Arquivos Diários: 25 julho, 2011

LUCAS PAOLO comenta em “WOODY ALLEN, PARIS E O DILEMA DA CORAGEM – por enio squeff / são paulo”

Comentário:
“A menos que se esteja pessoalmente envolvido nela, a guerra é um estado de espírito contrário ao pensamento”. (Trecho de carte de Debussy a Igor Stravisnki)

Resta refletir o que é estar envolvido em tal situação de guerra. No caso de Borges, talvez mais que suas entrevistas, o “Elogio da Sombra” pode inferir a questão.

Elogio da Sombra – Jorge Luis Borges (trad. josely vianna baptista)

A velhice (este é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal está morto ou quase morto.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são, ainda, a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se desgarrava em subúrbios
rumo à planície incessante,
voltou a ser a Recoleta, o Retiro,
as apagadas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos de Sur.
Em minha vida as coisas sempre foram excessivas;
Demócrito de Abdera arrancou seus olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece com a eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são o que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria me dar medo,
mas é um deleite, um regresso.
Das gerações dos textos que há na terra
terei lido alguns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Logo saberei quem sou.