S E L E N E – por jorge lescano / são paulo

Navegamos o dia todo. No crepúsculo fomos sobressaltados por vozes que pareciam surgir do fundo do rio. Luzes ao longe: festa em algum clube à beira do Tigre. Nosso destino era outro.

Juanito, meu guia, cansado de remar, dormia na barraca no limite da floresta. Ele confiava em mim, que optara por fazer a primeira guarda, eu confiava na minha arma.

Noite clara; céu liso; estrelas nítidas, distantes.

A água batia na costa embalando o bote. Para um peixe pequeno, a ribanceira seria uma falésia. Meus olhos acompanharam (por quanto tempo?) o vaivém do rio, compreendi que fogo e água são duas faces do mesmo sentimento de nossa espécie.

O vazio.

Esfericidade do planeta na cavidade do espaço. Cada coisa existe isolada sem ofuscar o conjunto. Ausência do tempo: vida quieta em sua essência. Mesmo o  balanço das ondas era (foi) algo estático: moto perpetuo. Sensação brevíssima. Senti o universo sem desviar os olhos da água aos meus pés. Não foi a enumeração sucessiva do inventário, mas o viver a quantidade e a qualidade do todo sem antes nem depois. Apesar dos meus vinte anos poderia ter morrido naquele instante de plenitude. Senti o peso e o volume do revólver na cintura; soube que seria fácil apontá-lo ao coração e soube também que agora (então) teria sido inútil, o tempo havia retornado.

Monotonia das ondas, silêncio da noite.

Solitário nesta ilha ignorada pelos mapas contemplo teu corpo branco no escuro lençol d’água.

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