Arquivos Mensais: outubro \31\-03:00 2008

ASAS DE NIETZSCHE poema de bárbara lia


A essência da felicidade é não ter medo.
(Nietzsche)

Em urdidura silenciosa
escondem o pássaro
no crânio branco
-arapuca tétrica-
caveira fria.
Asas em valsa
coloridas de raios
que entram pelos olhos vazados,
e aquecem feito o fogo
e as papoulas
da primeira primavera.
Asas de pluma se ferem
no osso-cárcere, sangram;
asas metafísicas
voam céus de sempre.

O POETA LUÍS SERGUILHA lança livro em SÃO PAULO

dois PALAVREIROS DA HORA estarão presentes neste encontro: os poetas BÁRBARA LIA e JAIRO PEREIRA.

JOSÉ ANTONIO DE LIMA e MAZÉ MENDES PRONTOS PARA ABRIR A EXPOSIÇÃO EM KOBE/JAPÃO

         josé antonio de lima e mazé mendes, em KOBE/japão. ambos tem página exclusiva neste site. (veja no topo).

 

Francisco Faria, José Antonio e Mazé Mendes participam da exposição O Caminho Unido pela Arte, que entra em cartaz dia 1º de novembro e segue até 7 de dezembro no Museu de Arte da Prefeitura de Hyogo, no Japão.

Cada um dos três paranaenses terá a sua produção exposta em uma sala individual do museu – e isso é relevante. Faria, José Antonio e Mazé farão individuais em um dos mais importantes museus do mundo (leia mais em quadro nesta página).

Essa inserção de alguns dos mais destacados nomes das artes pláticas made in Paraná no outro lado do mundo é fruto de uma espécie de intercâmbio.

Em junho deste 2008 (centenário da imigração japonesa no Brasil), artistas nipônicos exibiram trabalhos no Museu Oscar Niemeyer (MON). E, como desde 1970 há uma parceria entre o Paraná e a província de Hyogo, agora se fez a hora e a vez da troca.

O curador do museu japonês, Koichi Kawasaki, analisou portfólios de inúmeros artistas locais e o trio Faria, José Antonio e Mazé foi eleito para expor no extremo oriente.

 

————————————–

                        o artista josé antonio trabalhando em suas instalações.

 


 

SESC-ITAJAÍ convida: Lançamento do livro DE CONCHAS E DE CLARICES

Coleção Caderno de Autoria.

 

O Livro foi desenvolvido durante as Oficinas de Formação de Escritores no SESC e contou com a

assessoria e organização da escritora Telma Scherer.

 

Data: 03/11

Local: Teatro Municipal de Itajaí

Horário: 21h

 

*** Entrada e distribuição do livro são gratuítas ***

 

Apresentação:

 

 

Telma Scherer

  

 

            O leitor pode aproximar este Caderno do seu ouvido. Não há perigo. Aí dentro da concha mundo em que habitam os seus autores, há música de mares, canções suaves, vôo de joão-de-barro, chorinho, calor de amor rompido, gargalhada, suor, palpitação de marinheiro e folia de gatos. Principalmente, folia, linguagem que quer a festa de ser linguagem. Esses sons, tematizados em alguns trechos metaliterários, surgiram em meio a boas risadas, intensidade de trocas e concentração de interesses, nas 30h de oficina do Programa SESC de Formação de Escritores.

            Com muito prazer e boa prosa, sempre de bom-humor, o grupo se reuniu e dividiu experiências. Alguns já se conheciam profundamente e integram juntos a equipe do Clap!, uma publicação alternativa totalmente gerenciada por eles. Rômulo Mafra, Daniel Rosa dos Santos, Deborah O’Lins de Barros, Seba e Rafaelo Adriano já passaram pelas páginas do Clap!. Rômulo Mafra, sempre divertido e picante, escreve ao sabor do bom-humor, gerando estranhamento pelas conexões insólitas. A jovem Deborah se descobre a cada verso, sempre pronta para questionar e aprofundar a reflexão em suas logopéias. Seba demostra um domínio acurado das técnicas de composição, além de um farto leque de leituras, o que torna sua escrita um produto pronto e bem-acabado. Já o Daniel Rosa dos Santos, experiente contador de histórias, criador teatral e observador dos mundos paralelos, traz à tona uma prosa madura, polifônica, rica em material humano. Rafaelo, como é de se esperar em um bom músico compositor, experimenta a linguagem e seus efeitos sonoros, brindando-nos com a performance das suas criações. Outros autores, mesmo os não diretamente ligados a essa turma do Clap!, talvez já tenham passado pelo Sarau Benedito, outro ponto de confluência e influência do grupo, que está sempre pronto a iniciativas e debates sobre a inserção da literatura no meio cultural de Itajaí. Todos, enfim, se envolveram e cresceram juntos, traçando por vezes diálogos entre o cinema e a literatura, como nos casos de Lallo Bocchino e Tetsuo Takita, que expuseram ao grupo suas produções. Ambos trabalham com roteiro de cinema, porém desenvolverm o conto e a poesia, respectivamente, com a mesma qualidade que se pôde conferir em vídeo. Já Maria Docelina Singoski, cujo foco como autora não é tanto o da ficção, mas o livro técnico na área da saúde, acabou por conhecer e praticar um novo relacionamento com a escrita, oferecendo um poema ao Caderno. Mariângela Botelho Franco, escritora-jornalista publicada duas vezes em livro individual, fez da casa do João de Barro o lugar ímpar do desbravamento de gêneros, e se mostrou muito afinada com a prosa. Há que se ressaltar a verve nova e implacável de duas jovens autoras (Michelli Dias e Larissa Lopes) que, antes mesmo de completar maioridade, destacaram-se em criações renovadoras, que chamam a atenção pela seriedade com que encaram os enigmas da poesia e o domínio na arte de produzir imagens. Ambas são revelações desse Programa que, oxalá, inda darão muito a ser lido. Odécio Adriano, progenitor do Rafaelo, revelou-se um bom poeta, trazendo belas imagens em dois textos curtos que compõem esse volume. Cláudia Regina Telles, artista interessada em múltiplos suportes, do teatro às artes visuais, esteve sempre atenta à teoria e à investigação de possibilidades, revelando na produções que se verão uma escrita já amadurecida e qualificada.

            Tanta diversidade de enfoques, perspectivas e referências contribuiu de maneira significativa para que as horas de oficina se tornassem um ambiente bastante fértil. A motivação central, no plano teórico e prático, era a de repensar aspectos estruturais da poesia e da prosa, colocando os gêneros em diálogo e revelando suas fusões. Aí se leram os clássicos preceitos de Ezra Pound no ABC da Literatura, procurou-se construir um referencial teórico básico acerca do ritmo, da metáfora e das imagens poéticas. Esse conjunto de observações, retiradas tanto de Pound quanto de autores como Bandeira e Paz, foi aplicado a trechos de prosa contemporânea e a uma vivência autoral que extrapolou os preceitos tradicionais que separavam um gênero e outro. Aí é que entram as Clarices, citadas acima. É que no centro da concha, lá dentro, no escuro mais escuro dos seus mistérios, vive uma Água Viva, algo explicável somente pela paixão: seiva que faz brotar, e brota, múltiplas reescrituras.

 

 

 Escritores:

 

Deborah Barros   (Palvreira da Hora neste site)

Rômulo Mafra

Cláudia Telles

Larissa Lopes

Daniel Rosa

Seba

Maria Docelina Sinigoski

Lallo Bochino

Mariângela Franco

Michelli Dias

Tetsu Takita

Rafaelo Adriano

Odécio Adriano

 

Produção:

Marcelo Morais
Setor de Cultura
SESC-Itajaí-SC
Fone: (47)3349-4096 / 9946-3388

BRASIL: O PAÍS QUE A CRISE NÃO ALCANÇA E SOFRE DE VERGONHA INTERNACIONAL! pela editoria com muita vergonha!

 

Os PALAVREIROS DA HORA através do PALAVRAS, TODAS PALAVRAS, solidarizam-se ao mesmo tempo em que DENUNCIAM à COMUNIDADE INTERNACIONAL as atrocidades cometidas pelas “autoridades” da nação investidas pelo manto da impunidade, crueldadade, ignorância, coadjuvantes de interesses escusos, mesquinhos e estelionatários de um grupo de “CORONÉIS” que ainda se sentem donos da capitania.

O povo brasileiro não se calará senhores governantes que envergonham o nosso país!

 

 

 

DOCUMENTO DA COMUNIDADE TUPINAMBÁ

Para: Autoridades, imprensa, parceiros, aliados e amigos.  

 

A comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, no município de Buerarema (sul da Bahia), é uma das maiores produtoras de farinha na região. Aqui vivem 170 famílias que trabalham dignamente. Temos uma organização bastante forte e somos conhecidos pela nossa hospitalidade, pelo nosso trabalho e pela maneira que tratamos e respeitamos a nossa terra sagrada e dela tiramos o sustento para cerca de 600 pessoas que aqui vivem. Produzimos, além da melhor farinha do Brasil, muitos dos seus derivados (beiju, goma, puba, bolos, pão, etc) e cultivamos banana, abacaxi, feijão, milho, inhame, abóbora, frutas diversas, girasol e muitos outros produtos para nosso consumo e para abastecermos toda a região.

 

Hoje a nossa comunidade está bastante indignada e revoltada com a ação da Policia Federal e mais ainda com a negligência da Fundação Nacional do Índio (Funai). A Funai até agora não resolveu o problema de nossas terras, mesmo tendo um prazo para encaminhar esta solução. Ela não cumpriu a sua obrigação e causou todo este problema com as nossas comunidades. Entedemos que a grande culpada por tudo é a Funai. Exigimos do Governo Federal que tome uma solução urgente para evitar que uma situação como esta volte a ocorrer com o nosso povo.

 

Quanto à ação da Policia Federal em nossa área, mesmo cumprindo ordens, foi vergonhosa, violenta e covarde. A começar pela ação do dia 20 de outubro quando entraram em nossa área escondidos sem comunicar nada a Funai e nem a nossa comunidade. Quando nós os questionamos e os convidamos para ir para sede conversar com representantes da Funai que ali se encontravam, eles aceitaram. Depois, no meio do caminho eles nos atacaram covardemente e tiveram a coragem de dizer que fomos nós que os atacamos. Uma pura mentira.

 

E o que podemos dizer da ação do dia 23, quando uma verdadeira operação de guerra foi montada para prender o nosso cacique? Agrediram nossas crianças, atiraram bombas, quebraram nossas casas, tomaram nosso instrumentos de trabalho, roubaram nossa comida e agrediram os nossos velhos. E ainda mentiram para a sociedade dizendo que nós tínhamos armas, se nós tivéssemos com armas de fogo, como eles dizem, a gente ir se defender com pedras, budurnas e lanças? Eles nos acusam e querem prender nosso cacique por dano ao patrimônio público, mas quem foi mesmo que destruiu o patrimônio público? Fomos nós que nos defendendo da agressão covarde dos agentes da PF, reagimos e destruímos seu carro? Ou foram eles que destruíram toda nossa aldeia, destruíram os carros que prestavam serviços a nossa comunidade – como o transporte escolar -, invadiram nossas casas quebrando as portas, janelas, telhados, camas, nossos móveis, comendo nossas comidas, destruíram nossos arquivos escolares, documentos dos alunos, a nossa merenda escolar, tomaram o nosso leite do fome zero – que é destinado às nossas crianças – e queimaram nossa roça de cacau? Quem realmente destruiu o patrimônio público?

 

Pedimos a sociedade regional, aos nossos parceiros, a entidades de defesa dos Direitos Humanos, a todos aqueles que podem nos ajudar, que divulguem a verdade, repassem e  cobrem providências. Que as providências sejam tomadas  para que os culpados por esta situação sejam punidos. Que a Policia Federal seja responsabilizada pela ação covarde que realizou junto a nossa comunidade e  quem os autorizou a realizar tal operação.  Que a Funai o mais urgente possível providencie a publicação do relatório de identificação do nosso território e demarque a nossa terra.

 

Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro

Serra do Padeiro, 24 de outubro de 2008.

 

 

————–

 

 

——————–

 

 

—————————-

 

 

——————–

 

ODE AO RIO IGUAÇU poema de jairo pereira

 

 

Meu rio contido em usinas

florestas submersas no seu pensar

de rio

florestas histórias almas

repetidas

o mar te chama

chegarás com outras companhias

eu fico aqui benzendo teus adereços

de rio

peixes translúcidos pedras &

limos

Te habitam hoje meu rio

outros homens

e outras mulheres

cidadelas de sem-terras

Te habitam crianças de pouco-saber

sobre ti

banham tuas águas e sonham pro

futuro as pequenas almas

                                               Comigo aprendestes a poesia

                                               de pés no chão e olho nas estrelas

Contigo aprendi o viver azul

de tuas águas

Nosso caso a mesma ira santa

dar o melhor de nós

pra vida

Eu poesia e convulsão

de linguagens

Você  peixes difíceis

de se pescar & o empírico

de suas águas.

 

 

 

jAiRo pEreIrA

Autor de O antilugar da poesia

e outros.

 

A SENTENÇA poema de nauro machado

Ó solidão, minha mãe
em toda parte do corpo,
meu escaler sem esperança
no oceano dos naufrágios.

Só as árvores estão vivas
no meu espírito que é morto.
Ó sinos, pombas errantes
no bronze da eternidade!

Remai, tempo de amargura,
às praias sem amanhã.
Ó solidão, minha mãe,
medusa erguida sem pai.

O POETA ALTAIR DE OLIVEIRA convida para o lançamento de seu livro O LENTO ALENTO

 

 

O EVENTO:

 

No dia 30 de outubro de 2008 (quinta-feira), a partir da 20hs, o poeta curitibano Altair de Oliveira estará lançando o seu quarto livro de poemas “O Lento Alento” no espaço cultural Alberto Massuda (também restaurante – http://www.albertomassuda.com.br), à rua Trajano Reis, 433 – Centro histórico de Curitiba (Próximo ao Shopping Miller). Na oportunidade em que se poderá obter o livro autografado, haverá um pequeno coquetel e alguns poemas serão declamados. Os livros do poeta “O Lento Alento” e “O Embebedário Diverso” podem também ser adquiridos nas Livrarias Curitiba e em livrarias de algumas principais capitais do país (São Paulo, Rio de Janeiro, BH, etc ). O Lento Alento, que foi editado em maio deste ano, já foi lançado em Belo Horizonte e Campo Grande e que também está sendo vendido pelo correio já tem mais de 300 exemplares vendidos.

O livro, que reúne a produção poética do autor dos últimos 12 anos, tem capa da artista plástica Alzira Cardoso Marques de Brasília e celebra também 30 anos da publicação do primeiro poema do autor.

 

 

O autor:

 

Altair de Oliveira nasceu em Panorama-SP em 1961. Foi criado no noroeste paranaense (Xambrê) onde estudou, escreveu seus primeiros versos e trabalhou na lavoura até os 17 anos. Em seguida, mudou-se para o centro-oeste onde permaneceu por 10 anos (Dourados e Campo Grande, Cuiabá, Goiânia e Brasília). Fez suas primeiras publicações, (Fases, 1982 e Curtaversagem ou Vice-Versos, 1988) e freqüentou o curso de direito até o sétimo semestre. Em 1988 mudou-se para Curitiba-PR, onde trabalha como técnico em telecomunicações. Morou em várias cidades do Brasil e também no exterior (Alemanha, Venezuela, EUA, Nicarágua, Bolívia). Publicou seu terceiro livro de poemas “O Embebedário Diverso em 1996”, com uma segunda tiragem em 2003. Escreveu alguns contos esparsos e resenhas literárias, publicados em antologias e diversos jornais do país. O lento alento é o quarto livro de poemas do autor e reúne seus escritos de 1996 a 2008.

 

 

 

DOIS POEMAS:

 

 

EX-CRAVO, ESCREVO…

 

A musa quando me usa

Me ativa como cativo,

Um serviçal obtuso,

Um apaixonado de ofício.

Eu me dôo todo por ela,

A bela que me escraviza.

Eu me dôo todo à ela,

Tentando mostrar serviço.

Mas sei que sempre me esnoba

E me rouba a alma e o viço.

Me deixa pedindo esmolas,

Me imola num sacrifício…

 

Altair de Oliveira – In: O Lento Alento

 

 

 

HERÓIS & DIAS AMENOS

Temos que a vida não dói.
– Viver é tudo que temos!
Ao menos somos os heróis
Da história que nos fazemos.
E, enquanto o tempo nos rói,
Tecemos planos de engenhos…
Vamos em busca de sonhos
Usando de asas e de remos.

Galgamos sobre o passado
Buscando os dias amenos
Tememos sobre o futuro
Que nem sabemos se temos
Jogamos os nossos melhores
Tentando ganhos pequenos
Treinamos poses de heróis
Da história que nós queremos!

 

Enfim, nós somos assim:
Restos de tudo que fomos
Mas sempre somos heróis
Da história que nos contamos
Nos cremos por maiorais
Que, ao certo, um dia seremos
Morremos sempre no fim…
– Fingimos que não sabemos!

 

O QUE JÁ DISSERAM DELE:

 

 

Poeta de fundo de quintal é uma “pinóia”… Altair é um baita de um poeta mesmo!! Adorei os seus escritos !! Maravilha!!  Rosália, poeta de Teresina – PI.

 

Este “O Lento Alento” é cativante. Instiga e convida a um passeio pelo mundo do poeta Altair, que consegue fazer das palavras um novelo e brinquedo, com que vai tecendo as suas tramas.  E enquanto brinca de construir palavras e desconstruir idéias, vai-nos envolvendo, com toda sutileza, em uma cumplicidade com os anseios, medos, tropeços e amores do homem sensível e perspicaz, que são os medos, tropeços, anseios e necessidades de amores de todos nós. Márcia Píramo, psicóloga e escultora mineira.

 

Parabéns ao poeta que com sensibilidade e humanidade ímpares consegue trazer ao espaço da poesia um assunto tão árido do cotidiano. Altair, seu poema rompe com o silêncio e a desesperança e denuncia lindamente o pó sobre o sonho…um sonho coletivo! – Maria Lúcia Camargo, professora universitária, Santos-SP.

 

Fiquei fã do Altair  no primeiro momento e,  na primeira linha do primeiro poema dele que li!  Luzia Aparecida, professora de Literatura Cuiabá – MT.

 

A pessoa que lê sem responsabilidade será mais ainda equivocada se não mudar a sua atitude frente aos versos do Altair. Verá  à sua frente estalar o chicote da verdade vibrante em síntese e originalidade e, molhando os dedos distraidamente feito bobo, virará as páginas. – Gutemberg Honorato de Moura,  poeta de Campo Grande-MS – sobre o livro “Curtaversagem ou Vice-Versos”.

 

Mas os caminhos poéticos que trilha o Altair são de uma beleza rara. No meio de tanta bobagem, de tanta incompetência, de tantos lugares comuns, de tantas rimas pobres, a sua poesia se destaca por ser tecnicamente bem feita (ele burila as palavras até encontrar lugar e colocações certos) e sua temática também alcança uma serenidade muito interessante. O poeta brinca muito com estas bem ou malditas palavras, mas é uma brincadeira que se transforma em obra de arte que, infelizmente, no Brasil e no mundo é valorizada por poucos: seus leitores são apenas “uns gatos-pingados-de-ouro”, como diria José J. Veiga, escritor brasileiro realista fantástico. – Antônio de Pádua e Silva, jornalista e escritor, sobre o livro “O Embebedário Diverso”.

 

O poeta usa como sua maior aliada a sensibilidade. Ser sensível a ponto de transformar angústias, medos, amores, festas, luas, vinhos, heróis, e outros assuntos, em poesias que nos levam à introspecção, ao riso, à alegria, à dor e a outros sentimentos, é dádiva de poucos. Altair, brincando muitas vezes com as palavras, sobrepondo umas às outras, consegue nos passar mensagens num conjunto de belas e tocantes poesias. –  Austregésilo Carrano Bueno, escritor, autor de “Canto dos Malditos”.

 

Inebriado li o “Embebedário”, que é de água-da-vida, como um poema único, cujos títulos funcionam como pausa para os nossos suspiros. Respirei “Estela”, aquela que borda sonhos enquanto dorme, para acordar poema dentro da gente. É um abusado esse Altair, porque tem nome de estrela, pensa que pode fazer jogos-de-palavras e deles tirar o som que todo poema devia ter: musicalidade. E quando “setêmbrias” vier, e a primavera se fizer nos amanheceres, o poeta será encontrado fazendo o longo poema que nunca acaba. – José Marins, poeta curitibano, autor de “Fazendo o Dia” e “Poezen”.

 

Quando meu pai escreve às vezes ele parece até uma criança brincando com palavras… Mas quando a gente lê o que ele escreve, aí  são as palavras que parecem querer virar crianças para brincar com a gente. – Shaula de Oliveira, curitibana,  filha do autor.

“MEU DOCE VALIUM STARLIGHT” por maicknuclear

“Um ósculo de latrocínio. De uma puta depravada. Deito sonhos em cigarros e anéis com câncer. Deixo florais em valas sem jarra.

Nem as putas nos compreendem a anestesia! Nem Freud explicaria esta fuleiragem sitcom de não saber que após exorcizar mil demônios cada um traria mais sete amigos bandoleiros para resolver a treta…
Mas firmeza. Profissionais não podem ser atingidos……..
……A edição romântica de uma vida cheia de promessas falidas e sonhos furados. Um espetáculo sem platéia, um show sem público, um camarim sem artistas, uma van sem groupies para lamber-nos a virilha, um blog sem comments onde vou lapidando-me a base de frustrações dilacerantes, violência exacerbada e um frio desespero por mais um gole cortante de vida. Sem leme. Em um dos sete mares de Cabaços e Descabaçadas que levam-me pelo braço, como uma acompanhante profissional, à um niilismo suicida e esperançoso. À mescla de Eu Posso o Que Der na Telha e “Você não pode, pois não se encaixa nos padrões” que excita meu velho, inativo e incomensurável ódio, pois a confirmação de um dia frio para uma raça de sangue quente não é lá a melhor notícia do mundo.
Não! Não me incomodo em acender um rojão de doze estrelas pipocantes dentro do elevador que agüenta no máximo oitocentos e cinqüenta quilos, sorrir sardônico pro reflexo ao lado, apontar o artefato para a câmera que tira toda minha segurança e dizer abafado, protegendo os olhos com um dos braços: “Herege, eu?! Culpe a prosa poética, porra, pois juro que sou normal” – ou ao menos acredito piamente nisso.
…”BOOM”. Você já viu estrelas? Pois ultimamente nem tenho olhado pra cima! Em meu mundo não vejo (e só enxergo) meu umbigo. Mas este show de horrores que os outros costumam chamar de vida me obriga a abrir Pandora Box toda madrugada, sem dó nem piedade…
….Parcimônia e serra-elétrica. Láudano e leviandade. Toda a poesia do mundo em um só clique nesses portais recheados de Nada. Antenas que não colaboram com minha sintonia. Mato de coelhas que não caem de boca. Psico na mão de Pata. E a certeza de que os dias nunca serão melhores.
Todo dia esquartejo deus com uma faca de plástico de festa de criança. E toda noite encontro meu sossego sísmico, altamente abalado, no fato destruidor de saber que não me encaixo completamente em nada. Esse fato pulverizador, de não ser de laias, que me joga calado nos cantos dos eventos, vendo tudo que é mortal improfícuo sendo confundido com um deus da maioneze, mas não vem ao caso!… Tem gente subindo pedestais de escada rolante e ainda tem a audácia ignóbil de confundir Status com Divino, Amizade com Talento e meu Dom com porra nenhuma. Mas foda-se, pois se Joyce é Deus, eu sou Jim Carey…(Herege, eu?! Culpe a prosa poética, porra).
Os que realmente me conhecem sabem que sou ácido por natureza, largado por opção e um maldito paradoxo nato. Mas minhas letras andam sentimentalmente lúgubres e isso é péssimo sinal – pois ando até disparando em alvos civis durante meus surtos psicóticos. Na verdade, não perdôo nem os coelhinhos quando “tô com a gota” -. E assim, do meu jeito, eu vou. E continuo indo. Mas conto com a esperança que jaz baleada no porta-malas e com a capacidade que a vida tem em ser irônica, para amortizar a peçonha alheia quando as coisas começam a ir bem e os garranchos tornam-se cada vez mais potentes enquanto assisto o pica-pau e penso no próximo rabo onde depositarei todas minhas duras derrotas. O amargor de minhas tristezas lúdicas. E as gafes que não cometi. Para depois ganhar a rua, manter o fudismo de meia tigela vivo ao levantar o zíper com asco e voltar para o cúmulo da solidão corrosiva, onde guardo ursinhos sem pelúcia. E ouro sem kilate dentro de um quadrado azul.”

ANGELA poema de jorge barbosa filho

angela

 

essa moça

quando canta blues

lembra a leveza

de um zagueiro

do Bangu.

 

e quando canta

leva a certeza

de um drible de língua

e um beijo

por de baixo das pernas.

 

 essa moça canta

uma partida

de um amor perdido

mas no último minuto

 ganha-o no grito.

ESCATOLOGIA POÉTICA poema de jean narciso

A esperança alfabetizada lê o futuro obituário da raça humana
Sentada à mesa vê a biblioteca enfileirada fotografias mísseis
Tropas roubam os glóbulos vermelhos e brancos
Arrancam com uma metralhada a vida
Entrega a terra seres que agora são coisas que amavam serem seres
A esperança se deplora e não coaduna com nada disso.
A suástica mudou de continente quer empilhar homens mulheres crianças
Quer ver o sol cegar-se com o ácido do sangue
E virar as costas para os dias fúnebres
A custa da pá solitária do vento.
As cruzes serão poucas para arcar com um epitáfio do custo da queda humana.
As cruzes se esvaíram um espírito criminoso queimou sozinho.
As árvores do pulmão das cidades das províncias e do mundo.
Sequer teremos água para lavar a coisa que habitava a alma,
Teremos apenas um meio fim
O Princípio aguarda desolado à reação do verbo.

 

AO REVÉS poema de delinar pedrinho


 

Combinado amor e sentimento de abandono

 

Surge uma grande confusão no âmago, na razão e na relação a dois

 

Uma declaração as avessas, um reclame de amores rejeitados

 

(Se eu não estivesse com ela sua amiga beijaria você agora)

 

É,  mais apesar do desamparo momentâneo e eterno da Monaliza, eu a tenho com devotamento irrepreensível

 

Desamparar desamparou

 

Entender não entendeu

Quis você…, de pronto não veio

 

Concebes por acaso que fui contrario as suas expectativas

 

Divertido isso, tive a mesma impressão

 

Proponho uma saída, assumamos cada um nosso quinhão de irresponsabilidade

 

Não acertei onde almejei

 

Puno-me agora, autoflagelo-me

 

Será que não te chegas

 

Ou só te contentaras a ver a alma deste ser fora de seu invólucro que se encontra presentemente

 

Soube da queixa e não cogitou outra questão a não ser a fugidia traição

 

Neste trialogo só um alguém pode se sentir em desalento

 

Me senti primeiro

 

 

Carta de MARIO QUINTANA a um POETA

 


Meu caro poeta,

Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? – perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: “eu vos trago a verdade”, enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: “eu te trago a minha verdade.” E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!

Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as digressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: “O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escreve os seus poemas?” A poesia é dessas coisas que a gente faz, mas não diz.

A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: “Eu não te largarei até que me abençoes”. Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técnica dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.

Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.

Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que, no entanto, me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.

Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?

Mario Quintana

                                              o poeta MARIO QUINTANA. foto livre.


¡LOS POETAS AL PAREDÓN! por cleto de assis (introdução)

 

Em um blog do mundo virtual onde se cultivam as virtudes da Poesia, parecerá um paradoxo falar mal dos poetas ou publicar matérias retiradas desse veio. Mas não deixa de ser interessante polemizar um pouco sobre o tema, principalmente depois de ouvirmos várias queixas, na elogiável I Semana da Poesia Paranaense, sobre a marginalização da poesia na sociedade atual e a estreita faixa que ela ocupa nas linhas editoriais.

Descobri o artigo que vai abaixo em um blog da Colômbia – Con-fabulación. O blog se subtitula como jornal virtual, publica uma variedade de temas e também acolhe a poesia entre seus preferidos. Em seu editorial, o jornal se baseia no fato de que “a divergência, o pensamento plural, a imaginação crítica, o encontro lúcido que instaura o entendimento, e todos os recursos inventados pela cultura para enfrentar-se com as múltiplas faces da pobreza e os disfarces infinitos da morte, hoje se encontram exilados, arrojados às margens”. E por aí define sua linha editorial, encabeçada por uma inquebrantável liberdade de imprensa. Confesso que discordo de muitos dos temas abordados, mas ali se respira inteligência e é bom beber em tais fontes.

No último número, encontrei o surpreendente artigo de um escritor polonês e imaginei o efeito que teria se publicado no “Palavras…”, que tem revelado tantos poetas e publicado outros tantos já consagrados. Então a poesia dos poemas é falsa e despropositada? Pelo menos é o que achava (os apressados não lhe atirem pedras, ele já é morto) o polonês Witold Marian Gombrowicz , nascido em 4 de agosto de 1904, em Małoszyce, Polônia, e falecido em Vence, próximo a Nice, França. Ainda não li nada mais extenso dele ou sobre ele, mas já estou saindo em direção a alguns livros seus tardiamente (como quase sempre) publicados no Brasil. São dois ou três títulos que aparecem nas buscas da Internet.

Segundo pequena pesquisa que fiz na rede, ele formou-se em direito pela Universidade de Varsóvia e completou os estudos em Paris, graduando-se em filosofia e economia. Iniciou a carreira literária em 1933, com a publicação da coletânea de contos surrealistas Memórias dos tempos da imaturidade. Em 1937, publicou sua primeira novela, Ferdydurke (editado, em sua primeira edição em língua portuguesa, pela Companhia das Letras, em 2006, tradução de Tomasz Barcinski e prefácio de Susan Sontag), na qual apresentou muitos de seus temas usuais: os problemas da imaturidade e da juventude, a criação de identidade na interação com os outros e um exame irônico e crítico dos papéis classistas na cultura e na sociedade da Polônia. Em 1939, partiu para Buenos Aires, mas não conseguiu voltar a sua terra natal, invadida durante a Segunda Guerra. Passou 24 anos na Argentina e, em 1963, recebeu uma bolsa da Fundação Ford para viver um ano em Berlim. Após o término da bolsa, mudou-se para o sul da França, e permaneceu lá até a morte, em 1969.

O texto publicado por Con-fabulación é lançado no Brasil por Palavras, Todas Palavras não só como uma curiosidade, mas para incentivar a polêmica. Como diz o autor, os poetas não têm que fugir de seus inimigos e detratores, mas descobrir as vantagens da detração e da inimizade. Notem que o blog colombiano fez questão de publicar, como apêndice, um texto do poeta francês René Char, que também reconhece a existência dos chamados poetastros e coloca Rimbaud como antípoda dos maus versejadores.

Cleto de Assis.

 

 

CONTRA OS POETAS (Con-fabulación)

Apaixonante o rival, deslumbrante o outro e sua sábia adversidade, formoso que o adversário seja o que tem a razão, paradisíaca a diversão de assumir a posição daqueles que habitam os opostos de nossas mais arraigadas crenças, saudável por à prova os ícones de nossa mitologia e descobrir com Walt Whitman: “claro que me contradigo / contenho em mim multidões”. Uma ou outra vez se discutiu a validez ou inconveniência de andar por aí se proclamando poeta, ou elevando o exercício da palavra essencial ao discutível nível de profissão. Declara-se poeta é como afirmar que se é profissional em Budismo; decretar-se poeta tem algo de ribombante e indigente, e em não poucas ocasiões se converte em outras das máscaras hórridas da aparência.

Não deixará de parecer incrível que Con-fabulação publique um número quase inteiro no qual, pelo menos em aparência, se fala mal dos poetas, sendo estes o nutriente essencial da publicação, e consagrados todos os que a escrevemos a defender a poesia como a sobrevivência da verdadeira existência em um mundo onde reinam espectros risíveis e estúpidos.

O que sucede é que a poesia, âmbito sagrado, também é um receptáculo de farsas: de suicidas apócrifos, falsos mártires, ambiciosos demiurgos imbricados no edifício do poder, ridículos arremedos dos deuses caídos ou fantoches quase sensualistas – tão desprovidos de sensualidade que transformam uma enfermidade terminal em erotismo – e, sobretudo, inócuos e vaidosos escrevedores sitibundos de ganhar prêmios, de que se lhes leia a cada minuto um poema escrito especialmente para figurar na Internet, de que se lhes conceda espaço na memória, ainda que seja mínimo, e de que se lhes venere a qualquer preço. Trata-se de uma desagradável estirpe, os lirico-maníacos, que busca a todo custo o reconhecimento e infesta a rede como os espectros em pesadelos: são a mais pura caricatura do poético e, com freqüência suspeitamos, como algum personagem da literatura latino-americana, que “atrás de suas palavras já não restam recordações”.

Por esse motivo publicamos a seguinte deleitosa jóia do mestre polonês Witold Gombrowicz, o mesmo que certa vez gritou aos jovens escritores argentinos: “rapazes, matem Borges”, seguida de uma peça magistral do grande poeta francês René Char (“Fizeste bem em partir”) onde fica demonstrado que a pupila de um gênio detecta, de maneira fulminante, os poetastros. São duas páginas prodigiosas e põem à prova nossa capacidade de resistir, de compreender e de apreciar ao outro, ao diferente, ao detrator. E, ademais, nos recorda que, parafraseando ao adusto Lenin: “a poesia não deve cuidar tanto de seus inimigos como de seus maus amigos”.

 

CONTRA OS POETAS – Witold Gombrowicz

Seria mais razoável de minha parte não meter-me em temas drásticos porque me encontro em desvantagem. Sou um forasteiro totalmente desconhecido, careço de autoridade e meu castelhano é uma criança de poucos anos que apenas sabe falar. Não posso fazer frases potentes, nem ágeis, nem distintas, nem finas, mas quem sabe se esta dieta obrigatória não será boa para a saúde? Por vezes eu gostaria mandar a todos os escritores do mundo ao estrangeiro, fora de seu próprio idioma e fora de todo ornamento e filigranas verbais, para comprovar, então, o que restará deles. Quando carecemos de meios para realizar um estudo sutil, bem enlaçado verbalmente, sobre, por exemplo, as rotas da poesia moderna, começamos a meditar acerca dessas coisas de modo mais simples, quase elementar, ou melhor, demasiado elementar.

Não resta dúvida de que a tese desta nota – que os versos não gostam de quase ninguém e que o mundo da poesia versificada é um mundo fictício e falso – parecerá desesperadamente infantil; e, entretanto, confesso que não gosto de versos e eles até me aborrecem um pouco. O interessante é que não sou um ignorante absoluto em questões artísticas, nem tampouco me falta sensibilidade poética; e quando a poesia aparece mesclada a outros elementos, mais crus e prosaicos, como, por exemplo, nos dramas de Shakespeare, nas obras de Dostoievski, de Pascal, ou, simplesmente, no crepúsculo cotidiano, tremo como qualquer mortal. O que dificilmente agüenta minha natureza é o extrato farmacêutico e depurado da poesia chamada “poesia pura” e, sobretudo, quando aparece versificada. Cansa-me o canto monótono desses versos, sempre elevado, me adormecem o ritmo e a rima. Estranha-me, dentro do vocabulário poético, certa “pobreza dentro da nobreza” (rosas, amor, noite, lírios), e, às vezes, suspeito que todo esse modo de expressão e todo o grupo social que a ele se dedica padecem de algum defeito básico.

Eu mesmo acreditava, no princípio, que isto se devia a uma particular deficiência de minha “sensibilidade poética”, mas cada vez mais tomo menos a sério os slogans que abusam de nossa credulidade. Não há coisa mais instrutiva que a experiência e, por isso, comecei a realizar algumas muito curiosas: lia qualquer poema alterando intencionalmente sua ordem, de tal sorte que se convertia em um absurdo e nenhum de meus ouvintes (finos e cultos, por certo, e ferventes admiradores daquele poeta) percebia a treta; ou, analisando em forma detalhada o texto de um poema mais extenso, comprovava com assombro que os “admiradores” nem sequer o haviam lido por completo. Então, como pode ser isto? Admirá-lo tanto e não o ler? Gozar tanto da “precisão matemática” das palavras e não perceber uma fundamental alteração na ordem da expressão? Mas o que passa é que todo este acúmulo de fictícios gozos, admirações e deleites está baseado sobre um convênio de mútua discrição: quando alguém se declara encantado pela poesia de Valéry é melhor não acossá-lo em demasia com indiscretas investigações, porque então se poria em evidência uma realidade tão distinta de tudo o que nos imaginamos, e tão sarcástica, que nos sentiríamos sumamente molestados. O que deixa por um momento as conversações do jogo artístico, em seguida tropeça com um enorme monte de ficções e falsificações, qual um escolástico escapado dos princípios aristotélicos.

Encontrei-me, pois, cara a cara com o seguinte dilema: milhares de pessoas fazem versos; outros milhares lhes demonstram grande admiração; grandes gênios se expressam por meio do verso; desde tempos imemoriais o poeta e os versos são venerados; e frente a essa montanha de glória – eu, com minha convicção de que a missa poética se efetua no vazio quase completo.

Coragem, senhores! Em vez de fugir expressamente desse fato, tratemos de buscar suas causas como se fosse um fato como qualquer outro.

Poesia pura e puro açúcar

Por que não gosto da poesia pura? Pelas mesmas razões pelas quais não gosto de açúcar “puro”. O açúcar é saboroso quando o tomamos junto com o café, mas ninguém comeria um prato de açúcar: já seria demasiado. É o excesso o que cansa na poesia: excesso da poesia, excesso de palavras poéticas, excesso de metáforas, excesso de nobreza, excesso de depuração e de condensação que assemelham os versos a um produto químico.

Como chegamos a este grau de excesso? Quando um homem se expressa em forma natural, ou seja, em prosa, sua fala abarca uma gama infinita de elementos que refletem sua natureza inteira; mas eis que vêm os poetas e começam a eliminar gradualmente da fala humana todo o elemento apoético; em vez de falar começam a cantar e de homens se convertem em bardos e vates, consagrando-se única e exclusivamente ao canto. Quando um trabalho semelhante de depuração e eliminação se mantém durante séculos, chega-se a uma síntese tão perfeita que não ficam mais que umas poucas notas e a monotonia tem que invadir forçosamente o campo do melhor poeta. O estilo se desumaniza; o poeta não toma como ponto de partida a sensibilidade do homem comum, mas a de outro poeta, uma sensibilidade “profissional” e, entre os profissionais, se cria uma linguagem tão inacessível como os outros dialetos técnicos; e, subindo uns sobre os ombros de outros, formam uma pirâmide cuja ponta já se perde no céu, enquanto nós ficamos embaixo, um pouco confundidos. Porém, o mais importante é que todos eles se tornam escravos de seu instrumento, porque essa forma é já tão rígida e precisa, sagrada e consagrada que deixa de ser um meio de expressão. E podemos definir o poeta profissional como um ser que não pode se expressar a si mesmo, porque tem que expressar os versos.

Por mais que se diga que a arte é uma espécie de chave, que a arte da poesia consiste precisamente em alcançar uma infinidade de matizes com poucos elementos, tais e semelhantes argumentos não ocultarão o primordial fenômeno: com a máquina do verbo poético ocorreu o mesmo que com todas as demais máquinas, pois em vez de servir a seu dono, converteu-se em um fim em si mesma. Francamente, uma reação contra esse estado de coisas parece ainda mais justificada aqui que em outros campos, porque aqui estamos no terreno do humanismo par excellence. Existem duas formas de humanismo básicas e diametralmente opostas: uma que poderíamos chamar “religiosa”, que coloca o homem de joelhos ante a obra cultural da humanidade, e outra, laica, que trata de recuperar a soberania do homem frente a seus deuses e suas musas. O abuso de qualquer destas formas tem que provocar uma reação e é certo que uma tal reação contra a poesia seria hoje totalmente justificada porque, de vez em quando, há que parar por um momento a produção cultural para ver se o que produzimos tem ainda alguma vinculação conosco. Possivelmente os que tiveram a oportunidade de ler algum texto artístico meu serão tomados por estranheza ao que digo, já que sou em aparência um autor tipicamente moderno, difícil, complicado e ainda às vezes – quem sabe – aborrecedor. Porém, tenha-se em conta que eu não aconselho a ninguém prescindir da perfeição já alcançada, senão que considero que esta perfeição, este aristocrático hermetismo da arte devem ser compensados de algum modo e que, por exemplo, quanto mais o artista é refinado, tanto mais deve levar em conta os homens menos refinados, e quanto mais é idealista, tanto mais deve ser realista. Este equilíbrio a base de compensações e antinomias é o fundamento de todo bom estilo; e mais, nos poemas não o encontraremos, e tampouco se pode notá-lo na prosa moderna influenciada pelo espírito da poesia. Livros como “A morte de Virgilio”, de Herman Broch, ou ainda o celebrado “Ulisses”, de Joyce, resultam em impossível leitura por serem demasiado “artísticos”. Tudo ali é perfeito, profundo, grandioso, elevado e, ao mesmo tempo, nada nos interessa porque seus autores não escreveram para nós, mas para o Deus da Arte.

Mas a poesia pura, além de constituir um estilo hermético e unilateral, constitui também um mundo hermético. E suas debilidades aparecem com mais crueza ainda, quando se contempla o mundo dos poetas em seu aspecto social. Os poetas escrevem para os poetas. Os poetas são os que rendem homenagem a seu próprio trabalho e todo este mundo se parece muito a qualquer outro dos tantos e tantos mundos especializados e herméticos que dividem a sociedade contemporânea. Os enxadristas consideram o xadrez como o auge da criação humana, têm suas hierarquias, falam de Capablanca como os poetas falam de Mallarmé e, mutuamente, se rendem todas as honras. Mas o xadrez é um jogo, enquanto que a poesia é algo mais sério e o que se torna simpático nos enxadristas, nos poetas é signo de uma mesquinhez imperdoável. A primeira conseqüência do isolamento social dos poetas é que no mundo poético tudo é empolado, e mesmo os criadores medíocres chegam a adquirir dimensões apocalípticas e, pelo mesmo motivo, os problemas de pouca monta assumem uma transcendência assustadora. Há pouco tempo houve entre os poetas uma grande polêmica sobre a famosa questão das assonâncias e parecia que a sorte do universo dependia do fato de ser ou não possível rimar “espessura” e “sussurram”. É o que sucede quando o espírito gremial domina o universal.

A segunda conseqüência é ainda mais desagradável: o poeta não sabe defender-se de seus inimigos. E assim vemos como no terreno pessoal e social se põe em evidência a mesma estreiteza de estilo que mencionamos acima. O estilo não é outra coisa senão uma atitude espiritual frente ao mundo, mas existem vários e o mundo de um sapateiro ou de um militar tem pouco a ver com o mundo dos versos: como os poetas vivem entre eles e entre eles formam seu estilo, eludindo todo contato com ambientes distintos, ficam dolorosamente indefesos frente aos que não compartilham seus credos. O único que são capazes de fazer, quando se vêem atacados, é afirmar que a poesia é um dom dos deuses, indignar-se contra o profano ou lamentar-se pela barbárie de nossos tempos, o que, por certo, se torna bastante gratuito. O poeta se dirige somente àquele que já está comprometido com a poesia, ou seja, a um que já é poeta, mas isto é como se um padre impingisse seu sermão a outro padre. Quanto mais importância tem, entretanto, para nossa formação, o inimigo que o amigo! Só frente ao inimigo podemos verificar plenamente nossa razão de ser e somente ele procura em nós a chave de nossos pontos débeis e nos coloca o selo da universalidade. Porque, então, os poetas fogem ante o choque salvador? Ah, porque carecem de meios, de atitude, de estilo para enfrentá-lo. E porque lhes faltam estes meios? Ah, porque eludem o choque.

O vate e o ridículo

A mais séria dificuldade de ordem pessoal e social que o poeta deve enfrentar provém de que ele, considerando-se superior como sacerdote da poesia, se dirige a seus ouvintes desde mais acima; mas os ouvintes nem sempre reconhecem seu direito à superioridade e não querem ouvi-lo de baixo. Quanto mais aumenta o número de pessoas que põem em dúvida o valor dos poemas e faltam com o respeito ao culto, tanto mais delicada e próxima ao ridículo se torna a atitude do vate. Mas, por outro lado, cresce também o número dos poetas e a todos os excessos da poesia já enumerados há que juntar o excesso de bardos e o excesso de versos.

Estas ultrademocráticas cifras minam em seu interior a aristocrática e orgulhosa atitude do mundo dos poetas e nada mais comprometedor, nesse sentido, que quando se os vê a todos reunidos, por exemplo, em um congresso: uma multidão de seres excepcionais. Um artista que, em verdade, se preocupe pela forma, buscaria alguma saída para esse beco, porque sem dúvida estes problemas, somente pessoais na aparência, estão estreitamente vinculados à arte, e a voz do poeta não soa bem, nem pode ser séria e convincente enquanto ele mesmo fique ridicularizado por tais contrastes.

Um artista criador e vital não vacilaria em mudar totalmente de atitude e, por exemplo, ele se dirigiria, desde baixo, às pessoas: como o que pede o favor de ser reconhecido e aceitado ou como o que canta, mas, ao mesmo tempo, sabe que aborrece. Poderia também proclamar publicamente essas antinomias e escrever seus versos sem estar satisfeito com eles e anelando ser mudado e renovado pelo choque regenerador com os demais homens. Mas não é possível exigir tanto aos que dedicam toda sua energia à “depuração” de sua rima. Os poetas seguem agarrando-se febrilmente a uma autoridade que não têm e embriagando-se a si mesmos com a ilusão do poder. Que iludidos! De cada dez poemas, um pelo menos cantará o poder do Verbo e a elevada missão do Poeta, o que, exatamente, demonstra que o Verbo e a Missão estão em perigo… e os estudos ou resenhas sobre poesia nos deixam uma rara impressão: porque sua inteligência, sutileza e finura estão em contraste com o tom ao mesmo tempo ingênuo e pretensioso. Todavia não compreenderam os poetas que da poesia não se pode falar em tom poético e por isso suas publicações estão cheias de poetizações sobre a poesia, muito a miúdo horripilantes por seu estéril malabarismo verbal. Esses pecados mortais contra o estilo os levam ao temor que sentem ante a realidade e a necessidade de encontrar, a todo custo, uma afirmação de seu quebrantado prestígio.

Formas da salvação

A cegueira voluntaria se nota também nesse simplismo tremendo em que caem homens, por outro lado muito inteligentes, quando se trata de sua sorte. Muitos poetas pretendem salvar-se das dificuldades acima expostas declarando que eles escrevem somente para si mesmos, para seu próprio gozo estético, ainda que, ao mesmo tempo, fazem o máximo possível para publicar suas obras. Outros buscam a salvação no marxismo e afirmam, com toda a seriedade, que o povo é capaz de assimilar seus refinadíssimos e difíceis poemas, produtos de séculos de cultura. Mas a maioria dos poetas crê firmemente na repercussão social dos versos e nos dirão, com espanto: “Mas como você pode duvidar… Veja as multidões que assistem a cada recital poético. Quantas edições se publicam! Quanto se escreve sobre a poesia e quão admirados são os que conduzem os povos pelo caminho da Beleza.”

Não se lhes ocorre pensar que em um recital poético é quase impossível assimilar um verso (porque não basta escutar um verso moderno uma só vez para entendê-lo), que se compram milhares de livros para não ser lidos nunca, que os que escrevem nos jornais sobre poesia são poetas e que os povos admiram seus poetas porque necessitam mitos. Não se dão conta que se as escolas não ensinassem às crianças o culto aos poetas em suas tristes e tão formais aulas de idioma nacional, e se este culto não se mantivesse, contudo, por inércia entre os adultos, ninguém, fora de uns poucos aficionados, se interessaria por eles. Não querem ver que essa suposta admiração pelo canto versificado é, em realidade, o resultado de muitos fatores, como a tradição, a imitação e ainda outros, como o sentimento religioso ou a torcida esportiva (porque assistimos a um recital poético do mesmo modo que a uma missa – sem compreendê-lo – e somente cumprindo um ato de presença frente a um rito; e porque nos interessa a corrida dos poetas rumo à glória assim como nos interessam as corridas de cavalos). Não, esse complicado processo de a reação das multidões se reduz, para eles, à fórmula: “o verso encanta porque é belo…”

Que me desculpem os poetas. Eu não os ataco para molestá-los e com muito gosto tributarei homenagem aos altos valores pessoais de muitos deles; entretanto, já transbordou o cálice de seus pecados. Há que abrir as janelas desta hermética casa e expor seus habitantes ao ar fresco. Há que sacudir a pesada, majestosa e rígida forma que os abruma. Pouco me importa que rogueis pragas a mim e a minha nota – acaso posso esperar que aceiteis um juízo que vos suprime a razão de ser? E, ademais, minhas palavras estão destinadas à nova geração. O mundo ver-se-ia em situação desesperada se a cada ano não entrasse um novo contingente de seres humanos, tranqüilos, livres do passado, não comprometidos com ninguém nem com nada, não paralisados por postos, glórias, obrigações e responsabilidades; seres, enfim, não definidos pelo que já fizeram e, portanto, livres para escolher.

(Texto extraído de “Contra os poetas”, Editorial Seguitur)

 

 

FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD!

Por René Char 

 

Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Teus dezoito anos refratários à amizade, à malevolência e à

nescidade dos poetas de Paris, assim como ao ronronear de abelha estéril de tua família das Ardenas, umpouco louca, fizeste bem em espalhá-los ao vento do alto mar, em arrojá-los sob a faca de sua precoceguilhotina. Tiveste razão em abandonar o bulevar dos preguiçosos e os cafés dos poetastros, em troca doinferno das bestas, do comércio com os ladinos e da saudação da gente simples.

Este absurdo impulso do corpo e da alma, essa bala de canhão que atinge o alvo, fazendo-o detonar, sim, é uma vida de homem! Não se pode estrangular indefinidamente o próximo ao sair da infância. Ainda que os vulcões quase não mudem de lugar, sua lava percorre o grande vazio do mundo e lhe aporta virtudes que cantam em suas chagas.

Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Somos uns poucos, os que sem ter provas, ainda cremos que a felicidade é possível contigo.

 

Con-fabulacion.com

BORBOLETRAS de osvaldo wronski

Fazia muito frio

tudo o que falava

virava fumaça

 

 

Abelha e seu zumbido

logo foi embora

não lhe dei ouvidos

 

        

Não adianta figura

você é a cara

da sua assinatura

 

 

Quebrou a ponta do lápis

pela primeira vez

me senti maneta

 

 

Fim do mês

que bom

vai começar

tudo outra vez

 

Pequeno

pequenininho

tão grande

esse diminutivo

 

Deixa comigo

vou desatar o nó

do seu umbigo

Os artistas visuais MAZÉ MENDES e JOSÉ ANTONIO DE LIMA, ambos com página exclusiva neste site, com exposição no JAPÃO.

 

 

No outro lado do mundo

 

No Japão, Francisco Faria, José Antonio e Mazé Mendes expõem suas obras em um dos mais importantes museus do mundo. 

 

Cooperação bilateral, trajetórias consagradas ou pelo menos assimiladas e reconhecidas e, por que não?, gotas de acaso. Tudo isso – e bem mais – são alguns dos ingredientes que constróem a ponte que leva três artistas plásticos do (ou pelo menos ligados ao) Paraná rumo ao país do sol nascente.

Francisco Faria, José Antonio e Mazé Mendes participam da exposição O Caminho Unido pela Arte, que entra em cartaz dia 1º de novembro e segue até 7 de dezembro no Museu de Arte da Prefeitura de Hyogo, no Japão.

Cada um dos três paranaenses terá a sua produção exposta em uma sala individual do museu – e isso é relevante. Faria, José Antonio e Mazé farão individuais em um dos mais importantes museus do mundo (leia mais em quadro nesta página).

Essa inserção de alguns dos mais destacados nomes das artes pláticas made in Paraná no outro lado do mundo é fruto de uma espécie de intercâmbio.

Em junho deste 2008 (centenário da imigração japonesa no Brasil), artistas nipônicos exibiram trabalhos no Museu Oscar Niemeyer (MON). E, como desde 1970 há uma parceria entre o Paraná e a província de Hyogo, agora se fez a hora e a vez da troca.

O curador do museu japonês, Koichi Kawasaki, analisou portfólios de inúmeros artistas locais e o trio Faria, José Antonio e Mazé foi eleito para expor no extremo oriente.

Panorama

Mazé Mendes, artista que vive em Curitiba, teve oito pinturas a óleo e 12 fotos selecionadas para a temporada japonesa. Ela analisa que, de certa maneira, o público oriental terá uma oportunidade ímpar de vislumbrar variadas linguagens nesta exposição de paranaenses.

“Tem o meu trabalho, que dialoga com a abstração, seja na pintura ou mesmo na foto. O Faria e a sua maravilhosa técnica de grafite. E o José Antonio com as suas deslumbrantes instalações e esculturas”, explica.

Mazé, que se deslocou para o Japão sexta-feira (24), se considera “premiada” pelo fato de levar a sua produção para o contato com outros olhares e, para ela, também inéditos.

Francisco Faria, curitibano radicado em Florianópolis (SC), que exibirá 34 desenhos, todos em lápis sobre papel (a exemplo da imagem maior que ilustra esta página), traduz em uma única palavra o que representa participar dessa exposição: extraordinário.

“E isso exige uma circunspeção e profissionalismo. Tenho me esforçado para fazer um bom trabalho e, com isso, espero que esse percurso possa ser retomado no futuro próximo, abrindo perspectivas para outros artistas do Paraná”, diz.

Ele salienta que o intercâmbio é excelente, “pois em artes plásticas, falando do ponto de vista do artista, oportunidade é tudo”.

O mineiro radicado em Curitiba José Antonio endossa o ponto de vista de Faria a respeito da oportunidade de expor em território nipônico.

“Além de ser um reconhecimento, é uma oportunidade imperdível de mostrar o meu trabalho para um público diferente e exigente como o japonês. O intercâmbio é fundamental”, afirma.

Ele terá em evidência 13 pinturas, uma imensa instalação com 18 módulos batizada “Tramas”, um objeto tridimensional em tecido e ferro, um objeto de tecido e espuma e mais 15 peças construídas em tecido de algodão e ferro – que serão penduradas, algumas delas sobre recipientes de óleo queimado.

Vitrine

Os parananaeses ocupam, no Museu de Hyogo, espaço disponibilizado anteriormente para uma restrospectiva de Chagall. Faria, que prepara as malas para a viagem, observa que a escolha (dele, de José Antonio e Mazé) foi generosa, mas realista – isto é, pragmática.

“Eles privilegiaram mostrar obras que possam ter um seguimento profissional no exuberante mercado asiático.” De fato, esse lance de dados, que jamais abole o acaso, poderia “peneirar” tanto debutantes como – aleatoriamente – gente com imensa quilometragem, por exemplo.

“Mas preferiram se concentrar em artistas que já têm uma carreira artística definida, e que ainda têm pela frente um grande espaço para a consolidação de sua presença no mundo das artes visuais”, diz.

José Antonio, que chega hoje em Hyogo, chama a atenção para o título da exposição. “O Caminho Unido pela Arte revela a ênfase da união cultural entre dois povos tão diferentes em suas manifestaçoes artísticas.”

E Mazé Mendes frisa que, unidos pela arte, ela, Faria e José Antonio não vêem o momento da mostra ser inaugurada. De repente, até para dizer um arigatô (muito obrigado) ao público de uma cultura tão distante e, por que não?, tão próxima – afinal, humanos que somos, nos irmanamos, também, pela arte.

 

 

 

rpc. por MARCIO RENATO DOS SANTOS.

 

 

                                         o artista visual josé antonio de lima.

 


 

 

                                a artista visual mazé mendes em seu atelier.

 

ESPELUNCA crônica de hamilton alves

Há quem possa considerar isso anormal, mas adoro uma espelunca. Tal preferência demandaria uma análise psicanalítica? Em primeiro lugar, não acredito em psicanálise. Acho as teorias psicanalistas meio furadas. Posso viver bem sem essa muleta. Ou prescindindo dela. As pessoas acabam escravas das receitas impostas ou descritas por ela. É uma servidão interminável.

                                   Minhas raízes, digamos, sociais são de um garoto que conviveu bem de perto com a pobreza. Se é que isso possa ser um dado sobre o qual a psicanálise poderia abrir alguma luz.

                                   As coisas simples sempre me encantaram mais do que as sofisticadas. Tudo que é simples é mais belo. Ou tem um encanto próprio ou todo especial. Uma espelunca é uma coisa inteiramente desprovida de artifícios.

                                   Não faz muitos anos, fui a Curitiba com a família, que embarcou num ônibus de volta. Fiquei retido por lá mais um dia (nem me lembro o motivo)  Escolhi para pernoitar uma espelunca próximo à rodoviária, sob os protestos de todos.

                                    – O senhor pode perfeitamente se hospedar num hotel mais decente.

                                   – Por uma noite, ficarei aqui nessa espelunca mesmo.

                                   Nem a rigor se tratava de uma espelunca. Era um hotelzinho modesto, mas longe de ser uma espelunca nos moldes em que a conhecemos (ou concebemos).

                                   O quarto que me foi destinado tinha uma cama de casal, um guarda-roupa velhíssimo, com três cabides, dois travesseiros e um cobertor. Era uma peça exígua, em torno de uns vinte metros quadrados. Tinha um espaço sanitário anexo.  Levei jornais, revistas, li-os até adormecer. Consultei os filmes nos cinemas para ver se valia a pena ver algum naquela noite. Mas resolvi mesmo entregar-me aos braços de morfeu.

                                   Houve um episódio curioso. A certa hora, por debaixo da porta de entrada, entrou uma barata. Preocupado que, durante o sono, me molestasse, resolvi matá-la. Armei-me de um toalha dobrada e fui a sua caça. Dei-lhe três ou quatro bordoadas mas escapou ilesa de todas. Voou não sei para onde. Ficamos quites. Mas houve, antes, um gato preto, que, à entrada do quarto, enroscou-se-me às pernas.

                                   – Um gato preto? Isso pode ser mau presságio. – disse de mim para mim.

                                   Na verdade, um gato preto, àquela altura, não era nem de longe mau presságio. Quando menos, solitário no quarto, uma presença simpática. Ou amiga.

                                   Fiquei bem instalado.

                                   Na manhã seguinte, vi uma senhora carregando uma trouxa à cabeça.

                                   O gato estava trepado em cima de um cesto, provavelmente de roupa suja. Olhava-me do jeito que olham os gatos.

                                   Paguei a conta do pernoite, dirigi-me à rodoviária. Instalei-me no ônibus. Logo me assaltou o sonho horrível que tive com uma barata gigante, que ameaçava devorar-me.

                                   Noutra crônica, disse que qualquer dia vou passar umas boas horas escondido do mundo no “Hotel” (espelunca ilhôa), na rua Padre Roma, que tanto fascínio exerce sobre mim.                         

O VELHO GOLPISMO por alceu sperança


 

Uma passada de olhos pelos “heróis” da história do Brasil é uma viagem de reconhecimento pela malandragem golpista que acompanha o regime presidencialista como a sombra acompanha o corpo. A tradição brasileira é uma crônica de golpes. Todos eles arrebentaram o País e por isso, seria aconselhável contar às novas gerações a verdadeira história da Nação para mostrar a que inferno o golpismo leva.

O que caracteriza o golpismo é a safadeza com que a coisa é armada. O golpe é anunciado como a “solução” para os problemas e quando é desfechado as coisas sempre, sempre pioram. A proclamação da República, por exemplo, deu-se de um modo que hoje até parece piada: o marechal Deodoro começou a gritar “vivas” ao imperador enquanto os soldados, insuflados por Benjamin Constant, gritavam “Viva a República”. Até que Deodoro, em meio à gritaria, teve seu próprio grito sufocado e transformado de monarquista em republicano. O povo, abobalhado, nem imaginava o que estava acontecendo.

Os golpes geralmente são mascarados com argumentos contra a “corrupção”, “mar de lama” etc. Mas os golpistas de hoje não conseguem ser tão sinceros quanto Carlos Lacerda. A respeito de Juscelino Kubitschek, ele diria, sem a menor vergonha, que JK “não podia ser candidato; se candidato, não pode ser eleito; se eleito, não pode tomar posse; se tomar posse, não pode governar; se governar, tem que ser derrubado”. É o que muita gente sempre pensou de Lula, embora sem o dizer com a sinceridade calhorda de um golpista furioso como Lacerda, mesmo sendo desnecessário, pois Lula está cumprindo fielmente o compromisso de ser o algodão entre cristais, anestesiando os trabalhadores e os fazendo cair mais facilmente na engabelação ideológica do capitalismo.

Quantas crises foram geradas por esse tipo de malandragem golpista? Vejamos alguns dados históricos:

1) Deodoro teve que renunciar sob ameaça de bombardeio da capital federal.

2) Prudente de Morais ficou doente e o vice-presidente, ao assumir interinamente, o atraiçoou.

3) Afonso Penna, ao também adoecer, viu espada sendo batida em sua mesa, Rui Barbosa perturbando, um filho morrendo e afinal não resistiu: morreu na presidência.

4) Rodrigues Alves, depois de ter sido um “Lula” no primeiro mandato (odiado pelas elites e criticado pela esquerda, então ainda em organização, inspirada pela Revolução de Outubro) reelegeu-se, mas lhe aconteceu o mesmo que a Tancredo: morreu antes de assumir.

5) Washington Luiz (“governar é abrir estradas”) foi deposto em 1930 e expulso do País.

6) Vargas golpeou seu próprio governo, criando o Estado Novo depois de uma grossa malandragem (o “Plano Cohen”). Caiu levando o troco da infâmia de ter mandado aos carrascos nazistas uma mulher − Olga Prestes − que levava uma brasileirinha em seu ventre.

7) Mais tarde Vargas teria um novo troco, agora da direita raivosa. Matou-se para impedir que os golpistas (Lacerda et caterva) assumissem o poder.

8- Jânio tentou dar uma de Getúlio, golpeando seu próprio governo com a renúncia.

9) Jango foi duas vezes deposto, uma por golpe congressual, outra por golpe militar. Dois golpes, duas décadas de opressão.

Collor foi deposto na única vez em que o povo ganhou uma parada contra as elites em toda a história. Mas depois vieram as lorotas túcano-pefelês (hoje, demos) de FHC, que endividaram violentamente o País. Mais recentemente chegaram a querer tirar a presidência de Lula e entregá-la a Severino Cavalcanti.

Nada de voltar ao passado. Chega de suicídios de Getúlios. Renúncias de Jânios. Ditaduras fascistas. Mão collorida na poupança dos outros. Brutal endividamento do País e liquidação do patrimônio nacional por demos/tucanos ou peemedemos/trabalhistas.

 

Rumorejando (Afora mutuamente se atacando, os candidatos pro segundo turno nenhum projeto estão apresentando. / por josé zokner (juca)

 

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Deu na mídia: “A fazenda Neverland, na Califórnia, que pertence a Michael Jackson, poderá ser embargada e levada a leilão em 19 de março caso o pop star não pague uma dívida de 25 milhões de dólares”. Taí uma notícia de transcendental importância para o futuro da Humanidade, exceto para quem tem interesse em comprá-la, o que, absolutamente, não é o caso deste assim chamado escriba que vive em Curitiba. Só por isso…

Constatação II

Especula

O obcecado,

Pra que não a perca

Se ela

Ficaria fula,

Se desconfiasse

Quando a cerca,

Ele pulasse

Naquela

De apaixonado

De quem só pensasse

Naquilo,

Na base do “fi-lo

Porque qui-lo”.

Que destemperado!

Constatação III (De uma dúvida crucial).

Foram os candidatos a cargos eletivos que, depois de eleitos, deram ensejo à expressão “fica o dito pelo não dito”? Quem souber, por favor, cartas, etc.

Constatação IV

Conseguiu

Um financiamento

Pra fazer um investimento

Num motel,

Em uma cidade

Onde só se via

Mais de um convento

E muita moradia

De piedosa irmandade,

Além de claustro, abadia,

Cenóbio, clausura, freiria

Onde se aprendia

Obter o paraíso no céu*.

Faliu…

*Não ficou claro se o prometido paraíso no céu era através do que normalmente acontece num motel ou do que era apregoado na região. Quem souber, por favor, etc.

Constatação V (De dramas conjugais).

Ela tinha que admoestar o maridão

Mais de mil vezes até a exaustão*.

*Também não ficou claro se a exaustão era dele, ou dela, ou dos dois. Quem souber, por favor, etc.

Constatação VI

Ela muito educada,

Assaz refinada,

Quando, por um lapso,

Numa festa chique de salão

Proferiu um palavrão,

Envergonhada,

Ruborizada, falou:

-“Não foi um relapso.

Foi um acesso obsoleto

Da minha impiedosa tosse

Que sempre me acosse

E que a gente expectora

Pondo pra fora

Um baita quatrocentão”.

A emenda soou,

Naquele ambiente

De fina gente,

Pior do que o soneto.

Coitada!

Constatação VII (Teoria da Relatividade para principiantes).

Pra quem não é boêmio e sofre de insônia, a noite é eterna; pra quem é noctívago, a noite é uma criança que cresce e se esvai rapidamente.

Constatação VIII

Dissimula

O fantasma,

Contratado

Por um órgão

Governamental.

Aí, resolve aparecer

Na sessão

E pasma

Sem saber

O que fazer

Parece uma mula,

Um marsupial,

Um atoleimado,

O safado.

Coitado!

Coitado?

Constatação IX

O Museu de Cera é um clone sem o sopro da vida?

Constatação X

Não sei o que deu nela.

Se foi teimosia,

Birra,

Aleivosia

Casmurrice,

Renitência.

Caturrice

Obstinação

Ou implicância.

O fato

Que ela

Disse um peremptório não.

“Nem hoje, nem nunca,

Me trazer nessa espelunca”.

Fez-me sentir um gaiato

Quando gentilmente

A convidei

Pra irmos a um motel

Tão-somente.

Aliás, conforme alusão

Insistente dela.

Será que o estopim

Foi porque eu não comandei

Um veuve clicquot

Da safra trinta-e-dois

No jantar

A vela

Aí, depois,

Ela armou um complô

Contra o coitado de mim?

Constatação XI

Os engenheiros civis, além de se dedicarem às obras, quando escrevem prosa e/ou poesia passam a recorrer, também, a outra engenharia. À das palavras…

Constatação XII (“Poeminha”para ser declamado pelo cara – não necessariamente de pau – que pretenda pedir a sua amada em casamento, preferencialmente não na frente dos pais dela).

Meu coração

É como titânio,

Como tório

E urânio

Altamente

Radioativo

Tão-somente.

Vamos evitar

Uma explosão

Acalmar

Esse vulcão

E preparar

Nosso casório

Que eu, muito ativo,

Já adquiri o colchão.

Constatação XIII

O sósia, quando as partes não são vizinhas, é um clone por instâncias ou caprichos da mãe natureza?

Constatação XIV

Os cães ladram e as caravanas de ladrões nunca terminam de passar…

Constatação XV (De uma conversa meditabunda e gemebunda).

– “No Karaokê, quando ele esqueceu a letra, ele ficou com cara de quê?”

-“Ficou com cara de bun, digo, do sentador”.

-“Ah bom, quer dizer, ah ruim, quer dizer…”

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

 galaxia M51. foto do telescópio HUBBEL. NASA. ilustração do site. veja mais AQUI.

 

MAR de PALAVRAS poema de ana carolina cons bacilla

 

 

É um sentimento estranho,

Como se me quisesse jogar no mar da fantasia,

Lugar que me rodeiam, me deixam iludida.

 

Voltar à realidade é sem graça,

Me parece arrancar a asa

De minha mísera liberdade.

 

Creio que seja por tal motivo que escrevo.

No mar das palavras onde deságuam

Tanto fantasia quanto realidade.

 

SENTIMANIA poema de altair de oliveira

 

 

Já sei sorver de leve a tua fala

banhar-me nos resquícios do teu cheiro

eu posso ver teu rosto em quase tudo

imaginar vertigens nos teus pêlos…

 

Sou coisa de acender quando te vejo.

Só quero te encontrar quando procuro.

Só penso em te ouvir quando me calo.

Te quero no início do futuro

enfrutecida árvore de beijos.

 

 

Altair de Oliveira – In: O Embebedário Diverso

 

EM VIAGEM por zuleika dos reis


                                                                       Para Teresa Cristina Costa

 

 

                   …shorts macacão camisetas de manga sem manga sandália de dedo saída de praia dourada maiô azul marinho o outro vermelho calcinha cor da pele cor de rosa azul clara soutien preto calcinha preta livro de poemas um de contos guarda chuva dois romances para dias de chuva intensa ou sol desesperado caderno para anotações ancestrais pochete sandália mais composta desodorante sem cheiro lenços de papel shampoo condicionador protetor solar pasta dental sensodyne para dentes sensíveis fio dental aspirina sabonete maquilagens semana que vem a gente se vê lixa de unhas cotonete acetona óculos de sol agora seis da tarde seis dias longe as pessoas cansam-me demais às vezes quase sempre como eu me canso a mim mesma canso-as quase sempre assim nos cansando mutuamente chapéu de sol bronzeador e nunca sei o que você pensa o quê realmente não quero pensar nisso agora o sol avermelhando os cabelos a água azul como os tempos de inocência e esquecimento lembro todo o tempo de tudo de vez em quando dói um pouco menos creme hidratante bronzeador calça jeans de reserva methiolate linhas agulha máquina fotográfica filmes é óbvio agasalho saia mais composta blusa de renda par de meias pretas para sei lá o quê bolsa social amanhã caminhando horas você não sabe de nada desliguei seu som desliguei seu silêncio. Rubem meu homem tem um rosto de formato triangular amanhã sete horas da manhã poltrona trinta e três trinta e quatro são sete com a ex-mulher de Rubem somos sete no completo mas nenhum de nós senão eu  sabe que somos tal número mágico para certas tradições número de sorte em determinadas circunstâncias número de fatalidade se faltar alguma coisa sempre falta compro lá alguém falou escreveu algo que não consigo lembrar sobre a liberdade e as estrelas não me deixam dormir é só o tic tac do relógio no apartamento silencioso mosteiro beneditino em meditação ela dorme tranqüila a mãe de olhos verdes e pele de leite de quem emergi há quase quatro décadas daqui a pouco impossível manter o fingimento dos olhos fechados entreabertos há pouco para observar num relance o relógio quatro horas trinta minutos mais usufruto dos olhos fechados. Como é curioso um par de sapatos debaixo da cama!

                   Madrugada fresca feito banca de frutas. O metrô engole as gentes e a malas. O motorista do ônibus que nos leva ao litoral lembra Wagner, meu primo. A família fez uma churrascada no Natal mas eu estava na pior. Não fui. Vaguinho, saudade.

                   No horário de verão o dia vai ficando azul aos pouquinhos. A cidade para trás mais e mais para trás. Quando Daniel viaja para o seu refúgio em Minas sente-se como eu neste momento? É proibido fumar. Daqui a uns cinco cigarros proibidos faremos uma parada. Café, salgadinho, caixa, toalete, xixi rápido nessas nem deu tempo para terminar o cigarro. Lembra, Rubem, quando uma pomba pousou no seu braço pousado num banco da Praça da República? E ela ficou ali no seu braço um tempão, e você um São Francisco árvore no meio da campina casinha com chaminé. Você com seus óculos de ver de perto, seus óculos de ver de longe. Você com seus longos já cheios de brancos cabelos lisos presos corretamente sobre a nuca no rabo de cavalo. Você com sua também lisa pele de índio e a longa cicatriz no abdômen. Você com sua escrita sempre alinear, a sublevação de cada um dos meus ritmos familiares. A paisagem também tem cicatrizes entre as plantações e as vacas… vacas… o Japão para mim. O ônibus entidade estranha a carregar vozes difusas. Deliciosa a serra correndo enquanto a gente se exime de responsabilidades palavra imensa como a cidade a serra o oceano tudo junto. Imóvel como as vacas, por fora. Vontade de ser só fora. Inteira fora. Os olhos duas fendas pontes barcos cachoeiras duas aves um tronco. A Noruega é longe. A face noruega da coisas. Sol à meia-noite. Eu no alto do penhasco abrupto, debruçada à beira do abismo, olhando em vertigem, quem? O marinheiro do Maelstrom. Na minha cabeça os em segundos brancos eriçados cabelos do marinheiro sobrevivente do Maelstron. O oceano, daqui de cima, cintila de um azul plácido. Apareceu de repente na curva, oxalá daqui a mil anos continue a aparecer de repente na curva.

                   Ah, Daniel jamais se sentou, jamais se sentará comigo em um banco da Praça da República. Não porque não o quisesse, não porque não o queira: por ausência absoluta de direitos. Daniel, meu Maelstrom, meu verdadeiro mar norueguês, meu pânico absoluto. Daniel, cujo silêncio engana como o silêncio de Deus, o sono dos serafins. Sete serafins. Penso em nós, sete serafins, sete serafins a dormir. Qual será o fim de tudo isto? Haverá em algum Tempo, um fim para tudo isto? Daniel com seus telefonemas mudos a ouvir-me no vácuo. Daniel com sua loucura. Daniel com minha loucura. Eu no bojo de nós dois a calar-nos os gritos quase inumanos. Daniel, Senhor no Mundo, prisioneiro no seu Mundo Interior.  Mesmo na Noruega, o mar às vezes repousa. Rubem se quis violinista de orquestra de câmara, Daniel, violinista de orquestra sinfônica. Daniel e Rubem, o Mesmo, num átimo, por causa de um violino. Rubem se quis num sítio onde o violino coubesse. Rubem, o anarquista, avesso a gêneros, mercados… a quaisquer clubes que o aceitem como sócio, como se fosse possível a algum clube aceitar Rubem como sócio. E eu a circular entre esses Loucos-Lúcidos e a Casa e os Alunos e a Mãe e os Outros e os Íntimos Que Não Sabem, tantas Estrelas em galáxias a centenas de milhares de anos-luz umas das outras.

                   Enquanto se dorme o mundo descansa, mesmo nos pesadelos. Enquanto o mundo desce a serra eu permaneço de ouvidos tapados, aliás como todos, a vaca provisoriamente forte dentro de mim. Surgem os preâmbulos da cidade marítima de nome indígena, nome longo cujo significado os seus criadores conheciam e eu não, cidadezinha a estender suas ruas antigas com a igrejinha a praça o parque de diversões a roda-gigante o cavalinho a casa do monstro a barraca do churro a barraca da pipoca a barraca do algodão doce a música sertaneja. A areia se estende, o mar está no nível do mar. Esteiras chapéus óculos de sol cadeiras de vime cervejas caipirinhas sorvetes biquines barrigas coxas pernas seios fios-dentais garotos sarados bolas velhos gordos jogando petecas com seus pares castelos de areia coqueiros ouvidos enfim destapados. Ao fundo, um navio. O ônibus cruza a cidadezinha, como um deus orgulhoso. Daqui a oito dias Rubem faz cinqüenta anos, daqui a menos de um mês você, meu Maelstron, igualmente chega ao centro de seu estranho século, neste início de segundo ano da última década do segundo milênio. O ônibus continua em direção ao Norte e poderia continuar para sempre a fim de que eu pudesse, ad infinitum, prosseguir saboreando essa urgência de chegar e de partir. 

PRODUTOS NATURAIS por marilda confortin

 

 

As cabeças, ela plantava no mesmo canteiro das cebolas.  Todas enfileiradas. Não falhava uma. Dizia que as cabeças eram muito pesadas. Não foram feitas para ficar nas nuvens.  As idéias precisam de raízes, dizia. 

 

Os pés, plantava junto aos girassóis. Precisam descansar dos sapatos apertados, da longa caminhada da vida. É hora de por os pés prá cima, deixar que o sol guiar, dizia.

 

As mãos, ela cortava próximo aos punhos, juntava-as e plantava no jardim.  Junto às palmas.  Nunca é tarde para aplaudir a beleza das flores, dizia.

 

Os braços e as pernas, primeiro ela depilava e descarnava. Pra fazer salame. Depois serrava os ossos em partes menores. Alguns pedaços jogava  para os cachorros roerem, outros cozinhava na lavagem para os porcos. Antes, ela separava o porco que iria matar para misturar no salame. Se comer muito osso, fica com a carne dura, dizia. O resto ela reservava para fazer sabão.

 

Do tronco, ela retirava o coração e separava numa travessa de vidro. Era o órgão mais bonito do corpo, merecia estar do lado de fora do corpo, morar num recipiente transparente, dizia ela. O coração era curtido por vários dias no caldo de limão, com sal, noz moscada, pimentão e alecrim. Os corações melhores ela guardava em vidros de compota. Os mais duros, ela cozinhava em panela de ferro por 3 horas, depois recheava com uma farofa úmida feita com os miúdos (fígado, testículos) e farinha de pão torrado e moído. Terminava de assar no forno de barro onde assava também pão e cuca. Se fosse uma fêmea, ela separava os ovários para fazer sabonete.  As  vísceras eram cuidadosamente retiradas, lavadas, viradas do lado avesso, salgadas, enfiadas em gomos de taquara para secar ao sol. 

O resto do tronco, ela depilava, picava e reservava no tacho para fazer sabão.

 

Receita do salame:

Meia porção de carne fraca, fresca (preferencialmente humana. Se não tivesse, usava carne de  cordeiro) para cada porção de carne forte (preferencialmente javali. Se não tivesse, usava de porco ou de cavalo), vinho branco, seco (preferencialmente de maçã. Se não tivesse, usava de uvas), sal grosso moído, pimenta do reino branca mal moída, noz moscada bem moída e alho picado a gosto. A quantidade dos ingredientes variava de acordo com a quantidade de carne. 

Lavava muito bem a grande mesa de madeira maciça que ficava na varanda detrás da casa. Esfregava com uma esponja de aço, água quente e sabão de cinzas para retirar todo o resto de sangue coagulado, pêlos e resíduos de osso que sobrara do corte. Deixava secar ao sol.  Lavava muito bem a máquina de moer carne que era guardada no porão junto com os outros utensílios como o machado, a foice, as tesouras, os facões e o tacho. Cortava a carne em tiras e moía.

Juntava num balde o vinho, o alho, o sal, a pimenta e a noz moscada. Experimentava.  Dependendo do gosto, acrescentava um pouco mais de um ingrediente ou outro. Misturava à carne alguns cubos de toucinho animal,  os temperos e amassava, amassava. A massa criava uma liga visguenta. Deixava descansar por meia hora. Adicionava uns ramos de osmarim, amassava, amassava e deixava descansar por mais 20 minutos enquanto acendia o fogo para o tacho. 

Recolhia as tripas da cerca de taquara, hidratava-as e iniciava o embutimento do salame, com a mesma máquina manual que era usada para moer carne e fazer macarrão.

Amarrava os salames nas duas pontas e pendurava no porão, com as pontas viradas prá baixo para escorrer o excesso de líquido e de gordura. No dia seguinte, os salames já estavam meio desidratados e prontos para serem defumados por um período de 15 dias. Depois, vinha o período da maturação onde o salame ficava descansando à sombra por mais 20 dias e ela limpava o mofo diariamente, com gordura animal.

Quando seco, a tripa ficava completamente transparente. Dava para ver perfeitamente  o mosaico cuidadosamente formado pela carne fraca, mais clara, o toucinho branco, a carne forte, muito vermelha, grãos inteiros de pimenta e uma ou outra folha de osmarim só para dar um toque.  Uma obra de arte com sabor inigualável. Toda a produção já tinha comprador certo: Seu Paolo, do restaurante italiano. 

 

 

Receita do sabão

Usava as cinzas dos cozimentos anteriores para fazer a primeira leva de sabão.  Doutor Antonio, o médico dono do hospital regional comprava o sabão de cinzas para branquear as roupas de cama e os uniformes dos médicos.  Usava soda cáustica em escamas e água para derreter os ossos, carnes gordurosas e as partes menos nobres.  Cozinhava a mistura naquele tacho por dois dias. Não adicionava corantes nem aromas nesse sabão. Era absolutamente puro. Quando estava no ponto, deixava o fogo apagar naturalmente, o sabão esfriava e ela cortava em pedaços,  ali mesmo, dentro do tacho, como o mesmo facão que utilizava para picar os ossos.  Na parte de baixo da barra de sabão ficava uma camada de cinzas e pedacinhos de osso propositalmente mal derretidos. Era esfoliante. Deixava secando no porão. Doutro Antonio dizia que além de ser ótimo para lavar roupas, era também excelente para limpar as feridas dos doentes. 

 

Receita do sabonete

Ela fazia vários tipos de sabonete artesanais. Ricos em glicerina natural, macios, perfumados e  sua espuma tinha um efeito hidratante que melhorava a pele e retardava o envelhecimento. Vendia aos pedaços,  mal cortados, enormes,  sem embalagem nenhuma,  para o farmacêutico da cidade, que ela insistia em chamar de Seu Boticário. Ele fornecia a ela litros de essências e corantes.  Ela nunca foi à farmácia para ver como ele vendia seus sabonetes. Mas um dia ele trouxe de presente uma cestinha com vários sabonetinhos em formatos de flores, bolas, quadrados, lascados, soltos ou embalados com papel celofane. Foi o presente mais bonito que  ganhamos.Difícil de acreditar que eram os mesmos sabonetes que fazíamos,  naquela cestinha de vime. 

O processo do sabonete, era bem parecido com o do sabão. Derretia no tacho as partes nobres que havia separado até obter uma pasta uniforme. Depois, com uma concha de cobre, retirava um pouco daquela mistura e separava num outro tacho.

Ali, adicionava os ingredientes que dariam a cor, o perfume e a propriedade medicinal do sabonete. Tinha os sabonetes brancos feitos com leite de cabra e essência de rosas; os sabonetes verdes, feitos com  funcho, hortelã,  abacate ou babosa; os sabonetes escuros, feitos com guanxuma, arruda, malva; os amarelos feitos com mel, girassol ou camomila. Alguns levavam cascas de árvores, sementes e raízes. O que ela fazia para nosso uso particular, era de ovário, placenta ou feto derretido,  leite de figo verde, mel de uruçu mirim, cravo e raspas de casca de canela. Aquele sabonete era muito gostoso.  

 

Ela já estava com uns 85 anos e eu com uns 12, quando apareceu lá em casa três carros muito barulhentos cheios de luzinhas em c PARA UM HOMEM (das cavernas) – poema de marilda confortinima. Uns homens fardados reviraram tudo.  Abriram buracos no jardim, destruíram a horta, roubaram nossos corações, os salames que estavam pendurados no porão, ensacaram o sabão e sabonete e nos enfiaram naquele carro barulhento. Quando vi Seu Boticário, corri para o colo dele. Empurrou-me como se não me conhecesse.  Procurei seu Paolo, o dono do restaurante,  mas ele baixou os olhos, me evitou. Então vi doutor Antonio. Pegou-me pela mão e disse que tudo ficaria bem. Aplicou-me uma injeção e eu dormi ali mesmo, no sofá daquele lugar cheio de grades.  No dia seguinte, acordei na chácara dele.  Pediu que eu plantasse a cabeça dela nna hora.  Guardei o coração dela num vidro de compota. Ganhei um tacho novo. Fiz sabão de cinzas e abacate com o resto. Estava muito velha e magra pra fazer salame e sabonete…  Ainda bem que ela já tinha me ensinado tudo.

 

HIPOCRISIA poema de leonardo meimes

Hipocrisia

 

Fama

Sorte

Eufemismo

Hipocrisia

 

Fome

Morte

Paralisia

 

Colheita

 

Corto

Queimo

O mato

E faço

A morte

Minha

Safra

 

Minha santa

Guerra

Mata

 

Mas a guerra

A morte

E a fome

Santa

Salvam

 

Hipocrisia

SAMBA TRISTE de darlan cunha

 

 

Samba triste que eu nunca quis

nem espero

o riso no penhasco

a viva voz de uma perda

não sai da gente, não,

mesmo que a fúria decresça no sopro azul

de um violão

viver menos

nervos de refém, indo

pelo pavio curto

de querer fossem azuis os planos aéreos ou

os de pé no chão

Samba triste que eu nunca quis

não venero

*****

 

 

SE A GENTE VELHA SOUBESSE *

 

Não me deixem de modo algum ficar velho-gagá igual a tantos que por aí tenho visto e ouvido e sentido e evitado, sim, não me deixem caducar, ficar do jeito que não quererei nunca: gagá-velho assim sem saber o que dizer, a não ser as mesmas histórias

de tristezas e alegrias de todo dia nalgum bar ou mercearia quase tão sonolenta ou putativa quão cansativa é a vida de tantos idosos, embora eu saiba que nem todos se tornam motivo de chacota ou, o que é pior, de fuga geral.

Não quero ficar velho-maluco-beleza, e exijo que me digam isso, caso eu me esqueça disso, para que fuja ou resolva dormir, como o fez a incansável e digna poetisa argentina ALFONSINA STORNI.

Não se esqueçam. Eu exijo.

*****

 

*: Alusão à linda canção do compositor – e arquiteto – Billy Blanco, “Se a Gente Grande Soubesse”, escrita em 1967, a pedido do filho Bilinho

SENTIR-SE AMADO por marta medeiros

 

 

O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama. 

Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado. 

Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se. 

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também? 

Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois. 

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. “Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho”. 

Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato.” 

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta. 

Agora sente-se e escute: eu te amo não diz nada. 

                                                 foto livre. ilustração do site.

LULA LÁ ou LULA CÁ por walmor marcellino

ME EXPLIQUEM

Antes da atual depressão capitalista eu já não entendia dos mistérios do Estado dominado e dirigido pelo capitalismo. Depois, com a turvação das diretrizes neoliberais do Brasil, juntamente com outros “nacionalismos” com “democratizações” na América Latina, acreditamos que haveria mudanças significativas no aparelho de Estado, que então passaria a agir pelo menos em busca de um equilíbrio entre as classes sociais produtoras: os produtores diretos seriam ressarcidos da “produtividade extraordinária da mais valia” e dos confiscos públicos que tributam as avenças do trabalho mais do que ao capital.

Vimos a crise e a exposição de fraudes especulativas nas finanças reais e virtuais. E, desde aí, o falecido Lord Keynes foi chamado para ostensivamente salvar o capitalismo especulativo com os recursos públicos de Estado (afinal, especular é sua condição essencial de crescimento!), a pretexto de que estariam salvando a nação e seu sistema produtivo e a própria vida das pessoas; e não só os míseros acionistas classe-média do sistema especulativo das bolsas e de outras instituições financeiras.

Que os 7, 8 ou 20 países capitalistas “desenvolvidos” às custas da espoliação do trabalho e da apropriação do Estado “de bem ou mal-estar social” queiram remir seus déficits, “quebras”, perdas e prejuízos tidos na aventura do roubo e do lucro não é motivo de surpresa. Mas que os governos social-democratas ou democrata-sociais subdesenvolvidos entreguem as classes sociais subalternas para que os Guido Mântega‑Henrique Meirelles e seus tecnocratas desfaçam os últimos laços econômico-políticos do resgate sociopolítico do povo brasileiro é muito mais que um abuso e uma afronta.

Além da retórica bravateira de governo no próprio ato de “salvaguardar” os meios e interesses financeiros e especulativos das casas de crédito e de afiançar aos exportadores e às empresas de obras públicas que o espetáculo vai continuar, o que ficou acordado com as classes trabalhadoras e o sistema da produção de alimentos para a mesa nacional? (As garantias sociais do trabalho e da produção?)

Assusta-me que a “causa nacional do governo Lula” tenha um Brasil do capital e não do trabalho e a “causa democrática do petismo lulista” preconize que as instituições servem ao capital, como o “capital serviria a todos nós”. E foi para isso que nos vem convocando a representação democrática dos interesses nacionais?.

Curitiba, 20/10/2008

 

COMO MELHORAR o ENSINO do PORTUGUÊS por vicente martins


 

No presente artigo, oferecemos uma proposta de quatro oficinas ou encontros pedagógicos para a melhoria do Ensino do Português na Escola, especialmente o Ensino Fundamental. Tomaremos como paradigma para ação pedagógica a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicologia Cognitiva. As sugestões a seguir podem ser aplicadas ao próprio ambiente de trabalho, isto é, na escola e em serviço, reunindo professores-formadores e professores em formação contínua ou continuada.

O primeiro passo dos docentes é considerar a proposta pedagógica da escola para o ensino Fundamental. Assim, pertinente é a realização de uma Oficina de Leitura, Análise e Reestruturação da Grade Curricular da Disciplina Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. A oficina  pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Ensinar a Língua Portuguesa.

Caberá ao formador dos docentes tomar como parâmetro de estudo as diretrizes estabelecidas pelo MEC/CNE para o Ensino Fundamental, através de documentos específicos (PCN, Resolução, Portaria, por exemplo) sobre o assunto, reestruturando o currículo do Ensino Fundamental, para a discussão com os professores, em três dimensões: a) competências: comunicativa, lingüística e lectoescritora; b) Conteúdos: Fonologia, Ortografia, Morfologia e Sintaxe, com detalhes de assuntos ou tópicos de cada setor de estudo e c) Habilidades Cognitivas e Instrumentais a serem alcançadas no final de cada série. 

A partir das discussões com os professores, os formadores, em geral, observarão que muitos pontos do currículo ainda não são devidamente trabalhados pelos docentes, prática que nos sugere uma formação deficitária dos mesmos.

Os erros ortográficos, por exemplo, ainda são trabalhados, em sala de aula,  de forma tradicional, com punições e atitudes não pedagógicas, não levando o professor, em conta, a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicopedagogia na abordagem do ensino-aprendizagem da ortografia. Compreender mais sobre a memória, como as crianças memorizam as formas lingüísticas, é fundamental para um ensino eficaz em sala de aula.

Uma segunda oficina que proponho aqui pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Escrever Corretamente. Inicialmente, deve o professor-formador apresentar aos professores os principais teóricos sobre o ensino de Ortografia.

O professor-formador pode começar por oferecer aos docentes em formação, para um tratamento didático sobre a matéria, uma série de exercícios para que os mesmos, a partir das alterações ortográficas, verificadas nos textos escritos dos alunos, possam reverter a situação de disortografia e promover o domínio da língua  na sua variação culta.

Em geral, essa oficina ou encontro vai assinalar a necessidade de uma formação específica dos docentes para o trabalho com a ortografia a partir da produção textual, especialmente tomando a revisão como parte do processo da construção do texto.

Minha terceira idéia é a oficina foi denominada  Como Desenvolver a Capacidade de analisar e refletir sobre a Língua(Gramática). Nas discussões com os professores, percebemos que os mesmos têm a crença de que o domínio da língua culta passa pelo conhecimento gramatical e lingüístico. 

O enfoque do formador deve ser o  de que é responsabilidade da escola o ensino da gramática, o que não significa restrição ao ensino de normas gramaticais, mas uma atitude de mostrar aos alunos que a língua culta, especialmente a gramática normativa, referencia, em nossa sociedade letrada, uma classe social emergente e que é papel da escola pública, municipal ou estadual, oferecer aos educandos competências para aquisição e desenvolvimento da comunicação requerida para uma cidadania ativa.    De modo geral, os professores têm uma forte inclinação ao ensino normativo da língua portuguesa, especialmente as normas extraídas de textos referenciados pela literatura clássica, o que os levará, decerto, a orientá-los à tomada de decisão na escolha de novos paradigmas normativos de uso da língua previstos nos jornais e as revistas de grande circulação nacional e na mídia eletrônica, em especial, a Internet.

 

Por fim, a quarta e última oficina pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Leitura e de Produção de Textos(Leitura e Escrita). Esta Oficina mostrará, desde logo, a importância da compreensão leitora, isto é, a compreensão do texto lido, como uma das habilidades mais significativas no processo de formação escolar dos estudantes do Ensino Fundamental.

No tocante ao texto escrito, ao professor-formados caberá a oferta de uma metodologia processual, com base na abordagem cognitiva (Psicolingüística) para que os professores, em formação (e preferencialmente em serviço) trabalhem a produção textual em diferentes fases (planejamento, produção, seleção e organização de idéias, revisão, releitura do texto e edição final), de modo a não se limitar a avaliação do texto para verificação de aprendizagem (atribuição de nota), mas procurando dar um novo destino ou audiência aos mesmos: por exemplo, publicação dos textos dos alunos em jornais locais e na Internet.

 

 

 Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará. 

ERA UMA CASA MUITO ENGRAÇADA… por flávio calazans


Fui ao Urugay a convite apresentar minhas pesquisas de tecnologia de ponta  (Semiótica Subliminar e Midiologia subliminar) aplicadas ao Marketing Internacional no “Laboratório de Alta Tecnologia Uruguayo” (LATU), sendo recepcionado no aeroporto de Carrasco-Montevideo pelo senhor P., que trabalha em consultoria de Relações Públicas Internacional, com escritório em New York, um senhor volumoso ítalo-uruguayo que falava um português impecável e com sotaque brasileiro, que diz ter aprendido nas canções de Roberto Carlos, e que conhecia bem “as curvas da estrada de Santos”, onde veraneava quando morou no Brasil.

 

Aproveitei e passei uns dias em Punta del Este ;  uma península, um balneário de altíssimo luxo, com mansões de veraneio de esportistas, artistas, políticos, pecuaristas e latifundiários, hotéis de cinco estrelas com heliporto no teto e cassinos no térreo. Punta está na provincia de Maldonato e tem cerca de 6 mil habitantes, na baixa temporada as lojas estão fechadas , venta muito e faz uma temperatura de oito graus no sol de meio dia!!!.

 

Em Punta Ballena, Urugay, ao lado de Punta Del Este, localiza-se a famosa “CasaPueblo”  construída acompanhando o traçado das rochas do penhasco marítimo, um todo orgânico branco sem linhas retas, irregular e complexa, partes claustrofóbicas e partes ágorafóbicas, lembrando bastante o catalão Gaudi (Sagrada Família) e com “veias” em alto relevo pelas paredes conduzindo encanamento de água e fios elétricos, muito orgânica, biônica, sentí a mesma emoção que quando ví pela primeira vez a “Arquitetura Arquétipa” de Martin e Roger Dean-Inglaterra, anos 70 .

 

CASAPUEBLO começou como um excêntrico ateliêr do artista plástico Carlos Páez Vilaró …pintor, gravador, ceramista, muralista, escultor ,  cineasta, escritor, etc..um artista multimídia que chama casapueblo de “escultura para viver” e a concebeu como um tipo de instalação-intervenção no penhasco rochoso no qual foi crescendo espontaneamente por mais de 30 anos e continua sendo construída pelo forte Vilaró nascido em 1923 com 71 anos que passou por mim apressado e cheio de vigor com passos largos e estrondosos, semblante sério, mas de bem com a vida com seus olhos brilhantes de artista realizado .

 

O poeta brasileiro Vinícius de Moraes dizia que casapueblo era um labirinto grego , uma vez dentro não de sabe se está entrando ou saindo ; Vinícius compôs o hino de casapueblo:

 

Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela, porque na casa não tinha chão. Ninguém podia dormir na rede, porque na casa não tinha parede. Ninguém podia fazer pipi, porque penico não tinha alí,… mas era feita com pororó, era a casa de Vilaró “

 

Depois, Vinícius adaptou a canção e lançou no Brasil..é um prazer descobrir aqui sua origem..

 

Horacio Guarany também o cita em uma canção: “Remontando un barrilete, que quiso llegar al cielo, Carlos Paez Vilaró, contruyó su CasaPueblo”

 

 

Cada personalidade que visitou CasaPueblo teve um quarto com banheiro  construído para sua estadia :  Robert de Niro, Omar Sharif, Brigite Bardot , Che Guevara, Carlos Menem, Tony Curtis, Ivo Pitangui, João Gulart, Toquinho e Vinícis,  Patrick (filho de Jonh Wayne) e Anthony (filho de Alain Delon)  etc..no que hoje é um hotel internacional com mais de cem quartos e sempre crescendo.

 

Em 1972 um dos filhos de Vilaró estava no avião que caiu no Chile, na cordilheira dos andes, quando por meses tiveram que comer carne humana, e Vilaró escreveu um livro sobre seu drama de pai, a foto do reencontro é a capa deste best-seller que virou um filme de hollywood-USA.

 

Visitando brasília em construção, Carlos Paez Vilaró escreveu um livro sobre ela e criou sua casapueblo sem linhas retas para ser mais humana, uma ANTI-BRASÍLIA urugaya !!! Concordo com ele..minha cidade ideal seria uma Cidade Fractal (vide, na Internet, em meu website http://www.calazans.png.br ).

 

Carlos foi membro fundador e incentivador do “Grupo 8 del Uruguay” , grupo de artistas plásticos com sponsoring (mecenato) de Rodolfo Mezzera cujo marketing de arte levou a produção uruguaya a todo mundo em exposições itinerantes como mostruário-vitrine para serem feitas encomendas pelos marchands locais, um excelente projeto de marketing cultural global a ser exemplo para nós, brasileiros.

 

Nos seus livros, a única queixa de Vilaró era contra “…la solapada tradición de obstaculizar la marcha a los que hacen cosas..”  isto lembrou-me muito do ambiente de trabalho em certas faculdades brasileiras, o que mostra a universalidade da conspiração dos medíocres, improdutivos e invejosos que amargam frustração e fracasso pessoal.

 

Em 1964, Carlos Paez Vilaró teve sala na VIII Bienal Internacional de Arte de São Paulo-Brasil com sua “PLAC-ART” um tipo de instalação com objetos, robots, luzes , cores e sons unificados como uma fusão de Pop e Op Art, e nesta bienal recebeu o prêmio pesquisa .

 

Nos anos 70 criou as caixas Stand-Art, expostas a convite no MASP.

 

Seu filme “Pulsation” de 1969 é considerado o precursor da linguagem de videoclipes (e de experimentos como “Koyanasquatch”), “Pulsation” foi  filmado por três anos no Pacífico Norte, com música de Astor Piazzola, pontuando imagem sonorizadas com o impacto do “Esperanto del silêncio” onde o espectador cria-projeta sentido, é cúmplice ao construir a história além das barreiras da linguagem..projeto interativo pioneiro, que lembra o Poema-Processo, a Instalação e a Web-Art.

 

A visita ao museu CasaPueblo foi o ponto alto da viagem, no meu entender, cinco dólares com direito ao vídeo-documentário sobre vida e obra de Carlos Paez Vilaró e andar pelos diversos pisos do museu a esquerda, enquanto o hotel fica à direita… na foto em meu website http://www.calazans.png.br , estou no restaurante, ainda comovido com a emoção de estar dentro da “escultura para morar”, a casa dos sonhos de Carlos Páez Vilaró ….

 

(Outro ponto interessante em Punta é uma Gargantuesca Manopla enterrada na areia da praia, uma escultura instigante de dedos com unhas insinuando provocantemente a existência do resto do corpo do gigante enterrado sob a areia, instigando e desafiando a imaginação a sentir como seria o resto soterrado.. esta Mão é uma das esculturas mais criativas que já toquei, e, para mim, um símbolo do sufocamento e memória perdida dos nossos indígenas, quer seja Incas no Perú, Mapuchos no Chile, Tupinambás-Tamoios no Brasil (Inspirando meu álbum em quadrinhos “A Hora da Horta” no website da Internet http://www.calazans.png.br )…ou das tentativas sempre enterradas de criar um bloco econômico no cone sul onde o Brasil compra Laticínios, Couro, Carne e Lã de países que produzem todos estes mesmos produtos e nunca comprariam uns dos outros…esta estátua é  uma “Obra Aberta” a interpretações, diria Umberto Eco).

 

PÁEZ VILARÓ, Carlos. Cuando se pone el sol. [Uruguay: Ediciones de Casapueblo, febrero de 1995], 313 páginas ilustradas coloridas. Contém Biografia. 

INSÉTICA poema de jairo pereira

 

 

 

os insetos caiam, crepitavam, luminesciam

e não eram vagalumes

os insetos como moedas atiradas ao chão

moedas brilhantes na noite grande

do meu virtual sertão

pegava as brasas da fogueira recém-acesa

q. acendia por acender

e comparava de brilho com os insetos

tudo luminescia em esplêndida

fotóptica resolução

pisava a terra fresca na noITE infinda

pisava insetos e folhas secas, gravetos

musgos sobre pedras

tudo luminescendo estrelas frias

moedas de ouro polido

pássaros asando espelhos partidos no fogaréu

um cavalo meu cavalo

saltando as achas incandescentes

estalos de taquara na mata densa

signos híbridos no meu signário

terços claros no meu terçário

ranídeos nos banhados

saltos engenheiros

lua estirada no perfil da estrada

serpentinas flamejantes nas encruzilhadas

insetos e moedas polidas de ônix brilho

no esplendor do dia.

MINHA BUSCA VÃ poema de vera lúcia kalaari/Portugal

 

 

Ao rouxinol que canta

Na noite que vai caindo

Marcado de triste dor,

Às nuvens que vão subindo

Em matizes d’esplendor,

Eu peço notícias de ti.

Ao vento que vai passando

À brisa que vem chegando,

Ao odor do mar e da flor,

Ao canto das praias varridas

Pelas ondas irritadas,

Eu peço notícias de ti.

Às gaivotas que vão deixando

Pelo ar, um risco branco,

Ao rumor leve dos buzios,

Às mil e uma coisas da terra,

Eu peço notícias de ti.

Aos homens que vêm chegando,

Aos barcos, às fontes, aos rios,

Às estrelas que vão brilhando

Em risos, em frio desdém,

Eu peço notícias de ti.

Ninguém mas dá!

Só a chuva sobre mim em pranto se cerra.

Há silêncio em toda a terra,

Silêncio seco e ruim

De ventos vergando ramos

Como se dentro de mim

O mesmo silêncio se vaze.

Não há notícias de ti!

E neste anseio cansado

Nesta pergunta tão vã

Apenas queria (vê lá)…

Ser nuvem, ser ave, ter asas,

Ter algo mais do que sonhos,

Do que cantos, do que versos,

P’ra que pudesse voar

E poder assim saber,

Algo de ti, meu amor.,

 

BORRA ASSINADA poema de lilian reinhardt


 

                         
   (líricas de um evangelho insano

 

                           No fundo da xícara 
             a borra do meu olhar. 
             Dos olhos borrados de pó, 
             de orvalho salgado, 
             no (dó)i do teclado que ouço 
             e não entendo…
             meu olhar geométrico 
             se perde na mancha abstrata,
            onde assino?!

 

HISTÓRIA DE UM HAMSTER por hamilton alves

 

 

                                               É muito difícil admitir que um escritor que vem de escrever uma importante obra (uma trilogia), envolvendo um personagem ganhador (único neste país) do prêmio Nobel de literatura, Lúcio Graumann, cujo terceiro livro se encontra ainda no prelo ou prestes a ser lançado, abale-se a contar uma historinha de um bichinho tão despretensioso (ia dizer insignificante) quão curioso como um ratinho sirio – um hamster.

                                               Pois a essa tarefa, quase absurda, podia-se dizer, lançou-se o escritor pernambucano, já laureado com alguns prêmios dentro e fora do país, Fernando Monteiro. Afora as ilustrações, algumas delas pouco condizentes com o texto e o tema, o livro alcança uma qualidade que o recomenda aos leitores, desejosos, certamente, de conhecer o que ocorre com um ratinho que, por fatal decorrência dos fados, vai dar na casa de uma família (a do escritor) em que todos não apenas se regozijam com o fato, mas o atribuem como dádiva da sorte, passando a ter pelo bichincho (que ganha o nome de batismo de Aparício José Dornelles de Carol, que vem a ser primogênita do escritor) todo o indispensável cuidado. E, daí por diante, passa a conviver no âmbito desse pequeno clã, seguindo-o nas horas em que tem direito à ocupação de todo o espaço, visitando os lugares mais imprevisíveis, até dentro de um sofá, por onde, certo dia, se introduz, causando pânico às pessoas, que têm que buscar meios cuidadosos de tirá-lo de tal apertura.

                                               Ao longo de 35 páginas, Fernando narra as peripécias vividas pelo ratinho, sua acomodação meio problemática ao reduzido espaço de uma gaiola e às horas destinadas ao lazer, quando então tinha que ser seguido atentamente para evitar que qualquer peraltice pudesse lhe causar conseqüências mais sérias.

                                               A vida de Aparício conta-se, em geral, em pouco mais de 4 anos. E isso é um fato doloroso, pois quisera que tivesse uma longa vida, tão importante passa a ser para esse pequeno núcleo familiar, que o acompanha, que o segue, que o admira e que – numa palavra – o ama. Mas, queira-se ou não, a sorte do Aparício está selada na contagem impiedosa de sua expectativa de vida.

                                               Enquanto isso não acontece, passa a ser o personagem central, a ocupação primordial de Fernando, da esposa, Cristina, de Carol, Cecília e Binsk, filhos. Todos estão concentradamente voltados sobre Aparício, acompanhando-o, quer esteja engaiolado, no que lhe parece um espaço pouco propício a sua índole peripatética, acostumado por natureza à liberdade e à busca de acomodações as mais insólitas, quer solto.

                                               À parte, porém, a travessia feita por Aparício no confinado apartamento onde passa a morar com essas pessoas, com as quais procura conviver em paz e na mais perfeita ordem, pois o ratinho tem sua disciplina própria, “O nome de um Hamster”, essa pequena jóia literária, produzida por Fernando Monteiro, é trabalhada com intenso e visível cuidado artesanal, como se o escritor pesasse cada palavra ou cada frase para conduzir a narrativa a bom termo. E o faz, ao fim e ao cabo, com perícia inigualável, dado o fato de tratar-se de um tema que oferece pouca ou reduzida possibilidade de desenvolvimento literário.

                                               Uma historinha dessas deveria alcançar todos os estudantes (ou todas as crianças de 8 a 80 anos) de ensino fundamental e médio, não só pela narrativa, em si mesma, original e exemplar, mas pela alta qualidade literária.                                                    

Tanta porcaria, nos dias atuais, é destinada à leitura na importante e decisiva fase de formação de educandos. Até porque a literatura infantil, depois de Monteiro Lobato (para falar-se em termos de Brasil), entrou em completo recesso. Não se publicou mais, neste país, uma obra da envergadura, da beleza ou mesmo até da excepcional importância literária de “Sítio do Pica Pau Amarelo”, que, como sabido, se projetou para além de nossas fronteiras.

                                               Pois aí está o Aparício Dorneles – um simples hamster – trazido à cena literária por Fernando Monteiro, a merecer ocupar esse espaço vazio na literatura infanto-juvenil brasileira, tão necessitada de obras semelhantes, que sirvam como manual escolar obrigatório destinado à boa formação humanística de estudantes de grau médio.

                                               Longa vida e êxito ao Aparício na senda da literatura infanto-juvenil.            

LINGUAS ARRANCADAS por alceu sperança

 

Para que têm servido os governos dos ricos, das oligarquias, dos reis e imperadores? Além do luxo para os protagonistas, apenas à corrupção do Estado, à miserabilidade de multidões e a atos de extrema desumanidade. O capitalismo arrasta atrás de si milhões de cadáveres e humilhações aos que sobreviveram. No Brasil, apesar de continuar no poder, eles querem que até o “reizinho” entronizado no palácio governamental seja extraído de suas cheirosas e elegantes fileiras. Desagrada-lhes que haja um mero pequeno-burguês como presidente ou governador de Estado: eles querem é impedir a mínima possibilidade de que algum dia o povo realmente venha a controlar os mecanismos de geração e distribuição da riqueza.

É imensa a crônica de brutalidade da exploração escravista, feudal e capitalista. É horrível, mas vejamos algumas formas de “castigo” a quem não compactuava com os ricos de plantão no controle da sociedade, registrados apenas numa “sessão” de doutrinação religiosa (hoje dir-se-ia “evangélica”) ocorrida no Rio Grande do Norte em 1645:

O colono Baracho foi amarrado a uma árvore e, ainda vivo, teve a língua arrancada. Matias Moreira teve o coração arrancado por não concordar em abjurar a fé católica. Espatifaram, com o pau, a cabeça de uma criança, filha de Antônio Vilela. A filha de Francisco Dias teve o seu corpo partido em duas partes. A mulher de Manuel Rodrigues Moura, depois que o marido morreu, teve cortados os pés e as mãos. A vítima sobreviveu, ainda, três dias ao lado do marido morto. Uma moça, muito bonita, foi vendida e a moeda de troca foi um cão de raça.

Os romanos reservavam a cruz para os escravos e para os piores criminosos (Cristo foi uma de suas vítimas). Os gregos usavam metal incandescente, como aquele usado para marcar o gado. Também eram castigos entre os gregos o envenenamento, a morte a pauladas, o apedrejamento, o lançamento em precipício, o estrangulamento, a decapitação e o enterro em vida. Os pelourinhos, tão conhecidos no Brasil, eram usados para açoitamentos públicos.

Hoje as coisas não mudaram muito. Os ricos acumulam nas mãos de poucos as riquezas geradas coletivamente: seus bancos faturam horrores, financiam campanhas eleitorais, absorvem terras, transnacionalizam fábricas, empregos, genes. Estão na raiz da violência que corre solta por aí, que força-tarefa repressiva alguma vai resolver, porque seus fundamentos desumanos não estão resolvidos.

Tais fundamentos são a manutenção dos privilégios e interesses dos poucos ricos sobre a imensa maioria que sofre. E o grau da exclusão varia bem pouco no tempo, apenas se tecnifica. No interior do Paraná, há meio século, dizia-se aos posseiros (o MST da época): “Por que vocês arriscam a vida indo tomar a terra de um bacana paulista cheio de jagunços quando podem trabalhar como meeiros ou empregados deles?” Hoje, você se forma em Pedagogia, Direito, Jornalismo e Comércio Exterior, canudo na mão e nenhum emprego, e alguém lhe diz: “Seu vagabundo! Vai lá na avícola, vai trabalhar de pedreiro, pois a construção está bombando é só não trabalha quem não quer!”

Arrancar a língua, tirar o coração, vender a moça, esquartejar, torturar e humilhar, práticas antigas, foram evoluindo para alguns tipos de torturas e castigos igualmente horríveis no admirável mundo novo da modernidade: concentração da renda, aumento das desigualdades, cassetete da polícia e exposição na TV. Mas a plutocracia quer poder, mais poder, muito mais poder. Mais línguas extirpadas (direitos humanos afrontados), corações arrancados (empregos extintos) e gente, gente às pampas, humilhada e entregue à degradação. Não é estranho que estejam ainda a chorar as Marias e Clarices, agora as dos excluídos comuns.

 

RUMOREJANDO (Violência. Até quando!)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

“A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”. (Jô Soares). É que rico tem mérito; pobre, tem culpa (Juca). Elementar, caro leitor, digo Watson (Sir Arthur Conan Doyle).

Constatação II

Não se pode confundir perrengue, que quer dizer pusilanimidade, teimoso, birrento com merengue, muito embora quem come este, o estômago pode ficar aquele, mormente teimando em se sentir enfadado, glicêmico, enjoado e coisas desse jaez.

Constatação III

Não se pode confundir aludindo com iludindo, principalmente com a explicação de políticos, governantes e outros menos votados e/ou nomeados.

Constatação IV (De uma dúvida não necessariamente crucial).

Deu na mídia: “Segundo pesquisa realizada na Grã Bretanha, “um em cada quatro ingleses não lavam a mão depois que vão aos pés”. É a isso que se chama meter as mãos pelos pés?

Constatação V (Dúvida não crucial via pseudo-haicai).

Bach, em ritmo de rock pauleira

Só pode descambar

Em grossa asneira ?

ConstataçãoVI (Dúvida crucial, monárquica, via pseudo-haicai).

Entrou um plebeu

Na corte. Claro?

O rei nem bola deu.

Constatação VII (De um aproveitamento melhor do tempo).

Refiz um trato desfeito com ela:

Eu não assisto até meia-noite o futebol

Ela não fica até as 10 na novela.

Sem dúvida um trato de escol!

Constatação VIII (Quadrinha para ser recitada na Bolsa de Valores e/ou num motel).

A crise me pegou em cheio

Meu desempenho esmoreceu

Nas iniciativas eu titubeio

Lá se foi meu apogeu.

Constatação IX

A violência chegou a tal forma

Que é de se perguntar:

Será que virou norma

Ou nunca isso vai parar?

Constatação X

Valha-me seja lá quem for:

O Paraná na terceirona

Seria muito sofrimento e dor

Minha mente ficaria doidona

Só de pensar me dá frio e calor.

Constatação XI

Deu na mídia: “Uso excessivo de celular pode causar urticária dizem especialistas”. Data vênia, como dizem nossos juristas, mas Rumorejando acha que escutar o horário político pode dar também.

Constatação XII (Opinião não necessariamente abalizada. Porém, já que todo o mundo é técnico…)

A gente não está nada contente com o desempenho da seleção brasileira. E não dá para ser diferente. Mas os hermanos, nossos eternos rivais, também não estão. Os uruguaios, idem. Por outro lado (qual lado?), os paraguaios estão contentes com o desempenho do seu time que tá bem na frente com o primeiro lugar nessa fase eliminatória. Pediu demissão o técnico dos hermanos e pedem a cabeça do Dunga. Data vênia, como diriam nossos juristas, mas Rumorejando acha que não é uma questão de técnicos. É que o time paraguaio não está jogando com salto alto… Elementar.

Constatação XIII

Mesmo que alguns eleitores não votaram no atual prefeito de Curitiba, ainda assim ficaram contentes com o índice percentual de sua vitória que não ensejou um segundo turno…

Constatação XIV (Problemas da Terceira Idade).

Ela faltou comigo com o devido respeito:

Disse que eu estou ficando um velho caduco

Que eu não dou mais no coro no nosso leito

E que eu não sei mais descartar num truco.

Constatação XV (Dúvida crucial via pseudo-haicai).

A moça siliconada

Tá com tudo

Ou tava com nada?

Constatação XVI (Quadrinha apelativa com os sufixos de verbos ar e ir).

Se o meu Corinthians voltar

E o meu Paraná não cair

O futebol só terá a ganhar

E minha alegria irá advir.

Constatação XVII

Vendi minhas ações

Comprei euro

Aí minhas decepções

Fiquei esquizoneuro.

Constatação XVIII

Rico reaparece; pobre, assoma.

Constatação XIX

Rico é impetuoso; pobre, impiedoso.

Constatação XX

Rico é audacioso; pobre tem topete.

Constatação XXI (De uma dúvida crucial).

Fiquei assaz preocupado e aflito

Quando o juiz não apitou o pênalti

Será que ele engoliu o apito?

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

                                                  arte livre. ilustração do site.

SARAVÁ paranista – por solivan brugnara

 

Curitiba, urucum, nomedopaiespritosantoamén, teta de nega tem gosto de cravo, ai que quente que quente, saravá Paraná, preto quer vergamota, me veste de perfume, Yemanjá ave-marinha cheia de graça cheira jasmim, já Exu sangue de galinha, quero pinga nas tripas, cartas psicografadas de escritores mortos provam que a morte acaba com o talento de escrever, saudade de cagar em patente, sossegado ouvindo o zunido das varejeiras, traz um talo de funcho pra eu mascar, batuque Ba tu tu tu que que, Curitiba, Guarapuava, sopra nega, sopra que ventinho de mulher é bom, quente que quente, isto fede como vestiário depois do jogo, que sede, me traz um chimarrão, Paraná precisa de um pouco da preguiça preta da Bahia, rede é remédio pro coração, pinga com milome e amarga, com jabuticaba fica doce, bodegueiro 0v0 e saleiro, este incenso é pra Ganesha minha filha, pra Buda, não pra Preto Velho, pra Preto Velho é outro, coisa feia é lobisomem caçando pardal, gringo limpa unha com clipes,vácarpifazehortaarrancaguachumba, vai te faze bem, espanta as moscas nega, sou caboclo forte, como uva com melancia, manga com leite quente e não faz mal. Baticundum cum ariticum, nomedopaiespritosantoamén, vi briga de facão embrulhado no jornal, vi morto com seis tiros no samambaial, chá de macela, se o churrasco fazer mal, alga pinta mar de verde, bibelô do Paulo Leminski para pôr em cima da geladeira, já experimentou laranja com sal, já ouviu “picando fumo” da dupla caipira Almeida & Júnior. Kaigang, Guarani, rio Piquiri, cerveja com lambari, cuidado meu filho porque a soberba veste a pele da humildade, cuidado também com seu computador site de home pelado tem o vírus da AIDS, revista pornográfica comprada na rodoviária tem mais sabor, dor de estômago põe Olina na tua cachaça, use Fernando Pessoa para explicar a Santíssima Trindade. Tubaína com galeto, alcatra no espeto, batu que que, nega suada vem aqui quero sentir teu cheiro de mar de Guaratuba, psicografar quadro de Kandinsky é fácil quero ver um de Rembrandt e guabiroba é a polenta das frutas. Saravá, sarará, saravá, baixe no terreiro o espírito do piá afogado no Iguaçu, traga rosmeia, cravo, jasmim, chá de flor de cemitério seca três dias depois do dia de finados é bão pra asma, baraiodetruco e boxa, o céu esta azulgralha, pra tosse, ar da ilha do mel com limão. Saravá, sarava.com.br, preto velho é inteligente sabe escrever o nome do presidente Geisel na calculadora,                         , esculpir Jesus no nó de pinho, um caminhoneiro que morreu indo de Francisco Beltrão a Paranaguá precisa de flor de plástico na cruz posta no local do acidente, pro mau hálito masca folha de laranjeira, só língua morta cabe inteira num dicionário, saravá Paraná, sr. cinzeiro-cheio é mais viciado em ansiedade que em cigarro, renovar, renovar, junte ao panteão da umbanda as imagem de um Kaigang, do Barão do Serro Azul, de um paraguaio e um integrante do M.S.T, símbolos tão carregados de misticismo quanto rosário de avó, óleo de peixe boi-bumbá, a doce cana quando esmagada vira pinga marvada, faça um patuá de arruda, símbolo da tranqüilidade deveria ser onça alimentada não o cervo, cinamomo florido tem cheiro de mel de mirim, coisa triste é toque de sino, canto de galo e uivo de cão, você é como o sol, faz tudo sempre igual e um dia irá explodir, carro blindado e São Segurança rogai por nós, havia uma pepita no meio do caminho, no meu caminho uma pepita havia, minhas retinas estavam tão fatigadas que nem a via, era meia-noite quando apareceu uma visagem com cor de serração. Abacaxi, maracujá, abacaxi maracujá, forre o travesseiro com cidreira ou camomila, ipê florido é coisa muito bonita, padaria só vai bem se o dono benzer todo dia com um ramo ainda orvalhado, o melhor jeito de esconder falta do que dizer é atrás do hermetismo, já comeu uva com pão, sei encostar meu polegar no pulso e duvido que você faça igual, pasta de dente bom para desembaciar pára-brisas, nomedopaiespiritosantoamém.

 

 

Conversa jogada fora. Ou de como consultas a dicionários podem levar a coisa nenhuma. De palavreiro da hora. – por cleto de assis

 

Divagações suleiras (que podem ser entendidas como desnorteadas) 

 

Palavra: eu não gosto de palavrões. E palavrinhas, então? Aquelas de convite de comadre, que prometem apenas umas poucas e breves, mas que, no caminhar das horas, pode se transformar em palanfrório inconseqüente. Ou de conseqüências desembreadas, algumas vezes irremediáveis: de um simples disse-me-disse surge a fofoca, o mexerico, a bisbilhotice, o enredo, o fuxico, o babado, o tititi, o veneno, a neqüícia, as milongas, a cabala. Enfim, encrencas e tramóias. Que pena, donas Candinhas! Não vale a pena pegar na pena para apenar a vida alheia.  Pode até resultar em penas voando para todos os lados, se as palavras soltas forem mal interpretadas. Porque a eles(as), os(as) boateiros (as) da hora, não se pode infligir pena de talião, que não era um rei antigo, mas a aplicação de castigo correspondente ao crime cometido: talionem, tal a pena, qual a ofensa. Ou mais biblicamente – olho por olho, dente por dente. E atenção, lexicólogos: por sua desinência, talião é um palavrão?

Poematium, em latim, quer dizer poema curto, breve. E poemaço? Um poemão lavrado em papel almaço? Mas não adianta procurar no Aurélio. Ele não registra nem um nem outro. E quando se procura por almaço, a angústia é maior. O Aurélio diz que se trata de uma “Contr. de a lo maço, expr. que alude à maneira de fabricar este papel”  (by the way, Contr. é contração de contração. E by the way é a propósito, na língua-mãe; e Expr. é a contração de expressão, mas bem poderia ser expressão espremida ). Então, imaginamos papel fabricado a porrada, no maço. Este – segundo também o Aurélio que tenho aqui na ponta do mouse, quando não encontro o significado na ponta da língua – uma espécie de martelo de madeira. Pois bem: se se trata da maneira de fabricar aquele papel, utilizando um martelo, só pode ser papel amassado a maço. (Apesar do parentesco fonético, essas palavras não têm a mesma etimologia: amassar é derivado de massa, que vem do latim massa, por sua vez tomado do grego máza; o segundo é o marido da maça, aquele porrete com que os guerreiros antigos amassavam a cabeça de seus inimigos. Não confundir com os antropônimos Massa, do corredor de F1, e Mazza, do nosso Luiz Geraldo). Para aumentar a confusão, corri para os braços de outro etimólogo, que mandou-me esta: papel almaço (que continua contr. de a lo maço) é apenas um maço de papéis, isto é, um conjunto de folhas de papel, assim como um conjunto de coisas do mesmo gênero, como maço de cartas, maço de cigarros, maço de dinheiro (jamais dinheiro amassado!), que nasce no emprego figurado de maço, com sentido de coisas (ou cousas, como quer o purista Francisco da Silveira Bueno) “reunidas num só todo, premidas”. Vai daí, penso: a multidão é um maço de pessoas?

Para os mais jovens, esclareço. Papel almaço, no meu tempo de grupo escolar (que deveria ser um maço de escolas, onde se amassava a cabeça das crianças com réguas de madeira, não exatamente para medir-lhes a inteligência), era uma porção de folhas de papel, com ou sem pautas, aquelas linhas finas que serviam, antes do computador, para guiar o lápis ou as penas das canetas e evitar o desenho de linhas tortas, privilégio só concedido a Deus, que por elas continua escrevendo certo. Em formato um pouco diferente do A4, de folhas duplas. E não se vende folha por folha, mas ao maço. Com 16 folhas, se não estou equivocado.  Era utilizado para documentos, requerimentos e, em especial, em provas e trabalhos escolares. Havia-os também quadriculados, para trabalhos de matemática ou para modelo de ponto-em-cruz, reservado para as meninas, nas aulas de trabalhos manuais.

Mas minha curiosidade foi atrás do papel almaço e descobriu que ele ainda existe! Vendido em papelarias, até pela Internet. E tem professor que ainda exige que os trabalhos escolares sejam feitos no dito cujo. Para provar, ouso aqui transcrever um estupendo (não na acepção de admirável, maravilhoso, mas de espantoso, monstruoso) diálogo eletrônico recolhido na rede, provocado por um estudante (certamente não o que estuda, mas o que freqüenta a escola), aterrado diante da hercúlea tarefa encomendada por seu professor: entregá-la em papel almaço!

Veja com seus próprios olhos os esforços mentais de seus colegas para ajudá-lo diante de tamanho desafio existencial. Sem correções ortográficas, retirados somente alguns palavrões e a identidade dos proferintes. É uma conversinha danada de extensa e sem nexo, mas não é disto que estamos tratando? Atrás de cada marcador existe um esforçado colega à procura de uma solução genial. Vai lá:

·        “Digo, queria imprimir no papel almaço, como ajustar para imprimir nas linhas certinho e talz??? Sim, o professor é um dinossauro e só aceita em papel almaço. Ele falou que pode ser em qualquer lingua, com qualquer letra, com qualquer cor, mas tem que ser em papel almaço. Papel almaço é esse ó: http://img163.imageshack.us/img163/2896/dsc00972xv5.th.jpg (http://img163.imageshack.us/my.php?image=dsc00972xv5.jpg)
Não precisa ser feito a mão segundo ele, precisa que seja em papel almaço. É um trabalho da disciplina de Formação Econômica do Capitalismo, vai umas 9 paginas. Na mão = sem chance, escrevi metade disso em um ano!

·        tentativa e erro?

·        Desenha linha por linha e as margens no Paint, digita tudo o que precisar também no Paint e imprime

·        Saudades de maquina de escrever, era facinho ajustar pra sair certinho na linha…
No Word tem umas paradas de espaço entre as linhas, dá uma olhada lá.

·        vai dar um trabalho fdp, mas o lance é medir o papel, fazer um tipo de papel custom e ir alinhando. durante o processo você pode ir aproveitando para lembrar da mão do seu querido professor

·        se tem como imprimir em papel almacado? kra… se imperra no meio tu vai ter q ih rasgando ateh tirar todo da impressora…. nada pior do que imprimir trabalhos em papel almacado…

·        Não queria falar nada, mas acho que se ele pediu em papel almaço, é pq ele quer que vc faça À MÃO.

·        tbm acho…

·        Ajusta a margem do cabeçalho e seja feliz.

·        mede o espaço entre as linhas do almaço e dá o mesmo espaço no word..
deve funcionar, ou não..

·        se tem como imprimir em papel almacado? kra… se imperra no meio tu vai ter q ih rasgando ateh tirar todo da impressora…. nada pior do que imprimir trabalhos em papel almacado…

·        uhauhahu fala que faltou o rolazoio fala uaehaeuaehuae 😦 alias, o papel almaço cabe na impressora? acho que na minha só carta, ela nao é maior? a ultima vez que vi papel almaço tem uns 8 anos huauheuhaeuh

·         se ele pediu pra entregar em papel almaço, nao foi precisamente dentro das linhas do tal, imprime seu trabalho no a4 normal, vai na copiadora e pede pra “xerocar” no papel almaço, RÁ

·        PQP, mó gambiarra do c…….. aí é mais facil escrever na mão msm

·        se tem como imprimir em papel almacado? kra… se imperra no meio tu vai ter q ih rasgando ateh tirar todo da impressora…. nada pior do que imprimir trabalhos em papel almacado…

·        nossa ele pediu pra escrever com giz de cera tb?

·        Não queria falar nada, mas acho que se ele pediu em papel almaço, é pq ele quer que vc faça À MÃO.

·        Concordo

·        Acho que você vai tomar um belo de um ZERO se fizer isso.

·        E eu já tava achando q vc tava querendo burlar alguma comanda de restaurante… 😦

·        Scaneia O Papel Amasso. Imprime A Figura Que Vc Scaneou Mais O Seu Texto Na Folha A4. Pronto

·        Almaço = A MAO!

·        Almaço = A MAO! prove!

·        uhUHAuhauhAUHauhauhaUH QUE DOEEEEEENTEEEEE vai imprimir em almaço! as chances dele querer q o trabalhos seja à mao são de 90%! obviamente ele já passou experiencia com textos copiados da net…então…

·        Era só o que faltava nego querendo imprimir em papel almaço, que é um papel feito pra se escrever a mão.

·        é só medir o tamanho do papel, as margens e o tamanho dos parágrafos diabos é qndo a impressora emperra ele. enfim kra, senta na cadeira e escreve…ou paga uma menina da sétima série pra escrever pra vc! 😀 5 reais vale o serviço!!!

·        pega um papel desse tamanho em branco e imprime as linhas e margens junto.

·        nuss….. imprimir em almaço, olha o “servisso” eu acho q quando professores pedem um trabalho realizado em almaço eles querem dizer que é escrito à mão!!! Ele não eh capaz de pedir pra vc imprimir numa folha dessas…

·        Não precisa ser feito a mão segundo ele, precisa que seja em papel almaço.

·        duvido que o professor tenha dito isso…

·        Aposto como teu professor é velho, careca e rabugento

·        Aposto como teu professor é velho, careca e rabugento. E usa … (resto da frase impublicável, já que este blog é freqüentado por pessoas de todas as idades)

·        K….. larga de se burro pega e faz todo o desenho do papel almaco no computador…depois poe os texto por cima e imprimi.. vai da na mesma de tu imprimi direto no almaco…

·        Algo me diz que o burro é vc

·        enfim kra, senta na cadeira e escreve…ou paga uma menina da sétima série pra escrever pra vc! 5 reais vale o serviço!!! Trabalho escravo infantil DETECTED!

·        imprime td sublinhado e no final faz contorno nos 4 cantos e finish

·        Vc já viu papel almaço alguma vez na sua vida?

·        P…. larga de ser preguiçoso! vai dar mto mais trabalho alinhar essa m…. do q escrever 9 pag.

·        Só o tempo que você perdeu lendo esse post já tinha metade do trabalho pronto. Faz a mão logo.

·        Uma vez acabou meu a4 e precisava imprimir uma parada, efiei o almaço no impressora, a p…. enroscou tudo,”almaçou” e rasgou tudo :(huhaahuahauahuahua) Veio eu ri d+ com o “trocadilho” HAUAhAUhAUHAUAa

·        Não precisa ser feito a mão segundo ele, precisa que seja em papel almaço.

·        tem certeza que ele não fez cara de 🙄 quando tava dizendo isso?

·        pelo que eu vi ele apenas exigiu que fosse neste maldito papel mas não citou nada a respeito de ser bem encima da linha do papel, então taca pra imprimir e se sair desalinhado a culpa não foi sua e sim dele que não explicou direito.

·        não li nada mas… Compra papel almaço sem pauta e coloca “linha” no texto… Assim vai imprimir as linhas e o texto e o trabalho será entregue em papel almaço…

·        Pode procurar na papelaria que existe o papel almaço sem pauta!

·        imprime em papel normal e paga pra alguma menina escrever pra ti, menina tem letra melhor se depender fica melhor do que impresso , que no final sempre fica meio torto.”

Fim da citação, mas não do drama educacional brasileiro.

Tento esclarecer, diante de tanta barulheira eletrônica. Acredito que o papel almaço foi bolado para facilitar o trabalho dos encadernadores. Após acabados os manuscritos, era mais fácil reunir os vários cadernos e atá-los, dando-lhes formato de livro. Atados sem prévio preenchimento, tínhamos um livro de atas. Mas não se apressem no entendimento, meninas e meninos! Uma coisa é uma coisa e outra coisa é somente… outra coisa. Atar e ata provêm de raízes distintas e têm diferentes acepções. Ata é o registro de coisa feita, relato do que aconteceu em uma reunião, em um congresso; já atar é unir, cingir, reunir, acomodar coisas. Deu para entender que se trata de cousas diferentes? E paremos por aqui, porque me veio à cabeça a tal de colsa, uma pequena planta oleaginosa que está ocupando as cabeças dos doutores em biocombustíveis, como o nosso atual supremo mandatário. E uma colsa é outra cousa… Bem, deixemos pra lá. Mas só mais uma coisa: ainda se usa a expressão – coisa é cocô de cachorro?

E antes que você me diga, para aproveitar a piada e perder o amigo, que isto que aqui se escreve é uma coisa, ou seja, um verdadeiro cocô (para usar o eufemismo daquilo que muitos têm no côco e não é, propriamente, a “massa encefálica do cérebro”, conforme o grande etanólogo Lula), em verdade, em verdade lhe digo: de cocô em cocô se chega a reflexões privativas, muitas vezes produtoras de grandes descobertas filosóficas e até mesmo tecnológicas, se estivermos preocupados em melhorar o desempenho do vaso sanitário, onde não se cultivam flores.

É possível até que um monge medieval, meditando na latrina infecta de seu mosteiro, tenha criado a escatologia, doutrina sobre a consumação do tempo e da história e, ao mesmo tempo, por ter inspirado o ar daquele aposento, foi inspirado a escrever um tratado acerca dos excrementos, dando nova ocupação à ciência inventada. By the way (não é bonitinha esta expr. ing.?), você sabia que em alguns países hispânicos o nosso moderno penico é batizado de inodoro? Será que naquelas terras não existem banheiros de postos de gasolina? Mas podem chamá-los também de retrete (por estas paragens ficamos quase que somente com a sua acepção de concerto de banda em praça pública) ou de taza, que não é utilizada para se tomar líquidos, mas para devolvê-los.

E a retreta, hein? Além dos sons públicos e maviosos, abriga também ruídos privados, desafinados e impublicáveis. Mas tem sentido: afinal, origina-se no francês retraite, que vem do latim retractus, retirado, apartado, privado, afastado, metido para dentro. (Ops!, não seria para fora?)

Agora chega de palavreado. Se você chegou até aqui, não reclame: eu avisei lá no comecinho que era só conversa jogada fora. Té mais.

arte livre. ilustração do site.

KAMBÉ inaugura sua exposição em grande estilo: MEA CULPA

o artista visual CLAUDIO KAMBÉ abriu ontem, 15/10/08, com grande público a sua exposição MEA CULPA no Espaço Cultural BRDE em Curitiba. 

 

Kambé é reconhecido pela força reflexiva das suas obras focadas na condição humana. Desta vez, o questionamento é sobre o peso e o custo da inutilidade da tecnologia. Pura provocação que Kambé fez questão de firmar de próprio punho aos organizadores da exposição:

Mea Culpa. A mensagem pintada de minha reflexão me tornou um maldito pintor solitário. Com uma nova visão sobre a cegueira humana, a qual me obriga a registrar uma fase em que coloco em discussão o peso e o custo da inutilidade: a técnica avançada do concreto, do metal, do mineral etc. para a praga ou epidemia do consumismo desvairado com a linguagem ainda primitiva, porém científica que tem a realidade do absurdo. Quero, na minha obra, desvendar a política tecnológica das máquinas e o não desenvolvimento humano. No entanto, não vou tornar meu trabalho um sacrifício inútil, mas fazer do meu objetivo uma manifestação e uma preocupação estética ao registrar o absurdo da inutilidade, porém que tenha utilidade como arte.

Cláudio Kambé”

TRITURADOR DE CORAÇÕES

foto de joão urban.

 

da esq. para a dir. um amigo, o poeta manoel de andrade, o artista visual multimidia retta, o anfitrião KAMBÉ e sentado o também artista visual, pintor e escultor, áttila wenserski. foto de ro stavis.

 

RELAÇÕES PERIGOSAS

foto de ro stavis.

 

 

KAMBÉ e o poeta jb vidal. mais ao lado, atrás, marco macedo editor da “Folha de Santa Felicidade”. foto de ro stavis.

 

INCUBADORA HUMANA

foto de ro stavis.

mais fotos do evento na página SALA DE VISITAS/fotos

 

Exposição

16 de outubro a 14 de novembro

De segunda à sexta, das 12h30 às 18h30.

 

Espaço Cultural BRDE – Palacete dos Leões

Av. João Gualberto, 530   – Alto da Glória

Informações: 3219-8134

 

A GRANDE FESTA DA POESIA PARANAENSE !

 

A Iª SEMANA DA POESIA PARANAENSE promovida pelo Espaço Cultural ALBERTO MASSUDA durante os dias 23, 24 e 25 de setembro (2008) sem sombra de dúvida transformou-se em um marco histórico desta primeira década do século em Curitiba.

Com o objetivo de aproximar leitores e poetas o Espaço deu ênfase para a declamação e leitura dos poemas. O público atendeu o convite e prestigiou o acontecimento em todos os dias. Desde há muito não se via algo semelhante na cidade considerando-se o tema que é, das artes, o mais complexo, o mais exigente.

O ambiente agradável e preparado para o encontro colaborou sobremaneira para a descontração do público e  dos poetas  que se revezavam no palco. A qualidade técnica e de conteúdo dos trabalhos apresentados foram simplesmente grandiosos.

O conjunto de poetas apresentados por Laís Mann constituiu-se em um verdadeiro show de diversidade poética.

Sob a batuta dos poetas Manoel de Andrade e Hélio de Freitas encerrou-se o evento com o lançamento de oito livros de poesia, dos poetas participantes, na noite de 25/09, sendo os autores os poetas Jairo Pereira e Solivan Brugnara, do interior do Estado, e os poetas Adélia Maria Woellner, Lucrecia Welter, Bárbara Lia e Sergio Pitaki da capital, quando houve um clima de grande camaradagem entre os poetas e o público embalados por um excelente coquetel de encerramento da SEMANA.

Esperamos que se transforme em evento anual.

 

veja mais fotos na página SALA DE VISTAS/ fotos

alguns poetas que participaram da primeira noite: bárbara lia, marilda confortin, helio de freitas, lucrécia welter, nei garcez,  a apresentadora laís mann, daniel farias, maria da graça stinglin, josé carlos correia leite e manoel de andrade.

 

alguns poetas que participaram da segunda noite: marilda confortin, jb vidal, a estreante ana carolina cons bacilla, solivan brugnara, a apresentadora laís mann, manoel de andrade, sérgio pitaki, helio de freitas e jairo pereira.

HARRY WIESE e URDA ALICE KLUEGER lançam seus livros A SÉTIMA CAVERNA e SAMBAQUI respectivamente.

OFERTÓRIO/AUDIÇÃO poema de jb vidal

saibam que ouvi a ruptura do óvulo,

o turbilhão amniótico,

o borbotar das células,

o zingo dos neurônios em suas trajetórias,

o rasgar das carnes vaginais

e o som de vozes infernais,

 

 

ouvi, o estalar de ossos crescentes,

a corrente de líquidos entre carnes pulsantes,

ouvi a fricção da língua na busca do prazer,

a queda fatal do bolo ingerido,

ouvi o ruído das vísceras em seu curso final,

e o som dos vermes na hora do jantar,

 

 

ouvi,  promessas de amor e ódio,

gritos de prazer alucinantes,

acórdes dos céus e dos infernos,

ouvi passos distantes

na terra, nas nuvens, nas galáxias

e o som dos caldeirões magos estonteantes,

 

 

ofereço tudo sem alegria e sem dor

como obra do meu nascer,

à quem ouviu e queira mais 

talvez sons em duplicata,

mas ofereço como único ouvinte

sons de minh’alma entre lágrimas universais

DISTOPIA poema de manoel de andrade

  

                       para Mussa José Assis

 

 

 

 

 

Como será  o amanhã…!?

um itinerário sem destino?

um calendário de incertezas?

O que restará dessa anêmica biosfera…!?

do fluxo agonizante das nascentes…

das bandeiras hasteadas pela vida!?

Dia a dia e esse palco inquietante…!

esse escasso oxigênio,

essa delgada água,

esse termômetro assustador.

Ano a ano e a ampulheta  do  caos escorrendo lentamente  nossas  vidas…!

nessa paisagem devorada,

nesse carbono letal,

nesse mapa pontilhado pela morte. 

 

Como será o planeta do amanhã…!?

Um mar sem arquipélagos?

um oceano de migrantes?

uma praia de naufrágios?

Falo de uma temperatura cruel,

de paisagens derretidas,

de uma frota de icebergs navegando os sete mares.

 

Como será a terra do amanhã!?

um campo  calcinado?

uma lavoura sinistra?

Que sabor terão os frutos na próxima estação?

que surpresas nos escondem os segredos da ciência?

o que colheremos da alquimia da ganância?

Falo de patentes  criminosas, 

de sementes suicidas,

dessa dinastia de flores virulentas polinizando a vida

e desse bizarro contrabando germinando sobre a terra.

 

Como será  teu  amanhã!?   

um teclado de emoções?

um híbrido palpitar?

Com que apetite digitarás as tuas ânsias

degustando essa cultura cibernética?

digerido  pelos circuitos  virtuais,

pelo marketing neurológico das partículas,

por esse “chip” instalado no teu cérebro,

processando uma ordem dogmática: conecte, “navegue”, consuma…

Com que senha  abrirás teu coração?

haverá um ícone para a solidariedade?

um link  para a compaixão?

Qual a fronteira entre tu mesmo e a máquina?

quem são essas moléculas engenhosas?

esses átomos amestrados

a devassar teu íntimo recanto de criatura?

 

Como será nosso amanhã!?

Uma bússola sem norte?

um insulto à liberdade?

com que farol iluminaremos nosso rumo

acuados pela ousadia da violência

e sitiados pelo próprio livre-arbítrio?

Aqui e acolá as estreitas fronteiras do pânico…

esse semáforo que não abre…

esse alguém que te observa…

esse olhar engatilhado…

uma abordagem indigesta

e o cronômetro do pavor computando teu destino.

No roteiro dantesco da sobrevivência

reabres dia a dia tua agenda…,

é o teu cotidiano decomposto,

essa incerteza diária de chegar…

essas balas que assobiam no perímetro dos teus passos.

 

Como será nosso amanhã!?

Um mundo sem idioma?

um cântaro de fel?

Falo de um território  dominado por estranhas hierarquias,

por facções tatuadas com os signos da maldade,

pelos  mercenários do vício

enriquecidos  pelos lucros homicidas.

Falo de uma legião de vítimas,

de uma síndrome cruel e invencível,

de criaturas e sonhos em farrapos.

Falo dos “juízes” da vida e da morte,

de sentenças e chacinas,

de um comando sinistro e impassível.

Falo da cidadania encurralada pelas milícias do ódio

e de um mercado inexorável do extermínio.

 

Como será o amanhã!?

um shopping de entretenimentos?

uma oficina de vaidades?

um imenso bazar de grifes e mesmices?                

Quem sabe…,  uma alameda  “fashion”…

onde desfilam as esbeltas silhuetas da ilusão,

estampadas, dia a dia, nas páginas coloridas do glamour.  

Ou, talvez, um teatro de incautos “marionetes”…

encenando  a sensualidade e  o acinte

na  pública ribalta do hedonismo!

 

Como será o amanhã?

Um santuário virtual do “encanto”?

uma cidadela da luxúria?

Falo da explícita pedagogia do erotismo,

 seus ícones, seus balcões,

suas vitrines pontocom.

De suas telas insinuantes,

seu varejo literário,

e sua indigesta ditadura musical.

Falo da sodomia on-line,

de devassadas alcovas eletrônicas

e desse promíscuo ritual de fantasias.

 

E pergunto, perplexo, pela pátria do amanhã…

e falo das paisagens sedutoras do poder, 

desse cheiro putrefato que chega do planalto.

Falo de uma oficial  voracidade… 

dessa doméstica fauna de homens públicos,

…essa nossa biodiversidade insustentável.

Falo da ascensão vertiginosa da esperteza,

dessa inumerável galeria de “celebridades”,

trajadas com as fisiológicas legendas do poder.

Falo do escândalo nosso de cada dia,

da nação envergonhada por quadrilhas palacianas,

por dossiês sonegados e pelos crimes arquivados.

Falo dessa insultante presunção de inocência,

dessa triste balada da alma humana, 

dançando pela culpa absolvida

e gargalhando com escárnio da justiça.

 

O que sobrará enfim desse perene banquete…!?

para onde caminha essa infantil humanidade…

embriagada pelo licor das ilusões 

e indiferente à dor dos desgraçados?

Quem sabe reste um naco qualquer de fraternidade

para ser digerido com um gole de esperança…

um “cardápio” para os filhos da miséria,

uma migalha perene…

para saciar essa fome que janta, na calçada,  o nosso lixo remexido.

 

E eis porque falo de uma alarmante geografia de lágrimas,

de uma favela planetária

de uma legião mundial de parias.

Falo de criaturas açoitadas pela vida

de um mundo que  “não dorme e que não come”

que “não lê e não escreve”…

Como saciar tanta  sede de justiça?

como conter essa fome parindo seus herdeiros?

 

Ó Senhores…é tão triste ironizar a esperança

mas diante dessa insólita passarela

nós nos perguntamos: o que se espera dessa sórdida assembléia ???

Um projeto político para a solidariedade humana?

ou  emendas com  intenções inconfessáveis,

retórica ambiental e ongs humanitárias?

E o que se pode esperar  desse desfile de beldades…

novas “tendências” para a fraternidade

um  “estilo de vida” para os excluídos,

finos “tecidos” para cobrir o pudor dos maltrapilhos!!!???

Ou, talvez, “padrões” mais “chiques” de caridade,

 “estampas” coloridas para a compaixão,

melhores “ângulos” para fotografar a beneficência!!!???

 

Mas afinal quem ousa desfilar nessa excêntrica avenida!?

quem  são essas almas extraviadas,

essas tribos debochadas?

Quem comanda essas falanges

essa alcatéia  de homo sapiens,

de corruptos e deslumbrados,

de perversos e pervertidos?

Que poder é esse…

esse paradigma sombrio que invadiu nossa decência?

 

Que poder é esse?

potencial, subliminar, imprevisível…

É uma corporação, uma egrégora ???

Falo de um império global com seus invisíveis tentáculos,

seu discurso sedutor,

suas catilinárias e suas litanias,

suas metáforas globalizadas,

seus descarados silogismos e seus slogans mentirosos.

Quem  são eles???

nossos irmãos bastardos?

nossa herança cármica?

nosso “presente de grego” ?

Digo que é um sinistro “cavalo de Tróia”

há meio século parindo suas satânicas criaturas

invadindo  todos os caminhos

disputando os espaços da ilusão

conquistando todas as trincheiras

mascarando a liberdade

ironizando os códigos da verdade

silenciando a voz do coração.

São os negociantes do poder

os mercadores do sexo

as falanges do vício.

São os falsos profetas,

os tribunos celestes da intolerância

franqueados pela simonia

inaugurando um templo em cada esquina.

São os senhores do mundo e do impasse

manchados com as cores da discórdia.

São os fabricantes da bomba,

os que gargalham sobre o sangue dos caídos.

Seus nomes  se escrevem em todos os idiomas,

se escrevem  sob o signo de uma águia poderosa,

com os mortos e os órfãos das nações vencidas.

Se escrevem  com as siglas planetárias da ganância

e com os filhos planetários da miséria

 

Senhores…para onde caminhamos…?

em que galeria serão expostas nossas ‘artes’…?

o que revelarão amanhã nossos retratos de Dorian Gray”,

pincelados com as cores da cobiça e da luxúria.

Falo da alma humana adoecida por chagas milenares

e pergunto como surgirá nossa face no espelho do amanhã…

maquiada com as sombras do orgulho e do egoísmo

e tatuada com tantos desatinos.

Falo dessa estesia emasculada,

dessa irreverente cadência de vaidades.

Falo dessa máscara hilariante da “felicidade”,   

de criaturas tombadas do abismo da ilusão.

 

E diante de “triunfo de tantas nulidades”

Todos afinal nos perguntamos: como  descrever o enredo do futuro???

Será um show permanente de aparências

ou uma trincheira de gangues e facções?

Será uma ilha oficial da fantasia

ou o gueto planetário da miséria?

Será ainda um vale semeado de ambição

ou já um planeta inteiramente saqueado?

 

(Ah! esse mundo  sitiado…

essa convivência pari passu  com a maldade…

esse estresse à flor da pele…

esse desencanto, essa impotência…

esse presente sem sentido do amanhã…)

 

O que restará do estado de direito

das Bastilhas e dos muros derrubados

das bandeiras hasteadas sobre o sangue dos tiranos

o que restará do Sermão da Montanha e  das chagas do Calvário 

da revolução de outubro e do sonho de Ernesto

quem manterá acesa a memória luminosa dos heróis

quem defenderá a trincheira da decência

quem ousará dizer não

o que acontecerá com os últimos rebeldes

 

Senhores..eu vos peço perdão…

por esse lirismo sombrio,

pelos meus versos perplexos,

por esse indigesto cantar.

                                                                          

Senhor, nós te pedimos perdão…

por tantas balas perdidas,

por tantas pérolas aos porcos

e pelos dossiês da vergonha.

Perdão Senhor

pela pedofilia on-line

e pela inocência ultrajada.

Perdão pelas cartilhas da vaidade

e as dietas assassinas.

Nós te pedimos perdão

por esses ninhos queimando,

por essa relva secando,

por essa floresta no chão.

Perdão, Senhor, por esses cardumes boiando

pelos rios asfixiados

por essas águas morrendo

Perdão pelas  chaminés borbulhantes,

por essas folhas exaustas,

pela agonia do ozônio,

por essa Gaia ferida.

 

E contudo…senhores, é imprescindível sonhar…

juntar os cacos da utopia

e crer, incondicionalmente, num amanhã… 

É imprescindível sustentar a vida

para que os filhos da esperança possam respirar sua beleza.

Senhores… é também imprescindível indignar-se

não se acovardar ante a maldade,

porque é imprescindível virar o jogo 

saber que só o que é justo faz sentido

e empunhar com paixão essa bandeira.

É  sobretudo  imprescindível unir nossas mãos em prece,

falar  consigo mesmo e com as estrelas 

e acreditar…, que sobre esse vale de lágrimas,

um olhar compassivo nos ampara.

 

                            Curitiba, 12 de dezembro de 2006

 

Este poema consta do livro CANTARES, editado por Escrituras.                                                                     

A ESTRELA poema de vera lúcia kalaari / Portugal

 

 

Um dia

Uma estrela enorme

Misteriosa

Que cintilava nos céus,

Chegou-se a Jesus

E falou:

-Senhor, estou cansada de ser estrela!

Quero ser gente, quero ser mundo,

Quero um destino diferente!

E Jesus, olhos cerúleos,

Respondeu-lhe:

-Louca ambiciosa!

Cega, que dás luz e nada vês!

Olha! Olha a realidade!

E medita! Medita profundamente!

 

 

E a estrela descontente,

Ficou-se a cintilar

Na noite de luar.

 

 

 

Caía neve na terra.

Pela estrada fóra

Um grupo de crianças

Seguia sempre a andar.

Fugiam da guerra e da fome.

Não tinham lar.

Andavam, sem direcção,

Em busca d’algum lugar

Onde houvesse paz.

Não tinham pão

Mas tinham fé.

E só a estrada,

Só a neve,

Em busca da direcção…

Paravam, inquietos,

Olhando o ar, depois,

Novamente a caminhar!

Rostinhos tristes,

Mortos de fome,

Andavam…andavam…

Sem achar nenhum lugar.

E ao frio intenso

Não há florinha que resista…

 

 

E na escuridão da noite fria

A estrela cintilante

Olhou…tremeu…

E chorou, silenciosa.

 

 

 

Devagar, cansada,

Passa uma mulher esfarrapada.

Vem de longe, com seu menino nos braços,

Seios mirrados, sem leite,

Olhos chorando mágoa

Por essa criança esfaimada

Que lh’irá morrer nos braços

Como uma ave implumada.

Mas não há porta que se abra

À miséria que vai passando.

 

 

E na noite fria,

A estrela cintilante

Olhou…tremeu…

E chorou silenciosa.

 

 

Nevoeiro.

A obscuridade do dia

Estendeu véus negros sobre o céu.

E a terra é um vulcão

De sangue e fogo.

Tudo de luto:

Árvores…nuvens…pássaros…

Já não havia vida, já não havia mundo!

Não havia ruas, não havia casas,

Não havia homens! Só morte! Morte!

E no silêncio quebrado da noite,

Gritos e choros, chamas, gemidos,

E lamentos de crianças,

Correndo…correndo…

Sobre mortos queimados.

E soldados avançando, recuando,

Lutando, matando, morrendo.

Não mais flores de primavera,

Sorrisos de crianças,

Larangeiras floridas.

Não mais amor de jovens,

Amor de pátria,

Gente fazendo o sinal da cruz,

Homens cavando a terra…

Não mais vozes de rios

Levando barcos, lenços brancos a acenar,

Contos de fadas contados ao brasido

Por avózinhos cansados.

Não mais saúde, alegria, sonhos e ilusões.

Só luto e morte, maldições e agonia.

 

 

 

E na noite fria,

A estrela brilhante

Olhou…tremeu…chorou…

E quedou-se a cintilar…

 

O corpo dilacerado de Isolina Canuti – por lélia almeida

Dacia Maraini, a famosa escritora e feminista italiana resolve contar a história de Isolina, uma moça pobre e desconhecida, uma italiana anônima. Entre elas, transcorre um período de tempo de quase um século. Um século que faz alguma diferença na vida das mulheres, não toda a diferença que se deseja, mas alguma, sim.

Este testemunho de algumas mulheres, que resgatam a história de vida de outras mulheres, é uma das tendências mais marcantes e singulares da literatura de autoria feminina no mundo inteiro. Onde parece haver um movimento contínuo que estabelece um diálogo ininterrupto entre mulheres de diferentes gerações, diferentes etnias ou mesmo de diferentes classes sociais. Exemplos desta tendência são textos como Se me deixam falar…, onde a antropóloga Moema Viezzer relata a história de Domitila Barrios de Chungara, a trabalhadora da minas de estanho da Bolívia; ou Hasta no verte Jesús Mío, onde , a partir do depoimento de Josefina Bórquez, Elena Poniatowska dá vida à personagem popularissima de Jesusa Palancares, uma soldadera da revolução mexicana; ou quando Elizabeth Burgos-Debray dá voz ao relato de Rigoberta Menchú, em Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia.

Se os textos citados acima podem nos dar uma idéia do que hoje se chama, dentro da literatura latino-americana, de literatura de testemunho, também é correto considerar que todos eles tratam da história das mulheres. E da história mais comum que perpassa biografias e transcende geografias, unindo as mulheres no reconhecimento de uma experiência comum: a da violência sobre o corpo feminino. Em todos estes textos podemos evidenciar de forma mais ou menos central uma violência ancestral, quase atávica sobre o corpo feminino. Toda sorte e toda espécie de violência: doméstica, social, sexual, psíquica, etc.

E quando Dacia Maraini, em 1992, resolve contar a história de Isolina, está também dando o seu testemunho, mesmo sem a presença da protagonista, e contar esta história é uma maneira de negar o silêncio, negar a morte, negar a violência.

O livro publicado na Itália em 1992, Isolina, é traduzido ao espanhol em 1998 pela Editora Lumen de Barcelona como Isolina, la mujer descuatizada, ainda sem tradução no Brasil.

No alvorecer do século XX, em 16 de fevereiro de 1900, os restos do corpo de uma moça pobre e anônima, Isolina Canuti, são encontrados boiando nas águas revoltas do rio Adigio, em Verona. Os restos, enrolados em sacos e pedaços de roupas vão aparecendo aos poucos rio abaixo: primeiro aparecem 13 kgs de Isolina, depois outros pedaços, um ano mais tarde a cabeça, de onde pende uma trança desarrumada. Os restos são encontrados por outras mulheres, lavadeiras que labutam numa manhã fria na beira do rio.

Ao resgatar os pedaços do corpo de Isolina Canuti, Dacia Maraini vai resgatando – não sem dificuldades – os pedaços de sua breve existência e de sua morte trágica e prematura. A história é quase trivial : os Canuti, o pai e os irmãos, decidem alugar um quarto na casa da família, para um tenente por quem a moça se encanta. Aquece suas noites na fria Verona e, desta troca precária, escondida, Isolina engravida. Este o seu pecado capital, sua culpa, pela qual ela deverá ser severamente punida. O Tenente providencia a realização do aborto para proteger sua honra militar, zelar pelo seu nome, afinal, a moça era pobre, desqualificada, e não servia para ele.

O procedimento cirúrgico é um desastre do começo ao fim, atrocidades são cometidas numa improvisada mesa de cozinha onde o sangue de Isolina brota como de um manancial e seca, o corpo banhado em seu próprio sangue, em sua própria morte.

E a solução é rápida e urgente, desfazer-se do corpo, deste corpo incômodo, imenso, que ocupa lugares, sentidos, espaços desmesurados. A solução é rápida e urgente: cortar o corpo de Isolina em pedaços, enrolar os pedaços em roupas e sacos, atirá-los ao rio, indo pelo Adigio, pelo Pó até o mar.

Os poderes públicos de Verona criam um muro de silêncio ao redor do fato, do caso, do processo, sem, no entanto, conseguir escondê-lo. A indestrutível confraria masculina cria uma teia de informações que invisibiliza a história, a história do Tenente, de Isolina Canuti e de sua morte. O Tenente, é claro, está protegido.

Quase 80 anos depois, Dacia Maraini volta a Verona e tenta juntar as partes de um corpo de mulher que foi destruído, esquartejado, negado, esquecido. Retoma as páginas dos processos e da imprensa, da lembrança de alguns, dos eloqüentes silêncios de outros.

A sentença condena a uns poucos meses o Tenente e esclarece que quanto à gravidez de Isolina, não há como provar que fosse dele. E o subtexto é o de sempre: ela, certamente, provocou toda esta situação. A vítima, uma vez mais, é a culpada.

O corpo de Isolina esquartejado, morto, assassinado, sem direito à vida, à sexualidade, ao amor, à maternidade, a uma morte decente, a uma existência digna.

Mas quando Dacia Maraini conta a história de Isolina Canuti, resgata a sua vida e dignifica a sua morte. Quando Dacia Maraini junta os pedaços do corpo da pobre e anônima moça italiana, organiza o relato e dá sentido à sua dramática existência.

E quando nós, homens e mulheres de boa vontade, denunciamos a violência contra o corpo, a vida, a alma de outras mulheres, estamos dizendo que o silêncio é a morte , que a morte é o esquecimento e que nós não queremos parar de lembrar.

E que nas nossas vozes, estas mulheres permanecem vivas.

 

UM ESTRANHO AMIGO por hamilton alves

 

 

 

                                   Na década de 50, conheci um sujeito alto, magro, de óculos, de uma expressão facial que muito se assemelhava à de um pensador ou filósofo, com o qual esporadicamente me encontrava numa praça, sem que ambos firmássemos compromisso para tal fim. Acontecia por mero acaso. Ele vinha de algum lugar, eu de outro (descobri muito depois de nossos encontros iniciais que trabalhava no escritório de uma empresa).

                                   Sentávamos num banco e ali enveredávamos sempre por assuntos que nada tinham a ver com os fatos correntes ou da hora. Preferentemente, abordávamos tema mais transcendental. Ou ligado ao mistério das coisas, do mundo e da vida.

                                   Isso estava acertado implicitamente entre nós, sem que também houvesse de nossa parte expressa intenção de abolir o corriqueiro ou os fatos políticos, por menos que despertassem a atenção geral.

                                   Descobri também que havia sido seminarista e que não seguira seus estudos. Escolhera a vida civil. Tinha muito mais bagagem intelectual do que eu, que não tinha ainda concluído o ginásio (andava pela terceira série). Mas lia, lia já os clássicos – e a esse tempo lia Roger Martin Du Gard, com seu conhecido livro “Os Thibault”, que interrompi no terceiro volume  (ou no segundo) por causa de uma quixotada de Jacques, um dos personagens, que se lançou como um kami-kase num campo inimigo na 1a. guerra mundial.

                                   Meu amigo não aprofundava as questões provavelmente com receio de que não o acompanhasse. Falava pouco, de forma reticente, como se também tivesse dificuldade de avançar sobre os temas aflorados.

                                   Súbito, silenciava ou emergia desse silêncio como se acabasse de visitar as profundezas de sua alma e se sentisse meio contrafeito com o mundo, com tudo que o cercava. Ou era pura impressão enganosa minha.

                                   Esses encontros se repetiram ao longo de um ou dois anos sempre da forma referida: vinha de uma rua, eu de outra e, inesperadamente, na mesma praça, nos descobríamos e ali seguíamos por nossas veredas desconhecidas, a procurar a razão ou o sentido das coisas.

                                   Era um sujeito sério, de pouco humor ou de raro riso, que me dava a impressão de estar sempre imerso em pensamentos profundos. E dos quais saía como de um transe, parecendo-me que, muitas vezes, nem desse pela minha presença.

                                   Tempos depois não nos vimos mais.

                                   Era, porém, um amigo, um estranho amigo, com quem ia me familiarizando, de que sequer soube o nome.

 

 

(fev/08)                                                 

NO QUE A COISA DÁ por alceu sperança

 


 

Quem desconhece a história corre o sério risco de repetir suas tragédias ou farsas, como já dizia Marx. Vamos a algumas reflexões.

Vargas, depois de sofrer furiosos ataques − “corrupção”, “mar de lama” etc − conseguiu impedir em 1954 que a direita voltasse a controlar (como sempre) o poder no Brasil. Mas isso lhe custou a vida e garantiu ao País apenas dez anos de uma democracia a meio-pau, fortemente abalada pelo golpismo.

Juscelino Kubitschek enfrentou imensas dificuldades para conseguir se eleger. Aliás, até para ser candidato foi difícil, pois era boicotado mesmo dentro de seu partido (PSD). E só conseguiu vencer a eleição porque no momento decisivo o PCB, percebendo que os golpistas identificaram em JK seu adversário principal, desequilibrou o pleito apoiando-o de forma conclusiva. Mesmo impedido de funcionar legalmente, o PCB denunciou as manobras golpistas que pretendiam ou evitar a eleição semidemocrática ou impor uma candidatura única da direita.

A campanha eleitoral de 1955 foi sistematicamente conturbada pelos golpistas, que conspiravam ativamente contra o direito do povo ao voto e ao resultado de seu exercício. Quando JK venceu a eleição, de turno único, veio a próxima agressão dos golpistas: tentar a todo custo evitar que o presidente eleito tomasse posse. Em nome da “crise política”, pregavam aberta e descaradamente que o presidente não devia assumir o mandato. Um dos elementos que bloqueou a ação golpista foi o Movimento Militar Constitucionalista, que defendia o cumprimento da lei. Lógico: se o povo elegeu, o eleito deve tomar posse e governar.

Nesse olho de furacão, JK assumiu, mas passou a ser atacado a todo instante pelos golpistas. A primeira acusação era simplesmente ridícula: JK não podia assumir porque teve apenas um terço dos votos. Na época, a legislação eleitoral permitia várias candidaturas e limitava a escolha ao turno único. O grande rancor dos golpistas contra JK, porém, desde a campanha eleitoral, antes da posse, logo após a posse e durante todos os seus anos de governo, foi sempre o apoio do PCB, que desequilibrou o pleito e garantiu a vitória. O PCB foi proibido de funcionar como partido, mas seus simpatizantes não podiam ter surrupiado o direito de escolher um lado (mesmo o lado pequeno-burguês de JK) e votar, como cidadãos.

JK, de fato, nem teria assumido se não prevalecesse a tradição legalista da parte sadia da elite nacional, até onde ela pode ser sadia. Nesse caso, ocorreu um paradoxo: o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, golpeou o presidente em exercício, Carlos Luz, para garantir as condições necessárias à posse dos eleitos. Foi necessário, portanto, um “contragolpe preventivo” para garantir a posse. Depois vieram mais tentativas golpistas, rebeliões e um massacre de denúncias, algumas até procedentes, e calúnias quase diárias. Mas o presidente resistiu, negando-se a renunciar e se apoiando no povo para não ser deposto.

A duríssimas penas, enfrentando os golpistas a cada dia de seu mandato, JK conseguiu completá-lo. O rato que a montanha golpista pariu com suas denúncias e rebeliões diárias foi eleger um instável Jânio Quadros moralista/populista. Mas o povo também elegeu o progressista João Goulart para a vice-presidência. Quando Jânio golpeou a si mesmo com a renúncia, acreditando que os golpistas não permitiriam a posse do vice-presidente “esquerdista” e ele voltaria como ditador e “rei do Brasil”, o sentimento legalista da grande maioria do povo brasileiro assegurou a posse de Jango, que em seguida viria a sofrer dois golpes (um parlamentar, outro armado) até ser arrancado do poder.

Hoje não há mais “necessidade” de golpes. As eleições estão sob controle. Os neoliberais PT e PSDB, cada qual com seus satelitezinhos, vão encaminhando o Brasil à fórmula primeiro-mundista da alternância no poder entre republicanos e democratas, trabalhistas e conservadores, blancos e colorados.

Rumorejando (Com o desemprego motivado pela crise financeira se preocupando.) por josé zokner (juca)

 

Constatação I

Rico é jovial; pobre é insosso.

Constatação II (Dúvida crucial).

Os homens que se negam a parar pra perguntar, na estrada, a direção exata do seu destino – conforme sugestão, pedido, imploração insistência da cara-metade –, naturalmente, que se perdem. Neste trágico caso, eles estão na contramão da história ou da geografia? Quem souber a resposta, por favor, cartas através do blog (http://rimasprimas.com). Obrigado.

Constatação III

Rico é resoluto; pobre, hesitante.

Constatação IV

Deu na mídia:Cientistas descobrem 700 novas espécies da fauna na Antártida”. Sem data vênia, já dá pra ter certeza o que vai acontecer com elas…

Constatação V

Não se pode confundir borocoxô com broxo (u), muito embora, em condições normais de pressão e temperatura o cara que broxo (u) fica borocoxô. A recíproca não é necessariamente verdadeira. Afinal, existem “n” motivos outros para o cara ficar borocoxô, como por exemplo, quando leva um fora da gata, o seu time do coração perde ou é rebaixado para a segunda divisão, se dá conta que no país só ocorre pizzarias sem fim e outras “cositas” desses jaezes.

Constatação VI

Rico se atormenta por não ser mais rico; pobre, atormenta.

Constatação VII

E não se pode confundir restituído com destituído, até porque, até hoje, não se ouviu dizer que um governante foi destituído por não ter restituído os execráveis “empréstimos compulsórios” que acabam se transformando em imposto compulsório. A recíproca para esses casos não é necessariamente verdadeira. Basta ver o que ocorre com os técnicos de futebol que são destituídos sem que possam restituir a vitória dos times que vinham atuando. Dos presidentes dos clubes de futebol que não entendem nada do riscado, nem falar.

Constatação VIII

Antonio Carlos Gomes, César Guerra-Peixe, Alberto Nepomuceno, Heitor Villa-Lobos, Bento Mossurunga, os irmãos Norton e Henrique Morozowicz. Taí um time de musicistas brasileiros da pesada. Tenho humildemente dito!

Constatação IX (A base de chavões),

Rico não tem limite para gastar; pobre dá o passo maior do que a perna.

Constatação X (Teoria da Relatividade para principiantes).

É muito melhor entrar em férias do que entrar pelo cano, muito embora ocorram casos em que, nas férias, se possa entrar pelo cano como, por exemplo, pegar tempo ruim, muita gente no lugar escolhido, ter que levar a sogra e assim por diante. A recíproca é verdadeira. Você pode entrar pelo cano sem estar em férias, na malfadada eventualidade de não receber uma merecida promoção do teu chefe que optou em dá-la ao sobrinho, aquele vagabundo que nada faz a não ser perturbar o ambiente de trabalho.

Constatação XI

Rico mora em mansão; pobre, em covil*.

*Covil = “habitação rude, miserável; choça, casebre”. (Houaiss).

Constatação XII

Rico se reúne em turma; pobre, em bando.

Constatação XIII (Quadrinha inequivocamente didática).

Só jogar canastra,

Acolá no motel

O fogo não alastra

E que feio papel.

Constatação XIV (Quadrinha da curtição total).

Passar um blefe, um facão,

No científico jogo de truco,

Dá montanhas de satisfação

E deixa o outro meio maluco.

Constatação XV (Quadrinha reivindicatória).

Se no próximo carnaval

Eu não desfilar como destaque

Ficarei irremediavelmente tão mal

Que terei um baita ataque.

Constatação XVI (De uma dúvida crucial)

E já que estamos falando no assunto, o haicai, que os japoneses inventaram, é uma quadrinha de pé quebrado?

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

                        foto livre. ilustração do site.

 

A CASA DAS ANGÚSTIAS crônica de joão batista do lago

Sentei-me numa cafeteria da Rua XV, no centro de Curitiba, para tentar esquentar o corpo e a alma do frio de 9ºC. O vento que soprava de Sul a Norte, deixava a sensação que a temperatura estava, pelo menos, quatro graus abaixo. Foi exatamente o conjunto dessa atmosfera que me levou a pensar num café com licor de chocolate acompanhado por um bom e delicioso conhaque, evidentemente enuviado pela fumaça e pela fragrância dum cubano a lá brasileño, comprado no Mercado Municipal, horas antes. E assim procedi.

Depois de servido pela garçonette com rosto de lua e de olhares orientais, lábios finos e de palavras fractais, ocorreu-me investigar o local: um corredor labiríntico com as mesas pregadas à parede. Todas estavam literalmente ocupadas. Eram mesas paralélicas que forçavam, naturalmente, os seus ocupantes a se olharem – mesmo que não pretendessem fazê-lo! – ininterruptamente. Entre as mesas e o balcão de serviços o espaço para os transeuntes não ultrapassava mais ou menos 75cm de largura. Era, pois, impossível, assim, não haver leves esbarrões entre aqueles e aquelas que entravam ou saiam do ambiente. Apesar do furdunço e do vozerio (que em geral me irritam) tinha-se sempre a sensação de estar num local agradável. Toda aquela bagunça… aquele caos (pasmem!) era de uma ordenação e de uma ordenidade inimaginável. Impressionante mesmo! Na desordem dos pensamentos, das palavras, dos gestos, dos grunhidos, dos afagos, dos carinhos, dos beijos, dos olhares, do tilintar de copos e xícaras, de baforadas de cigarros e afins, de tosses, cusparadas e escarros, enfim, dos corpos, havia uma organicidade que me levaram a raciocinar sobre o ponderável e o imponderável de tudo aquilo.

Por alguma razão que, possivelmente saiba, mas não a queira declinar, ocorreu-me imaginar aquele ambiente como sendo a Casa das Angústias. Isso mesmo! Ali estávamos todos – todos mesmo –, inflexivelmente, desfilando angústias de existencialidades não compreendidas, não entendidas, não apreendidas, não assimiladas… E mais que isso: imprecavidamente jamais aceitas como campo do conhecimento humano. Senti naquele instante um desejo imenso de querer ser tudo e todos. Desejei absurdamente tê-las como minhas todas aquelas angústias. Queria-as para torná-las meu conhecimento, de tal forma, que percebi que já não mais me era em toda aquela intuição. Era-me cada um e cada qual. Era-me desde a sobriedade mais retocada da curitibana dissimulada ao imprudente bebum solitário, contudo rico proprietário de vários prédios espalhados naquela rua e em outros lugares da cidade. Era-me desde a moça bonita de olhos azuis da cor do mar que ali se prostrava para ganhar o pão de cada dia para sustentar seu filho e a família ao mais ilustre advogado, o bom ladrão das defesas indefensáveis, entretanto causas ganháveis nos porões e nos labirintos dos corredores da Justiça. Era-me o pastor e o padre que se embriagavam com os dízimos dos fiéis condenados ao fogo do inferno se, porventura, renegassem a santa esmola. Era-me o poeta que deambulava seus devaneios procurando a palavra mais completa ou o verso mais límpido para assim produzir a estética da poesia mais bela. Era-me a criança rica que se empanturrava de hambúrgueres ao menino de pé no chão que pedia uma esmola “pelo amor de Deus” e levava como resposta o “xô… xô… xô…” tocado pelo vigia da casa. Era-me o político e o economista; o professor e o esportista; o jornalista e o palhaço; o patrão e o mercado…

Infernos! Céus! Purgatórios!

– Não os tenho. Infelizmente não os tenho para aplacar o desejo incontido do meu corpo que necessita dessas angústias carregadas de liminaridades angustiadas e sedentas de vivencidades, de angusticidades necessárias e indispensáveis para a compreendidade da infinita sabedoria de ser. Quão pequeno eu sou!

Tomo o último gole do café. Inspiro a última tragada do brasileño. Impregno-me de toda fragrância. E me vou pra casa como humano… Nada mais que humano!

 

A CRISE NO BRASIL por walmor marcellino

TÃO GRAVE

 

Confrangido pelas verdades, atormentado pelas incúrias, acometido de culpas, faço um pedido de anistia temporária: não mais perturbarei aqui o discernimento político dos “vigilantes socialistas” e de seu contrapeso, o redivivo “Clube da Lanterna” (“O preço da liberdade é a eterna vigilância!”‑ UDN). Porém antes de ir para um merecido ostracismo, vou re-expor algumas debilidades ‑ pouco entendo de política, sou malformado em filosofia e em ciências sociais; disponho de poucas informações histórico-políticas; sofro de inadimplência sensualista, estética e erótica, às vésperas dos 80 anos. Claro, também, que não estou de cabeça baixa ante os inquisidores.

Enquanto o tribunal revolucionário marxiano avalia este pedido, solicito que todos os comunistas, socialistas, democrata-populares e afins se mobilizem, reúnam e discutam a crise econômico-político brasileira dentro da crise sistêmica do capitalismo globalizado, da qual se foi conhecendo sucessivamente uma penhora imobiliária, um déficit  financeiro, um vazio de investimentos produtivos, uma algaravia das bolsas especulativas de valores, uma “quebradeira” de especuladores e credores fraudulentos, mas com a extensão dos danos a toda a população mundial. Para cujo placebo sanitário, a sociedade emergente nos oferece o suicídio (das classes trabalhadoras e dos ingênuos “investidores”), sem a devida correção das relações entre a estrutura produtiva e as condições de vida dos produtores frente ao manipanço “Mercado” e seus gângsteres neoliberais; muitos acoplados ao complexo industrial-militar (EUA) onde se acumulam déficits gigantescos (a serem pagos pelos povos invadidos pela “democratização” militar).

Acredito que o Lula da Silva (não seja o da Selva) não faça do seu “Novo-Proer” e das ensanchas aos exportadores, a par de seu PAC com privatizações, o centro das respostas brasileiras à crise mundial. Ignorante da ciência econômica mas premido pelas responsabilidades sociais, atrevo-me a dizer que, na contracorrente da crise, devemos assegurar produção, sistema de trabalho com maior produção e distribuição de riquezas e consumo social. Se as reformas sociais ‑ como a agrária, urbana, educacional, sanitária, de previdência social, segurança pública e tecnológica, juntamente com a reforma política ‑ não receberem maior cuidado político e dedicação do que o “sistema financeiro e agrário-exportador” merecemos ir aos infernos: naufragar sob as investidas financeiras, as “salvaguardas nos preços” de gêneros e dos serviços sociais e com as transferências de custos e abusos para as classes trabalhadoras. E teremos então “vencido as procelas” com os comandantes no castelo de proa (ou Proer?) e a tripulação miserável comendo biscoitos bolorentos e grãos fermentados.

De assim, pleiteio que os republicanos não se submetam aos publicanos, que os democratas-populares rejeitem demagogos e populistas, que os socialistas recusem a liberal-democracia e que os comunistas lavem os pés com água quente e sal. Contudo mandem um recado ao Luiz Inácio Lula da Silva: Não é hora de discurso; é hora enfim de reformas.

Curitiba, 9/10/2008

 

UM GRITO ENORME QUE NINGUÉM OUVE por zuleika dos reis


 

 

tarde cinzenta fria dia qualquer anônimo nos calendários sem sombra de dúvida oito de agosto de mil novecentos e noventa e um dezessete horas pontuais trinta minutos nos livros de história final do século vinte primeiro ano da última década os apocalípticos insistindo oito anos para o fim do mundo outros assegurando primórdios da era de aquário enquanto Rubem procura certamente neste instante le mot juste que se encaixe na estrutura de seu texto que não se enquadra em nenhum gênero literário que todos os gêneros literários já morreram e Rubem já faz parte do futuro e quem sabe lá nesse futuro após o fim de tudo as coisas todas degeneradas assim todas misturadas voltem  em NOVAS HIERARQUIAS e Rubem o cientista não mais precise dizer que tudo o que realmente importa é o futuro da espécie mas o tempo não existe nessa tarde cinzenta e fria tão cinzenta e fria assim fria e cinzenta com uma dor de cabeça infinita e tudo o mais de chumbo e quando você l’autre Daniel Aleph aqui sempre comigo e em todo lugar me dizendo que voltou a existir o tempo dos relógios não consigo acreditar NÃO POSSO essa certeza que não posso tritura-me nos cacos da janela embaçada da chuva lá fora fininhas agulhas no sangue saindo pelos poros e eu tenho que ir para o trabalho os alunos esperando para que eu lhes ensine corretos cada passo como se deve escrever um texto bem comportado e todos coordenadora pedagógica diretora inspetor supervisora os pais o sistema todos muito felizes e no fim do ano vão todos aprovados assim felizes para a próxima série mas não saio enquanto você aqui por mim adentro vai me extraindo de suas veias desmisturando do seu o meu sangue gota a gota logo enxurrada separando da sua boca o meu hálito do seu rosto desfazendo traço a traço os traços do meu rosto em seu espelho desfeitas linhas a escorrer do meu espelho e gritamos enorme  grito que ninguém ouve mas estremece os alicerces dos edifícios mas ninguém percebe nos escritórios que tudo desabando e na avenida paulista alguém chuta uma pedra mas os dedos há muito adormecidos e uma palavra pretérita de amor me olha do fundo do quarto com os olhos distantes balança a cabeça numa negativa se levanta da cadeira sai para o corredor sem olhar para os quadros abre a porta de saída  sai para a rua enquanto ouço ouço ouço em algum lugar de mim ouço ouço ouço ouço o último poema do último poeta da TERRA o poema encrencado na mesma palavra no antigo disco de vinil a mesma palavra repetida repetida repetida a palavra a última do último poeta da TERRA  e o último poema não anda não anda não anda como o trânsito agora às seis da tarde na marginal de pinheiros nesse crepúsculo de chuva enquanto sonho impossivelmente você caminhando em direção a algum orelhão para que ninguém possa saber nem ouvir as palavras que você nunca nem agora nem nunca vai me dizer mas  nem mesmo você pode se impedir de pensar se eu nessa hora já saí de casa para dar minhas aulas e se vale a pena atravessar os CINCO CONTINENTES  de si mesmo para em não sabemos que língua me dizer alô e eu me lembro de repente que Ofélia acabou de morrer e Álvaro de Campos deve estar muito preocupado já que agora tudo vai ter que recomeçar para que Fernando Pessoa seja convencido de novo de que não vale a pena escrever novas cartas de amor que todas são mesmo ridículas mas o problema é que todo mundo do lado de lá também já sabe quem foi Ofélia que acabou de chegar sem corpo físico como dizem que se chega neste lugar que chamam de eternidade e lá e aqui já não há quem não tenha lido as tais cartas ridículas e Fernando Pessoa que não sabe mais onde esconder todas as suas caras se fecha na nuvem mais próxima para que mesmo oculto não fique longe demais dessa Ofélia que acabou de chegar se oculta o tempo necessário para que todos os habitantes desse outro TEMPO-LUGAR se distraiam com novas celebridades que estejam a chegar enquanto nós do lado de cá estamos cada vez mais próximos mais próximos mais próximos do século vinte e um se é que ele chega porque Nostradamus afirmou que tudo só vai até mil novecentos e noventa e nove por isso deve haver gente que vai começar a se suicidar desde já e o que era crepúsculo agora já é essa noite da janela não consigo ver a emergir nenhuma estrela mas você quem sabe em algum lugar ainda de si mesmo me espere ainda com aquela mesma estrela no bolso a estrela impaciente dentro do seu bolso mas sabendo que não adianta nada estar assim impaciente e se transforma na bola de gude com que você brincava quando era criança e você que não telefona toma um café expresso pensando em tudo o que poderia ter sido se o mundo fosse outro se a história do mundo estivesse noutro tempo se eu fosse outra se os outros fossem outros e não houvesse tantos e tantos outros e outras fileiras multidões entre você e eu nesta noite em todas as noites e em todas as manhãs e tardes e sábados feriados e domingos e talvez alguns séculos ou pensa coisas muito diferentes que eu penso esteja você pensando os pensamentos que eu jamais poderei ouvir por dentro da sua cabeça e vão crescendo crescendo crescendo na sua cabeça e na minha cabeça até que a bola de gude que é também uma estrela se aconchega mais e mais e mais entre as dobras do seu casaco de veludo e dorme

 

MENSAGEM DO TINHOSO conto de tonicato miranda


O ônibus saiu da Rodoviária às oito horas em ponto. Durante vinte e dois minutos ficou a olhar a paisagem, como num filme de Godard, onde tudo se vê e em nada se fixa. O dia caminhava feio. Tudo cinza abaixo e acima da garoa fina e da névoa intensa que ora mostrava o topo da morraria próxima, ora descortinava os montes mais altos no horizonte. Dia feio e frio. Dia em que perro não sai de cima do jornal na soleira da porta, gato não desenrola do rabo e do canto do sofá, pernilongo não voa, besouro não zumbe. Dia pra beber chimarrão e chupar muita xícara com café fumegante.

Cansado da leitura da paisagem e das viagens mentais abriu a mochila, sacou o livro, retomando a leitura da noite anterior. Grande Sertão e Veredas. Estava ele ainda pela página 45, apesar de 13 dias de leitura, quando o telefone disparou. Disparou e parou antes que pudesse atendê-lo. Voltou à leitura e mais uma vez o telefone esganiçou no seu bolso. Tentou ler a mensagem, mas nada havia. Quem ligou não concluiu a primeira frase – “E ai mano…”. Com o olho novamente na paisagem ficou mirando o rendilhado das lavouras de arroz alagadas e algumas que ensaiavam brotar as plantas para fora da água, mas que se mantinham cinzas pela ausência de luz. Estava assim, viajando na viagem, quando o telefone apitou com grunhido doido, insistente. Acelerou o gesto para tentar interromper o barulho incômodo para ele e para os outros passageiros.

Desta vez a mensagem chegou inteira:

_ E ai mano desejo boa sorte pro wil que vá pra ganhar eu estou em uma reunião por isso não estou ai pastor Gelson

Intrigado e chateado com aquela interrupção da sua leitura e da viagem do olhar no interior da paisagem resolveu respondê-la, mesmo não sabendo quem, onde, ganhar o quê, Wil, Gelson, sorte, ganhar, perder, pastor…

Passou os próximos trinta minutos construindo no celular a mensagem-resposta para aquelas palavras vindas do hiperespaço celulante da telefonia mundial. Por estar lendo Guimarães foi influenciado na construção do texto. Foi difícil apertar com precisão aquelas teclas tão pequenas com seu dedo gordo. Mas foi em frente…

_ Pastor Gelson, acho que nos desigualamos. Não sou seu mano. No momento estou no sertão de Santa Catarina, que apesar de santa, se hoje viesse pousar aqui, tinha de vir armada, com bala nos dentes, porque a gente daqui é tanto ruim, como um outro ruim dia um. Mas venha. Venha com sua carantonha. Se não prestar, outra cara a ela nois empresta. Causo ela fique muito furada, disminuimos as balas. Não tenha receio, o medo da morte só bate no bobo do corpo, não no interno das coragens. Pois venha.

Enviou a mensagem e, satisfeito com a missão cumprida, retornou ao livro se misturando com Riobaldo, Diadorim, a jagunçada, o tinhoso, a piriquitada e as veredas mineiras de histórias, estórias além de muitas sabedorias “Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato…


Curitiba, 15/Setembro/2008.

METAMORFOSE por marilda confortin

 

Era uma vez, um bicho estranho que parecia uma lagarta, sonhava ser borboleta, queria ser um humano forte
como uma rocha e acabou descobrindo que era tudo isso.

 

No tempo que achava que era uma lagarta, vivia se arrastando, comia plantinhas rasteiras porque não enxergava as folhas nas copas das árvores, tinha medo de espelhos porque não se reconhecia neles e vivia procurando um lugarzinho seguro para construir seu casulo e criar seus filhotinhos conforme as regras da sociedade do seu pequeno mundo.

Encontrou um robusto arbusto que lhe estendeu a mão. Teceu seu casulo, acomodou-se lá dentro e sentiu-se muito feliz e confortável por muito tempo. Chegou a esquecer os outros sonhos.

Um dia ao acordar, percebeu que o galho havia quebrado, a casa havia caído e os cupins haviam devorado tudo ao seu redor.  Sentiu muito medo e chorou. Mas chorou por um tempo bem menor do que o tamanho do seu medo e sua dor. Olhou para trás e viu que o caminho do passado tinha crescido e já era muito maior que o caminho do futuro. Ficou pensando numa maneira de chegar rapidamente ao fim daquela estrada. Pensou em meter uma bala na boca, mas só tinha drops hortelã e já estava enjoada desse sabor refrescante.

Lembrou-se de que um dia quis ser borboleta e pensou que, se voasse, poderia vencer a distância com mais rapidez e recuperar o tempo perdido.

Parou de chorar, subiu nos escombros da própria crisálida, desamassou as asas, pulou de cabeça na nova vida e sobrevoou o pequeno quintal. Como era bom voar!

Mas, logo percebeu que suas asas rotas pelo desuso, já não eram tão saudáveis e nem tão fortes. As flores do jardim que durante muitos anos ela admirava debruçada sobre o peitoril da janela de seu casulo, já alimentavam outros bichos tão vorazes quanto ela. Havia pouco néctar e muitos predadores. Conheceu uns insetos interessantes que lhe contaram sobre outros mundos além daquele muro. Encorajaram-na a voar para mais distante.  

Subiu no mais alto galho e voou para longe. Conheceu a fúria dos ventos, a imensidão do espaço, a diversidade dos sons, o perigo do fogo e viu que o céu não era azul. Deu-se conta de quão efêmera e frágil era a vida de uma borboleta. Será que era mesmo preciso ter asas para voar para fora de si? O que pensava ser liberdade, na era apenas uma ingênua ilusão de borboleta? Porque ela não se sentia tão leve como devia se sentir uma borboleta?

Deu-se conta então que, de tanto lutar para ser livre, seus pensamentos haviam endurecido ela se transformara numa rocha.

Sentiu-se estranhamente aliviada com essa nova metamorfose. Pedras não precisavam respirar, nem comer, nem voar, nem reproduzir, nem pensar, nem se explicar, nem defender-se de predadores. Pedras não precisavam ser leves, nem jovens, nem preciosas, nem bonitas. Pedras são silenciosas e sábias. Guardam segredos e conhecimento dos tempos. Não necessitam das necessidades humanas.

Rolou para um rio que passava distraído em sua frente e viveu um longo tempo de pedra, contemplando o nascer e o morrer dos dias e tudo o que nasce e morre dentro dos dias sem que ninguém perceba. Ouvia histórias de águas passadas, deixava o tempo lapidar seu corpo, sua mente e, sem resistir deixava-se levar pela correnteza.  Adormecia ouvindo canções de ninar das cachoeiras.  Sentia-se livre e leve como nunca.

Numa manhã clara de inverno, uma imagem refletida nas águas acordou-a. Parecia familiar. Forçou os olhos quase cegos para enxergar melhor. Qual não foi seu espanto, ao reconhecer seu próprio rosto estampado naquelas águas.

Ela era então, uma velha mulher. Estava no jardim de uma casa de repouso para idosos. Inclinou-se um pouco mais para ver sua imagem. Foi quando a cadeira de rodas que a manteve inerte por muitos anos moveu-se e ela caiu dentro do lago do asilo.

Fechou os olhos e inspirou profunda e calmamente sua imagem. Afogou-se.

Tudo acabou bem, afinal.

A mulher cumpriu seu ciclo.

Enfim, em paz para sempre. 

Alfabetização, letramento e alguns problemas – por leonardo meimes


 

 

Na década de 80, começaram a ser elaborados os PPPs (Projeto Político Pedagógico) que incluíam as novas concepções de linguagem e de aquisição do sistema com base nas teorias lingüísticas que estavam em evidência. A partir desta época a escola já teve mais de vinte anos para compreender e aplicar essas novas teorias, porém o que se vê é que, tanto os professores quanto as escolas, não conseguem fazer uma prática pedagógica de ensino de língua e leitura eficaz.

O interacionismo e o letramento são duas teorias que vieram ao encontro da necessidade de um entendimento mais compreensivo da língua e ambos são respaldados pelos estudos iniciados há muito tempo pelos cientistas da linguagem (os lingüistas). O interacionismo tem como princípio o fato da linguagem ser fruto de uma interação, através das três práticas discursivas (a escrita, a fala, a leitura), portanto o texto deve ser o principal objeto de estudo da disciplina de língua portuguesa. A compreensão insuficiente trazida pelas abordagens anteriores, de língua como código ou de língua como representação do pensamento, criou problemas que hoje são evidentes na formação de nossos alunos. Percebemos que o conhecimento só do código, dos meios pelos quais a língua se organiza e concretiza (das gramáticas), é insuficiente para que um falante faça um uso efetivo das três  práticas. O que se vê nas gerações que foram alfabetizadas priorizando a estrutura da língua, com exercícios de análise gramatical descontextualizados é uma grande porcentagem de pessoas que sabem ler e escrever, mas não tem o domínio necessário destes meios (os chamados analfabetos funcionais). Essas pessoas conhecem o código, o decoraram, mas não conseguem usá-lo para uma interação social efetiva. A partir disso, pode-se perceber que no aprendizado da língua existem duas faces, como a professora doutora em educação Magda Becker Soares define, que são inseparáveis e necessárias.

A primeira face, a de aprendizado do código (da estrutura da língua), é aquela em que o falante aprende a passar a linguagem de sua forma fonológica (fala) para a ortográfica (escrita). Este processo, chamado de alfabetização, é hoje visto de forma diferente, o aluno não aprende mais repetindo e decorando as informações, como na escola tradicional, o trabalho deve ser conduzido de forma que o aprendiz seja estimulado a agir e pensar sobre a língua. Sendo essa uma ação pedagógica muito mais voltada para a proposta atual dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e diretrizes, que prevêem uma ação de uso-reflexão-uso sobre a língua. O aluno vê como a língua é usada, ou percebe na fala, tem a oportunidade de criar hipóteses sobre a organização dela escrevendo e após isso reflete e reorganiza o que produziu. Agindo e interagindo dessa forma com a língua o aluno terá um aprendizado mais duradouro do sistema em questão. Seus “erros” nesta visão são considerados etapas de entendimento do sistema, em que ele está supondo soluções para a transcrição da fala. É também importante ver que nesta etapa o aluno já tem conhecimento sobre o sistema pela fala, portanto o que está aprendendo não é algo novo é apenas uma nova forma de representação do que ele já conhece. Ativar esse conhecimento prévio pode ser o gancho procurado para fazer a relação entre a linguagem oral e escrita, aumentando a compreensão do aluno e do professar sobre elas.

A segunda face, citada por Magda (SOARES, M. B. Aprender a escrever, ensinar a escrever.) é a de aprendizado das formas textuais e da produção de textos. No entendimento interacionista da língua, o texto, seja ele oral ou escrito, é visto como uma enunciação e isso muda profundamente a prática da produção de textos. Até hoje se vê aulas de redação em que o aluno é impelido a escrever sobre temas que não são de seu interesse, usa formas textuais comuns, produções controladas e pouco diversas. Este tipo de atividade com o texto não estimula a produção do aluno e o afasta do texto. As produções devem ser espontâneas, permitindo que os alunos escolham temas ou escrevam sobre o que é de seu interesse, porém a maior mudança ocorre no motivo e preparação para a produção.        Na prática tradicional de produção textual, as “redações escolares” são produzidas para serem lidas pelo professor e corrigidas apenas gramaticalmente de forma resolutiva. Ao contrário, se o professor devolver os textos para que os alunos possam reescrevê-los e ajudá-los a melhorar a adequação do texto aos padrões requeridos pelo contexto, a produção textual é mais efetiva. Para que isso aconteça, a própria proposta de produção deve ser diferenciada e explicativa. O aluno deve saber porque, como, para quem e quando o texto está sendo produzido, sendo assim capaz de adequar sua produção ao leitor (quem), ao gênero (como), à formalidade, momento histórico e outros fatores que influenciam na produção. Para estimular essa produção o professor deve propor uma situação real de produção e publicação, seja na escola, na Internet ou outro meio, a produção dos alunos têm de ser real em seu sentido de interação. A partir disso, na correção dos textos o professor deve se preocupar com a adequação dos textos ao proposto, o “erro” de novo não existe e passa a ser uma falta de adequação a proposta escrita ou ao gênero e situação. Ainda, para que o aluno tenha uma produção de textos adequada é necessária a leitura, o conhecimento dos gêneros, discussão e produção textual tanto pelo aluno quanto pelo professor. Somente em contato com textos diversos de revistas, jornais é que o aprendiz conseguirá ultrapassar a “barreira” de alfabetizado e entrará no mundo dos letrados, podendo agora agir socialmente com o sistema aprendido e estudado. Essa segunda face foi chamada de letramento por Mary Kato em 1985 (Kato, M.A. O Aprendizado da Leitura).

O trabalho com as duas faces do ensino de língua é necessário para que o aluno aprenda a transitar pelos sistemas de texto e seja mais do que um alfabetizado. Segundo Magda Soares (SOARES, M. B. O que é Letramento.) “Já não basta aprender a ler e a escrever, é necessário mais que isso para ir além da alfabetização”. Quando o trabalho prioriza uma das partes o aprendiz sente a falta da outra, pois assim como existem alfabetizados que não sabem ler e escrever adequadamente, também existem os letrados que não são alfabetizados, pessoas que não conhecem o código. Para tanto é necessário que os professores e alfabetizadores tenham conhecimento dessas teorias, saibam passá-las para a prática de uma forma efetiva e tenham o apoio da escola. Os projetos pedagógicos já consideram a abordagem interacionista, mas não conseguem fugir da prática tradicional porque os professores também não conseguem.

Quem hoje leciona português tem, muitas vezes, uma falha na formação, na qual não foram contempladas as teorias lingüísticas e interacionistas, muito menos o letramento. Apesar da maioria dos cursos de letras já trabalharem com as teorias lingüísticas, os cursos de pedagogia e magistério, que formam os alfabetizadores, ainda não as consideram. Como resultado, nossos educadores estão desatualizados e os que têm conhecimento teórico encontram dificuldades em transpor para a prática o que é visto nos livros. Muitos se sentem confusos sobre como trabalhar com o texto e com a gramática em uso de uma forma única e outros não sabem como fugir da alfabetização usando as “cartilhas”. As escolas ainda não têm, em sua maioria, bibliotecas adequadas e os materiais didáticos priorizam um ensino de gramática descontextualizado, faltando o contanto necessário com o texto para que professores e alunos mudem essa prática

Enfim existem muitas barreiras a serem transpostas e derrubadas no caminho de um ensino de língua mais eficaz. A formação de professores e alfabetizadores deve ser melhorada e continuada, as escolas devem atentar-se ao que seus professores tem feito nas salas de aula e devem assegurar aos alunos o acesso aos textos necessários ao seu aprendizado. Uma prática boa do letramento e da alfabetização pode nos presentear ao longo prazo com jovens e adultos que serão leitores e escritores ativos e eficazes, retirando nosso país da lista dos países menos letrados do mundo.

DANÇA PARA UMA ALEGRIA MÍNIMA poema de altair de oliveira

 

 

Lembro do modo que a morte me convida

pra fazer vida consigo no pós-morte.

Penso comigo no medo que consigo

quando me vejo esquecido pela sorte

fico menor que o menor ser dividido

meio sem porto, sem norte, sem abrigo…

 

Sempre que sumo, espero e me procuro

sei que comigo amigo uns inimigos…

Sinto que a fome me come parasita

e cedo à sede em segredo, comovido.

Quero que o belo futuro me visite

e me permita o instante enfestecido:

desenharei alegria em surdos gritos

desdenharei os  demais dias vividos!

 

Altair de Oliveira – In: O Embebedário Diverso

PEQUENO CONTO ENCONTRADO NA NOITE DA MEMÓRIA por cleto de assis

 

                                        para Ângela, a garimpeirinha de luz

 

 

A menina brincava, distraída, em meio a três pessoas adultas. Duas visitas e sua mãe, triste, enxaquecosa. Braços cruzados, pernas encolhidas sobre a poltrona. Quase a pedir silêncio aos circunstantes, apesar dos assuntos interessantes que se alternavam nas conversas.

A menina continuava brincando, já não tão distraída. Não obstante seus quatro ou cinco anos, parecia ouvir o que os mais velhos diziam, de quando em quando delicadas referências ao estado de saúde da dona da casa. A senhora permanecia escondida da luz, como ocorre com os assaltados por tais cefaléias, quase sempre acompanhadas por fotofobia.

A menina parou de brincar e olhou sua mãe. De repente, ergueu-se do chão onde se distraía com seus brinquedos, foi até a pequena mesa e pegou um dos copos vazios, com suas mãozinhas frágeis. Dirigiu-se à janela entreaberta e estendeu o copo para fora. Em um átimo, os adultos imaginaram que ela iria jogar o objeto de vidro pela janela.  Mas a mãozinha permaneceu parada, segurando firmemente o copo.

Alguém partiu em socorro:

– O que você está fazendo?

A resposta veio imediata, simples como seu gesto inofensivo:

– Estou pegando um pouco de sol para jogar em minha mãe…

RESCALDO ELEITORAL por walmor marcellino

Eleições Municipais

As principais cidades-sede microrregionais (Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa, Umuarama, Cruzeiro do Oeste, Araucária, Guarapuava, Paranavaí, Toledo, Cornélio Procópio, Paranaguá, São José dos Pinhais, Arapongas, União da Vitória…) têm o colégio eleitoral decisivo para as eleições majoritárias. O desempeno partidário nas eleições de 2008 aponta, no aspecto geral, as forças de apoio e sustentação dos possíveis candidatos ao Senado Federal e ao governo do Estado.

Assim, pelo que se viu, Curitiba e sua Região Metropolitana, Londrina, Maringá, Cascavel e suas microrregiões, se não criaram uma impossibilidade eleitoral para todo o PMDB, mostraram revés acachapante e de difícil retorno no nível de sua liderança estadual. Ainda mais que o descozimento da nova aliança nacional PT-PMDB chegou aqui à fragmentação total sob a batuta do requionismo confrontado ao andreísmo-bernardismo. Então, todos os cálculos que se basearem na relação partido + lideranças (e “autoridade-emblemática”) deverão colher os estilhaços político-ideológicos e verificar da possibilidade de reajuntá-los e até de ampliar sua base sociopolítica.

Muita verdade é que a derrota não foi do Requião e do Lula (por seus sátrapas regionais) e sim da caótica linha político-eleitoral dos partidos aliados a Lula e dos comissionados do governo Roberto-Eduardo-Maurício de Mello e Silva; e essa linha política é conseqüência de um “esquerdismo” reivindicativo, oportunista e a-ético encantado com o alcance ao poder, de que “as patrulhas necroideólogas” são a fanfarra eleitoral na internet e na Boca Maldita de Curitiba.

De minha parte, não me dou por compensado nem satisfeito, apesar do que possam assoalhar os “políticos velhos de guerra”. Todavia temos de reconhecer as desídias, vacilações e oportunismos dos “socialistas” de carteirinha e o tédio pequeno-burguês (não grande!) e o comodismo (como meu caso?) dos “teóricos sem classe nem base social”.

Apesar dessas faltas e mazelas, sempre me dispus a estudar, analisar, discutir, debater e avaliar as relações sociais de classe em relação ao poder dos estamentos políticos e suas formas de dominação. Sei que essas questões são abominadas pela idiotia dos carteiraços ideológicos com que se justificam os caciques partidários. Ainda assim, a luta continua (mais para expurgar o carreirismo e o oportunismo nas esquerdas do que demonizar nossos adversários de idéias e programas).

Curitiba, 6/10/2008

O MAR: ENTE CRIÔNICO poema de jairo pereira

 

 

um mar presidir o encontro dos espírithos

o mar levantado em azul frente aos corpos-micros

o mar com seus palimpsestos papiros

tábuas inscrições céleres nas águas

o mar com sua vastíssima erudição

o mar versado em miles de artes disciplinas

o mar autoritário artífice de pródigas criações

o mar com sua língua superafiada

em consturas intransigentes

o mar uma língua-ciência maior

q. o mundo azul do mar

o mar levantado em azulmar sob azul cerúleo

o mar hipertrançado de destinos

o mar como uma colcha transfulgente

no espaço térreo

cosmogônica composição animovente

o mar Senhor dos signos-búzios

atirados à praia

o mar criônico-ente na escuridão estelar.

 

CARLA TEODOROVICZ expõe no MAC a partir de 08/10/08

A CRÔNICA É … por hamilton alves

 

 

 

 

 

                                   Num fim de semana desses recebi a visita de um amigo. Também ele escritor. Também ele poeta.Também ele um aficionado da arte.

                                   A certa altura, disse-me:

                                   – Olha, cara, se não fossem a literatura e a música, o que restaria para mim neste mundo.

                                   Estive a pique de lhe dar uma resposta. Diria mais ou menos o seguinte:

                                   – O que seria de mim se dependesse da literatura e da música?

                                   Com essa antítese queria lhe explicar que o homem não deve depender de nada para garantir sua paz ou sua acomodação neste planeta.

                                   Mas não cheguei a externar tal pensamento.

                                   Deixei que viajasse na maionese, ou seja, que fizesse depender sua ligação com o mundo da literatura e da música.

                                   Logo depois, tentei expressar o que pensava de outro modo.

                                   – Para mim, a melhor música é o silêncio. Não há sinfonia que o supere.

                                   Ergueu-me os olhos grandes como os de um índio (no que me parecia que era um pouco) e revelou-se meio admirado do que acabara de dizer. Ou intimamente poderia não concordar comigo.

                                   Música, para ele, era música tal como tradicionalmente se concebe. Essa história de silêncio ser também música não batia muito bem com sua visão das coisas, certamente.

                                   Mantínhamos, em nossa conversa, canais abertos de comunicação, de modo tal a nos permitir conceitos de todo o tipo. Ou fórmulas das mais variadas a respeito de todas as coisas.

                                   Mesmo porque não há outra atitude mais correta a ser adotada com respeito a um visitante.

                                   Faz parte da cortesia que lhe é devida.

                                   Mas ele mostrava-se suficientemente apto em seus comentários para criar um conflito insanável de qualquer natureza.

                                   Até que chegou, em dado momento, num ponto crucial, quando quis definir o que era crônica.

                                   Lançou no ar a frase:

                                   “A crônica é…”, mas não a concluiu.

                                   Percebi que esbarrava na definição, que é, em si mesma, indefinível.

                                   Olhei um pássaro num galho de uma árvore, muito próximo de onde estava. E ao pássaro quase lancei a pergunta:

                                   – O que é a crônica?

                                   O pássaro o saberia?

                                   Poderia achar a definição na qual o meu amigo se mostrava  bloqueado?

                                   Mas o pássaro, nem bem ousara lhe propor tal indagação, voou para outras bandas.

                                   O meu amigo continuava a tartamudear, indeciso:

                                   – A crônica é…

                                   Quem é que, na verdade, saberá dizer o que a crônica é?                              

 

(set/08)

                                              

                                   

CISNE E FÊNIX, uma boa hora para recomeçar – por alceu sperança

Cisne e fênix

 

 

 

Quando fazíamos a campanha das Diretas Já, em plena ditadura, repetidamente adverti aos nossos companheiros, pertencentes então a um arco de forças muito vasto − hoje estamos todos separados por divergências profundíssimas − que não deveríamos conquistar a democracia só para mudar a forma de escolha dos ocupantes de palácios oficiais. O essencial seria, prioritariamente, que a população organizada pudesse forçar a gente dos palácios a agir em favor das maiorias.

Depois das eleições diretas e da derrocada da ditadura, que fez o favor de se suicidar, tudo o que conseguimos foi uma Constituição que se costuma qualificar de “híbrida”, misto de parlamentarismo com presidencialismo. Na verdade, ela é esquizofrênica: uma colcha de retalhos de concepções que ora convergem, ora se chocam. Temos, assim, palácios que metem o bedelho uns nos outros. Gente de partido que se mete na administração, de forma arrogante e autoritária, quando deveria politizar a população, fazer militância e ter democracia interna, que no tocante à gestão pública propriamente dita deveria privilegiar os quadros técnicos. De resto, dissemina-se entre governantes, do Planalto à planície municipal, o mesmo vezo imperial, que seria possível traduzir por uma tremenda cara-de-pau no emprego de compadres, parentes e sócios nos malsinados “cargos de confiança”, tráfico de influência, contratos fraudados etc.

A desmoralização do PT, no entanto, é a mesma das demais agremiações social-democratas que vêm governando o país desde Sarney, passando por Itamar e FHC: tudo se resolve em palácio e a população é apenas massa de modelar manipulada pelos publicitários tipo Duda Mendonça e Marcos Valério. Desde o “ame-o ou deixe-o” somos a República da Propaganda, saudosa do DIP de Vargas. A social-democracia no Brasil se revela por uma adesão fatal ao neoliberalismo, tendo como alternativa algo igualmente ruim − o populismo.

O PT, mesmo um partido pequeno-burguês desde sua origem, inclusive estimulado pelo general Golbery do Couto e Silva, ainda tem a chance de ao menos finar gloriosamente, reorientando suas prioridades, para que mais tarde, talvez bem logo, possa renascer, como a Fênix. Não uma Fênix que renasce por bênção divina, compulsória e garantida, mas que possa renascer por conta do bem que terá feito mesmo às portas do canto de cisne.

O PCB, em seus quase 90 anos de existência, foi caluniado e reprimido. Teve direções nacionais inteiras na cadeia, militantes submetidos à tortura, como aqui no Paraná, e assassinados pelos mastins da opressão. Até esse PPS que aí está tentou liquidá-lo, de forma fratricida. Mas o PCB sempre ressurgiu, levantando as bandeiras da democracia, da liberdade e da participação popular. Recentemente, o partido dirigiu à Nação para sugerir ao presidente Lula e ao PT que reconstruam sua história a partir de algumas providências elementares:

1) Destituir imediatamente a equipe econômica (Meirelles etc), derrubar os juros absurdos e a prática dos draconianos superávites primários, suspensão dos pagamentos da dívida externa e reestruturação da dívida interna; 2) Formar um governo de ampla coalizão progressista, com a governabilidade assentada na mobilização popular e não em políticos oportunistas e de mau caráter; 3) Reforma agrária imediata, com pagamento de indenizações com títulos da dívida agrária; 4) Política emergencial de empregos, com criação de frentes de trabalho e realização de obras de infra-estrutura, saneamento e habitação; 5) Reforma política centrada em mecanismos de democracia direta; e 6) Amplo controle social sobre todos os órgãos governamentais e as empresas estatais.

Um dia será preciso haver um legítimo poder popular neste País, mesmo que ainda não socialista, como desejamos. Esta seria uma boa hora para começar.


Rumorejando (Com a decepção dos Três Poderes continuando).

Fábula Confabulada (Indigna do Millôr).

 

Havia uma vez nas cercanias de Shaoshan, não longe de Changsha e de Chonqing, entre Guiyang e Chengdu por um caminho que vai em direção ao rio Yang-Tsé, contornando Leshan um chinês de nome Shway Neh Ray. O sonho dele era visitar um país, do outro lado do mundo, chamado Brasil. A passagem custava muito caro o que fazia com que ele protelasse a cada novo ano a realização do seu sonho. Quando começou a abertura da economia chinesa, Shway Neh Ray iniciou uma criação de porcos, usando métodos desenvolvidos por técnicos chineses, inclusive com tratamentos dos ditos com acupuntura e ervas. A mulher de Shway, Shte Keh Wen, colaborava no orçamento familiar, dedicando-se a costuras, principalmente na reforma, ampliação e redução de vestidos em função de necessidade e/ou do grau das vaidades de cada freguesa. O negócio começou a prosperar e a realização do sonho começou a se aproximar da factibilidade, como Shte Keh Wen gostava de se expressar, usando palavras mais ou menos sofisticadas. Aí, ela, que passara todo o tempo economizando tostão por tostão, quer dizer li por li sugeriu que ambos passassem por Paris, a fim de ela também realizar o seu – dela – sonho. A criação de porcos ficaria a cargo do filho do casal, Peh Tcha Tek, que já tinha idade pra dar conta de tais tipos de tarefas. E assim foi. Em Paris, visitaram o que os turistas costumam visitar: Museus, Monumentos, Jardins, como o de Luxemburgo, Torre Eifel, Notre Dame, Palais Royal, Sacre Coeur e passearam de barco pelo rio Sena; comeram queijos e tomaram vinhos. Enfim, procuraram ver o máximo e o que o dinheiro permitia. Finalmente embarcaram para o Brasil. Outro grande sonho. Shway Neh Ray havia comprado, ainda na China, entrada para assistirem o desfile de carnaval no Rio de Janeiro e chegaram bem no dia do desfile das escolas de samba. E, claro, outras visitas turísticas. A companhia de turismo, lançando mão de seguranças, cuidava deles e de outros turistas de outros países. O casal não entendia exatamente por quais razões, o que ninguém se preocupou em explicar a presença dos tais seguranças, por achar arriscado criar medo e atrapalhar a vinda de outros turistas, estragando o seu negócio. Mas isto já é outra história que, nesse momento absolutamente não vem ao caso. Quando retornaram para sua casa ameaçaram amigos, parentes e vizinhos para verem as fotos que haviam tirado nos dois países que, coitados, educadamente, acederam ao convite. Cada um do casal anfitrião dissertou suas impressões com relação aos países visitados. Ele alegou, entre outras considerações, que não havia gostado de Paris porque havia muito cachorro e gato, fazendo o que faziam nas calçadas e que aquilo não era exatamente o que ele gostaria de ver; Por outro lado (qual lado?), ela não havia gostado do Brasil porque parecia que todas as mulheres só se preocupavam em chamar a atenção para seus respectivos peitos e bundas. E que não era aquilo que ela queria ver. As opiniões dos convivas se dividiram o que redundou numa polêmica que se arrastou pela madrugada adentro, mas isso também já é outra história, o que, analogamente à anterior, obviamente, não vem para o caso no presente momento. Quem ficou interessadíssimo no Brasil foi Peh Tcha Tek, o filho adolescente do casal.

Moral I: O pior cego é aquele que não vê o que não quer e só quer ver o que quer.

Moral II: Quando se discorre sobre um assunto há que se despertar o interesse nas pessoas, seja ele qual for.

Moral III: Peito e bunda feminina não são só de interesse de determinado país, chamado Brasil. É de interesse geral.

 

 

FILA DO BANCO por deborah o’lins de barros

Fila do banco

 

Há uns anos eu estava numa fila de banco e vi uma cena triste. Triste e meio revoltante também. É preciso lembrar que há alguns anos se pagava contas na “boca do caixa”, com atendentes, e não no caixa eletrônico. A fila, então, estava enorme e justamente esse fato quer possibilitou a ocorrência dessa cena.

Eu era a última das mais de dez pessoas que aguardavam o atendimento, que era lento, pois só havia dois caixas disponíveis. Mais gente chegava quando uma moça parou no meio do salão, parecendo buscar coragem de dentro de si. Respirou fundo, tirou um papel da bolsa e começou a chorar.

“Gente, boa tarde”, disse entre soluços tristes, “eu tenho AIDS”. A moça estava simplesmente desesperada. O tal papel em sua mão era uma receita de um remédio que com certeza não teria como comprar. E ela mostrava a receita a todos da fila, dizendo quanto custava e quanto faltava para chegar aquele valor. Conforme um ou outro ajudava, ela agradecia sinceramente e proclamava um valor menor que lhe faltava.

Essa angustiante contagem regressiva continuou até chegar a uma quantia pequena, algo como dois reais. E eu, sem nenhum tostão furado no bolso além do que tinha para pagar a minha conta, assisti àquela cena, muda, torcendo pela moça. Foi quando o segurança do banco chegou e disse à moça que ela não poderia fazer aquilo. Mas ela não estava fazendo nada de mais! Não estava roubando, não estava obrigando ninguém. E não estava mentindo, pois mostrava a receita médica e um documento de identidade. Mas não poderia pedir esmola na fila do caixa de um banco.

O que me irritou foi que, por que o segurança não chegou antes? Por que deixá-la ter um pouco de esperança? Ninguém reclamou ou praguejou; os que podiam ajudar, ajudaram. O segurança parece que só chegou para lembrá-la de que estava se humilhando em público.

Alguém intercedeu pela moça. Uma pessoa completou o que estava faltando para o segurança não enxotá-la e a moça, feliz por ter tido coragem de se humilhar, agradeceu muitas vezes e saiu. O segurança, obsoleto, voltou ao serviço. A vida voltou ao normal como se nada tivesse acontecido. E eu nunca mais esqueci aquela moça. Continuo sem grana, mas ainda torço por ela. Para que continue tendo força para lutar para viver.

SÓLO LA BELLEZA SALVA poema de francisco cenamor/ Espanha


 

“¡subiremos a dios

por lo bello del mundo!”

ernestina de champourcin

 

sólo la belleza salva

sólo la belleza llena mis manos de esperanza

sólo cada nalga cada pecho

sabe curvarse en mi mano y sanarme

 

sólo cada piel estalla en mi tacto

sólo cada areola es capaz de un acceso místico

sólo un dedo en una boca

 

sólo una visión desde el otro lado

donde el volcán la vulva y el brillo

el brillo excitado

 

¡ah! me evaporo

sólo la belleza salva

y mis manos sobre tu espalda

O CERRADO QUE NÃO MAIS SE VÊ poema de tonicato miranda


                                                                                                                 para Guilherme Vaz

 

 

escuta aqui, almofadinha

não se engane a cidade já foi campo

ele agreste quase não mais se vê

já houve tempo, já houve vento

terra causticante, sol a pino, sede de ceder

rodamoinho com nome de lacerdinha

Brasília cercada de cerrado tinha

 

o cerrado tinha jacupemba, andorinha tinha

pequi pra toda parte, fruta no pé e no chão

árvores retorcidas, mais de um milhão

cobra couro de arte, buriti nos brejos, tinha

muitos corguinhos de água limpinha

moça se banhando na cacimba

a gente olhando lá de cima, como tinha

 

lobo guará, ema, seriema, tatu bola tinha

gavião, coruja, sucuri, lebres saltadoras

veado campeiro, formigas de fogo e as voadoras

araticum, ameixa brava, belas plantinhas, tinha

casa de barro plantada no morro alto

cavalo sem cilha e um pouco de asfalto

tudo isto quase não tem, já teve, tinha

 

bando de papagaios no rumo dos guabiruvus

peixes coloridos no remanso de rio pequeno

bem-te-vi te vi tão grande, te vi tão pequeno

bem-te-vi, mal te vi, já todo te senti, você tinha

tantas informações, cadê os sanhaços

será gato do mato comeu-os manhãzinha

cortaram os paus e tocos, mataram a matinha

 

cerrado, muita velha curandeira tinha

ervas-remédio, ervas de cheiro, ervas sozinhas

alguns índios caçavam aqui, céus sobreviventes

malocas perdidas nos cantos das vertentes

muito cristal de rocha e esmeralda tinha

e um pôr-do-sol colorindo nos fins de tarde

prostrado, velho caboclo, saudades da Ritinha

 

o cerrado tinha

seriemas, emas, cobras

assovio na mata tinha

fruta azeda, fruta doce

camaleão na pedra

jacaré no brejo tinha

susto do pacu

tinha pio de nhambu

lagartas nas folhas

lagartas no chão

asfaltos distantes tinha

cachorros no mato

carros no céu

carros sobre a cobra

brilho do sol na latinha

morros sorrisos

montanhas de veludo

e uma montanha

que só eu tinha

 


Brasília, 28/Julho/2008    

UM PAÍS QUE CAI DE BUNDA E CHORA por james pizarro

 Sou tomado de profunda melancolia ao contemplar o desempenho do Brasil nas Olimpíadas… E constatar nossa colocação no quadro de medalhas… Comparar nosso país com os países que estão à nossa frente. Fico triste ao ver que na nossa seleção olímpica de futebol existem jogadores que ganham milhões e milhões de dólares, enquanto representantes do nosso judô choram e são humilhados por não ter dinheiro para pagar o exame de faixa preta. Fico irado ao ver o Galvão Bueno, nas transmissões da Globo, enaltecer delirantemente ‘o gênio mágico’ do ‘fenômeno’ Phelps, nadador norte-americano…e não falar no mesmo tom do nosso nadador Cielo, este sim, um fenômeno. Fenômeno porque treinou seis horas por dia nos três últimos anos, numa cidade do interior dos EUA, sustentado pelos próprios pais e pela generosidade de alguns amigos, pois não recebe um auxílio oficial.. Fico depressivo ao contemplar na TV nossas minguadas medalhas de bronze. E fico pensando que, de cada mega-sena e outras loterias oficiais, o governo paga apenas 30 % do arrecado ao ganhador e propaga que os outros 70 % são destinados a isso ou aquilo, sem que a gente possa fiscalizar com nitidez essa aplicação. Estou por completar 66 anos. E desde pequenino tem sido assim. Lembro do Ademar Ferreira da Silva, nosso bicampeão olímpico do salto tríplice que foi competir tuberculoso! E jamais me sairá da mente o olhar de estupor de Diego Hipólito caindo de bunda no chão no final da sua apresentação, quando por infelicidade e questão de dois segundos deixou de subir ao pódio. E de suas lágrimas pedindo desculpas, quando ele não tem culpa de nada. Das lágrimas de outros atletas brasileiros dizendo que não deu. Pedindo desculpas aos familiares e ao povo. Meus Deus ! Será que vou morrer vendo um povo que só chora e pede desculpas? Será que vou morrer num país que se estatela de bunda no chão, enquanto os políticos roubam descadaradamente e as CPIs não dão em nada ? Será que vou morrer num país que se contenta com o assistencialismo e o paternalismo oficiais, um povo que vende seu voto por bolsa-família e por receber um botijão de gás de esmola por mês? Até quando, meu Deus!?

O FIM DA ARTE como meio de conhecimento – por almandrade


 

Não temos a capacidade de destilar em palavras as experiências visuais que fazem o belo repousar naquilo que é apreendido pelo olhar. Uma obra de arte é tudo que ela contém: forma, textura, cor, linhas, conceitos, relações, etc. É aquilo que se vê, e o que se diz não corresponde exatamente ao que se vê. Não representa nada como imagem de outra coisa. E para ler um trabalho de arte é necessário se partir de um modelo (referências, informações…). Existem códigos a priori (aqueles utilizados pelo artista) e códigos a posteriori (aqueles utilizados pelo espectador).

A virtude da arte é afirmar um conhecimento, propondo instrumentos que seduzem a inteligência. A invenção de uma linguagem é o resultado de um exercício paciente de contemplar outras linguagens. Como todo discurso é resultado de outros discursos. Exige-se um método. A arte é o que está além dos limites de tudo o que se considera cultura; não pode se restringir a um exótico experimento ou aparência da superfície de um trabalho, que fica para trás, como uma coisa vazia, no primeiro confronto com o olhar que pensa.

A arte, entendida, como meio de conhecimento, hoje em dia, vem cedendo lugar a uma experiência ligada ao lazer e a diversão, que envolve outros profissionais como responsáveis pela sua legitimação: o curador, o empresário patrocinador e organizador de eventos, marchands, profissionais de publicidade, administradores culturais e captadores de recursos. Com as leis de incentivo a cultura e a presença marcante da iniciativa privada, paradoxalmente, levou a arte a um limite, o fim da obra, do trabalho ligado a um saber. E o artista, nem artesão e nem intelectual, sem dominar qualquer conhecimento, está cada vez mais sujeito ao poder do outro. As grandes mostras são grandes empreendimentos para atender à indústria do entretenimento, (mais empresarial e menos cultural), que movimentam uma quantidade significativa de recursos e envolve um número assustador de atravessadores.

As contradições modernidade / tradição, contemporâneo / moderno, neste início de século, cede lugar a uma outra contradição: artistas que pertencem ao metier e artistas estranhos ao metier, inventados por empresários da cultura, cujos trabalhos se prestam para ilustrar uma tese ou teoria imaginária de um suposto intelectual da arte e garantir o retorno do que foi investido pelo patrocinador e pelo comerciante de arte. Uma mercadoria fácil de investir, sem risco de perda, basta uma boa campanha publicitária. O artista pode ser substituído por um ou por outro, a obra é o menos importante. Aliás, é o que a indústria do marketing tem feito com as mostras dos grandes mestres como: Rodin, Manet, etc., pouco importa as obras desses artistas e sim o nome e o patrocinador. A publicidade leva consumidores/espectadores como quem leva a um shopping center. A quantidade de público garante o sucesso. O público é como o turista apressado, carente de lazer cultural que visita os centros históricos com o mesmo apetite de quem entra numa lanchonete para uma alimentação rápida.

Na “sociedade do espetáculo”, regida pela ética do mercado, o artista sem curador, sem marchand, sem patrocinador, é simplesmente ignorado pelas instituições culturais, raramente é recebido pelo burocrata que dirige a instituição. Seus projetos são deixados de lado. Também pudera, essas instituições, sem recursos próprios, tem suas programações determinadas pelos patrocinadores. Numa sociedade dominada pelo império do marketing, a realidade e a verdade são mensagens veiculadas pela publicidade que disputa um público cada vez maior e menos exigente. A vida é vivida na especulação da mídia, na pressa da informação. E neste meio, a arte é uma diversão que se realiza em torno de um escândalo convencional, deixando de lado a possibilidade do pensamento.

O fantasma do “novo”, que norteou a modernidade foi deslocado para o artista que está começando, pelo menos novo em idade, o artista/atleta, a caça de novos talentos e de experiências de outros campos sociais. Totens religiosos, a casa do louco, a rebeldia do adolescente… Tudo é arte, sem exigir de quem faz o conhecimento necessário. Todo curador quer revelar um jovem talento, como se a arte dispensasse a experiência. Um “novo”, sinônimo de jovem ou de uma outra coisa que desviada para o meio de arte, funciona como uma coisa “nova”. Um novo sempre igual, a arte é que não interessa. Praticamente trinta anos depois do aparecimento da chamada arte contemporânea no Brasil, recalcada nos anos 70 pelas próprias instituições culturais, um outro contemporâneo surgido nos anos 90 passou a fazer parte cotidiano dos salões, bienais, do mercado de arte, das grandes mostras oficiais e de iniciativa privada. Uma contemporaneidade sintomática.

Estamos vivendo um momento em que qualquer experiência cultural: religiosa, sociológica, psicológica, etc. é incorporada ao campo da arte pelo reconhecimento de um outro profissional que detém algum poder sobre a cultura, (tudo que não se sabe direito o que é, é arte contemporânea). Como tudo de “novo” na arte já foi feito, o inconsciente moderno presente na arte contemporânea implora um “novo” e nesta busca insaciável do “novo”, experiências de outros campos culturais são inseridos no meio de arte como uma novidade. Deixando a arte de ser um saber específico para ser um divertimento ou um acessório cultural. Neste contexto, o regional, o exótico produzido fora dos grandes centros entra na história da arte contemporânea. Nos anos 80, foi o retorno da pintura, o reencontro do artista com a emoção e o prazer de pintar. Um prazer e uma emoção solicitados pelo mercado em reação a um suposto hermetismo das linguagens conceituais que marcaram a década de 70. Acabou fazendo da arte contemporânea, um fazer subjetivo, um acessório psicológico ou sociológico. Troca-se de suporte nos anos 90 com o predomínio da tridimensionalidade: escultura, objeto, instalação, performance, etc., mas a arte não retomou a razão.

Na barbárie da informação e da globalização, estamos assistindo ao descrédito das instituições culturais e da dissolução dos critérios de reconhecimento de um trabalho de arte. Tudo é tão apressado que acaba no dia seguinte, os artistas vão sendo substituídos com o passar da moda, ficam os empresários culturais e sua equipe. Uma corrida exacerbada atrás de uma “novidade”, que não há tempo para se construir uma linguagem. O chamado “novo” é a experimentação descartável que não chega a construir uma linguagem elaborada, mesmo assim, é festejado por uma crítica que tem como critério de julgamento interesses pessoais e institucionais. A arte pode ser qualquer coisa, mas não são todos os fenômenos ditos culturais, principalmente os que são gerados à sombra de uma ausência de conhecimento.

 

 

o autor é artista plástico, poeta e arquiteto.

 

MULHERES QUE FAZEM HISTÓRIAS EM QUADRINHOS por flávio calazans


 

MARJANE SATRAPI : Quadrinhos do Islã.

 


 

Marjane SATRAPI é uma mulher que cresceu no IRAN e desafiando uma rígida e rigorosa moral ousou desenhar um álbun de Histórias em Quadrinhos auto-biográfico retratando sua infância crescendo no meio de uma revolução religiosa islâmica e uma guerra com o Iraque : PERSEPOLIS (editora Jonathan Cape, 153 páginas).

 

Com um estilo simplificado, esquemático e elegante em sua economia de traços quase minimalista, com um aspecto geral que faz lembrar xilogravura,  Satrapi provoca desde o título, PERSEPOLIS era o nome da antiga capital do Iran antes da revolução fundamentalista islâmica.

 

A obra teve inesperado sucesso, Best Seller  traduzida em Inglês, Francês, Alemão, Holandês, Italiano, Espanhol e Português.

 

A HQ é narrada de forma inteligente do ponto de vista de uma menininha que faz perguntas que adultos nunca ousariam fazer, sobre os crimes do Xá, a violência da revolução religiosa islâmica, e sobre os bombardeios do país islâmico vizinho Iraque…ironizando sutilmente, sub-reptíciamente a propaganda e os modismos, onde ela era ensinada que Deus (Alá) escolheu o Xá para reinar, depois que o mesmo Deus expulsa o Xá e fundamenta as decisões de Aiatolás interpretando o Corão de modo Xiita, inclusive com as alunas tendo de rasgar a foto do Xá de seus livros.

 

Em suas fantasias de menina, ela se imagina uma profeta ou escolhida (como Fátima, filha de Maomé)  Satrapi imagina-se falando com Deus (Alá) na cama antes de dormir; já mais crescida, durante a revolução fundamentalista imagina-se como um Che Guevara numa Jihad (Guerra Santa, um tipo de Cruzada) e conhece amigo da família que sai da prisão e descreve as torturas nas solas dos pés famosas no mundo árabe. ..na rua, ela e as amigas brincavam de interrogatório e torturas com naturalidade, enquanto eram obrigadas a usar véu na escola e depois nas ruas…e inocentemente amarrando os véus para brincar de pular-corda.

 

A mãe fechando as cortinas para os vizinhos não delatarem que jogavam cartas, jogos com baralhos eram proibidos..até a mãe desmaiando quando despede-se da filha no aeroporto de Teeran, filha enviada para estudar e  refugiar-se na França para preservá-la da brutalidade contra as mulheres desta interpretação radical do Corão.

 

Fragmentos de memórias episódicos são retratados e aos poucos vão formando um quadro do ambiente do Iran naquele período, um tipo de retrato histórico, um diário ou livro de memórias desenhado pela óptica feminina atenta a mínimos detalhes que dão o sabor realístico ao conjunto da obra.

 

Um exemplo de Quadrinho produzido por mulheres que torna-se BEST SELLER internacional como a Argentina Maitena, talvez indícios de uma tendência de mercado como resistência à visão machista norte-americana de uma Globalização como sinônimo não-declarado de AMERICANIZAÇÃO.

 

Em entrevista à TIME de 2 de junho de 2003, Satrapi dispara uma declaração ousada e corajosa:

 

“O que eu gostaria seria de ver os USA dizendo: -Não damos bola pra vocês, nós somos o Leão da selva, e nós estamos devorando vocês por que nós somos mais poderosos- isto seria legal, mas toda esta falação sobre bondade e libertação e –nós amamos vocês- me dá enjôo!”

 

Este é o tom de seus álbuns, cujo terceiro volume está saindo este ano.

 

Vale a pena conhecer esta nova voz que não se retrai ou intimida e denuncia a hipocrisia deste Século XXI, onde discursos infantilóides sobre “Eixo do Mal”, “Libertar o Povo da Ditadura” e sucessivas guerras agressivas no Afeganistão e Iraque sob falsos pretextos e mentiras só mostram a verdadeira face do Leão que Satrapi desnuda…arrogante no topo da cadeia alimentar e nos olhando como meros aperitivos…

 

Um IMPÉRIO pior que foi o Romano… Césares como Calígula  e Nero não tinham um arsenal atômico que pode destruir TODO O PLANETA, confortavelmente, há muitos entre nós que gostam de fingir esquecer deste fato…em meus pesadelos vejo um novo NERO eleito tocando guitarra elétrica enquanto incendeia Roma, digo, O MUNDO, e depois nem precisará culpar os cristãos (ou Bin Laden) pois não sobrará nada nem ninguém para quem dar satisfações… 

 

Um Leão predador que está aí rondando e nos farejando, e que muitos preferem continuar a fingir que não vêem enquanto não vier de bocarra escancarada na direção do nosso quintal amazônico cheio de biodiversidade e patentes farmacêuticas e de nossa valiosa bacia hidrográfica.

 

Pois quando, conforme previsto pela ONU, em 2025 não houver mais água suficiente que dê conta para abastecer as mega-cidades do primeiro mundo-que continuam crescendo como tumores de câncer… a sede de Petróleo que hoje motiva o Leão será substituída por uma muito mais urgente sede de água...e nós, “BRAZIL”, somos o país com maior volume de água potável disponível para ser saqueado, digo, “LIBERTADO”.

 

Benjamin Franklin, um intelectual, foi contra a escolha da ÁGUIA como símbolo dos USA, seu argumento foi de que era um animal DE RAPINA, traiçoeiro e cruel…este animal é o arquétipo subliminar que está presente desde  as moedas do dinheiro até o selo do presidente, incutindo no inconsciente de gerações de filhos do Leão o modelo de comportamento da ave de rapina traiçoeira…e todos os que defenderem seus respectivos países ao invés de PATRIOTAS recebem do Leão o estigma de ANTI-AMERICANOS.

 

Bem vindas as patriotas e vozes da resistência (como os MAQUIS franceses contra a invasão Nazista) de corajosas cidadãs do mundo como Marjane SATRAPI.

 

A IMPLOSÃO DA MENTIRA ou o EPISÓDIO do RIOCENTRO poema de affonso romano de sant’anna

 

Mentiram-me. Mentiram-me ontem 
e hoje mentem novamente. Mentem 
de corpo e alma, completamente. 
E mentem de maneira tão pungente 
que acho que mentem sinceramente. 

Mentem, sobretudo, impune/mente. 
Não mentem tristes. Alegremente 
mentem. Mentem tão nacional/mente 
que acham que mentindo história afora 
vão enganar a morte eterna/mente. 

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases 
falam. E desfilam de tal modo nuas 
que mesmo um cego pode ver 
a verdade em trapos pelas ruas. 

Sei que a verdade é difícil 
e para alguns é cara e escura. 
Mas não se chega à verdade 
pela mentira, nem à democracia 
pela ditadura. 

 

 

Publicado no livro Política e paixão (1984). 

In: SANT’ANNA, Affonso Romano de. A poesia possível. Rio de Janeiro: Rocco, 198 


MENDIGO poema de vera lúcia kalaari – Angola/Portugal

 

 

Um dia , a miséria

Esfarrapada, amargurada,

Veio bater-me à porta.

Vinha de longe

Em trajes de mendigo.

Nos seus trapos,

No seu alforge,

No seu bordão,

Trazia o traço da fome

E da desdita.

Veio de manso,

Humildemente,

Como um cão escorraçado

Pedir-me esmola.

Não lhe dei nada…

Nesse dia,

Um desses dias pesados,

Atarefados,

Não tinha mãos.

Estava tão ocupada…

Mais tarde, senti vergonha

Daqueles olhos cansados,

Atormentados.

Um dia,

Esta porta que se fechou

À miséria faminta,

Fechar-se-á também para mim.

Já sem vestes de senhora,

Sem trabalhos nem canseiras,

Não estarei enfadada, preocupada.

Terei também o meu bordão

E o meu traje de miséria.

Procurarei esse mendigo

E iremos então os dois

Por todas as ruas,

Batendo em cada porta,

Com o sol ardente a aquecer-nos

Pedindo que cada um

Nos abra o seu coração.

 

 

SENSAÇÃO DE IMPOTÊNCIA poema de ana carolina cons bacilla

 

 

Sabe aquela sensação

“Quero escrever mas não sei o que”?

“Quero desenhar porém não sei pintar”?

 

Sensação presa no peito,

Que quer sair e gritar,

Quero explodir sem machucar.

 

Sentimento de impotência,

Palavras e traços sem decência,

Coisas que sinto só na ausência.

 

Sinto que junto sou lixo,

Sozinha sou bicho,

Intuição de que algo vai dar errado.

 

POEMAS de sara vanegas/ Ecuador

mar: un cuchillo de sal me atraviesa el pecho y las palabras

 

————–

 

las voces llegan a borbotones. como el oleaje a las naves sumergidas de la catedral eterna. voces que ascienden al coro y las cúpulas. como alas o lluvia mansa

tras los vitrales encendidos: peces arrodillados y tu sonrisa

dormida

 

—————-

 

alguien dibuja en la arena el recuerdo de un nombre

y se arroja a la mar

 

—————

 

alguien me dice que es la luz azulada de la luna. y yo vuelvo a confundirla con un río submarino. nunca conoceré el origen del agua. me pregunto si el mar devorará sus propias lunas …

 

—————

 

la luna y sus manantiales. el mar henchido de campanas. aquí: castillos de espuma y sal. para tus ojos solos