, começaram a prosperidade da região de Cascavel “invadindo” terras e foi preciso que também se levantassem nas revoltas vitoriosas de Porecatu e Sudoeste. Nossos avós, sim. Se pesquisarmos as origens de nossas famílias teremos um pouco mais de respeito pelos sem-terras.

TODAS AS CALCINHAS (um pequeno auto-retrato) – por márcia denser / são paulo

Férias sempre me inclinam à ficção, algo muito mais difícil ou completamente impossível de produzir do que reflexões sobre geopolítica, cultura, comportamento, literatura, sem contar efemérides & obituários – afinal, eu deveria falar de Michael Jackson e Farrah Fawcett, se eu não achasse um verdadeiro pé no saco. Porque se não toca aquele sino interno, se não sinto repercutir o carrilhão de cordas da memória, sai um texto escrito sem emoção, um textoMarcia_Denser_nova constituído antes de enxerto do que de raiz, um texto burocratizado, e o que é escrito sem esforço é lido sem prazer.
De forma que engendrei aí um fragmento de auto-retrato (até porque depois dos 50 a gente já começa a fazer balanços de vida, a escrever para a morte) cujo ritmo narrativo e a linguagem ressoam tão harmoniosamente que o conteúdo em si deixa de ter importância, e isto é ficção.
Sou paulistana de quatro gerações. Meu tataravô, Norbert Denser, foi um berlinense que, em torno de 1850 e por razões desconhecidas, deixou a Alemanha pelo porto de Dantzig, embarcando sozinho num cargueiro dinamarquês com alguns livros, a caixa de ferramentas e uma capa de oleado. Um mês depois aportaria em Santos e num estado de calamitoso orgulho subiria a serra pela estrada de ferro inglesa rumo a condições climáticas mais dignas dum homem trabalhar e constituir família, pois deve ter pensado, intuído: case-se com uma mulher da terra, a terra prometida é o corpo da mulher amada.
Por isso em 24 de agosto de 1865, de acordo com os registros do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, data em que assentou sua banca de ferreiro na Rua de Santo Amaro, possivelmente já estivesse casado com uma das Borba, filha ou neta do bandeirante Borba Gato, aquele da Estátua.
Meu avô paterno – que não conheci – Antonio de Borba Denser casou-se com Carolina Miceli, donde papai, falecido em 1997, assinar Durval Miceli Denser. Contudo eu e minha irmã, Maria Teresa, optamos por um único sobrenome: Denser.  Então retornamos ao velho Norbert lá do começo.
Bom, isso é história, agora, a ficção.
Sou escritora e a cidade é meu campo de ação, minha via crucis, meu altar de sacrifícios, meu refúgio, minha entidade mais secreta. E também a mais pública. Desde tempos imemoriais, a cidade é um símbolo feminino, é mulher, então compreende-se porque as estátuas de deusas-mãe, como a Diana de Éfeso, ostentam coroas em forma de muro. Assim, minha personagem Diana Marini é uma representação de São Paulo. Na novela Welcome to Diana ela dá boas vindas ao leitor (em inglês, posto ser cosmopolita), seu lema é seduzi-lo para melhor devorá-lo!
Aos 24 anos publiquei meus primeiros contos. Era gás puro e duma coragem suicida. As pessoas me olhavam com uma espécie de inescrutável repugnância, não conseguiam me situar. Escrevia duma forma um bocado descarada e, ao mesmo tempo, aquilo era literatura. Nem Clarice, nem Cassandra – o que não deixa de ser um escândalo. Mas eu não ia ficar descrevendo baratas metafísicas, por Deus que não, tampouco defender um moralismo pelo avesso, nem um feminismo de fachada.

Trinta anos e dez livros depois (sem contar as antologias e traduções no exterior, do quê eu acho um saco ficar dando release) continuo odiando qualquer tipo de extremismo e me permitindo qualquer exagero. As pessoas continuam me olhando com uma espécie de inescrutável repugnância.
Afinal não sou rica, nem famosa e nem pilantra como Jacqueline Onassis. Tampouco grande dama como dona Raquel de Queiroz, de fardão e tudo. Apenas uma escritora em processo que já se expôs o suficiente e por várias Grandes Damas e Variadíssimas Grandes Vaconas: aquela que lava todas as calcinhas do mundo.

A casa da MÃE JOANA por vilson antonio romero / porto alegre

Joana I, bela e inteligente, no século XIV, rainha de Nápoles, era considerada protetora cultural de poetas e intelectuais. Casada com seu primo Andrew, irmão de Luís I, rei da Hungria, ficou viúva algum tempo depois ao assassinarem o marido em uma conspiração com a participação da própria Joana. Enraivecido, o irmão da vítima invadiu Nápoles em 1348 perseguindo Joana, que fugiu para a localidade de Avignon, na França. Num palácio onde já haviam morado sete papas, ela se instalou e passou a interferir em tudo na cidade. Resolveu até estabelecer regras para os bordéis de Avignon, determinando que cada prostíbulo teria uma porta por onde qualquer pessoa poderia entrar. A partir disso, cada bordel ficou conhecido como “paço da mãe Joana”, considerada a dona da cidade.

Mais tarde, Joana vendeu a cidade em troca da inocência pela participação na morte do ex-marido. Em 1382, foi assassinada por seu sobrinho e herdeiro, Carlos de Anjou.

Nesta terra de palmeiras e sabiás, a palavra “paço” se transformou em termo mais popular, “casa”, passando a expressão a ser “casa da mãe Joana”. Respeitadas e reverenciadas todas as Joanas, avós, mães, filhas que honesta e dignamente vivem nestas plagas, o que vem a ser a “casa da mãe Joana”? A maioria já sabe: lugar, ambiente onde impera a bagunça, desordem, o descontrole, no qual ninguém e todos mandam, num entra e sai constante, sem regras, medidas e normas.

Na Internet, com este nome, encontramos uma casa de samba carioca na Lapa, um filme de Hugo Carvana, com Paulo Betti, em 2008, um livro do professor Reinaldo Pimenta, entre inúmeras outras citações. E, não exagerando muito, esta poderia ser a alcunha da Casa Revisora do Congresso Nacional, pela situação hoje vigente.

Só neste ano, foram revelados os escândalos das farras das passagens, onde inclusive cotas de senadores falecidos eram utilizadas por familiares, amigos, conhecidos e outros. Depois, todos se assombraram com as quase duas centenas de Diretorias, inclusive a de “check-in”. Agora, o escancaramento dos 663 “atos secretos” que permitiram usurparem recursos públicos em favor de apaniguados e “parentes”, com ligação ou não com os parlamentares e, em especial, com o presidente da Casa. Um infindável rol de beneficiários: netos, sobrinhos, diretores, funcionários pessoais, seguranças particulares, o mordomo da “primeira filha”, afora amigos e correligionários cuja vinculação não é tão evidente assim. Todos aboletados em gabinetes, mansões, apartamentos funcionais, ilhas, fazendas. Com uso liberado e descontrolado de jatinhos, celulares, salas secretas, cotas aéreas… São quadrilhas, camarilhas e famílias tomando de assalto o Senado Federal. E o pior: a gente pagando tudo isto!

Uma sucessão de escândalos quase impossível de ser mensurada, num descalabro nacional inexplicável. Somente medidas de profunda mudança restaurando a transparência, confiança e dignidade ao Senado pacificarão a estrutura que, constitucionalmente, representa, na exata medida, a Federação. Não adianta só mandar embora os serviçais. Os seus superiores também têm de mudar. No mínimo, em postura, atitudes e ações. Não pode se perpetuar a “casa da mãe Joana”. O Senado tem papel relevante e indispensável no Estado Democrático de Direito, e hoje se encontra ferido de morte em sua credibilidade e capacidade de representar os cidadãos deste país.

ANJO GABRIEL de cruz e souza / florianópolis

Na calma irradiação das noites estreladas Alto e claro aparece, alto, aparece, claro, Alvo, claro, no luar das estrelas prateadas,

No triunfal esplendor celestemente raro.

O seu busto de Excelso, a sua graça fina,
A linha de harpa ideal do seu perfil augusto,

Estremecem de luz, de uma luz peregrina,
Do secreto fulgor de um sentimento justo.

Serenidade e glória e paz do Paraíso flutuam-lhe na face alvorecida e doce

E quando ele sorri é como se o sorriso

Claros astros semear por todo o espaço fosse.

Leve, loura, .radial, a soberba cabeça
Eleva-se da flor do níveo colo louro
E não há outro sol que tanto resplandeça
Como o sol virginal dessa cabeça de ouro.

As mãos esculturais, de ebúrnea transparência,
De divina feitura e de divino encanto,
Lembram flores sutis de sonhadora essência
Da etérea languidez e de etéreo quebranto.

Das madeixas reais largo deslumbramento
Num flavo jorro cai, com sagrado abandono…
E sai do Anjo o quer que é de vago e de nevoento
Que lembra o despertar sonâmbulo de um sono…

De alto a baixo, do Azul, desfilando das brumas, abre todo ele em flor como nevado lírio,
Belo, branco, eteral, do candor das espumas, banhado nos clarões e cânticos do Empíreo.

Maravilhoso e nobre ergue no braço ovante um gládio singular que rútilo cintila…

Enquanto o seu olhar de mágico diamante

Aflora em plenilúnio através da pupila.

Que o seu olhar, então, esse, recorda tudo
O quanto há de tranqüilo e luminoso e casto.

Maio de ouro a florir meigos céus de veludo

E a neve a cintilar sobre o monte mais vasto.

Do puro albor astral das asas majestosas

Desprendem-se no Azul mistérios de harmonia…

Entre as angelicais suavidades radiosas
Parece o Anjo Gabriel o alto Enviado do Dia!

Na chama virginal de tão rara beleza
Brilha a força de um Deus e a mística doçura… e sai das seduções de tamanha pureza
Toda a melancolia errante da ternura.

Do suntuoso agitar das delicadas vestes

Tecidas de jasmins, de rosas, de açucenas,

Vem o aroma cristão dos aromas celestes

Todas as imortais emanações serenas…

Transfigurado, excelso, agigantado, imenso,

Na candidez hostial das formas impecáveis, fica parado no ar, levemente suspenso
De raios siderais, de fluidos inefáveis.

Mas quando o seu perfil nas amplidões floresce
E das asas se lhe ouve a música sonora
Quando ele agita o gládio e as madeixas, parece
Que vai noctambular pelo Infinito afora.

E alto, branco, de pé, destacado no Espaço, Eleito das Regiões de estranhas Primaveras,

Traça, com o gládio no ar, alevantando o braco,

Uma cruz de Perdão na mudez das Esferas!

O BOBO e CONTRA-CENA mini contos de raimundo rolim / morretes.pr

O bobo

Era isso o que pensavam então! Então era isso! Pensavam mas nunca falavam. Eram uns esquisitos aquela gente. De onde cargas-d’água tinham vindo? Ninguém sabia dizer nada que prestasse, só coisinhas assim, de nada, bobagenzinhas. Eram palavras tolas, coisa de gente que sabia falar sem saber o que falava. Riam-se. Pelo menos isto faziam, ih, e como riam!!! Pra piorar, as vozes que tinham eram guinchados horríveis, estridentes. Aquilo era nada. Parece que aquela gente tinha saído debaixo do chão. Rotos, sujos e não sabiam nada. Tinham fome, ih se tinham, e bebiam água. E diziam bobagem e riam. Um deles era o representante do resto, aquele que acreditavam ser o bobo-mór, que lhes era igual ou superior. Esse nem ria e nem falava. Observava calado toda aquela indolência hirta. Parecia estar plugado num’outra instância. Pelo menos mantinha os olhos bonitos e serenos abertos; como olhos de hindus. Esse era o bobo deles! Gestos graúdos como os de um ator e de repente, este bastante representante desta choldra, desabou, revirando os grandes olhos especulativos, para se pôr de pé em seguida e à guisa de oráculo, falou-lhes na linguagem das cavernas, ou antes, linguagem de magma. E eles se entreolharam e riram mais uma vez, um risinho bobo, de gente tola, que nem sabia rir de nada. Quando o bobo voltou à tona, isto, é, a si, fez um sinal único e rápido, simples e enérgico com a mão. E logo um raio saltou de banda e levou aquela gente que só ria, ria de nada, riam deles, era uma asneirazinha. Tinham visto numa telenovela uma vez e aprenderam depressa! Só isso! É que o bobo-mór era assim mesmo, às vezes meio temperamental e impunha-se a si a tarefa de limpar a terra de gente que ria, de nada, de bobagenzinhas, gente de grande inutilidade. Depois o bobo sumiu! Dizem que partiu para um certo planalto. Para um planalto central. Para prestar ajuda a muitos, pois reclamava a si o reino da Inglaterra. Ele era a rainha da Inglaterra. Havia visto sua majestade numa capa de revista, na banca da esquina, gostou do traje e a vaidade se lhe afeiçoou. Tomou-lhe o juízo. Passou-se a chamar Dom, Dom Fernando.

Contra-cena

O interesse pelo show era geral. Finalmente a estréia seria dali a duas horas e a imprensa noticiara. Noticiara não; fora bombardeado com exaustivos clichês o grande evento; o megaevento. Os batedores com suas motocicletas se aprontavam em frente ao hotel para abrir alas no trânsito perturbado, nervoso e engessado. Encontravam dificuldades de locomoção, rugiam seus motores e aceleravam, sem que saíssem do lugar. Alguns carros bateram, coisa leve, logo à frente e outros lá em cima no cruzamento e lá atrás também. O trânsito ameaçava transformar-se num caos previsível, aliás, completamente previsível. O astro dentro da limusine aguardava como podia e não deveria ceder em hipótese alguma aos impulsos de gritar e se descabelar. Afinal, já estava “aprontadinho para o show”. Meia horinha de camarim para relaxar e em seguida subir ao palco; seria este o roteiro suficiente. Era o que imaginava. Aproveitou o incidente para ficar ali quietinho e repassar mentalmente algumas letras das novas canções com os novos arranjos. Contava cada passagem, em que rufariam forte as baterias, ali e acolá entrariam os solos da guitarra; o contrabaixo que faria contraponto com o piano, o sax que duelaria furioso com o clarinetista. Os metais entrariam logo depois, na segunda música, e ficariam até a quinta, quando então seria o improviso e ele, o artista principal, poderia tomar um pouco de água e ar. Fazia de conta que não ouvia as sirenes que teimavam em desequilibrar o seu senso e sistema auditivo e nem as muitas buzinas dos bilhares de carros que, parados, aceleravam e aceleravam. Andar que era bom, nada! Ainda bem que o ar condicionado funcionava legal. Apertou um botão e saltaram da saliência à sua frente copos e gelo nos copos, e achou que poderia tomar um grande e bom trago do velho J.D. Não arriscaria um cow-boy pra não ficar troncho antes da hora, pois que o jantar seria servido apenas depois do espetáculo concluído, quando teria convivas especiais. O comandante do trânsito apareceu, de repente, singrando os céus, num helicóptero barulhento, numa última e desesperada tentativa de resgatá-lo e só não o fez por problemas com a seguradora, que informada da situação, alertou que nas cláusulas do contrato firmado entre a companhia e aquele senhor artista, não estava previsto esse tipo de resgate, de acrobacia aérea. Não foi possível e não houve show. Problemas com o trânsito. Foi o alegado. Mesmo porque, ele distraíra-se a esvaziar aquela garrafa e ainda outra que estava sob o banco e bem que poderia errar algumas notas, ou mesmo frases inteiras e já tinha dificuldades em balbuciar o próprio nome, quanto mais fazer o “bis”. Foi a última coisa que pensou antes de adormecer profundamente no banco traseiro da limusine que felizmente, tinha ar condicionado e uma garrafa vazia a lhe fazer companhia.

O PARTO de nauro machado / são luís.ma

Meu corpo está completo, o homem – não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.

Até quando os horrores continuarão a ser chamados de erros? – por eduardo galeano / montevideo.ur

Esta carnificina de civis começou a partir do seqüestro de um soldado. Até quando o seqüestro de um soldado israelense poderá justificar o seqüestro da soberania palestina?

Até quando o seqüestro de dois soldados israelenses poderá justificar o seqüestro de todo o Líbano?

galeanoA caça aos judeus foi, durante séculos, o esporte preferido dos europeus. Em Auschwitz desembocou um antigo rio de espantos, que havia atravessado toda a Europa. Até quando os palestinos e outros árabes continuarão a pagar por crimes que não cometeram?

O Hezbolá não existia quando Israel arrasou o Líbano em suas invasões anteriores.

Até quando continuaremos a acreditar no conto do agressor agredido, que pratica o terrorismo porque tem direito de se defender do terrorismo? Iraque, Afeganistão, Palestina, Líbano… Até quando se poderá continuar a exterminar países impunemente?

As torturas de Abu Ghraib, que despertaram certo mal-estar universal, nada têm de novo para nós, os latino-americanos. Nossos militares aprenderam essas técnicas de interrogatório na Escola das Américas, que agora perdeu o nome, mas não as manhas. Até quando continuaremos aceitando que a tortura continue legitimando, como fez a Corte Suprema de Israel, em nome da legítima defesa da pátria?

Israel deixou de ouvir 46 recomendações da Assembléia Geral e de outros organismos das Nações Unidas. Até quando o governo israelense continuará a exercer o privilégio de ser surdo? As Nações Unidas recomendam, mas não decidem. Quando decidem, a Casa Branca impede que decidam porque tem direito de veto. A Casa Branca vetou, no Conselho de Segurança, 40 resoluções que condenavam Israel.

Até quando as Nações Unidas continuarão a atuar como se fossem outro nome dos Estados Unidos? Desde que os palestinos foram desalojados de suas casas e despojados de suas terras muito sangue correu. Até quando continuará correndo sangue para que a força justifique o que o direito nega?

A história se repete, dia após dia, ano após ano, e um israelense morre para cada 10 árabes que morrem. Até quando a vida de cada israelense continuará valendo 10 vezes mais? Em proporção à população, os 50 mil civis, em sua maioria mulheres e crianças, mortos no Iraque equivalem a 800 mil americanos. Até quando continuaremos a aceitar, como se fosse costume, a matança de iraquianos, em uma guerra cega que esqueceu seus pretextos? Até quando continuará sendo normal que os vivos e os mortos sejam de primeira, segunda, terceira ou quarta categoria?

O Irã está desenvolvendo a energia nuclear. Até quando continuaremos a acreditar que isso basta para provar que um país é um perigo para a humanidade? A chamada comunidade internacional não se angustia em nada com o fato de Israel ter 250 bombas atômicas, embora seja um país que vive à beira de um ataque de nervos. Quem maneja o perigosímetro universal? Terá sido o Irã o país que lançou as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki?

Na era da globalização, o direito de pressão pode mais do que o direito de expressão. Para justificar a ocupação ilegal de terras palestinas, a guerra se chama paz. Os israelenses são patriotas e os palestinos são terroristas, e os terroristas semeiam o alarme universal.

Até quando os meios de comunicação continuarão a ter receios de comunicação?

Esta matança de agora, que não é a primeira nem será, receio, a última, ocorre em silêncio? O mundo está mudo? Até quando seguirão soando em sinos de madeira as vozes da indignação?

Estes bombardeios matam crianças: mais de um terço das vítimas, não menos da metade. Os que se atrevem a denunciar isto são acusados de anti-semitismo. Até quando continuarão sendo antisemitas os críticos dos crimes do terrorismo de Estado? Até quando aceitaremos esta extorsão? São anti-semitas os judeus horrorizados pelo que se faz em seu nome? São anti-semitas os árabes, tão semitas como os judeus? Por acaso não há vozes árabes para defender a pátria palestina e repudiar o manicômio fundamentalista?

Os terroristas se parecem entre si: os terroristas de Estado, respeitáveis homens de governo, e os terroristas privados, que são loucos soltos ou loucos organizados desde os tempos da Guerra Fria contra o “totalitarismo comunista”. E todos agem em nome de Deus, seja Deus, Alá ou Jeová. Até quando continuaremos a ignorar que todos os terrorismos desprezam a vida humana e que todos se alimentam mutuamente. Não é evidente que nesta guerra entre Israel e Hezbolá são civis, libaneses, palestinos, israelenses, os que choram os mortos? Não é evidente que as guerras do Afeganistão e do Iraque e as invasões de Gaza e do Líbano são incubadoras do ódio, que fabricam fanáticos em série?

Somos a única espécie animal especializada no extermínio mútuo. Destinamos US$ 2,5 bilhões, a cada dia, para os gastos militares. A miséria e a guerra são filhas do mesmo pai: como alguns deuses cruéis, come os vivos e os mortos. Até quando continuaremos a aceitar que este mundo enamorado da morte é nosso único mundo possível?

WILLIE “BIG EYES” SMITH no JOHN BULL – curitiba

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SENTENÇA de um juiz BRASILEIRO – juiz rafael gonçalves de paula / palmas.to

JUIZ DE PALMAS – TO

DESPACHO DE UM JUIZ DE DIREITO DE PALMAS,TOCANTINS

A Escola Nacional de Magistratura incluiu, nesta terça feira (30/06), em seu banco de sentenças, o despacho pouco comum do Juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3a. Vara Criminal da Comarca de Palmas, em Tocantins. A entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha , detidos sob acusação de furtarem duas melancias:

DECISÃO
‘Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha,que foram detidos em virtude do suposto roubo de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr.Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
“Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito Alternativo, o furto famílico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)…
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia…
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra…
E aí? Cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas. Não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir…

SIMPLESMENTE MANDAREI SOLTAR OS INDICIADOS… QUEM QUISER QUE ESCOLHA O MOTIVO!”
Expeçam-se os alvarás de soltura. Intimem-se’.

RAFAEL GONÇALVES DE PAULA
Juiz de Direito