ALMANDRADE, VERSO, POESIA E ESTÉTICA – por wilson rocha*


A condição essencial da subjetividade lírica depende antes de tudo do domínio da arte poética, da técnica de versificação, que comporta uma forma estrutural em que o mundo sensível, a interioridade e individualidade poética, ou estilo, possam mais facilmente submeter-se às formas teóricas que a arte exige, pois a estética, mais que uma necessidade, é uma exigência acima de tudo. Todos sabem que neste mundo sempre há quem escreva versos sem ser poeta. E também – como disse Tomachevski – que a língua vulgar contém tudo o que está na poesia, menos poesia.

Na era tecnológica em que vivemos, a decadência da vida civilizada está exaurindo a arte e secando as fontes da criatividade e da vida espiritual do homem. Por isso o conceito de poesia está morrendo na alma do homem contemporâneo, que parece estar-se voltando para a vida tribal e fixando-se no psiquismo consumista, na irracionalidade do drama ecológico e na imensa e indomável economia das drogas.

Os poemas atualmente produzidos são quase sempre meros atentados contra a língua e a estética, sobretudo em um país provinciano e tradicionalmente iletrado como o nosso onde os pequenos literatos são tão abundantes e televisivos e os poetas se confundem com os fazedores de modinhas, como se a poesia fosse algo tão banal, descartável e massiva como a música popular.

Na conjuntura intelectual da Bahia, onde já não se vêem atualmente jovens poetas eruditos como Jair Gramacho, é reconfortante vislumbrar, contudo, algum brilho na produtividade de uns raros poetas emergentes, como, por exemplo, Carlos Loria, que prestou recentemente um valioso serviço às letras do nosso meio ao traduzir com perícia e brilho todo o fascínio, a magia e o lirismo genial de um dos maiores poetas do século, o norte-americano Edward Estlin Cummings (1894-1962). Além de poeta dotado de forte vocação lírica e bom tradutor, Carlos Loria é um artífice consciente das dificuldades. O seu ofício e seus livros, elegantes e agradáveis, são de boa categoria gráfica, como se vê em Cummings 20 Poemas, edição Código, Salvador, 1990; Casa Clara, Código, 1991, e Territor, Edições Audience of One, Salvador, 1993, ambos de excelente qualidade, poesia marcada pelos sinais pungentes da existência do homem, as cores e os eflúvios do cotidiano, a sombra e a memória da criatura e de seus objetos. Acontecimento sobretudo significativo é a sua tradução dos poemas de Cummings.

any man is womderful
and a formula
a bit of tobbacco and gladness
plus little derricks of gesture

(todo homem é um assombro
e uma fórmula
um pouco de tabaco e júbilo
e um que outro ademane)

Poesia atenta aos rumores e visões que a cercam, que se procura intimamente, obsessivamente buscando novos caminhos, hesitante entre vanguardismo e uma longínqua descendência surrealista, a voz poética de Almandrade (Antonio Luiz M. Andrade), também arquiteto e artista plástico, já com obras publicadas, caracteriza-se por uma dramaticidade não longe nem isenta das grandes preocupações vivenciais do homem contemporâneo, como se vê em seu último livro, Arquitetura de Algodão, onde se encontra esse instante de puro lirismo:

Quando vem
a noite
corro atrás
do sono
na certeza
talvez
de encontrar
tua imagem
no sonho.  

A força da poesia está no súbito confronto do espírito do homem com o desconhecido, com o impacto da visão daquilo que não existia antes.
 

.
Wilson Rocha 
(1921 – 2005)

Deixe um comentário