A poeta Marilda Confortin entrevista o poeta J B Vidal / ilha de santa catarina
ENTREVISTA PUBLICADA INICIALMENTE NA:
Revista ContemporARTES – semanal
PEQUENA ENTREVISTA COM O POETA JB VIDAL
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Conheci João Bosco Vidal em Curitiba, no Café & Cultura, onde nasceu um movimento batizado de “Quinta dos Infernos” que reunia poetas, músicos, jornalistas, artistas plásticos e outros bichos grilos. Tanto o café quanto o movimento foram devorados em menos de três anos pela massa antropofágica curitibana que insiste em contradizer Lavoisier: Aqui, nada se cria, nada se transforma.
Gaucho de Bagé, administrador por profissão, JB Vidal atuou no meio empresarial, político e artístico cultural da cidade de Curitiba e do estado do Paraná. Muitos dos poetas jovens que freqüentam a noite curitibana, foram influenciados pelo seu jeito irreverente de ser. Irrequieto, questionador, dono de um texto contundente e de uma língua ferina, sua mãe costumava aconselhar “cuidado com as más companhias, Joãozinho”. Pessoalmente acho que o Vidal conviveu consigo mesmo por um tempo muito longo e só recentemente compreendeu o que sua mãe dizia.
Tratou de se reinventar. Mudou de residência para Santa Catarina, sem avisar ninguém e agora vive com sua mulher Rosangela numa acolhedora casa em Florianópolis, na praia dos Ingleses, onde tem a piscina mais quente e a cerveja mais gelada do sul do Brasil.
Dedica-se ao seu blog cultural Palavras todas Palavras, escreve diariamente, está com o livro de poesias “Ofertório” no prelo e realiza uma pesquisa sobre personalidades catarinenses que resultará num documentário a ser lançado ainda este ano.
Estou passando o carnaval em sua casa. Coisa que nunca pensei acontecer. Em outros tempos, já teríamos nos “matado”. Entre uma cerveja e outra, um amigo que chega outro que sai, uma música interpretada pelo violonista GG Felix, Vidal acaricia uma costela que assa na brasa “e não é de boi nelore”, previne ele, enquanto fala sobre as raças de gado mais indicadas para um legítimo churrasco gaucho e conversa sobre literatura, arte, vida.
Pegando emprestado um comentário do amigo escritor Ewaldo Scheleder que disse “ O Vidal está insuportavelmente melhor”, inicio a inquisição perguntando:
M: – Qual foi o motivo dessa transformação?
JB: – Não sei o que ele quis dizer com isso,eu era pior? Sob que ponto de vista? Melhorei, sob que ângulo? Criei barriga? Fiquei careca? me pareceu mais uma piada do que um pensamento filosófico. O homem nasce para evoluir em todos os sentidos. Nasce bebê e torna-se adulto. Nasce totalmente ignorante e torna-se culto. Evidentemente que é uma minoria, na questão do conhecimento…claro! a maioria continua como se fossem bebês, em razão dos sistemas em que vivem, “maria vai com as outras”, vaca de presépio. Arrastam-se pela vida sem saber do que se trata. Votam em ladrões e acham que eles são muito espertos, cultuam a beleza física como se isso fosse levar a algo mais que uma trepada. Enfim, a humanidade é uma lama que só serve ao banho de alguns poucos. Então, essa evolução do homem é que está me reinventando, me refazendo, imagino. Abandonando as carcaças do percurso, me afastando do que ou quem não me acrescenta nada, e aproximando-se mais de mim mesmo, agora, não antes como você afirmou na sua apresentação. Por fim, te digo que não foi a Ilha de Santa Catarina, foi a vida mesmo. Fiz um balanço muito dolorido, por longo tempo, acho que por três anos de crítica e autocrítica, e o resultado foi mais dolorido ainda, aí você tira lições e muda, ao mudar evolui. Nem toda mudança é crescimento, óbvio. Não foi amadurecimento, não, foi constatação da necessidade de dar um salto à frente, ascender na escala, tentar pelo menos. É mais ou menos isso, em resumo, para não ser chato. Aliás, acho que a maioria dos teus leitores, a esta altura, já clicaram noutros links rs rs
M: – Pode até ser, Vidal. Mas não vou fazer apresentação acadêmica dos poetas. Não sou crítica literária e nem escrevo para adoradores de poetas mortos. Escrevo sobre poetas vivos para pessoas que querem saber o que está acontecendo agora, nesse exato momento. Por falar nisso, como está indo o seu livro Ofertório? Conte-nos.
JB:- Esse conjunto de poemas que chamo de OFERTÓRIO, é, bem provável, o início dessa mudança. Marca um período de reflexões sobre o homem e seu mundo atual. E a partir do meu olhar, tento oferecer o que me vai na alma, ou seja ofereço as experiências dos meus sentidos e de alguns sentimentos. Sendo o mais honesto possível, ofereço-me, poeticamente é claro rs rs.
Do livro Ofertório, vou antecipar para os leitores, um poema visceral, sobre o qual o escritor João Batista do Lago teceu uma longa e rica análise:
nem apascentada por mim e a solidão
veio com a chuva, c’os raios
com os anéis de saturno, na cauda do meteoro
fez poeira de lágrimas
e instalou-se nesta podridão
e parido fui,
da dor da fome e fome senti
da dor do sangue e o sangue correu
em minha’lma gnóstica
a dor assumiu e sobreviveu
esta dor maior que o corpo
mais que desprezo e humilhação
mais que guerras e exploração
mais que almas aleijadas
mais que humanos em farrapas degradação
da partida sem adeus
da saudade sem sentir
da espera inquietante
do futuro irrelevante
da ânsia divina de morrer
Lá pelos idos de 2004, participei de um encontro de poesias no Uruguai. Levei comigo vários livros e poemas avulsos de escritores brasileiros para distribuir entre os poetas estrangeiros. Um deles foi um folder de poesias do JB Vidal, impresso especialmente para o evento e muito bem ilustrado pelo artista visual RETTA. Foi disputadíssimo. O poema COMA causou arrepios entre os participantes:
COMA
nasço e inauguro em mim a trajetória da morte,
início e fim, siameses do útero à campa,
como fonte, me insurjo, resisto,
consciente de sua presença, prossigo
sepultado vivo na matéria,
com a alma esgarçada na miséria
de um momento que ela mesma desconhece,
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não há passado para o início não haverá futuro para o fim,
da razão? o que ficará dos sentidos?
das agonias, dos sofreres,
dos sentimentos, penso profundos,
o que será dos meus saberes?
experiências, conhecimentos,
como óbolos para quem vem a seguir,
para eles há futuro, esquecer
relações de fé-imagem, palavras-reveladoras,
crenças obtusas oferecidas em sacras mansões, não!
que me debato em trevas,
que abreviei a trajetória,
que vivo morto por querer viver depois.
Já meio incomodado com minha conversa, pergunta se estou com fome, se quero mais uma cerveja, se não quero dar um mergulho, se… Brinca com Lenon – seu enorme cão akita branco e simpático – que se debruça no parapeito da janela da cozinha com as patas uma sobre a outra, igual um bêbado pedindo uma pinga no balcão.
Lanço um osso para o Lenon e arrisco uma pergunta final.
M:- E agora, Vidal? Que tipo de poesia essa nova fase nos reserva? Pode mostrar pelo menos uma?
JB: – Ainda está cedo. Nem sei se já existe uma nova fase e se escrevo sob o império dela, mas realmente tenho escrito muito até porque, agora, tenho todo o tempo disponível para fazê-lo. De qualquer maneira o ambiente da Ilha me entusiasma para novas incursões, como você se referiu estou na fase de pesquisa sobre personalidades catarinenses que tenham sido, realmente, fundamentais para o desenvolvimento político, econômico e cultural do estado a partir de 1960 até os dias atuais. Penso, também, editar e jogar pelas praças e feiras, no chão evidentemente, meus 5 livros de poesia, 3 de contos e crônicas e um romance que pretendo finalizar aqui depois de 4 anos escrevendo…é pouco, mas já dá para os críticos se divertirem e manterem seus salários das editoras que compõem o famigerado “mercado editorial”.
Insisto para que me mostre uma poesia nova. Não mostra. É hora de parar com essa conversa. Convida-me para conhecer a poesia que salta aos olhos nos mares do sul de Florianópolis.
Depois, gentilmente manda-me alguns textos por email, dizendo que achou nossa conversa um tanto pobre. Deixo esses últimos textos aqui para que degustem e espero que discordem dele quanto a pobreza. Oxalá todos os poetas fossem tão ricos quanto você, Vidal.
era o tempo…
era o tempo em que eu voava, de folha para galho, sobre oceanos, rochedos, e os rochedos eram moles, era gelatina os mares, as árvores, eram de papel e o papel não se deixava escrever, a tinta só no mundo, na pata não, meus irmãos corriam, de uma sombra para outra, no solo, e o solo era de nuvens, brancas, e não faziam sombras, as sombras brincavam entre elas, e elas me assustavam quando caiam no precipício, de brincadeira, que susto, e o susto era bom e eu assustava também, e o também, também se repetia, e a repetição era voar no mesmo lugar, brincar na mesma nuvem, e as nuvens subiam e desciam, e descer era subir, subir no mais baixo possível, quando subiam, era descer no mais alto possível, e os que viviam nos mares andavam sobre fogo, e o fogo era bom, bom e frio, e o frio, bem não sei, nunca estive na gelatina, mas não era ruim, segundo sei, e saber era sentir, sentir era mudar de rumo, e o rumo voltava, e eu ia e voltava, quando voltava era outra paisagem, e a paisagem mudava e voltava, e eu ia só para a que mudava, e não era mais, mas não voltava, voltava voando para a frente, e para frente era atrás, e atrás não existia, existia o vento, e o vento era meu, e meu era de ninguém, mas era meu, e eu voava nele, e ele deixava, e eu dominava ele, ele sorria, e sorrir era também chorar, e chorava de alegria, e alegria era tristeza, e a tristeza era boa, porque era boa a gente sofria, e sofrer era ruim, mas o ruim pode ser bom, e o bom pode ser mau, e o mau, não sei nunca fui mau, mas eu voava sobre o mau e o mal, e o mal não existia, como o bem também não, e o não era perfume, e o perfume, bem…o perfume…era eu, e eu era o próximo, e o próximo era todos, e todos brincavam, e brincar era trabalhar, e trabalhar era fazer, e fazer era destruir, e destruir era preto, e preto era verde, e verde não tinha cor, porque a cor era o nada, e o nada era branco e tudo, como esta folha de papel.
ETERNO
meu corpo no teu
acende a dúvida
ser ou estar
eu!? nós!?
gozo cósmico!?
prazer em deixar-me ir
onde estás ou sejas
sou inteiro em ti
estou metade
PRISIONEIRO
nas mãos
cartas
datas
tempos
épocas
coração rítmico
arritmico
desritmico
meus lábios esmagam versos.
SANTA BOEMIA
Deus!
és o mais sábio dos poetas
pois fizestes morada no cosmos
onde é sempre madrugada!
Poemas de J B Vidal
DOR QUE DÓI MAIS – por martha medeiros / porto alegre
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
CLAREIRAS – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr
O sol estilhaçou-se em estrelas
houve um cheiro de cio
naquele início de noite quente, embalsamada.
Os grilos retiniam cios
pavoneavam suas orgulhosas caudas sonoras.
E eu
estava todo concentrado nos meus olhos
eles escutavam os sons
e tocavam as bromélias.
Estes meus pássaros castanhos
porque o resto de mim
é casulo.
A única parte visível do meu corpo
meus braços brancos
eram objetos cruzados
por sobre a cerca de velhas tábuas cinzentas.
E acima deles via
os cimos com poucas folhas do outono
os galhos negros como sombra
transpassados por estrelas
pareciam ter floração de estrelas.
A íris
passeava dos cimos à clareira,
ia de uma constelação à outra
(um beija-flor de estrelas).
Aspirava à movimentação silenciosa de
Ursas, Zodíacos, Cruzeiro
quase sem quebrá-la com o mastigar das pálpebras.
Essas imagens eram musicadas por
sentimentos
em uma composição que misturava em meu interior
antagônicas emoções
de paz, angústia, alegria, comunhão e solidão.
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