PELE & OSSO ou DA CARNADURA das PALAVRAS – por jairo pereira
A poesia de Neuza Pinheiro no seu primeiro livro impresso, individual, como eu previa, alumbra a paisagem da lírica brasileira. Edição Fundação Cultural de João Pessoa – FONJOPE, 95 pgs. Prêmio Nacional de Literatura Lúcio Lins 2008. São muitas as Neuzas que se revelam, fortes, em pele e osso e na carnadura das palavras. Essa poeta, mulher, densa e resolvida, no seu psiquismo, pede “bis” à vida, como ela mesma expressou numa correspondência ao ora aventureiro a crítico. Gosto, regosto do seu estilo não-estilo. Conhecimento da palavra/poema repetida, principalmente nos primeiros poemas do livro. Não há desperdício de imagens. A palavra vem seca, pele & osso no mundo do sensível. Imagino os poemas do livro levados ao teatro, em performances alucinadas, com muito movimento de luzes, ação. Eu diria, dentre outros, este: “nessa lágrima pesarosa/composto de metais em solução aquosa/me veio a visão repentina/de ser massa entre os blocos/da Muralha da China”. A poesia espiritual, material, cotidiana e espectral de Neuza Pinheiro, é lux do pensamento acelerado. A mulher trabalhadora, madura, de visão crítica, inserida no social que aniquila e mata o ser criador, rebate com as catanas do talento as sombras. “me pisam nemas ninféias/luas danosas gementes/floemazuis viscerantes/deformidades maléias”. Uma poeta que amalgama coisas, sensações, fluxos verbais, imagens espectrais, silêncios e cogitações, só pode mesmo haurir a melhor poesia. Numa época em que poetas perseguem conceitos, fórmulas de se dar bem na escritura, em sendo sempre o outro, a poeta de Pele & Osso, revela-se visceral, abrindo-se na carne das palavras e no mais profundo do seu ser. Pele & Osso. Transcende a artista, o rigor vital de seu dizer, e a angústia que perpassa versos e versos, soa monocórdio alerta de um ser em crise. Um ser que somos, todos. Não há saída para o irreversível. O que não tem remédio, solução. Esse grito da alma a que Neuza Pinheiro expande no universo, vibra em dor. Queria e faço isso, digredir além dos ossos, pele e carnadura das palavras. A mônada que sustenta a poesia de Neuza Pinheiro, traz sim a angústia dos séculos. A mulher, nua, prolífera de sonhos, ilusões, rescaldos de sofrer, amar, projetar, frente ao real que agride e conspurca contra o intelecto. Vontade de amá-la sempre. Um ser cálido, transmitindo calor e segurança ao outro que pouco conhecemos. Que bom pudesse… Auto-conhecimento e poesia. Auto-conhecimento e viver. Auto-conhecimento e re-conhecer-se em meio a objetalidade presente. A poeta não perde o discurso pele & osso, vetor da sua realidade compósita de sofrer, amar, criar. Uma fuga o criar, sem precedentes. O criar que sublima e enleva o criador. Vivemos a era dos sem-leitura, do pensamento dispersivo, que revisita relâmpago, links, blogues, sites, objetos espectrais, conceitualmente distantes do livro e seu convite ao raciocínio lesto. “o poema não disse a que vinha/trouxe em gris em grous a vinha/rascou seu rastro de prata/da lua até a cozinha”. Não sei se é pelo conhecer de Neuza Pinheiro que detenho, em senti-la no tudo que nos comunicamos, que me marcam seus poemas e sua vida. A primeira vez que li/senti poemas seus foi na Revista Coyote, e já me sinalizaram a grande poeta/mulher, complexa na pegada, batalhadora da palavra bela, pele e osso, sangue e carne. Re-gosto do poeta autêntico que dá a cara pra bater, explora sua aura suja e nada espera em retorno. É suja de “psíquico” a poesia de Neuza. Suja e malcheirosa às vezes. Como a fêmea animal que lambe a cria, ainda túmida do sangue do nascer, a poeta perpassa emoções, sentimentos em auto-análise, ou auto-crítica: “sou uma mulher/sem cão/sem gato/sem pássaro/já levei à morte um mini-cacto/agora me seca a samambaia”. Há humor, como chuva ácida nessa poesia. Humor, angustiado, que não consegue e nem pretende, apagar a dor hospedeira dos poemas. Dolorida, a poeta pede “bis” à vida. Re-gosto, sua verve de pan-conhecimento. Os saltos no escuro. O pensamento ágil, lêmpto, na composição do poema. Taí uma poeta brasileira de encher os olhos de lágrimas. Uma poeta de rigozijo, em descobri-la autêntica, nathural, nathuralíssima no dizer. Meu olhar crítico e a lâmina do ver, desver, transver, não me habilita a grande coisa, ainda mais, quando esmorecemos ante a indiferença no poético. A era da corrosão do pensamento. O superimpulso de gerações, na velocidade do pecado. Ah. Phoda-se a indiferença das multidões! Teocrática verdade. A poesia de Neuza Pinheiro, finca raízes no céu da lira entusiasmada, na época do sem-entusiasmo. “sob uma perspectiva de náusea/diante da beleza/escolho a lesma/que a um punhado de sal/se desagrega/e aprisionada ao ser não ser/orvalho ou pérola/deixa de si mesma o longo leia-se/só alma/em rastro acesa”. A mulher nua que eu vejo, re-vejo, poeta e criadora dá prazer em expô-la aos ímpios. Faço isso. Os sentidos, revelam ausência, pesarosa presença, desfaçatez, indiferença, preâmbulos de escuridão e asco. Os sentidos do outro, com relação à poesia, é pouco mais que nada. Mas os poetas prosseguem em sua sina de descortinar o desconhecido, ou o conhecido des-sentido. Na palavra de Neuza pele, osso, carne de palavras duras, aflitivas até, reveladoras do “eu profundo” o “eu” encasulado no próprio “eu”. Pra arremate de meu parco dizer sobre a poeta, não poderia deixar de arremessar mais este: “estava lá/trêmula de tão nua/e não havia pressa na voragem dos/tempos. A noite era só uma/e eu me encontrava nesse estado líquido de/coisas”.
jAiRo pEreIrA
Autor de O abduzido e outros.
HISTÓRIA: À PROCURA DOS FATOS por walmor marcellino
A vida dos “homens ilustres” não é a história, mas a história não pode esquecer a hegemonia social, conquanto “os fatos da existência social em relevo” não venham sendo mais do que uma seleção da média jornalística ‑ ainda que nela estejam efetivamente contidos a luta das classes na conquista da produção e administração de seus resultados, e ademais um contencioso do próprio poder nos conflitos pelo poder, isto é, na política.
Basta ao nosso conhecimento político saber como agem e pensam as classes dominantes? E como se lhes reagem os produtores diretos por seus interesses fundamentais nesse processo social de classes, ou no que remanesceu dessas classes em transformação? Sim; porém como a história poderá fazer-lhes uma síntese ou uma expansão reveladoras, senão tentando delinear-lhe os traços mais significativos da tensão social de que compartilham? Particularmente, sob o poder dos planos e projetos político-administrativos “de mudança”, seu pensamento e sua ação. O demais, ficará à conta da “a sociedade do espetáculo” evidenciada por seus cronistas.
Se “a chamada ‘classe política’ ou elite não é outra coisa senão a categoria intelectual do grupo social dominante” (A. Gramsci: Cadernos do Cárcere) e vivemos a sociedade que nos conforma porém que desejamos flexibilizar para nossa ação, como escolher (e disseminar) os fatos da relação de poder político na formação social que o cotidiano ressalta à nossa vidência? Os fatos nos diminuem até o esquecimento e o poder nos envolve e determina o modo de existência; e assim só as sínteses históricas nos podem re-situar na vida social.
EDU HOFFMAN – HAICAIS
nunca avaro
rima para a lâmpada
encontro, claro
=
vida que sorvo
do bico da cegonha
ao bico do corvo
=
memória rã
meu micro
sóft
na lagoa
=
estórias
Ivo
viu
a
uva
uma
óva
=
lobisomens
que seriam dos deuses
sem os homens ?
=
trilha de gente
cacos dejetos lixo
bicho não passa
BILL GATES NA FEIRA COMDEX – editoria
Numa recente feira de informática (Comdex), Bill Gates fez uma comparação da indústria de computadores com a automobilística, declarando:
“Se a GM tivesse evoluído tecnologicamente, tanto quanto a indústria de computadores evoluiu, estaríamos dirigindo carros que custariam 25 dólares e que fariam 1000 milhas por galão (algo como 420 km/l)”.
A General Motors, respondendo, divulgou a seguinte nota:
Se a Microsoft fabricasse carros:
01 – Toda vez que eles repintassem as linhas das estradas, você teria que comprar um carro novo.
02 – Ocasionalmente, dirigindo a 100 km/h, seu carro morreria na Auto-estrada sem nenhuma razão aparente, e você teria apenas que aceitar isso, sem compreender o porquê! Depois, deveria religá-lo (desligando o carro, tirando a chave do contato, fechando o vidro saindo do carro, fechando e trancando a porta, abrindo e entrando novamente… Em seguida sentar se no banco, abrir o vidro, colocar a chave no contato e ligar novamente). Depois, bastaria ir em frente.
03 – Ocasionalmente a execução de uma manobra à esquerda poderia fazer com que seu carro parasse e falhasse… Você teria então que reinstalar o motor! Por alguma estranha razão você aceitaria isso como “normal”.
04 – A Linux faria um carro em parceria com a Apple, extremamente confiável. Cinco vezes mais rápido e dez vezes mais fácil de dirigir. Mas apenas poderia rodar em 5% das estradas.
05 – Os indicadores luminosos de falta de óleo, gasolina e bateria seriam substituídas por um simples “Falha Geral ou Defeito Genérico” (permitindo que sua imaginação identifique o erro!).
06 – Os novos assentos obrigariam todos a terem o mesmo tamanho de bunda.
07 – Em um acidente, o sistema de air bag perguntaria: “Você tem certeza que quer usar o air bag?”.
08 – No meio de uma descida pronunciada, quando você ligasse o ar-condicionado o rádio e as luzes ao mesmo tempo, ao pisar no freio apareceria uma mensagem do tipo “Este carro realizou uma operação ilegal e será desligado!” (IRRETOCÁVEL).
09 – Se desligasse o seu carro utilizando a chave, sem antes ter desligado o rádio ou o pisca-alerta, ao ligá-lo novamente, ele checaria todas as funções do carro durante meia hora, e ainda lhe daria uma bronca para não fazer isto novamente. (ÓTIMA).
10 – A cada novo lançamento de carro, você teria de reaprender a dirigir. Coisa fácil: voltaria a auto-escola para tirar uma nova carteira de Motorista. (PODE PARECER EXAGERO, MAS PENSANDO BEM É ISSO MESMO).
11 – Para desligar o carro, você teria de apertar o botão “Iniciar” (PERFEITA).
12- A única vantagem: Seus netos saberiam dirigir muito melhor!
UMA ANDORINHA SÓ, NÃO FAZ VERÃO! poema de deborah o’lins de barros
Andorinhas solitárias: uni-vos!
Vamos de encontro às teorias ultrapassadas
da sociologia clássica!
Façamos nossos pedaços de verão
e, de grão em grão,
a revolução se fará.
Cruzar os braços é como votar em branco,
e não sejamos brandos:
o conhecimento é socialista,
somos pássaros com sementes nos bicos,
não temos o direito de ser egoístas.
Andorinhas solitárias, não somos elite,
apenas temos nosso feijão-com-arroz cultural diário,
e nosso dever é dividi-lo,
para depois vê-lo multiplicado.
A cultura agoniza,
a educação agoniza,
e nos resignamos com o ditado.
Andorinhas solitárias, uni-vos,
e, de grão em grão,o
verão estará no papo.
Mosca usa “computador de bordo” para escapar dos nossos tapas – editoria
Cientistas descobriram como elas fogem do perigo com tanta tranqüilidade. Acha que é mais rápido que elas?
Ela vem sorrateira. Voa tranqüila. Pára bem na sua frente. Você se prepara. Respira fundo. Tenta ser o mais rápido possível. E a mosca voa com serenidade para um local seguro. Parece até rir da sua cara. Como é que pode? Cientistas descobriram. As moscas sempre escapam do seu tapão porque possuem uma espécie de “computador de bordo”. Elas são capazes de calcular com precisão a velocidade e o trajeto do perigo, e voam para bem longe dele.
Mas se elas têm “computadores”, os cientistas não devem nada nesse quesito. E foi com a ajuda deles que os pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriram o truque das mosquinhas. E publicaram na revista “Current Biology” desta quinta-feira.
Com câmeras de alta resolução e computadores avançados, os cientistas conseguiram filmar uma mosca em ação. E calcularam que cerca de 100 milissegundos antes de levantar vôo, seu pequeno cérebro já percebeu que há uma ameaça, já viu de onde ela vem e para onde está indo e obteve a velocidade do perigo. Ela então adapta sua postura e, com facilidade, voa para longe. Ao todo, o processo leva 200 milissegundos. Você consegue ser mais rápido? Tente!
A descoberta “ilustra quão rapidamente o cérebro das moscas pode processar informações e dar a resposta motora apropriada”, explicou o autor do estudo, Michael Dickinson, em nota.
A operação toda não pode ser considerada um “reflexo”, porque a mosca pode mudar de idéia e ir para outro lado quando bem entender. Ela sabe muito bem o que está fazendo. Dependendo do que a ocupa no momento (ela pode ser se alimentando, “paquerando” um potencial parceiro ou simplesmente irritando alguém), a reação é diferente, mas o resultado, o mesmo.
Um cérebro tão esperto em um bichinho tão minúsculo faz Dickinson pedir um maior “apreço” à melhor amiga dos cientistas. “Pense antes de tentar matá-las”, diz ele. Mas pense rápido.
G1/agência
CHIMARRÃO E POESIA poema de jayme caetano braun
O payador missioneiro
Sente o calor do braseiro
Batendo forte no rosto
E vai mastigando o gosto
Da velha infusão amarga,
Sentindo o peso da carga
Que algum ancestral comanda
Enquanto o mundo se agranda
E o coração se me alarga
Sempre a mesma liturgia
Do chimarrão do meu povo,
Há sempre um algo de novo
No clarear de um outro dia,
Parece que a geografia
Se transforma – de hora em hora
E o payador se apavora
Diante um mundo convulso
Sentindo o bárbaro impulso
De se mandar campo fora!
Muito antes da caverna
Eu penso – enquanto improviso,
Nos campos do paraíso
O patrão que nos governa,
Na sua sapiência eterna
E eterna sabedoria,
Deu o canto e a melodia
Para os pássaros e os ventos
Pra que fossem complementos
Do que chamamos poesia!
Por conseguinte – o Adão,
Já nasceu poeta inspirado,
Mesmo um tanto abarbarado
Por falta de erudição
E compôs um poema pagão
À sua rude maneira,
Para a sua companheira,
A mulher – poema beleza,
Inspirado – com certeza
Numa folha de parreira!
Os Menestréis – os Aedos,
Os Bardos – Os Rapsodos,
Poetas grandes – eles todos,
Manejando a voz e os dedos
Vão desvendando os segredos
Nas suas rudes andanças,
As violas em vez de lanças,
Harpas – flautas – bandolins,
Semeando pelos confins
As décimas e as romanzas!
Tanto os poetas orientais
Como os poetas do ocidente,
Cada qual uma vertente,
Todos eles mananciais,
Nos quatro pontos cardeais
Esparramando canções
E – no rastro das legiões
Do lusitano prefácio,
A última flor do lácio
Nos deu Luiz Vaz de Camões!
No Brasil continental
Chegaram as caravelas
E vieram junto com elas
As poesias – com Cabral,
Para um marco imemorial
Nestas florestas bravias
Perpetuando melodias
De imorredouro destaque:
Castro Alves e Bilac
E Antônio Gonçalves Dias!
Neste garrão de hemisfério
Quando a pátria amanhecia
Surgiu também a poesia
No costado do gaudério
Na pia do batistério
Das restingas e das flores
E a horda dos campeadores
Bárbara e analfabeta
Pariu o primeiro poeta
No canto dos payadores!
E foi ele – esse vaqueano
Do cenário primitivo,
Autor do poema nativo
Misto de pêlo e tutano,
De pampeiro – de minuano,
Repontando sonhos grandes;
Hidalgo – Ramiro – Hernández
El Viejo Pancho – Ascassubi
Mamando no mesmo ubre
Desde o Guaíba aos Andes!
Há uma grande variedade
De poetas no meu país,
Do mais variado matiz
Cheios de brasilidade,
De um Carlos Drummond de Andrade
Ao mais culto e ao mais fino,
Mas eu prefiro o Balbino,
Juca Ruivo e Aureliano,
Trançando de mano a mano
Com lonca de boi brasino
João Vargas – e o Vargas Neto
E o Amaro Juvenal,
Cada qual um manancial
Que ilustram qualquer dialeto,
Manuseando o alfabeto
No seu feitio mais austero,
Os discípulos de Homero
De alma grande e verso leve,
Desde sempre usando um “breve”
De ferrão de quero-quero!
Imagino enquanto escuto
Esse bárbaro lamento
Que a poesia é o som do vento
Que nunca pára um minuto,
Picumã vestiu de luto
A quincha do Santafé,
Mas nós sabemos porque é
Que o vento xucro não pára:
São suspiros da Jussara
Chamando o índio Sepé!
POEMA PARA MEU PAI – de ivo barroso
Meu pai morreu longe de mim
(eu é que estava longe dele).
Tantos anos se passaram
e ainda não lhe vi a sepultura.
Continuo longe. Mas sua presença
me sacode como um choque elétrico,
uma bebida forte que me arde
por dentro.
Está vivo nos meus dedos,
nos cabelos ralos
— a nuca, dá arrepios de se ver.
Está cada vez mais perto de mim
(eu é que estou mais perto dele).
FOTOGRAFIA poema de joanna andrade
Longa omissão,
covas e mais covas,
intermináveis lacunas sem expectativas,
sem cadáveres,
um infinito mar de sangue insipido claro e invisivel,
nada.
réquiem prum inimigo – poema de jorge barbosa filho
eu fico extasiado
com teu olhar de abismo
onde me atiro,
e procuro louco
o meu abrigo.
enterrar meu corpo,
no cemitério
de teu sorriso…
é vôo impreciso,
e minha língua prova
as asas de tuas salivas…
.
ah! me leva pro céu!
só pra soprar um risco..
uma nuvem…
me faz um anjo lindo,
enquanto eu traço
a dor que imagino.
chorei bastante,
te enterrei dentro de mim
me matei , te matei
tanto, que nem te digo…
você morre comigo!
o dilúvio das fronhas
não eram apenas chuvas!
ei, baby, aceite
o bônus track
da escuridão
de nossas palavras…
perdi a noção do perigo
te deitei na minha cama
pra sonhar contigo
e acordei com o inimigo!
mas ainda saí vivo!
vivo!
MARILU WOLFF abre exposição no JOKERS
A artista plástica curitibana Marilu Wolff abriu nesta segunda-feira, dia 13, às 20 horas, a exposição individual As Cores da Periferia, no Jokers (R. São Francisco, 164). Na ocasião ela selecionou 13 obras que, como o próprio título adianta, apresenta figuras humanas ligadas, principalmente, as pessoas que moram e trabalham na periferia, no campo, às margens da grande cidade. “Esse é um tema que me atrai bastante e me identifiquei muito. O meu trabalho mostra as pessoas que trabalham no setor primário da economia, com obras muitas vezes inspiradas nas fotografias do Sebastião Salgado”, define Marilu. A exposição tem entrada franca e permanece aberta até o dia 13 de junho.
Ao falar sobre sua obra Marilu acredita que por intermédio da figura humana ela consegue expressar muitas coisas que gostaria de passar para as pessoas. “As minhas obras estão relacionadas ao trabalho do homem do campo, do carpinteiro e outras funções que muitas vezes não são valorizadas”. O tema é recorrente na sua carreira. “Acho que agora meu trabalho está mais seguro e percebo que criei um estilo próprio. É uma marca que pode ser reconhecida quando as pessoas olham a minha obra”, comenta.
No início essas figuras eram representadas pela artista de forma mais suave e, ao poucos, elas foram ganhando mais expressão. Principalmente por conta evolução cromática da artista. “Eu percebo que há um amadurecimento não só das expressões mas, também, pelo uso da cor dos ambientes que são bem vivas, que faz um contraste com a cor das pessoas”, avalia Marilu.
Marilu conta que vai apresentar telas que foram produzidas por ela a partir de 2005. “Ultimamente tenho usado nas figuras humanas uma cor violeta que traduz uma expressão maior para as dificuldades enfrentadas para os personagens que eu apresento nas telas. Hoje estou totalmente satisfeita com esse resultado”.
Serviço:
As Cores da Periferia. Exposição da artista plástica Marilu Wolff. No Jokers (R. São Francisco, 164 – centro Histórico). Abertura segunda-feira, dia 14, às 20 horas. A exposição permanece até o dia 13 de junho. Horário de visitação: de segunda a sábado, das 18 horas até meia-noite. Entrada franca. Informações: 41 3324 2351.
Mais informações e entrevistas:
RB – Escritório de Comunicação
Rodrigo Browne 41 9145 7027
Bárbara B. 41 3363 775
PAIXÃO DE COSMONAUTA poema de leonardo meimes
Uma caindo aqui
Outra lá
Branquinhas.
Redondas, espaçadas
Algumas até enfurecidas.
Negra por excelência
Da carne.
Vermelha no coração
Fervente
Azul… por que é sim azul
Mas também por ser Blues
Macia para os que
A tocam com respeito
Dura e pesada
Para quem dela usa
Sem medo
Marcada pelos carimbos
Do sol
Pelas intempéries
Do mundo…
Não será ela o mundo?
Feminina no nome
Nas ações maternas
Masculina na ferocidade
Das reações
Dúbia por ser linda, amável
Perigosa, incontrolável
E tudo que realmente
Nos é valioso
Passam muitos dias
Sem que ela seja percebida
MANOEL DE ANDRADE faz lançamento, dia 15/04, de seu livro POEMAS PARA A LIBERDADE.
Poemas para a liberdade
Até então inédito no Brasil, o sucesso editorial de Poemas para a liberdade foi tão considerável quanto seu alcance “político”. A obra estreou em 1970, na Bolívia. A 2a edição, colombiana, esgotou-se em poucas semanas nas livrarias de Cali e Bogotá. A 3a edição, lançada em San Diego, em 1971, espalhou-se pela Califórnia e pelo sudoeste dos EUA, levada pelos estudantes e intelectuais chicanos. Suas primeiras edições panfletárias, lançadas em 1970 em Cuzco e Arequipa, espalharam-se pelo meio estudantil do Peru e percorreram a América nas mochilas de estudantes latino-americanos. Seus poemas foram publicados em jornais, revistas, opúsculos, cartazes e panfletos.
Catarinense radicado no Paraná, onde se formou em Direito, o autor Manoel de Andrade deixou o Brasil em março de 1969, perseguido pela panfletagem de seu poema “Saudação a Che Guevara”, em uma época em que sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente por meio de jornais e publicações como a Revista Civilização Brasileira. Expulso da Bolívia em fins de 1969, onde chegou em setembro para se integrar ao movimento guerrilheiro comandado por Inti Peredo, preso e expulso do Peru e da Colômbia em 1970, seus Poemas para la Libertad tiveram uma trajetória política e uma aventura literária que dificilmente outro livro tenha tido. Como falam da luta armada e cantam a saga guerrilheira em uma América Latina então controlada por ditaduras militares, cruzaram clandestinamente certas fronteiras, como uma mala com 200 exemplares da edição boliviana, que chegou a Guayaquil por via fluvial, trazida do Peru por contrabandistas equatorianos.
Poemas para a liberdade consta de vários catálogos da literatura latino-americana e seus poemas, de várias antologias, como Poesia Latinoamericana – Antología Bilingüe, publicada em 1998 pela Epsilon Editores de México., em que o autor partilha suas páginas com consagrados poetas, como Mario Benedetti, Juan Gelman e Jaime Sabines.
A capa do livro foi inspirada em cartaz anunciando recital do autor em 1970, na Universidad de Los Andes, Bogotá.
A ROSA DE VENTO E ÁGUA poema de otto nul
Surgiu no jardim
Uma rosa
De vento e água;
Foi vista como uma aparição
Insólita ou absurda
Quase milagrosa;
Espectral, ali ficou
Irradiando pálida luz
Para estranheza geral;
À noite, a rosa
De vida efêmera
Evaporou-se no ar.
O EGOISMO SOCIAL E A MOBILIDADE HUMANA por tonicato miranda
No último 22 de Setembro de 2008, no auditório do Ministério das Cidades, aconteceu o Seminário “Jornada Na Cidade Sem Meu Carro”. Dos que participaram do evento, 80% chegaram a ele conduzindo um automóvel ou vieram como passageiro de veículo motorizado. O evento teve a abertura do Ministro das Cidades, do Governador de Brasília e do representante do DENATRAN. Não pode ser dito que foi hipocrisia, mas o Ministro chegou ao evento pedalando uma bicicleta emprestada, em um trecho de menos de dois quilômetros. Valeu pelo simbolismo.
Ao final do evento todos se dirigiram aos seus carros e o Ministro, seguiu para outro rumo no banco de trás do automóvel oficial, guiado por seu motorista vestido de quepe e da pompa da institucionalidade do cargo, felizmente sem luvas brancas.
Estamos todos doentes. A velocidade dos automóveis, reflexo dos avanços buscados a peso de ouro e dos petroeuros pelo mundo da Fórmula 1, pela Fórmula Indy, é objeto de consumo impossível para os citadinos. Nas cidades, nossas velocidades de segurança não devem ultrapassar a 60 km/h, sendo 35 km/h, segundo estudos de vários institutos de pesquisa da Alemanha, da Holanda e da Suécia, aquela em que um pedestre tem 85% de chance de sobreviver num atropelamento. Não é à toa que hoje circula em toda Europa forte campanha para convencer as autoridades municipais a adotar para a maioria das vias urbanas a velocidade de 30 km/h.
Muitos diriam ser pouco. Mas quanto vale a vida dos nossos avôs, bisavôs ou das nossas crianças? O automóvel vem se transformando no nosso bem, nosso mal, desde seu início, no final do Século XIX. Nascido simultaneamente com a bicicleta, da mesma forma que a magrela, faz tempo já atingiu o seu limite de desenvolvimento e eficiência.
No livro o Choque do Futuro foi mostrada a sua ineficiência. Embora atraente, pode-se mostrar como esta máquina é extremamente incompetente. Para transportar 55 ou 85 kg do peso de um adulto a tara (o peso próprio) dos automóveis tem de 1.100 a 1.700 kg. A bicicleta, para transportar estes mesmos pesos de carga não tem mais de 15 kg. Assim, o automóvel carrega vinte vezes mais o peso da carga a transportar, enquanto a bicicleta tem seis ou sete vezes menos o peso da carga transportada.
Muitos diriam isto é bobagem, o importante é que dentro do meu veículo eu ouço música, estou “protegido” e ele me leva onde eu quero “rapidamente”. Mas protegido do que? O acidente entre veículos motorizados é a segunda “causa mortis” em nosso País há muito tempo. Consegue fazer mais vítimas do que os atropelamentos de pedestres e de ciclistas. Senão vejamos alguns dados apenas da nossa cidade símbolo da motorização e terceira maior metrópole do planeta.
Pois São Paulo, em 2005 apresentou 1586 mortos no trânsito, sendo 757 atropelamentos de pedestres; 39 ciclistas; 177 motociclistas e 132 passageiros dos automóveis. Embora estes dados retirados do “blog” “Apocalipse Motorizado” tenham sido elevados em muito nos últimos três anos, eles já mostram o cenário de guerra no qual vivemos. Somente para se ter uma idéia, em 2008 o número de motociclistas mortos ascendeu para 857, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.
Mas o automóvel é o meu conforto e não abro mão dele, diriam os mais acostumados às comodidades da motorização. Está certo. Ainda agora, neste nosso último feriado da Semana Santa, os jornais estamparam em suas páginas “São Paulo bate recorde de congestionamento – 235 km”. Isto é progresso? É isto que queremos para nossa cidade? Para nossas vidas? Ficarmos engarrafados no trânsito, dentro de um veículo com ar condicionado, por horas a fio? Não é à toa que São Paulo tem a terceira maior frota de helicópteros do mundo.
Assim, esta coisa de dizer que ter carro é símbolo de “status social”, é somente para otário e pobre de espírito. Há muito tempo que ricos em São Paulo andam de helicóptero. Também não sendo incomum a presença de inúmeros edifícios com muitos heliportos em suas coberturas. Para que? Para que os grandes capitalistas não enfrentem o que todos os mortais enfrentam no seu dia-a-dia. Grandes congestionamentos, muita irritação, fechadas de veículos, bate-bocas generalizados com vidros escancarados, alguns culminando em agressões físicas e mortes de bala de chumbo grosso mesmo.
A Grande jornalista/urbanista Jane Jacobs, em seu laureado livro Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas, teceu uma frase antológica “bicicletas aproximam as pessoas, automóveis afastam”. Como ciclista, confirmo integralmente esta máxima e posso “dar meu testemunho”. Estava em Utrecht, na Holanda, acompanhado de um amigo holandês que me mostrava a cidade e os projetos nela implantados para a bicicleta. Ao final do nosso encontro nos despedimos e fiquei a olhar a sua trajetória de saída. Logo uns trinta metros à frente, percebi que ele se dirigia a outro ciclista e perguntava se poderia acompanhá-lo, pedalando ao seu lado. Ou seja, é possível entre ciclistas, quase de imediato estabelecer uma camaradagem, coisa muito rara em se tratando de motoristas, sempre em regime de competição e disputa por oportunidades, seja vaga para estacionar, seja espaço para circular.
No entanto, o maior egoísmo social é a publicidade veiculada nas TVs e nos programas de auditório, fazendo do automóvel o objeto de desejo de consumo de classes de renda muito baixa. São inúmeras as residências que mal têm seis metros de testada de lote, mas que guardam espaço para abrigar um automóvel. Ou seja, têm a cama sobre o veículo, e este tem seu espaço garantido, mesmo que não haja espaço na sala de estar para comportar toda a família para assistir a um programa de TV, e/ou mesmo uma alimentação de qualidade.
Posso afirmar ser este um egoísmo social porque os governos não provêem as cidades de espaços seguros e agradáveis para as famílias passearem ou simplesmente estar. No passado os passeios públicos, parques e praças já cumpriram este papel. Hoje, porém, com o egoísmo exacerbado, a violência sem o freio do policiamento folgado e burocrático, transformou o espaço da rua em espaço da dúvida, da terra de ninguém e do medo.
É claro que o automóvel alarga o horizonte e permite às famílias aproveitar momentos de férias e de feriados prolongados. No entanto, muitos em tempos como o da Semana Santa ou do próximo feriado de Tiradentes, ficarão na cidade. Alguns por decisão própria, outros por total falta de condições para sair de carro, ou em se abrigar na casa de um parente em outro local. O fato é que nem todos têm dinheiro sobrando para bancar estadia em hotel ou realizar gastos com viagens. Em geral, como diria Caetano Veloso, ficam nas grandes cidades os “pretos e pobres, que são quase todos pretos” e acrescento eu, e ainda alguns brancos, mas igualmente pobres, além dos velhos e dos enfermos.
Agora a nova moda entre os proprietários de automóvel é usar o defectível vidro escuro, transformado por uma película conhecida como “insufilm”. Covardia. Afirmo ser isto uma covardia porque faz do motorista um ser anônimo e impede aos pedestres e aos ciclistas que entendam a intenção dos condutores de autos e se estes estão enxergando nossos movimentos. Afirmam os motoristas que este procedimento visa a dotar os veículos de melhor conforto, diante das condições do nosso País tropical, muito quente em determinados períodos e com luz por demais ofuscante. Também porque os protege de assaltos na via pública. Cretinice – adianto. A segurança é exatamente o contrário. Qualquer seqüestrador ou assaltante poderá fazê-lo sem nenhuma percepção dos demais transeuntes de uma via. Dado que não há visão, não há segurança.
É bem por isto que se comprova que as casas mais seguras não são aquelas cheias de trancas e de muros altos, onde o ladrão depois que entra se encontra seguro para praticar as maiores atrocidades, sem que nada seja percebido pela vizinhança. E isto é tão real e científico que os projetos mais ricos de Florianópolis e adjacências, como em Jurerê Internacional ou em Pedra Branca, no município de Palhoça, as casas não têm muros, mas cercas singelas, com arbustos sempre cortados à meia altura.
De volta à mobilidade, não se entende porque os governantes apartaram a bicicleta do cenário das cidades, deixando de oferecer infraestruturas adequadas e seguras à circulação dos ciclistas. Dizem os governantes “não há espaço”. É claro que não, nas nossas cidades mais de 30% do espaço dos seus territórios são ocupados por áreas para circulação e estacionamento de veículos motorizados.
Apenas na cidade de São Paulo a CET estima que há 1 milhão de vagas públicas gratuitas. Quantas existem em Curitiba? Em Florianópolis e em outras cidades quantas são? 200 mil? Quantas vagas existem para deficientes nessas cidades? Em São Paulo são 158. Ou seja, 0,015% ou um centésimo de 1%. E será que existem apenas 158 deficientes querendo estacionar? É claro que não. Este é mais um dos aspectos do egoísmo social.
A expropriação das oportunidades urbanas daqueles que têm opção diversa – como os ciclistas; ou daqueles portadores de deficiências físicas, não são realizadas apenas pelos detentores do poder e do capital, mas por uma parcela significativa da população, hoje identificada como os grupos motorizados. O meio urbano nas grandes cidades vem sendo construído ao longo de séculos, por acréscimos sucessivos aos espaços legados por nossos ancestrais. É impossível a ele, sem a adoção de cirurgias profundas, “abrir” espaços para a circulação e guarda em estacionamentos ao ar livre de tantos automóveis, como querem seus proprietários.
Faz tempo a racionalidade deixou de nortear administradores públicos e a população em geral. Ela que clama por mais e mais espaço como se este fosse um direito lídimo e intocável. Ela se coloca contra o pedágio urbano; contra o pedágio rodoviário; contra os impostos; contra as zonas azuis e suas outras corruptelas; contra as multas no trânsito e as lombadas eletrônicas, as quais chamam de instrumentos da indústria da multa. Enfim, contra todos os instrumentos de controle. E chegam mesmo a dizer que a Constituição Federal garante a elas “o direito de ir e vir”. Mas qual nada, cara pálida, o direito de ir e vir se aplica ao cidadão e não ao seu automóvel.
É mesmo assim que se comporta a nossa sociedade motorizada e hipócrita. Curitiba tem um dos melhores sistemas de transportes do País, sendo objeto de desejo dos olhares de muitas cidades mundiais. Recentemente uma equipe da “Streetfilms” esteve em Curitiba, entrevistando pessoas, entre elas Jaime Lerner, o atual Prefeito e secretários municipais, para conhecer mais sobre o sistema que pretendem implantar em Nova York. Mas nós aqui insistimos em dizer que o sistema está superado.
De fato, muito ainda precisa ser mostrado quanto às mazelas decorrentes do uso exagerado da motorização no meio urbano. Principalmente quanto às poluições ambientais, devido as emissões de gases e ruídos. Sobre o primeiro aspecto, ainda na cidade de São Paulo, é alarmante o número de mortes de recém-nascidos devido a inalação dos gases provenientes do escapamento dos automóveis. Mas diriam os discípulos de São Tomé – quem polui são os ônibus e caminhões e não os automóveis. Bobagem grossa, novamente digo eu. Os carros de passeio são de longe os maiores poluidores.
Estudo realizado pela UFRGS, em 1993, observou que os automóveis de passeio eram responsáveis por 56% da emissão de gases nocivos em Porto Alegre; vindo em seguida os ônibus, com 14%; depois os caminhões, com 12%; as indústrias da periferia urbana, com 12%; outros 6% atribuídos a emissões diversas, como queimadas. Ocorre que as pessoas não se dão conta de que as emissões dos carros são quase invisíveis, mas em número avassalador. E como se obtêm isto? Perguntariam os céticos. Ora, através da análise de filtros colocados em pontos específicos da cidade. Também porque os combustíveis utilizados pelos veículos são diferentes nas suas composições. Simples, não é mesmo?
Esta é uma das várias razões porque devemos controlar cada vez mais o uso do automóvel no meio urbano. Ter automóvel é sim uma coisa boa. Mas usá-lo indiscriminadamente é mais do que um ato anti-social é uma agressão ao seu vizinho, um desrespeito à saúde do seu avô e da sua avó. A natureza humana agradece e lhe dá boas vindas à sociabilidade e a um mundo menos egoísta. E que tal se, ao invés de ir à feira com o seu carrinho, não vá a pé ou de bicicleta e aprecie os jardins das casas dos vizinhos? Quem sabe não nasça em seu dia um pouco mais de prazer e identificação com a cidade em que escolheu para viver?
Mas se nada disso faz parte das suas pretensões, não lamente a crise, não diga que a cidade está ficando insuportável. Você ainda não está preparado/preparada para viver num ambiente do Século XXI. Interessante o que nos diz um texto que li recentemente, no qual não lembro agora o autor, me perdoem, o qual faz comparação entre Berlim e Bangcok. Mostrava o texto que Berlim tem três vezes mais automóvel do que a cidade asiática, mas ao contrário o número de viagens motorizadas correspondia a menos de um quarto da capital tailandesa. E chegava a conclusão de que se a posse de veículos motorizados representava a riqueza de uma nação, o uso do carro de forma indiscriminada demonstra quão pobre ainda esta nação se apresenta. Não foi à toa que um dos maiores investimentos de Berlim, realizados para a Copa do Mundo de Futebol de 2006, destinaram-se a dar maior mobilidade para a bicicleta. Em especial, entre os estádios e os hotéis; e entre os terminais do transporte coletivo os estádios e os novos hotéis, construídos para atender a grande demanda aos eventos.
Mas se nada deste texto a(o) convenceu da ignomínia que é ir a padaria buscar pão de automóvel. Esqueça. De fato, o mundo gravita ao redor do seu umbigo. Deixo apenas um pequeno abraço. Da minha parte, vou continuar pedalando minha bicicleta, indiferente às suas reclamações ingênuas e ineficazes para com a ganância dos impostos governamentais em cima do seu objeto de consumo maior, do seu papagaio de estimação sobre quatro rodas. Passar bem.
FOTOS: a primeira foi feita na depressão americana de 1920.
a segunda na Av. Beira Mar Norte (Florianópolis) fora da temporada.
Tonicato Miranda é Presidente da União de Ciclistas do Brasil – UCB.
CONTRATADOS poema de vera lúcia kalaari (Portugal)
Ah! Caravanas que passais
De homens cansados,
Esfaimados,
Cantando vergados
Ao peso da saudade,
Bandeira branca a tremular ao vento…
Caravanas de homens de pés descalços
Sangrando por tortuosos caminhos…
Como eu vos amo a todos, todos!
Oh mulheres de ancar largas, bamboleantes,
Com filhos ranhosos e famintos
Que vindes em algazarra acenardes adeus,
E gritais, gritais, palavras, impropérios,
Cobrindo o choro dos que partem…
Oh mães velhinhas, doloridas,
Que chorais por não poderdes partir
A dizerdes adeus,
Um adeus distante
A quem não esperais tornar a ver…
Ah! As caravanas, as caravanas!
Caravanas de homens esperançosos
De corpos quebrados
Que vêm de longe e se perdem à distância…
E só o mundo irado,
A fome, o cansaço.
E lá longe, a casa, as terras, as noites luarentas,
O brilho ardente das fogueiras…
E vão nas caravanas, coração pulsando,
E a esperança, sempre a esperança,
Num somho de riqueza.
E voltam de novo, famintos,
Das terras do fim do mundo.
Voltam à terra onde andaram em pequeninos,
Com o choro dos filhos nus
Esfaimados, a pedir pão.
Deixem, homens, deixem que o tempo
Marque o trilho das caravanas em que ides partir.
Dia a dia, hora a hora,
Ele se rasgará mais brilhante,
Sem que o bafo dum vento quente
Murche as flores da tua esperança.
Partireis, triunfantes,
À demanda, à conquista,
Des terras dum novo mundo.
P.S. Convém explicar que os contratados, eram, nas ex-colónias, os africanos apanhados em rusgas, que eram forçados a partir para trabalharem nas fazendas, por tempo indeterminado e que muitas vezes acabavam por nunca voltar aos sítios de origem.
A OUTRA por jorge lescano
para P.S.
Ella havia viajado para o exterior cortando a tênue linha que os ligava (encontros para leituras. Agora ele percebia que também Paolo e Francesca se encontravam na leitura, nunca tinha reparado nisso apesar de que na sua juventude vivera uma situação parecida. A leitura, amorosa armadilha. Lendo as Cartas a Milena se havia apaixonado por um fantasma!). Ele decidiu continuar o relacionamento escrevendo e-mails.
Nesse meio tempo descobriu uma réplica dela. A moça trabalhava numa copiadora. Antes vira alguém muito parecida num filme erótico. Por momentos, a Frida de Salma Hayek se parece com Ella, então ele gostaria de ser Trotsky.
A moça da copiadora também tinha o cabelo longo e preto e crespo de Ella, a mesma pele jambo. (Não quero forçar as coisas dizendo que tinham o mesmo nome, seria coincidência demais, tornando a história real inverossímil. Ele desejava manter a naturalidade do relato para que Ella o entendesse melhor, como nos encontros de leitura.) A moça da copiadora respondia por outro nome.
A insistência do olhar dele acabou chamando a atenção desta moça que, depois de algum tempo, começou a retribuir seu interesse. Então ele recuou. Nunca soube se por receio de trair a distante ou mera cobardia. A moça saiu do emprego. Ele tivera a oportunidade, desperdiçada, de se despedir dela, pois havia ido tirar xerox no mesmo dia e hora em que ela se despedia dos colegas na Galeria do Rock. Mais uma vez deixou de agir, depois percebeu o que havia perdido. Sempre acreditou que teria uma segunda chance, era o modo de desculpar sua falta de iniciativa, sua timidez.
Depois de quatro anos, Ella voltou. Tiveram vários encontros sem que abordassem o assunto principal, apesar de reconhecerem a correspondência de intenções.
No último ano, graves acontecimentos familiares perturbaram a mente dele, confundiram seus sentimentos. Agora que Ella estava perto, começou a sentir saudades da moça da copiadora.
A paciência tem um limite, sempre soube disso sem que jamais pudesse computar sua extensão. O caso é que Ella se sentiu rejeitada ou simplesmente cansou de esperar uma definição. Deixou de vê-lo e de permitir que a visse. Uma vez ele telefonou para sua casa e Ella se livrou dizendo que ligaria para ele, ambos sabendo que isto nunca aconteceria. Afastou-se dos telefones, o assunto exigia uma entrevista. Tentou reatar a comunicação via internet, Ella não respondia as mensagens. Para aumentar a sua confusão, a moça da copiadora não lhe saía da memória. Freqüentemente se confundem no seu pensamento. Às vezes as imagina usando um sarong, um xale, um leque, qualquer adereço exótico de estampa japonesa, de quadro de Gauguin. Os rostos se confundem, à imagem de uma corresponde a voz ou o nome da outra. De Ella guarda postais, uma leitura em francês, em vídeo, alguns e-mails, um exemplar de Rabinal Achi, a versão em castelhano da peça maia, que comprou num sebo do México, uma foto fantasiada de esquimó na antiga Cristiania enviada pela internet (cada vez que abre o guarda-roupa ela sorri no espelho). De Cláudia conserva acenos breves, olhares sutis, a tepidez da mão num ligeiro contato ao receber as cópias. Pobres troféus dos seus fracassos.
Ele não sabe fazer discursos nem escrever cartas de amor; redigiu um texto em que conta estas peripécias sentimentais. O dedicou a Ella, identificando-a com as letras iniciais do nome que usava quando a conheceu. Agora vive a dúvida de enviá-lo por e-mail ou apenas publicá-lo na internet, correndo o risco de ela não o descobrir. Mais uma vez a hesitação domina o enredo. Sabe que Cláudia se dilui para sempre na multidão de São Paulo; da outra, provavelmente, nunca obterá resposta.
NO SHOPPING CENTER / JAIRANDO UM JAZZ – poema de solivan brugnara
Abre-te Sesamo automático,
esta porta de translúcido vidro
para mim, o Moises de tuas águas sólidas.
Será que suas engrenagens,
suas roldanas esmaga-formigas, seus sensores
funcionam com passarinhos?
Ou a andorinha bate no vidro como
em qualquer outra vidraça
e morre na delicia de morrer em um vôo
despreocupado.
Gosto de caminhar no shopping
este museu de roupas e calçados contemporâneos.
Meus olhos acham os decorativos deuses indianos.
Meus olhos flecham o calcanhar dos arquiles.
Meus olhos acariciam as meninas.
Meus olhos vêm a noite pelas janelas
e navego
cruzando Andrômeda
cruzeiro transespacial.
Balanço do do marmmmMnsera quenoi esopsçao tem balndlço de marnm MnM barcobebbadoGIu<a>sgliuglurub lka voub jdhueueueucrzaudndo anfdromedasolto^ v ^ v ajdgi***#3m@r?/??< >
A labirintite passou
e ando agora com alma de Bosch
por este estomago cheios de loja
pronto para sugar todas,todas as vitaminas de meu cartão de credito.
Experimento perfumes
safiras liquidas, rubis aquoso,outro cor de urina.
Sou sexagésima sexta reencarnação de um alquimista
e sinto vontades
de misturar o odor da manha,
com fezes de beija-flor,
vulvas em cio
e noite com óvnis.
Por tudo em frascos Mirós.
Ascendo em escadas rolantes
braços imitando um urubu.
Paro para ver
na vitrines da loja de brinquedos
o super-homem
o que pode
cavalgar em cometas
e se alimentar de vácuo,
o que pode tomar um sorvete feito de massa solar.
E Batmam o frutívoro espalha pólen.
Barbies em esquives rosas
e vídeos- games onde
as crianças podem
decapitar virtualmente
estrirpar virtualmente
lobos, anões e madrastras.
Nos cinemas
olho os cartazes
como quatros em exposição.
Multidão de livros na livraria.
E toda a multidão esta cheia de cretinos e magos
E toda a multidão tem economistas e astrólogos.
E em toda a multidão tem um poeta.
Meus livros não estão na livraria
Nem do Thadeu de estrelas no bigode
Nem do Thadeu dez-dedos
na mão esquerda quando toca violão.
Nem do Jairo
O centauro que atravessa os oceanos a galope.
Nem do Jairo
Que abençoou as águas do riu Iguaçu
com poemas
e comeu pão com nanquim nas manhas.
Seuss filhos da p*#+_0*&&}$$CORNOS
DO*@33##PKU$ilibinoshdnsG0Q3PIFU98WBICHA CAPINEWGIUB087
ESTA BURRIOIqeru,fne in tME IRRITAeeiirriHJGIDGIUtavao tomar IJVYU4746387¨*$%%&*($MNO CUlokhnfsçoiuoip90843l98w@%$t376
Compro hq do homem-aranha
e um livro do Schopenhauer.
Filosofos estão em promoção,
mais baratos que o gibi.
Paque um, leve dois.
Karl Marx em promoção
o capital em promoção.
Passo pela praça de má alimentação.
Barulho de atol das rocas.
Nos luminosos e placas em cores primarias
Uma salsicha de fraque e cartola.
Palhaços oferecendo hamburguês
e monge comida chinesa.
Sobre um cone o everest granulado com confeitos
vende sorvetes.
Sou tele-transportado por elevadores
de botões azuis fluorescentes.
3,2,1
Ejeção completada com sucesso.
SÓ UM CANTO / NO JARDIM DE SOFIA (zocha) – poema de lilian reinhardt
Só um canto e a luz acorda
a orgia celeste recomeça
em minha alma agreste
Tu és a carne do meu sonho
o espaço a pausa a laceração
desse anjo demônio
dessa lousa ferida
entre essas cordas que plangem
toco-te ainda vestal
com minha saliva de vinhas
no calabouço dessa argila sangrada
Em veneno e loucura
a tua pele rasga o sal
da ancestralidade da minha
FACULDADE VIROU SHOPPING CENTER por amandio luís de almeida teixeira
Quando paro a pensar sobre a educação superior desse país, vejo-a como um doente terminal, abandonado sobre uma maca em um corredor de hospital. Foram-se os tempos em que possuir uma pós-graduação, um mestrado, ser um doutor ou um professor catedrático era visto com respeito e como sinônimos de competência, experiência e capacidade de um trabalhador de qualidade, um cientista.
As políticas educacionais, a meu ver, se equivocaram. Todas, independentemente de governos e partidos, quando resolveram – e nisso todos os governos pós-ditadura incorreram – democratizar, massificar, ou “igualar” (por baixo) as oportunidades de acesso ao terceiro grau. O resultado dessa visão clientelista, num país que parece confundir democracia com populismo, pode ser muito bem sintetizado no que observamos no atual governo. Ao mesmo tempo em que o presidente alardeia sua vaidade e seu orgulho por não ter um diploma, perpetua e agrava a situação, ao querer sedimentar ainda mais a idéia de que todo mundo pode e deve ter um diploma universitário.
Já não bastasse a proliferação descontrolada de universidades de “fundo de quintal”, onde o que vale é poder pagar para seu diploma conseguir. Hoje uma universidade assemelha-se muito mais a um shopping center do que a uma instituição de ensino de qualidade, frequentadas por professores e alunos despreparados. Ao invés de salas de aulas bem montadas, laboratórios, bibliotecas, o que se vê? Lojas, bancos, restaurantes e lazer, parte fundamental dessa estrutura deformada. Parece que em cada esquina há uma universidade. Que o tal ensino à distância, eliminou de vez a distância entre a mediocridade e a aptidão natural de cada indivíduo para conquistar uma profissão de nível superior. Para que tanto diploma? Para que tantos licenciados, bacharéis e pós-graduados?
Acredito que chamar esse ensino de superior já é um equívoco. Superior só se for pela quantidade de médicos, engenheiros, advogados, entre tantos outros profissionais, que são despejados, a cada ano, de forma descontrolada, num mercado de trabalho já saturado. Profissionais para os quais o diploma é apenas a ferramenta necessária e legitimadora de seu direito como cidadão a se tornar um profissional de segunda, numa terra de terceira. Médicos que não sabem suturar, advogados do crime, engenheiros da demolição do saber.
Ou pior, concurseiros (públicos) profissionais. Não o pobre como alardeia o governo, mas aqueles mais afortunados, inocentes ou não, que sustentam essa famigerada indústria dos concursos. Indústria essa que movimenta milhões e milhões de reais, feita de cursinhos especializados, empresas promotoras especializadas (em concursos), o próprio governo que tem aí uma renda vultosa em taxas de inscrição, os cartórios que enriquecem ao autenticar tanta papelada desnecessária.
Hoje tudo é especializado. Os professores mal pagos e já engolidos por essa máquina. Esses que já não ensinam, mas que se especializam em treinar em macetes para passar. Esses que usam apostilas “obrigatórias” sem conteúdo, que custam uma fortuna, mas nada mais são do que receitas de bolo, dicas e truques, provas anteriores, cujo lema é “Aprendam como passar”. Parece-me mais especializadas no “seja esperto!”. Não precisa saber, é só se “preparar”! Preparar para que? Ao final disso tudo o que são esses concursos? E os famosos cadastros de reserva? Quantos são cancelados, postergados por anos, e ao final, sem ninguém contratar, voltam a se apresentar ao público? De quem é a culpa? Perguntem ao nosso sábio presidente…
Pobres tempos esses em que o saber já não importa. Em que a ciência é achincalhada, as cabeças pensantes decepadas. Poucos, muito poucos, sobreviveram a esse tsunami de diplomas fajutos, muitos comprados, outros tantos falsificados, milhares obtidos pela compra criminosa de monografias, dissertações e teses. Poucos, muito poucos, de forma árdua ao estudar, ao se dedicar, anos e anos de suas vidas “desperdiçar”, crédulos cidadãos que em algum momento acharam que isso lhes daria alguma real e honesta chance de no mercado de trabalho se encaixar.
Uns, mais inteligentes, ou mais lúcidos, vão embora. Fazer carreira, fama e dinheiro honesto nos países dos lourinhos de olhos azuis e viram celebridades, por mérito reconhecido é certo, mas ridiculamente aplaudido aqui, pelos mesmos que se indignam quando alguém ousa pensar. Outros decidem ficar. Por menos oportunidade, familiar necessidade ou que, por convicção, acham que é onde devem estar e lutar.
Essa é a minoria de sonhadores onde me incluo. Minoria de esperança persistente, de valor nunca reconhecido que tanto assusta e incomoda a esse país lulista, de reais valores, desprovido. Somos nós esses “velhos” com mais de 45 anos a elite pensante? A burguesia dominante? Ou a absoluta minoria que teima em sobreviver, mesmo que de forma tão humilhante? Só posso falar por mim.
Esta é minha ficha criminal:
Engenheiro, pós-graduado, mestrado, doutorado, pós-doutorado.
Professor universitário (enquanto agüentei).
Última ocupação: diretor de projeto – BID/Nasa.
Ocupação atual: desempregado, há três anos em casa.
CARTAS por hamilton alves
Lendo há dias uma resenha de jornal sobre Samuel Beckett, o grande dramaturgo, autor de peças revolucionárias do teatro mundial, prêmio Nobel de literatura, vim a saber que era dado a escrever cartas, anunciando-se que um volume delas será editado e lançado em breve por conceituada editora brasileira.
A carta é um gênero literário como outro qualquer, com a particularidade de ser, entre todos, muito peculiar, no sentido de que, diferente de fazê-lo no livro, quando nunca faz, o escritor pode se derramar em confissões que jamais faria de público.
Quem gostava muito de escrever cartas era Elizabeth Bishop, que dizia: “Tenho pena de quem não gosta de escrever cartas”.
Outros escritores brasileiros trocaram cartas inúmeras, não foram nem duas nem três. Cito os casos de Drummond e Mário de Andrade, que pela vida afora se trocaram recados compridos ou curtos, para alegria de muitos de seus admiradores espalhados por aí, que puderam descobrir na troca de missivas feita por ambos as confidências íntimas sobre tantos assuntos, que jamais revelariam em crônica, contos, poemas, etc.
Eu mesmo gosto de escrevê-las.
Quando não tenho para quem escrever escrevo para mim mesmo. Tenho algumas cartas que me dirigi, nesse solilóquio com que acabo me divertindo ao lê-las ou relê-las. Maluquice? Adoro as minhas maluquices, sem elas não saberia viver. Ou minha vida, aos meus olhos, se empobreceria.
Ainda hoje escrevi duas cartas. Uma para um amigo que anda nervoso nos Estados Unidos com a crise que assola aquele país. Procurei animá-lo.
“ – Obama dará um jeito em tudo” – disse-lhe, confiante no tirocínio e liderança do novo Presidente.
Outra para um amigo no Rio, que pouco temos nos visto ultimamente, eu por nunca mais ter ido lá, ele que esteve aqui há pouco, mas de curta passagem. A carta é a forma de nos aproximar porque, obviamente, os recados telegráficos do computador não alimentam nossa sede de maiores expansões verbais e emocionais.
Fiz-lhe uma revelação que só poderia ser feita através do sigilo ou da discrição da carta. Não contaria jamais o episódio numa crônica ou de outro modo qualquer. Para ele mesmo, um velho chapa, me custou muito confessá-la ou narrá-la. Será certamente pegado de surpresa com a minha confidência, tal a crueza com que narrei o fato. Ou rirá muito à vista dos lances tais quais lhe foram confiados.
Daí a importância da carta, que é uma forma de extravasar tudo, todo o lixo que nos vai n’alma (n’alma tem hora).
De que outro jeito lhe confidenciar pormenores tão crus ou tão arrepiantes? Que constituem segredos que não podem ser assim espalhados ao vento?
Assim, temos o recurso da carta. Com três pinceladas compõe-se uma carta. Nada mais que trinta linhas ou cinqüenta. Nem menos nem mais, senão a carta fica quilométrica e, a partir de certo momento, por mais interessante, começa a aborrecer o mais paciente leitor.
Já escrevi tantas cartas (tenho-o feito com freqüência nesses últimos tempos) que não é de duvidar que, se um dia alcançar algum nome como escritor, haverá algum abelhudo que queira publicá-las. E tem desde já meu veto. A carta é algo rigorosamente confidencial.
( março/09)
PERSONAGENS E HERÓIS por walmor marcellino
A morte de Márcio Moreira Alves volta a pôr em discussão a pouca importância de algumas participações políticas na contestação ao “discricionarismo” da ditadura militar, cujo golpe contra as instituições nacional-democráticas foi por ele aplaudido (como o foi pelo “Correio da Manhã”). As atas políticas e as crônicas dos fatos e do próprio deputado-cassado mostram o que realmente aconteceu.
Um herói tem uma causa que o edifica; ela ressalta suas virtudes e ele a engrandece aos olhos de todos. O herói tem uma origem que o ilumina, uma missão que lhe exige sacrifícios e uma dedicação que o eleva acima dos contemporâneos.
A causa da democracia formal não produz heróis. Hoje e nestes tempos não mais. O golpe militar de 1964 ‑ para impor uma ditadura burocrático-militar de classe e um sistema capitalista-monopolista de Estado ‑ mostrou alguns poucos heróis (da causa revolucionária das classes sociais subalternas) que vêm sendo misturados e confundidos com os “resistentes democráticos” e as tantas vítimas da ditadura militar.
Essa má-intenção ideológico-política não pode ser minimizada nesse esforço de “equalização sem princípios”, pois seu intento é glorificar ambigüidades políticas mais do que elogiar pequenas ações desorientadas.
Esse oportunismo político que aproveita a vitimologia para gratificar-se não deve prevalecer. É uma ofensa àqueles que, martirizados, conseqüentes em seu projeto político de classe, deixaram ações exemplares para essa interrupta revolucionarização política do país.
O MENINO MUTILADO poema de joanyr de oliveira
Bagdá, seis de abril, domingo.
No subúrbio de Diala,
um menino chamado Ali Abbas
perdeu as mãos e o sonho.
O coração do mundo contraiu-se
ferido pela imagem enfática.
Seus pais se desintegraram
nas profundezas do sono.
Com que sonhariam no instante
em que o míssil desvairado
saltou sobre as velhas telhas
e o assombro total das paredes?
Os pais de Ali Abbas talvez
no seu amplo tapete onírico
navegassem o branco da paz.
O sonho, ingênuo e sem olhos,
não situa as portas detonadas.
O míssil de nome Tomahawk
bradou “não” e “não”, e categórico
fez da casa sombras e ruínas.
Devorou falanges, falangetas,
os braços, o amanhã e o sorriso
do guri sonhador Ali Abbas.
Comovido indagou Ali Abbas:
“Quem sabe poderias trazer-me
meus dois braços de volta?”
As lágrimas envoltas no silêncio
afagaram as palavras do menino
e odiaram o míssil e seu ofício
de antropófago no céu de Bagdá.
QUEM PRECISA DE IDEOLOGIA PARA VIVER? por alceu sperança
Em 2030, nano-sensores serão injetados na corrente sanguínea de uma pessoa, implantando microchips para amplificar e até suplantar diversas funções cerebrais. Com isso, as pessoas vão compartilhar memórias e experiências íntimas emitindo as sensações como ondas de rádio para os sensores de outra pessoa.
É uma descrição tecnologizada da telepatia, feita por Raymond Kurzweil, um sujeito que muito guri gostaria de ser: músico, cientista, inventor, empresário, escritor.
Sabe fazer arte, inventar e ganhar dinheiro. E também assustar a gente. Não é terrível a idéia de que você poderá ter um nano-sensor implantado em seu sangue enquanto estiver dormindo ou tomando uma injeção? Com o microchip instalado, você receberá sinais externos que poderão controlar sua mente.
Isso pode parecer assustador, Mr. Kurzweil, mas alguém já pensou nisso antes. O “chip” atual só demora um pouco mais para ser implantado, pois começa a entrar no sangue e no espírito desde o nascimento e acompanha o sujeito ao longo de sua existência. Chama-se ideologia.
Por vezes as pessoas estranham o emprego da expressão “a ideologia”, pois acreditam haver mais de uma e que a palavra significa “um conjunto de ideias”.
Nosso querido Cazuza embolou ainda mais o meio de campo ao cantar que precisava de uma ideologia “pra viver”. Mas ideologia, a meu ver, é palavra de uso apenas singular. A confusão que ocorre com esse termo é similar à que cerca a palavra “alternativa”.
Não existem “alternativas”, mas apenas “a alternativa”. Claro que também se usa o plural em casos particulares: “As alternativas ao liberalismo e ao colonialismo”, por exemplo, pois são duas coisas.
Ideologia é um conjunto de controles educacionais, culturais, religiosos, comportamentais, éticos, legais etc impostos pela classe dominante. A palavra foi criada em 1801 por Destutt de Tracy (1754–1836).
Napoleão, num discurso ao Conselho de Estado, em 1812, declarou:
“Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história”.
Foi Auguste Comte (1798–1857) quem levou a palavra ideologia a significar especificamente o conjunto de idéias de uma época. Mais ou menos aquilo que se costuma chamar de “senso comum” e “opinião pública” – a somatória da elaboração teórica dos pensadores dessa época.
Para Marx, a ideologia integra a superestrutura dominante: “(…) teremos que examinar a história dos homens, pois quase toda ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida desta história ou a uma abstração completa dela”.
Ideologia seria, assim, o total dos conhecimentos científicos e crenças dominantes. Gramsci via na ideologia elementos unilaterais e fanáticos, mas também elementos de conhecimento rigoroso e até mesmo de ciência. Nesse sentido, a ideologia seria “todo o conjunto das supra-estruturas”.
Conclui-se que a ideologia é produzida pelos sábios, que recolhem as opiniões correntes, organizam e sistematizam tais opiniões e, sobretudo, as corrigem e orientam de acordo com os interesses prevalecentes nessa época. Assim, ela passa a ter um papel de comando sobre a consciência dos homens, que devem se submeter voluntariamente ou à força a seus critérios e mandamentos.
É por isso que a gente “pensa” que tem esta ou aquela opinião sobre algo e só quando a submete a uma análise criteriosa e autocrítica percebe que ela foi imposta em nossa pobre cabeça pela ideologia.
Sem precisar dos chips e nano-sensores do nosso prezado Mr. Kurzweil.
RUMOREJANDO (Feliz Pessach e Feliz Páscoa a todos desejando) / por juca (josé zokner).(12.04.09)
PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.
Constatação I (Uma historieta).
Tão logo se formou em Direito, o jovem abriu um escritório na sua pacata cidade natal. Criou um slogan, usando o que lhe foi aconselhado por entendidos no assunto que era o seguinte: O Defensor das Causas Justas. Como gostava de se vestir com terno e gravata como é de praxe o uso de tal indumentária pelos advogados, usando as calças dos ternos bem justas, como era moda na cidade onde estudou e se formou, o povo logo passou a chamá-lo do Defensor das Causas Justas e das Calças Justas. Nos dois primeiros casos que interveio não foi feliz e o pessoal, maldosamente, sem que ele soubesse, passou a cognominá-lo de Defensor das Causas Perdidas. Era um sujeito com boa estampa e não faltou que as mulheres passassem a olhá-lo com interesse, tanto como bom partido para casamento – um doutor! – como um amante. Certa vez, estando na cama com uma senhora casada, eis que o marido aponta com o seu carro, mais cedo do que de costume, no portão para entrar com o carro na garagem que ficava nos fundos. “Vou me esconder no guarda-roupa”, ele disse todo aflito. “Não. Tá muito batido esse esquema. Pule a janela do quarto e saia pelo portão pra rua, pois ele costuma entrar pela cozinha, enquanto eu escondo tuas roupas”. E assim ele fez. Não faltou quem o visse sem as calças se esgueirando pela rua para chegar num terreno baldio com o mato cerrado para esperar que a cidade adormecesse para chegar a sua casa. Aí, sucedeu uma nova mudança no slogan-apodo: Defensor das Causas Perdidas e das Calças Perdidas. Coitado!
Constatação II
Postura
Com os políticos?
Sejamos analíticos:
Merecem compostura.
O que a mídia mostra
De falcatrua
É só uma pequena amostra.
As demais, caro leitor,
Conclua:
Quase ninguém
Se abstém.
É um pavor,
Um horror.
Constatação III
Olhar no espelho eu evito.
O meu grau de intolerância
Está beirando o infinito.
Constatação IV
Plantava flores no seu jardim para ver borboletas, abelhas e besouros volutearem em torno delas. Queria aprender a voar. Real e efetivamente. Nada a ver com os seus sonhos…
Constatação V
“Você é uma mulher
Ou uma ratazana”,
Disse a mãe pra filha
“Dê um chega pra cá
E não para lá
Naquele banana.
Pois é o que ele quer.
Com isso você não se humilha.
Bote uma roupa bem decotada
Que ele virá
Que nem louco pra essa empreitada”.
Constatação VI
Eu fiquei mudo
Quando, de despedida,
A fingida
Me deu um abraço
E disse: “Como na canção,
Eu descrente de tudo
Só me resta o cansaço.
Quer saber,
Não sou seu palhaço.
Vá lamber
Sabão”.
Constatação VII
Esse que você chama,
Que você proclama
De seu preclaro amigo,
Que é cioso
Com seu próprio umbigo,
É um mafioso,
Um mentiroso
Que eu sempre desdigo.
Constatação VIII
Na Câmara, aquele deputado era duplamente comissionado: Fazia parte de uma comissão e eventualmente ganhava a dita cuja por batalhar e conseguir a aprovação de algum negócio para os parentes e amigos.
Constatação IX
Não se pode confundir característica com casuística, muito embora em certos países a característica do seu povo não seja uma questão casuística. É falta de ética, moral e outras “cositas” desse jaez.
Constatação X (De conselhos úteis).
Não queira transferir para outrem as tuas verdades só porque você as considera incontestes. Elas podem ter se revelado, no passado, deslavadas mentiras. Analogamente, no presente e no futuro. De nada!
Constatação XI
O retruca só retruca o seu superior quando este permite que ele seja o quarto jogador de um jogo de truco e esteja jogando contra ele. Em outros casos será considerado indisciplinado e poderá até pegar uma cana por insubordinação.
Constatação XII
O religioso lia uma parábola; o professor de geometria analítica explicava aos alunos a equação da parábola; no campo de futebol, um jogador de futebol batia um escanteio e a bola descrevia uma parábola. Por outro lado (qual lado?), os planetas do sistema solar descreviam órbitas elípticas. No interior dos corpos moléculas, átomos, mésons, prótons e nêutrons não ficavam atrás. A hipérbole, sem tanta notoriedade, sofria, quase morrendo de inveja. Coitada!
E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br
BOURDIEU, O CAMPO ERUDITO E A SEMANA DE 22 – editoria
O Campo da Arte e da Produção Erudita
Segundo Pierre Bourdieu um campo se constitui quando ele ganha autonomia em relação a outros campos, ditando suas próprias regras e padrões. O campo artístico definiu-se em oposição ao campo econômico, ao religioso e ao político. O artista ganha autonomia ao se libertar de seus patronos burgueses, a Igreja e as cortes.
Tal fato ocorreu por volta do século XV, com a invenção da imprensa, que aumenta o alcance da obra, principalmente o da literatura. A função artística antes associada à religião (a maioria das obras das pinturas na época ainda eram ligadas a religião) e ao poder político ou econômico. Artistas que antes produziam obras que tinham de ter uma função estética exigida pelo patrono ganharam autonomia para produzir arte enquanto tal. Bourdieu comenta sobre esse fenômeno:
Embora a vida intelectual e artística estivesse sob a tutela, durante toda a Idade Média, em grande parte do Renascimento e, na França, com a vida na corte, durante todo o período clássico, instâncias de legitimidade externas, libertou-se progressivamente, tanto econômica como socialmente, do comando da aristocracia e da Igreja, bem como de suas demandas estéticas.[1]
Ainda afirma:
Destarte, o processo de autonomização da produção intelectual e artística é correlato à constituição de uma categoria socialmente distinta de artistas ou de intelectuais profissionais, cada vez mais inclinados a levar em conta exclusivamente as regras firmadas pela tradição propriamente intelectual ou artística herdada de seus predecessores, e que lhes fornece um ponto de partida ou um ponto de ruptura, e cada vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda e qualquer dependência social (…).[2]
Cabe ressaltar que esse momento se dá através de uma nova relação do artista com o não-artista e com outros artistas. Essas novas relações, estão associadas a industria cultural e a produção erudita respectivamente. Isso não quer dizer que uma obra de cunho erudito não possa atingir não-artistas, mas que primeiramente ela é formulada com vistas aos pares.
A relativa independência dos artistas aumentou cada vez mais a parti da revolução industrial. A produção cultural em massa conseguiu difundir ainda mais os “produtos” artísticos o que teve dois resultados distintos. Um deles é a constituição de uma economia de bens simbólicos no mercado, com produção artística em grande escala sendo vinculada em folhetins, revistas e outros meios. O outro foi a constituição de um grupo de indivíduos que estabelecem a regra do campo, se constituindo não em artistas ordinários, mas representantes e juízes de uma tradição artística. Ou seja, instaura-se “uma dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação, cisão produzida por uma intenção meramente simbólica e destinada à apropriação simbólica”[3].
A respeito da constituição deste campo artístico erudito, gostaria de abordar um fato histórico nacional, a Semana da Arte Moderna, de 1922, pois constitui um cisma entre um padrão artístico que vigorava desde o final do século XIX e um novo padrão que reivindicava liberdade e reconhecimento no campo. É um caso que ilustra muito bem “a estrutura e o funcionamento da produção erudita”.
A Semana da Arte de 1922
(…) o campo da produção erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente cultural concedido pelo grupo de pares que são, ao mesmo tempo, clientes privilegiados e concorrentes”
A semana da Arte Moderna aconteceu na cidade de São Paulo de 11 a 18 de fevereiro de 1922. A exposição apresentava uma série artes plásticas, palestras sobre a modernidade, declamação de poesias e apresentações musicais. Os artistas participantes foram Mário de Andrade e Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, entre outros.
Os artistas que idealizaram a semana propunham um rompimento com a estética vigente e por isso trouxe desconforto para or artistas consagrados da época. Na Europa o processo de mudança de padrão estético já vinha acontecendo e o que esses artistas fizeram foi fazer promoção desses novos padrões. As principais influências foram do cubismo, expressionismo e futurismo. A exposição teve grande imapacto na época, no entanto impacto negativo.
Isso ocorreu porque, segundo Bourdieu, as obras produzidas no campo erudito são, geralmente, inteligíveis para o público não-artista. Com isso os crtiticos, dotados de um reconhecimento, leêm as obras e indicam o que é bom e o que é ruim para o público. Acontece que há uma relação entre esses críticos e os artistas. Dessa maneira constitui-se uma arena fechada para a consagração, na qual só participa da disputa os que são legitimados por esses “juízes” que tem de forma subjetiva os critérios de classificação.
Um dos momentos onde fica mais clara a tentativa dos modernistas de entrar no campo, estabelecendo uma nova elite artistica, foi o poema “Sapos” de Manuel Bandeira, crítica ao Parnasianismo, que abriu a exposição e foi seriamente criticado.
A poesia parnasiana caracteriza-se pela sacralidade da forma, pelo respeito às regras de versificação, pelo preciosismo rítmico e vocabular, pela rima rica e pela preferência por estruturas fixas, como os sonetos. O emprego da linguagem figurada é reduzido, com a valorização do exotismo e da mitologia. Os temas preferidos são os fatos históricos, objetos e paisagens. Era a verdade arte pela arte, porque, segundo seus autores a poesia deve existir por si só, não dependendo de sentimentos. Entre seus adeptos havia Olavo Bilac. A seguir poesia de Olavo Bilac a respeito da língua portuguesa, Última Flor do Lácio:
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
O Parnasianismo se constitui um bom exemplo a respeito do campo erudito pela rigidez exigida pelos autores a respeito da métrica e dos temas tratados. E para criticar tal rigidez, o poema de Manuel Bandeira:
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
O poema todo é uma afronta ao quebrar todo o padrão proposto pelos parnasianos e ainda ao criticá-los abertamente. Os artistas da Semana da Arte Moderna conseguiram o reconhecimento só com o tempo, tendo a exposição grande importância histórica em questões de contestação, de reclame de identidade cultural nacional e outros aspectos.
Mais importante para o nosso estudo de cultura, a Semana de 22, mostrou que artistas disputam um campo no qual se briga constantemente pela sua arbitragem. Quem permanece no campo é quem dita as regras para que se faça parte dele, mas um rompimento através da constituição de uma consciência coletiva também é possível. Foi por causa desses artistas que procuravam quebrar a vanguarda que tivemos nomes como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Tarsila do Amaral e outros artistas hoje consagrados, que possivelmente não teriam valor nenhum caso permanecessem os valores do século XIX no campo.
[1] Bourdieu, Pierre. O mercado de bens simbólicos. In: Sergio Micelli (org.), Ed. Perspectiva, São Paulo, 2004, cap. 3 p. 100
[2] Idem, p.101
[3] Ibidem, p. 103
TRANÇAGEM – poema de jairo pereira
No cesto trançado
da fala
o ímpeto do fazer
construir
a poesia trançada
com as mãos
adornada com as cores
da mata extinta
pintada à argila fresca
da beira do rio.
A poesia, cesto
de sentenças úrbicas
suspensa
nas árvores do pensar
pensado
o pensamento trançado
de fio a fio, nó em nó
no tempo
cesto trançado das idéias idas
revividas idéias vindas
das altas fontes do saber
redescobrir
de instintos produtivos.
Pés nus no chão de espinhos palavra
sobre palavra, signos entre
signos
tranço o cesto de meu viver, palavra
fagulhas do fogo aceso
do criar
transpasso a trança do terçado.
No cesto trançado do meu dizer
cabem todos os mundos
da palavra
a santa que satisfaz, a pura,
a odiosa a renomada, a bem aventurada, a que engana
o artífice na poesia.
Palavras, vozes que soam
no cesto trançado da fala
dentro dos ossos
antigos dos conceitos
:primitivas aparições:
LAVRADOR DE OUTONOS poema de joão batista do lago
Chegado é o tempo da colheita!
Há muitos frutos para se colherem
Depois dum verão causticante (e)
Antes que o inverno de águas torpes
Carregue para o leito das correntes
Toda beleza das rosas e das flores.
Venho dos campos de terras tombadas
Ardidas e calcinadas por mãos assassinas
Onde se plantaram o fogo do madeiro
Hoje a cruz de cinzas que volatiza a vida
Transformando todos os frutos em carvão
Enferrujando a lavoura e a água e o sal.
Lavrei-me de todas essas rudezas (e)
Diante do altar de todas as plantações
Viscerálgico como carpideira solitária
Fui carpindo uma a uma minhas dores
Plantando em cada semente visionária
A possibilidade de me ser toda floresta.
Todo o fruto da terra que ainda me resta
Colho-o com as mãos duma criança
Para comê-lo com o sabor da esperança
Visceral diante do altar da vida
Como se fora a última hóstia dos mortais
Para queimar o fogo dos dias finais.
Talvez assim – quem sabe! – o fogo pagão
Aprenda a arar a terra de todos os campos
Salvar todas as nascentes de qualquer Jordão
Capaz de banhar a vida com todos os encantos
Gerados do ventre da terra… E ao final
Cantar o terço numa oração de bem-aventurança.
SONHOS E DESEJOS poema de rosa mel
O sonho que eu sonho
Dou para ti em desejo
E em corpo eu deponho
O desejo que almejo
Estar em teus braços
Sedentos de amor
Mirando-me os traços
Tremulos de ardor
Derreto em teu corpo
Quente e aconchegante
É este o meu porto
Onde fico estonteante
Abrasador e envolvente
Mergulhado em minh’alma
Absorvente e carente
Onde busco a minha calma
Por entre corpos enroscados
Sem começo e nem fim
Pernas e braços entrelaçados
E a ternura brotando em mim
Muito grande esse tesão
Que por ti eu sinto e quero
E eu desperto num repelão
A mulher ardente e espero
Que ventura me cobrir
Com beijos apaixonados
No amor e no servir
Vivendo entrelaçados
COM O DIABO LÁ DENTRO! por ubirajara passos
A frase é um dos lugares comuns mais batidos, ainda que sempre hilário e chamativo: “moço, ele tá com o diabo no corpo” (ou no couro, dependendo da região ou contexto sócio-cultural em que é pronunciada). E nos dá conta de uma realidade, aparentemente, irrefutável, autônoma e sem maiores matizes: o sujeito foi “possuído” (no sentido mais ingênuo e simplório possível) pelo demônio e pronto! Não há mais o que explicar, questionar ou conjecturar. Salta aos olhos a visão do cara furibundo, a baba a escorrer de uma boca furiosa que profere os mais cultos e ferinos impropérios, ou debochados e “pornográficos” xingamentos; os olhos normalmente esbugalhados, o corpo tenso como um tronco de árvore, os membros a se movimentar de forma rápida e ríspida.
Mas o que eu não conhecia ainda, até umas três semanas atrás, é a versão sofisticada e insinuante do adágio. Uma estagiária, que segundo alguns é a versão “feminina” (com todas as qualidades clássicas prováveis que o adjetivo encerra) do Peruca, me entrou, outro dia, em pleno cartório, com aquele ar de quem havia visto o capeta e, tão circunspecta quanto um humorista inglês, nos contou que uma parte em disputa com outra numa audiência do Juizado Especial Criminal (aquele setor que, entre coisas, atende majoritariamente às reclamações do povão a crimes do tipo: “doutor, minha vizinha me chamou de corno”) lhe havia avisado, aos gritos: “moça, é bom chamar os brigadianos (os policiais militares do Rio Grande do Sul) que ela tá com o diabo lá dentro!”.
Juro que se não fosse o tom de humor contido da minha cara estagiária, eu não teria dado maior bola à frasesinha, tomando-a por sua irmã similar e mais comum, e teria continuado a maldita e insossa rotina dos cálculos judiciais – coisa, que no início é até interessante, mas depois de vinte anos se torna mais banal e sem graça que aquela matrona com que o leitor se casou aos quinze anos, gatinha linda, gostosa e doidona, e agora, aos sessenta, se tornou rabugenta e horripilante, o verdadeiro dragão do inferno.
O inusitado da situação, entretanto, despertou-me a atenção para a versão fora do comum da coisa. “Com o diabo lá dentro!?”. Antes de mais nada, dentro de quê? Se estar com o diabo no corpo é algo inespecífico, que não anima muitas dúvidas, o “lá” deixa a entender um órgão bem delimitado, de onde se extrai as mais diversas e estapafúrdias hipóteses!
“Lá” dentro onde? Na buceta, o que pode ser uma resposta tremendamente entusiasmante para os mais inveterados tarados, boêmios ou simples amantes da coisa mais gostosa e linda que a natureza criou como eu? Ou simplesmente no fígado, no pulmão nos rins, caso em que a possível conseqüência, além das obviamente supostas (como no útero, quando poderá, segundo os badalados filmes yankees nascer o anti-Cristo de uma “Rosimeri” qualquer, ou até mesmo o clone do Inácio dos Noves Dedos), pode tanto ir de um devastador câncer a um incremento dos portadores da peste emocional fascista. A idéia de se localizar no cérebro, ou no coração não é muito criativa, já pressuposta na expressão “diabo no couro”, mas, para os cornos mansos, “ter o diabo nos cornos” pode até servir de alguma coisa…
Porém, a coisa não fica por aí. Se está lá dentro por onde (e como) entrou? Sabendo que as possíveis respostas da anatomia (excetuada a capacidade de atravessar matéria sólida) envolvem não mais que uns sete buracos, dos quais pelo menos uns três se prestam à mais safada orgia, devemos crer que não se trata, provavelmente, de um diabo qualquer (se bem que “entrar o diabo pelo cu” é algo meio “vulgar), brigão e impertinente como chefe de repartição pública e maldoso e intrigueiro como puxa-saco de patrão, mas “O Diabo”, com todas as qualidades que justificam sua fama de rebelde e imoral perante o moralismo judaico-cristão, assim como a seus congêneres greco-romanos (Dionísio e Baco), africanos (Exu e seus comandados) ou islâmicos (os djins, gênios não necessariamente identificados com o mal, mas que fogem ao controle da razão burocrática ocidental). Ou seja, um diabo folgazão, putanheiro e sem-vergonha, e, dependendo do possuído, até adepto da Marcha do Orgulho Gay!
Seja como for, o pior de tudo é saber como tirá-lo de “lá”. Afinal, contra um capeta tão sofisticado e especializado (que bem poderia se enfiar no núcleo básico de formação da matéria e energia e criar meios de destruição, ou de transformação inusitada, do mundo “concreto” que conhecemos bem mais complexas que as bombas nucleares ou os pretensos poderes para-normais ou a alquimia) não é qualquer exorcismo de padre gagá, broxa e/ou pedófilo que resolve! E muito menos a atitude bronca e direitosa de qualquer comandante de polícia militar estadual enfrentando revolucionários de palhaçada por aí a fora… Presumo que para expulsar este tipo de entidade infernal somente uma overdose do prazer maior que justifica sua localização na parte precisa do corpo pode surtir efeito! Isto se não for um diabo viciado. Porque aí não tem jeito mesmo.
Seja como for, fica lançado o desafio aos leitores que se animarem a comentar esta crônica: onde é mesmo que o diabo se encontra, por onde entrou e como é que vai sair?
UM MUNDO DE COITADINHOS por philio terzakis
Dia desses, assisti ao tão falado documentário “O segredo”, da australiana Rhonda Byrne.
Pra quem não sabe, é o tal filme da polêmica, que fala da lei da atração universal: pensamento positivo atrai coisa boa, e pensamento negativo atrai coisa ruim (grande novidade!).
É um trabalho interessante pra quem nunca ouviu falar do poder da mente e quer aprender um pouco sobre o assunto. Quem já estuda o tema pode achar o filme superficial e materialista.
Já os anti-auto-ajuda vão vomitar.
Pra esses, ninguém pode dizer: “Vamos lá! Mude sua vida! Você pode! Tente pelo menos! Acabe com esse casamento que não funciona! Largue esse emprego do qual você não gosta! Sua vida é você quem faz! Faça um esforço, puxa!, em vez de ficar aí se lamentando nesse buraco!”.
Não, não. É coisa feia e tola de se dizer. É de dar vergonha, né? Em nosso mundo, o pessimismo e a crítica são muito mais chiques que o otimismo. Cabra inteligente não sai por aí dizendo que o mundo é lindo. Isso é coisa de gente burra, desse povo que lê livro de auto-ajuda.
Mas de se fazer de vítima, ninguém tem vergonha, né? De dar uma de coitadinho e acusar os outros das próprias misérias, todo mundo gosta e acha inteligentíssimo. Eu nem sei como o mundo agüenta essa superpopulação de coitadinhos. Todos são vítimas de tudo: do Estado, da crise econômica, do chefe, do marido, da esposa, dos filhos, dos países imperialistas, da televisão e de quem mais chegar.
É tanta inocência, Meu Deus! É tanto “eu não tenho nada a ver com isso”! Ô, tadinhos! Será que se criam?
Perfeitamente compreensível. O que é mais fácil: acusar os outros ou tentar mudar a si mesmo? Precisa responder? Se eu posso reclamar, porque danado vou fazer um esforço e tomar decisões radicais e enfrentar meus medos e talvez até, Meu Deus!, que terror!, quebrar a cara? E na frente de todo mundo!!!
Não. Melhor ser um coitadinho, né? E botar a culpa no Lula. Ou em qualquer outro aí, que esteja de bobeira, disposto a carregar o peso da minha ignorância, da minha preguiça e da minha covardia.
Quanto ao termo “auto-ajuda”, eu o acho até interessante, embora meio redundante. Que tipo de ajuda não é auto? Qualquer ajuda começa dentro da gente. Nem que seja pelo simples fato de pedir ou de aceitar uma ajuda.
AS MELHORES FRASES DOS PIORES ALUNOS
-O metro é a décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre e para o cálculo dar certo arredondaram a Terra!
-O cérebro humano tem dois lados, um para vigiar o outro.
-O cérebro tem uma capacidade tão grande que hoje em dia, praticamente, toda a gente tem um.
-Quando o olho vê, não sabe o que está vendo, então ele Amanda uma foto eléctrica para o cérebro que lhe explica o que está a ver.
-O nosso sangue divide-se em glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e até verdes!
-Nas olimpíadas a competição é tanta que só cinco atletas chegam entre os dez primeiros.
-O piloto que atravessa a barreira do som nem percebe, porque não ouve mais nada.
-O teste do carbono 14 permite-nos saber se antigamente alguém morreu.
-Antes mesmo da guerra a Mercedes já fabricava Volkswagen.
-Pedofilia é o nome que se dá ao estudo dos pêlos.
-O pai de D. Pedro II era D. Pedro I, e de D. Pedro I era D. Pedro 0.
-Nos aviões, os passageiros da primeira classe sofrem menos acidentes que os da classe economica.
-O índice de fecundidade deve ser igual a 2 para garantir a reprodução das espécies, pois precisa-se de um macho e uma fêmea para fazer o bebê. Podem até ser 3 ou 4, mas chegam 2.
-O homossexualismo, ao contrário do que todos imaginam, não é uma doença, mas ninguém quer tê-la.
-Em 2020 a caixa de previdência já não tem dinheiro para pagar aos reformados, graças à quantidade de velhos que não querem morrer.
-O verme conhecido como solitária é um molusco que mora no interior, mas que está muito sozinho.
-Na segunda guerra mundial toda a Europa foi vítima da barbie (queria dizer, decerto, barbárie) nazi.
-Cada vez mais as pessoas querem conhecer a sua família através da árvore ginecológica.
-O hipopótamo comanda o sistema digestivo e o hipotálamo é um bicho muito perigoso.
-A Terra vira-se nela mesma, e esse difícil movimento chama-se arrotação.
-Lenini e Stalone eram grandes figuras do comunismo na Rússia.
-Uma tonelada pesa pelo menos 100Kg de chumbo.
-Quando os egípcios viam a morte a chegar, disfarçavam-se de múmia.
-Uma linha reta deixa de ser reta quando encontra uma curva.
-O aço é um metal muito mais resistente do que a madeira.
-O porco é assim chamado porque é nojento.
-A fundação do Titanic serve para mostrar a agressividade dos icebergs.
-Para fazer uma divisão basta multiplicar subtraindo.
-A água tem uma cor inodora.
-O telescópio é um tubo que nos permite ver televisão de muito longe.
-A idade da pedra começa com a invenção do Bronze.
-O sul foi posto debaixo do norte por ser mais comodo.
-Os rios podem escolher desaguar no mar ou na montanha.
-A luta greco-romana causou a guerra entre esses dois países.
-Os escravos dos romanos eram fabricados em África, mas não eram de boa qualidade.
-O tabaco é uma planta carnívora que se alimenta de pulmões.
-Na Idade Média os tratores eram puxados por bois, pois não tinham gasolina.
-A baleia é um peixe mamífero encontrado em abundância nos nossos rios.
-Quando dois átomos se encontram, vai dar uma grande merda.
-Princípio de Arquimedes: qualquer corpo mergulhado na água, sai completamente molhado.
-Newton foi um grande ginecologista e obstetra europeu que regulamentou a lei da gravidez e estudou os ciclos de Ogino-Knaus.
-Pergunta: Em quantas partes se divide a cabeça? Resposta: Depende da força da cacetada.
-A trompa de Eustáquio é um instrumento musical de sopro, inventado pelo grande músico Belga Eustáquio, de Bruxelas.
-Parasitismo é o fato de um cara não trabalhar e viver à custa dos outros, de dinheiro, cigarros e outros bens materiais.
-Ecologia é o estudo dos ecos, isto é, da ida e vinda dos sons.
-A Biologia é o estudo da saúde. E para beneficiar a saúde é que foi inventado o biotonico.
-As constelações servem para clarificar a noite.
-Ao princípio os índios eram muito atrasados mas com o tempo foram-se sifilizando.
-O Convento dos Capuchos foi construído no século 16 mas só no século 17 foi levado definitivamente para o alto do monte.
-A História divide-se em 4: Antiga, Média, Momentânea e Futura, a mais estudada hoje.
-A Bigamia era uma espécie de carroça dos gladiadores, puxada por dois cavalos.
-As aves têm na boca um dente chamado bico.
-A Terra é um dos planetas mais conhecidos e habitados do mundo.
coala primo irmão da “preguiça”. foto livre.
NO ESCURINHO DE LISBOA por alexandra prado coelho (Portugal)
DEFICIÊNCIA E ORIENTAÇÃO SEXUAL
Deficiência visual
Na escuridão temos que nos socorrer dos outros sentidos. Distinguimos sons que nunca ouviríamos antes, surpreendemo-nos porque os olhos não nos avisaram
que os nossos dedos iam tocar em algo frio ou molhado ou rugoso, identificamos locais pelo cheiro, tentamos perceber sabores de alimentos sem cor. Duas experiências – um passeio por Alfama e um jantar de cozinha molecular – às escuras em Lisboa.
a Confiança cega. Agora percebemos exactamente o que a expressão quer dizer.
Agarramos o braço do guia, logo acima do cotovelo, e vamos caminhando, passo inseguro, venda nos olhos, de vez em quando um braço à frente, tacteando o ar. “Cuidado, não gesticules tanto, ias batendo na cara de um senhor”, avisa Tiago. É ele o nosso guia nesta visita do projecto Lisboa Sensorial, uma ideia do estúdio criativo Cabracega, em colaboração com a Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), os Lisbon Walkers, e a Associação do Património e da População de Alfama (APPA).
Nas ruas estreitinhas de Alfama esse é um risco grande. As pessoas desviam-se, mas pode não haver espaço suficiente e podemos, inadvertidamente, atingir alguém. O melhor é manter os braços baixos afastando-os só um pouco do corpo para sentir a parede, o corrimão, as grades de uma janela, uma porta. Depois vamos aprendendo. Um bruáaa significa que passámos em frente de um café – ouvem-se pedaços de conversa, frases soltas – depois percebemos que a parede recomeçou, mais à frente é o olfacto que nos ajuda, o cheiro revela que é um talho.
“Podes baixar-te”, diz o guia. “O que é isto?”. É peludo, tem temperatura de ser vivo e mexe-se. “Um cão?”. Acertámos. Mas onde está a cabeça? “É do lado oposto a esse”. Ahhh….
A experiência é sensorial a todos os níveis à excepção de um. “Esqueçam os olhos”, pede Carlos, o guia cego da ACAPO, no início da visita. De qualquer forma não temos alternativa. Com a venda posta perdemos aquele que é, muitas vezes sem termos real consciência disso, o sentido em que mais confiamos.
Tentamos então recorrer à memória que temos das ruas de Alfama e procuramos traçar um mapa mental do caminho que estamos a percorrer. Se virámos à esquerda devemos estar a entrar naquela rua que sobe, de repente o ar muda, os sons alteram-se e estamos num largo. Ah, deve ser o largo tal, mas quando tentamos confirmar, perguntando, descobrimos que o nosso sentido de orientação (que não é grande coisa, admitamos) nos deixou ficar mal.
Antes de começarmos o passeio tinham-nos sido dadas algumas instruções básicas. Um braço do guia atravessado em frente da nossa barriga significa que temos que parar, provavelmente porque há escadas para descer. E se for numa rua estreita temos que nos pôr em fila indiana, mão direita no ombro de quem vai à nossa frente. Depois os pés tacteiam o chão, deslizando prudentemente até ao que parece ser o degrau.
Ar fresquinho Quando o piso incerto de Alfama se torna, subitamente, liso debaixo dos nossos pés, isso quer dizer alguma coisa. “O adro de uma igreja”, lança alguém.
Era. Já distinguir tipos de árvores pelas rugosidades do tronco e o formato das folhas é um trabalho para especialistas. Mas perceber que estamos agora junto ao gradeamento de um miradouro é mais fácil, quanto mais não seja pelo ar fresquinho que nos dá na cara e por os sons parecerem vir de muito longe, lá em baixo.
Mais à frente atravessamos uma zona com muita gente, sentimos os corpos a passarem ao nosso lado, desviamo-nos sem saber se o estamos a fazer para o lado certo. “Há um grupo de turistas que está a olhar para nós com um ar espantadíssimo”, conta Tiago. Isso é o que menos nos incomoda. Não vemos as expressões de espanto nos rostos deles – é como se não existissem. “Para vocês é uma vantagem”, explica Tiago, a rir. “A pressão social fica toda connosco”.
Os guias continuam a conduzir o grupo que, às apalpadelas, lá avança por Alfama. Desta vez entramos num sítio coberto e tocamos em algo informe e molhado.
É uma peça de roupa num tanque num lavadouro público. Tacteando o rebordo do tanque, avançamos até ao estendal e tentamos, pelo formato, distinguir as peças de roupa penduradas. É tempo de nos sentarmos e ouvirmos Carlos explicar como, sem ver, escolhe a cor da roupa que quer vestir.
Mais à frente, Carlos há-de tocar fado, claro, mas também modinhas brasileiras. E no fim, de olhos ainda vendados, iremos testar o paladar, o sentido que ainda nos faltava. Parece tão evidente aquele sabor, mas porque é que não o conseguimos identificar?
A refeição Mas essa é uma pergunta que já tínhamos feito inúmeras vezes na noite anterior. Estávamos no restaurante Bem-me-Quer, junto à Praça do Chile, em Lisboa, e… não víamos absolutamente nada. Foi um Jantar Sensorial, antes do passeio sensorial por Alfama. A ideia é de Paula Cascais, dona do Bem-me-Quer e inspira-se no já famoso restaurante Unsicht Bar de Berlim, onde se come às escuras.
Agora, às quintas e sextas à noite, isso também é possível em Lisboa. Por enquanto, Paula só aceita grupos reduzidos, para ver como resulta, e para deixar Ana Serôdio adaptar-se à sua nova tarefa. Ana é cega desde os cinco anos e nunca tinha servido à mesa num restaurante. Mas aqui é ela quem, de todos nós, mais à vontade está na escuridão total da sala. Há uma música de fundo baixinha, mas como nada nos distrai a vista sentimos mais intensamente o silêncio da sala, e isso leva-nos a conversar de uma mesa para outra. Entrámos ali como desconhecidos, mas, no “escurinho do restaurante”, falamos como velhos amigos, fazendo perguntas a Ana, que, com infinita paciência, responde a tudo. Sim, em casa é ela quem cozinha, não, não tem medo de usar facas, sim, ficava sozinha com a filha quando ela era pequena, sim trabalhou 17 anos num banco e agora está a tirar um curso de informática, não, Lisboa não é uma cidade adaptada a cegos. “Às vezes sinto-me mesmo revoltada, tento controlar a revolta, mas é difícil quando vou na rua e há tantos obstáculos que não nos deixam passar”.
Foi por causa disso que Paula pensou neste projecto. Tinha à porta do restaurante dois grandes vasos com plantas e só quando viu um programa sobre os obstáculos que os cegos enfrentam nas ruas é que pensou “ai, os meus vasos”. Depois falou com a ACAPO e descobriu a Ana. Mas um jantar às escuras não lhe parecia suficiente para clientes que já conheciam bem a cozinha vegetariana do Bem-me-Quer, por isso decidiu entrar não numa mas em duas aventuras simultâneas:
o que comemos às escuras é cozinha molecular, feita pela Paula em colaboração com o Cooking Lab.
Descobertas A primeira descoberta é a de que, se não as virmos, decoramos mais facilmente o nome das pessoas. O nome e o som da voz são as referências a que nos agarramos quando, sentados à mesa no meio da escuridão, não nos podemos socorrer de olhares e gestos – se nos queremos dirigir a alguém temos que o chamar pelo nome.
À nossa frente quando nos sentamos está já uma taça com alguma coisa lá dentro. O truque, aprendemos rapidamente, é começar por tentar perceber o formato do recipiente. No restaurante da Paula pode ser de muitos formatos, redondo, quadrado, semi-oval, quadrado pequenino. No caso desta entrada, a ideia é pegar-lhe com a mão e levá-la à boca. Não ter o cérebro a enviar-nos mensagens sobre o que os nossos olhos acabaram de ver e a preparar as nossas papilas gustativas para um sabor que guardamos na memória faz toda a diferença.
Quando a comida chega à boca não temos nenhuma informação sobre ela. Começa o jogo de detectar sabores, perceber formas. Chegam depois três copos, dois quentes e um frio. São sopas com sabores inéditos. A seguir vem o prato principal, ou melhor, os três pratos que compõem o principal, e o desafio é cada vez maior. Os dedos percorrem a margem dos pratos, depois deslizam cautelosamente até ao interior. Não há facas nem garfos, mas uma colher, com a qual percorremos o fundo dos pratos tentando perceber se nos escapou alguma coisa. Tornamo-nos mais intuitivos.
Na escuridão a conversa continua. Mantemos hábitos inúteis – viramos na direcção de quem fala e pomos uma expressão de quem está a ouvir com interesse.
Mas acenar com a cabeça ou sorrir em silêncio não resulta. É preciso falar.
As sobremesas são supreendentes. Uma delas faz estalinhos na nossa boca e o som, como pipoquinhas a estalar, ouve-se claramente na sala.
Ana aproxima-se mais uma vez. Tocando levemente na mesa e no nosso braço localiza o prato e levanta-o. Depois, com os mesmos gestos serenos, traz-nos um chá. O jantar está a acabar. Tivemos sempre os telemóveis desligados e não fazemos ideia de que horas são.
A comida estava deliciosa. Mas para o sabermos foi preciso arriscar.
Confiança cega. Agora sabemos o que isso é.
Lisboa Sensorial – Passeios às cegas por Alfama 26 de Julho às 11h (provavelmente serão retomados em Setembro) Sujeito a marcação prévia (máximo de 8 participantes) Preço: 20 euros (reverte inteiramente para a ACAPO) Telf: 913806479
Jantar Sensorial Restaurante Bem-me-Quer Av. Almirante Reis nº 152 r/c e 1º esq.
Quintas e sextas-feiras (por marcação) Preço: 40 euros Telf: 218476678
A MENINA AFEGÃ pela jornalista niara de oliveira
Essa menina de olhos expressivos foi fotografada quando tinha 12 anos pelo fotógrafo Steve McCurry, em junho de 1984. Ela estava no acampamento de refugiados Nasir Bagh, do Paquistão, durante a guerra contra a invasão soviética. Sua foto foi publicada na capa da National Geographic em junho de 1985 e, devido à expressividade, a capa converteu-se numa das mais famosas da revista e do mundo.
Ninguém sabia o nome da menina, nem mesmo McCurry. Depois de 17 anos de busca, em janeiro de 2002 ele reencontrou-a, agora com 30 anos de idade, e pôde saber seu nome. Sharbat Gula vive numa aldeia remota do Afeganistão, é uma mulher tradicional, casada, mãe de três filhas. Ela regressou ao Afeganistão em 1992.
Para McCurry, “A Menina Afegã” era apenas mais uma de tantas crianças que fotografou naquela época, mas a foto fez tanto sucesso que o assombrou por anos como pesadelo.
O fotógrafo não sabia responder nem a mais simples das perguntas nas inúmeras cartas recebidas pela revista: Quem era a garota? Qual o nome? Como ela está hoje? A National Geographic produziu um documentário em 2002, intitulado: “Uma Vida Revelada”, que descreve a busca incansável e persistente de McCurry pelo paradeiro da menina que comoveu o mundo com seu olhar.
A menina afegã, com olhar menos expressivo, mais maduros, experientes e tristes, reza para que suas três filhas tenham pelo menos uma boa educação, coisa que ela não conseguiu devido às condições financeiras e pelo sofrimento da guerra. Nem ela e nem o marido sabiam do sucesso da fotografia, são pessoas muito simples e não assistem tevê, não compram jornais e nem tiveram acesso à revista onde Sharbat foi capa. Na foto acima, em 2002, durante as gravações para o documentário, Sharbat não soube dizer se estava com 29 ou 30 anos porque não possui registro.
GAÚCHOS (sic) TEXANOS NA CULTURA – por ademir canabarro
o peão GAÚCHO na doma. ORIGINAL, sem encenação e fantasias.
peão brasileiro fantasiado de “peão texano” USA. se aculturando, infelizmente. os peões de todas as regiões do Brasil sempre usaram suas roupas tradicionais, que vestiam no dia-dia da vida campeira. lamentável. mas as griffes…$$$$$$!!!!
Assistindo a um vídeo de um Rodeio Gaúcho aqui de Santa Catarina vi peões montando sem a indumentária exigida ou que deveria ser exigida nos Rodeios Crioulos.
O Art. 22 do Regulamento Campeiro do MTG/SC estabelece que: os participantes de todas as modalidades deverão apresentar-se devidamente pilchados, assim como os seus cavalos deverão estar devidamente encilhados. Vi, também, peões montando de calça jeans, bombachinhas argentinas – ou como se diz, calça com punho – e poucos usando a tradicional bombacha gaúcha da Tradição do Rio Grande.
Mas o que mais me espantou foi o uso indiscriminado da chaparreira, uma indumentária usada nos Rodeos norte-americanos e que entrou no Brasil certamente pelo Rodeio Country de Barretos, no Estado de São Paulo. Também conhecida como Charrão, a peça é uma espécie de calça de couro com franjas, que o peão coloca por cima do jeans, durante a gineteada.
Infelizmente, são poucos os Patrões de CTGs que exigem a tradicional Pilcha Gaúcha Brasileira nos Rodeios Crioulos Gaúchos. Aos que exigem a indumentária completa e correta dos sul-brasileiros, os meus parabéns! Estão preservando a pureza da Cultura Regional Gaúcha do Sul do Brasil. Aos que não a exigem, gostaria de lembrar que estão colaborando para a deturpação da rica Tradição dos Gaúchos Sul-brasileiros; que estão esquecendo do principal objetivo de um Centro de Tradições Gaúchas do Rio Grande do Sul, que é o de ser o mantenedor dos usos e costumes tradicionais dos interioranos sulinos e da História do Povo Gaúcho Brasileiro. Além disso, demonstram, agindo assim, uma grande ignorância ao permitirem que peões usem indumentárias estranhas à Tradição dos Campeiros do Sul do Brasil, no âmbito do Movimento Tradicionalista Gaúcho Brasileiro organizado.
Mas, será só por ignorância? Bem, aqueles que têm dúvidas devem ler, informar-se e melhor se preparar para que não venham a permitir essas e outras aberrações desse tipo em seus Rodeios Crioulos Gaúchos. E além do mais, as regras para um Rodeio da Tradição Gaúcha estão publicadas no sítio do próprio MTG/SC, à disposição de todos os interessados. Tornar-se-á cúmplice desse assassinato cultural só aqueles que assim o quiserem. Ou será que há outra explicação para essas incoerências? Ou quem sabe algum peão gaúcho foi ao Rodeio Country de Barretos e viu os peões usando a chaparreira – aquele pedaço de couro balançando nas pernas do cowboy -,e o chiru achou bonito e trouxe essa texana indumentária para os nossos Rodeios Crioulos – da Terra -, contando com a conivência ou a falta de pulso de alguns Patrões de certas Entidades Tradicionalistas Gaúchas?
E dessa forma entrou mais um objeto estranho no Tradicionalismo Gaúcho Brasileiro, sendo também aceito como algo normal nos Rodeios Crioulos Gaúchos Tradicionalistas.
Pergunta-se: qual a incumbência do Coordenador Regional do MTG? Não seria papel dele fiscalizar os Rodeios e exigir que as Patronagens cumpram as diretrizes culturais do Tradicionalismo Gaúcho?
Se não é dele esta tarefa, de quem seria, então?
(do colaborador e Mangrulho do ONTG no Sul do Brasil, Ademir Canabarro: um Missioneiro!)
NÓS, SOMOS GAÚCHOS! poema de josé itajaú oleques teixeira
Nós somos gaúchos e não sertanejos;
nós temos cultura e os próprios festejos;
nós temos uma terra, um regionalismo;
nós temos o nosso Tradicionalismo.
O nosso fandango nunca foi bailão;
nós temos um Pago e uma Tradição;
nós somos gaúchos bem brasileiros;
nós só imitamos o Rio Grande campeiro.
Nós somos gaúchos, não somos modistas, com fins culturais e não mercadistas;
não temos intuito perverso, assassino;
zelamos a História, a Cultura e um Hino.
Nós somos gaúchos, não só rio-grandenses;
não somos do Texas e nem rio-platenses;
nós temos um Pago, somos nativistas:
nós somos Gaúchos Tradicionalistas!
O SONHO GEOMÉTRICO DE ESCHER por flávio calazans
Mauritis Cornelius ESCHER nasceu na Holanda em 17 de junho de 1898; lá abandonou a escola de arquitetura para ser artista plástico, dedicando-se às obras de arte em sua possiblidade de reprodução em cópias múltiplas, as gravuras sobre metal, pedra e madeira.
Em 1935 reside em Granada, Espanha, onde apaixona-se pelos arabescos geométricos do castelo de Alhambra, construído pelos árabes, e do estudo dos arabescos Escher desenvolve um estilo próprio, empregando brincadeiras com a geometria para ampliar a percepção e expandir a consciência por meio da arte.
Incompreendido pela crítica de sua época, Escher escreveu artigos tentando explicar o inexplicável: um trabalho inovador e fora dos parâmetros previsíveis, obra coerente e original ao extremo, genialidade que hoje é “Cult” e clássico entre quem sabe apreciar a arte.
Em um artigo sobre artista gráfico e artista plástico, Escher explicou que a vida só pode ser percebida pelos contrastes, e esta paixão quase barroca espanhola leva Escher a explorar o que a Psicologia da Gestalt chama lei da Figura-Fundo, contrastando massas pretas e brancas em gravuras com anjos e demônios, por exemplo, onde a consciência foca a figura dos anjos enviando os demônios como fundo subliminar, entre tantas outras.
Por vinte anos Escher pesquisou cristalografia, a estrutura dos cristais (lembrando que o elemento carbono é a origem dos diamantes e da vida orgânica na Terra) e a refração da luz pela física óptica, além de estudar astronomia desenhando detalhados mapas estelares do céu noturno; chegando a desenvolver teorias próprias sobre cristais e estrelas que contribuiram para que desenvolvesse uma nova perspectiva na qual as linhas paralelas em um ponto do espaço tornam-se convergentes a um ponto de fuga piramidal; como se olhando sob fios de um poste telegráfico, deslocando a cabeça até o ponto em que as linhas paralelas correm para o horizonte.
Escher afirma que seus contrastes e paradoxos visuais buscam causar um “salto” de percepção no observador-fruidor-público, questionando a realidade física, o continuum espaço-tempo, efetuando metamorfoses inesperadas entre formas de vida diversas e até elementos inorgânicos, além de imagens que encaixam-se umas nas outras reduzindo-se ao infinito (o que antecede em 1940 o que viria a ser a geometria fractal de Mandelbrot de 1980).
Sempre dasafiando os limites, bordas e fronteiras, Escher cria uma arte delirante, diferente, subliminar, que atinge intensamente todos os que detem-se para sentir longamente seus paradoxos e impossiblidades visuais. Idéias e símbolos místicos e esotéricos preenchem sua obra discretamente, e Escher escreveu confirmando que depois de prontas descobria nas gravuras axiomas místicos como “o que está acima é como o que está abaixo” os quais eram ilustrados e demonstrados visualmente, evidências esotéricas iniciáticas de arquétipos do Inconsciente Coletivo..ouroboros, espirais, sinais zodiacais e cabalísticos, caveiras iconesas subliminares e camaleões cósmicos povoam as obras.
Combinando e cruzando a Teoria Gravitacional de Newton com a Relatividade de Einstein e com imagens religiosas persas, egípcias, chinesas, etc…como conteúdo e como forma a geometria dos cristais e das mesquitas mouras, Escher surpreende o leitor atento a cada imagem com um desfile desafiador de impossiblidades que falam por sí, um discurso para quem abre bem os olhos.
Consciente, Escher explica sua obra entre arte e ciência: “Minhas imagens requerem explanação por que sem isto elas permanecem muito herméticas”.
Escher contava histórias em imagens, nas quais o espectador encontra a sí próprio refletido, suas próprias dúvidas e inquietações cósmicas sobre crescimento e metamorfose projetadas nas figuras.
“O construtor, o arquiteto, nada mais é do que um escravo da gravidade” provoca Escher em outro texto.
A gravitação de Newton é questionada nas perspectivas impossíveis de cachoeiras em castelos e escadarias múltiplas que inspiram até abertura de telenovelas de Hans Donner na Rede Globo de Televisão.
O ritmo de suas gravuras é musical, ele mesmo pergunta-se: “É possível comparar a imagem visual com o som audível?”.
Em uma crítica ao racionalismo, Escher mostra desenhos perfeitos em seus detalhes mas escondendo truques de perspectiva ilógicos em um desafio à razão, Koans, paradoxos visuais convidando a transcender a mente e os estreitos limites da lógica.
Desafiando a Biologia, Escher cria o “Bicho-rodapé” como um tatú de seis patas que enrola-se sobre sí mesmo em espiral para andar, imagem de desenho animado.
Incompreendido e isolado, fazendo imagens muito à frente de sua época, Escher cria um universo que esconde uma complexa superpopulação variada e rica como reflexo de seu mundo interior sensível e avançado, racional mas transcendendo os limites da razão.
Escher demonstra que a arte tem um poder visual de ampliar os horizontes da nossa percepção da realidade, e hoje sua obra é estudada em faculdades de arquitetura e ilustra livros de física teórica.
RETRATO poema/gaúcho de delci josé oliveira
(Romance das Mulheres dos Guerreiros)
De certo guardava luto,
porque sóbrio era o vestido.
Na linha austera dos lábios,
nem sinal do riso ausente
se podia adivinhar.
Havia traços do Oriente
e uma plácida tristeza
de névoa crepuscular.
Presos na coifa, os cabelos
sugeriam a nobreza
dessas damas de além-mar.
Eram tristes as mulheres,
no tempo desse retrato…
Mulheres de homens campeiros
nos horizontes abertos
para as grandes recorridas,
duras domas e tropeadas
como não se fazem mais.
Uma vez ganhando a terra,
os homens faziam guerra
pra garantirem a paz.
Homens chegados da Ibéria
ao chão dadivoso e rico,
onde o seu sangue beduíno
verteu-se em seiva de angico
e no pampa enraizou.
Quando os homens reuniam
laços, cavalos e lanças
e se alçavam ao campo
com indômita esperança,
essas místicas mulheres
sabiam do seu mister;
e nas casas das estâncias,
nos ranchos desamparados,
ficavam só as crianças
e os velhos – aos seus cuidados.
Elas cuidavam de tudo,
lavouras e plantação,
fiando a lã para os ponchos,
moendo o trigo para o pão;
criando gerações novas
de caudilhos e campeiros,
a rigor de sacrifícios,
de minuanos e mormaços,
porque esta terra pedia
as primícias do seu sangue
e as bênçãos do seu suor.
Eram fortes as mulheres
no retrato desse tempo….
Essas mulheres trigueiras
dos ranchos de palha e barro
faziam suas trincheiras
contra os bandidos andantes
e colunas estrangeiras;
e, das filhas que salvavam,
a seu exemplo formavam
novas mães e companheiras.
Aos fluidos da primavera,
quando o verde renascia,
e se tramavam os ninhos,
e floriam mal-me-queres,
e as fêmeas eram fecundas,
– coitadas dessas mulheres!
Na voz dos ventos pressagos
vinham cantigas ausentes,
apresilhando os sentidos
como silícios ardentes,
como pesados grilhões…
e a música igual dos grilos
espicaçava o silêncio,
como esporas anunciando
a volta dos seus varões.
Eles chegavam cansados,
quando não vinham feridos
(assim mesmo quando vinham),
para mudar de cavalo,
para fazer mais um filho,
porque a terra merecia
esse holocausto de sangue
em louvor a Liberdade,
para a nova sociedade
viver num mundo melhor.
E as mulheres prestimosas,
pacientes sacerdotisas,
bem guardavam na memória
de milenar ascendência
medicinas misteriosas
contra as dores e feridas;
e, em vigílias comovidas,
ao brando abrigo das quinchas,
dos seus dedos delicados
floresciam os bordados
das bandeiras e das vinchas.
Era servis as mulheres
no retrato desse tempo…
E como eram solidárias
na lida dos ajutórios,
nos partos e nos velórios
e nos transes e responsos
dos terços tristes, chorados
por alma dos que morriam!
Rijas mulheres do Pampa!
Enlutadas heroínas
que se chamaram de “chinas”
por esse esquivo recato
e pelos olhos rasgados,
deixados de herança índia
nos sangues miscigenados!
Decerto delas herdamos
essa força primitiva,
essa fé que nos anima,
que mantém a raça viva,
perene através da idade.
Da mulher quase cativa
nasceu essa gente altiva
que ama tanto a Liberdade!
Eram mulheres de fato
essas Senhoras do Pampa
no tempo desse retrato!
NO PLÁGIO TE ROUBAM UM POUCO D’ALMA por valdeci gonçalves da silva
“Mas quando falamos de seqüestro da subjetividade, não há a necessidade de cativeiro material. O roubo é mais profundo, pois é levado muito mais que a materialidade da vida” (FÁBIO DE MELO – Padre).
No dia 21 de outubro de 2008, recebi um e-mail que dizia: “Gostei do artigo X, mais gente gostou, tanto é que o seu trabalho foi publicado como sendo de Fulana de tal, no Jornal Y, da cidade Z, na página…, exemplar do dia 21 de outubro (hoje), …”. Até então esta notícia me soou meio irreal, embora ciente de que o informante, devido às suas responsabilidades e seriedade, não perderia seu tempo com pegadinha ou algo do gênero. Bem sei que o bicho homem é propenso a tudo, mas é como se eu tivesse, num primeiro momento, dificuldade de aceitar a realidade de que alguém fosse capaz. O dito ser humano se encarrega de práticas monstruosas a ponto de arrastar criança dependurada em carro; jogar filha pela janela do prédio (o que é bem diferente da monstra que, mesmo jogando seu bebê num lago ou córrego, compreende-se que foi levada pelo desespero ou loucura da psicose puerperal, etc.), e de tantas outras barbaridades que me fazem indagar: Esse tipo de vivente pode ser chamando de humano? Ou é humano por ser exatamente isso: Monstro? Se, com bastante freqüência, dispensam suas habilidades em coisas horripilantes, plagiar…
Minha inicial incredulidade, talvez, também tenha a ver com o fato de que as pessoas, nas figuras de advogados, procurador, professores, padre, estudantes e outros, ao se utilizarem dos meus textos para argumentar suas peças jurídicas, como recurso didático em sala de aula, e fundamentar tese, dissertação, trabalho monográfico de conclusão de curso, respectivamente, sempre tiveram a decência de me pedirem autorização. Isto tanto no Brasil quanto em Portugal, e algumas ainda tiveram a gentileza de me enviar o material. E, também nos sites que permiti meus textos, bem como aqueles que copiaram sem me consultar, a todos que tive acesso, até hoje, fizeram uso do procedimento ético de citarem autor (a minha pessoa) e fonte (www.algosobre.com.br). Apenas em um, possivelmente o responsável pela postagem, dizia ter descoberto um texto interessante e que fizera algumas alterações. Meio eufórico chamava a atenção para que os internautas o lessem. Percorri, atentamente, todo o texto e pude constatar que o mesmo se encontrava na íntegra. Assim, as mudanças anunciadas, na verdade, só podia se tratar do referencial bibliográfico que não constava.
A única notícia de plágio que tomei conhecimento foi de um atribuído a Paulo Coelho em relação ao texto de uma psicóloga chilena. Em termos de vivência que me ocorrera foi dar apoio (indicando alguns endereços solicitados) a uma colega cujo ex-aluno nosso havia plagiado e apresentado um dos seus trabalhos num congresso. Mas, naquele momento não me toquei em pergunta-lhe qual era o seu sentimento de ter sido plagiada. Depois de plagiado perguntei para ela que me disse ter sentido muita raiva e a sensação de roubada. No seu caso, o plagiador que já ocupava a função de professor em duas universidades, “teve a dignidade” de pedir exoneração das mesmas, e se recolher à sua cidade de origem. Mas, diante de vários parágrafos, meus, recortados e montados para formar um texto assinado por outra pessoa, com o mesmo título do qual se deu apenas ao trabalho de retira-lhe os dois pontos! Tive a sensação de insegurança, de invasão, de constrangimento, desrespeito e falta de chão. É como se o ladrão, ou melhor, a ladra tivesse desfilando com peças prediletas do meu guarda-roupa, e eu vendo tudo aquilo sem poder, de imediato, desmascará-la e resgatar o que é meu, a deixando nua em pêlo diante de todos. Mas tenho que resolver de modo informal a partir de alguma negociação ou na legalidade por meio da justiça.
Mas essa analogia ainda não parece suficiente para explicitar meu sentimento. Porque, para adquiri qualquer outro objeto o que basta é ter dinheiro suficiente, ir até a loja e sair satisfeito com a compra na sacola. Mas o plágio de um artigo é o roubo de algo que nasceu das entranhas da mente, vísceras e coração depois de um período, geralmente sofrido, de gestação. O roubo do produto intelectual não pode, simplesmente, ser comparado ao furto de um objeto que não implica, comumente, em nenhum grande dispêndio de energia além do encanto pela sua beleza, utilidade e prazer do poder aquisitivo ou de compra, porque está pronto. O máximo do que pode precisar é de se fazer algum pequeno ajuste, e ter disposição para usá-lo. Enfim, o artesanato conseqüente das inquietações, angústias, gastos financeiros, sacrifícios, não pode ter a mesma valoração do objeto fabricado alienadamente em série, anônimo, impessoal e em surpreendentes quantidades.
Roubo por plágio é como se te levassem um filho, não um recém-nascido com qual se teve pouca convivência, apesar da grande espera e expectativa, mas gradinho com o qual já se teve uma história, um investimento emocional, cuidados devotados para vê-lo se desenvolver saudável. Além da praxe que afirma: Criança dá trabalho. E todos os filhos, como dizem, são igualmente queridos. Embora que, com alguns, se tenha mais afinidade. Nesse episódio, me levaram um dos quais eu mais me identificava, por isso o vazio da impotência parece aumentado. É uma sensação de ter o coração cheio de amor para dá a esse filho, os peitos cheios de leito, mas sem jamais poder amamentá-lo. Na medida em que, paralelo a isso, vislumbro uma aura de impureza, uma sensação não mais de acolhimento, mas de rejeição. O filho já não é mais o mesmo, foi mexido, violentado, adulterado, alguém está, indevidamente, se deliciando com a proximidade da sua companhia, o vendo crescer, sorri, indagar com perguntas de “gaveta” sobre as “banalidades” do existir.
O processo de criação, obviamente, não acontece à toa. A fecundação, por regra, é conseqüência de uma orgia, da promíscua entrega aos mais variados autores, etc. Num primeiro momento, sou tomado pela febre da inquietação daquilo que não se encaixa, que parece incongruente, que falta algo sobre o qual ainda precisa ser dito, ou que apesar de toda fala ou descrição a respeito ainda sugere incompleto. Como se a verdade tivesse sido revelada, mas não toda a verdade, ou, pelo menos a verdade que eu a entendo como primordial. E, por vezes, também a necessidade de questionar aspectos anormais, bizarros, que parecem perfeitamente integrados à paisagem e cristalizados no pensar e fazer profissional, no cotidiano das interações e relações íntimas. Em vista disso, acho que não consigo viver pura e simplesmente como um animal. A vida vivida apenas pelo prazer hedônico de gozá-la não me interessa. A existência me inquieta, Deus me provoca, a sociedade me incomoda e que quero utopicamente aplacar, traçar um perfil suportável desse insuportável que, por vezes, me ultraja a condição digna de cidadão brasileiro. Uma vez fisgado por essas dúvidas, me vem o desejo de esclarecê-las, de entendê-las melhor. Porém, enquanto isso está sendo gestado, durmo ruminando a idéia e acordo me se espreguiçando com novos insights ou ainda mais angustiado.
Essa gravidez cresce, e para aliviar o peso dessa barriga enorme e invisível, como toda prenha (palavra horrorosa) se empenha no bem estar do feto (termo detestável, me sugere coisa estragada, podre, e não à bela imagem de um serzinho em formação) e preocupação com o seu futuro de bebê corre, sem pudor, atrás de exames, ajuda médica. Em suma, para ser acompanhada, eu corro para as livrarias. Vejo primeiro o que tenho disponível na estante da casa, livros, revistas. Mas a vontade de sentir o descendente forte, não me faz se contentar com o habitual ou caseiro, procuro fortalecê-lo com o que existe de mais atual e moderno. Não com o propósito de segui-lo, mas que sejam parâmetros para situar minhas argumentações no contexto da contemporaneidade. Nem sempre encontro o que quero ou espero nesses supermercados do saber, faço pedidos, vou a sebos. Algumas bulas sumárias parecem promissoras e, por isso, levo alguns volumes para mais tarde descobrir que são pouco calóricas. As histórias se repetem, e é comum constatar a ausência do essencialmente novo, a maior parte é de idosos, ou mesmo, caducos, maquilados de releituras. Mas a cata continua, na Internet, etc., até o ponto de me certificar de que todas as fontes disponíveis foram esgotadas.
O próprio feto ajuda, tem uma orientação intrínseca. Não raro direciona, ele parece saber o momento preciso de parar e anunciar o esboço dos seus contornos faciais. Como geralmente meus rebentos são polêmicos, por isso procuro me fundamentar. Convém salientar que, ser polêmico, não é nada mais nada menos do que não ter preconceito, não mascarar, dizer naturalmente o que pensa e sente. Até porque há uma forte e imediatista sedução social para tudo que é sem alma, de fachada, oco e artificial. Uma evasão em massa, tonta, desorientada feito besouro na claridade pronta para se incrustar e se acomodar na camada mais superficial dos vernizes. Polêmico é não esconder, e se dispor em se ariscar de trazer para visibilidade aquilo que boa parte, por conta do medo, do narcisismo prefere manter encoberto. O costume do faz de conta parece mais ardente do que a intenção compromissada de inquietar, de provocar substanciais mudanças. E, assim, em meio às bobagens ou discussões fúteis tentam tamponar o que de fato são os ingredientes que motivam os dramas, os atrasos, as injustiças, etc.
Vivemos a fantasia e o engodo do real. Em razão disso e por causa dos meus temas polêmicos, procuro a cumplicidade dos autores, primeiro dos consagrados, depois dos menos endeusados, embora estes, por vezes, me digam mais a respeito dos conteúdos que pesquiso. Em síntese, é uma busca incessante desses médicos intelectuais para deixar meu feto mais intelectualmente robusto. Não sou dado à imitação, reprodução, sempre procuro imprimir nem que seja um filete que conduza a alguma reflexão. Assim sendo, não me contento apenas com essas garimpagens, enveredo numa retrospectiva do meu banco de dados, das experiências em atendimento clínico (a fonte mais rica), da interação nas aulas que ministro e das minhas vivências pessoais, para ver se consigo colher prováveis preciosidades, ou, pelo menos, algo de diferente. Depois, faço um balanço de tudo isso visando, o que não é fácil, dar coerência e leveza a um rosto que já nasce agreste – porque não tenta agradar -, mas singular.
Essa luta envolve os mais diversificados modos de investimento costurados ou atravessado por situações que representam o intelecto como fácil e supérfluo. Um dia resmunguei sobre o preço de um livro fino e caro, e o atendente disse: “Mas o que é setenta e cinco reais para você que é professor e ganha uma nota!?” Completei: “Uma nota baixa, diga-se de passagem!”. Contendo a minha irritação pela sua falta de compreensão de que aquele preço me limitava de saber mais, de ter acesso a mais informações, lhe disse: “Para quem, uma vez perdida, compra um livro! Tudo bem. Mas para quem está sempre comprando…”. Ele disse: “É mesmo professor. Aliás, o senhor é um dos que mais compra, ou melhor, é o segundo porque tem a professora da universidade XYZ que sempre gasta em terno de 500,00 (quinhentos reais) por mês”. Meio que atingido nos meus brios ou estimulado por uma competição paranóica e, portanto, babaca. Assim, sabedor de que brasileiro adora comprar a prazo, que sempre quer ter ou ostentar um padrão de vida além das suas reais posses. Mesmo que em detrimento de repousar, à noite, a cabeça tranqüila no travesseiro. Num tom de brincadeira aproveitei para me gabar: “É, mas tenho certeza que ela não compra como eu, ou seja, à vista!” Ele disse: “É verdade, só tem o senhor mesmo”. Detesto prestação, se o comércio dependesse de mim, certamente ficaria em apuros, meu cartão de credito, parafraseando Cazuza, que não é substituto de navalha, só raramente tem serventia para alguma hora.
Voltando a minha gestação. Às vezes, o feto nasce prematuro, mas tem condição de sobrevivência. Também não consiste numa excepcionalidade que, de repente um se desmembre, nascendo, assim, gêmeo, trigêmeo. Alguns passam dias para nascer, mas todo nascimento, quase sempre é resultado da liquidificação das noites adentrando as madrugadas com dores que são transmutadas para o computador. Não raro rabisco pedaços de papéis procurando desvendar as características do rebento, enxoval, etc., e quando passo para tela adquire ou assume outra configuração que aceito ou aproveito alguns órgãos, ou deleto e começo tudo novamente. Em resumo, são os preparativos para o parto, construção de um bebê que sempre nasce tendo como testemunhas os primeiros raios de sol batendo na vidraça da janela, em meio ao burburinho tímido da redondeza que desperta. A felicidade desse nascimento acaba se manifestando em outras oportunidades com colegas e alunos mais próximos, com expressões mornas do tipo: “Hoje cedo conclui um texto que parece interessante, nele consegui dizer exatamente o que queria havia tempo!”.
Enquanto alguns bebês parecem ter nascido prontos para cair no mundo, outros demoram em adquirir feições próprias, precisam de inúmeros retoques ou plásticas. Por vezes, os descrevo com palavras ou frases em parágrafos que digo para mim mesmo, mas isto é genial! Mereço um prêmio. Noutros, de repente um parágrafo não se harmoniza, ou descubro que o repeti com outras palavras. Acho que a redação é comum demais, que não acrescenta nada. Enfim, que é uma droga, e que Diogo Mainardi (considero fascinante sua cultura e escrita. Pena que não use seu enorme potencial para conscientizar ao invés de alimentar picuinhas), certamente, riria de mim. Essa briga é constante, aí, depois de toda crítica, prazer, desprazer o feto nasce. Talvez pelo cansaço que demanda o gestar, e esforço em colocar para fora, “dar à luz”. Num primeiro momento sou tomado por uma atmosfera de contemplação. Assim, toda obra recém-chegada, por alguns instantes, parece perfeita, maravilhosa. Eis aqui uma mãe sugada, exausta e em estado de graça com o bebê nos braços. Lambo a cria, e a legitimo com o olhar generoso e doce tão próprio do instinto maternal. Passado este frisson contemplativo, começo a examinar e a vê-la em detalhes.
Logo em seguida surgem as dúvidas: Se aceito ou não esse filho? Se o lanço ao seu destino? Cometo infanticídio ou o mantenho em cárcere privado? Como será seu caminhar longe da vigilância dos meus olhos? Da minha defesa? Como interagirá com as pessoas? Como será tratado? E quando, finalmente, lhe dou assas não sei se ele cumprirá sua missão ou se será mais um medíocre a incrementar um universo de futilidades? Ou se terá brilho próprio e será reconhecido? Alguns são paridos com tanto amor, e passam em brancas nuvens. Outros, meio que feinhos, que eu não dava muito por eles, e que por isso quase os abortei. Mistério: Caem na simpatia do público, e passam a ser bem solicitados, no que gera certo ciúme: “Puxa aquele pelo qual fiz tanta força poucos dão atenção!”. Mas, até agora em relação a todos meus rebentos não tenho do que me queixar, foram bem aceitos. Nunca recebi crítica abertamente negativa. Já chegaram a comentar sobre os tamanhos das criaturas, mas que, apesar de afetados pelo estirão do crescimento, não cansam, concluem os comentaristas.
Por tudo isso, um roubo intelectual não tem como ser comparado a um simples furto material. Furto é furto. Se o ladrão de objeto vai preso, o larápio da produção intelectual também deveria ter esse mesmo tipo de punição. Se isso não acontece é porque denota a desqualificação do trabalho gerado no coração e nos labirintos luminosos e assombrosos da massa cinzenta. A ladra me roubou não só “um mosaico de parágrafos”, mas as minhas noites mal dormidas, solidão, privação da vida social e pessoal, tudo dentro desse mesmo pacote chamado Direito Autoral que deve ser respeitado. Essa pessoa é tão bandida e perigosa como qualquer outro marginal. Ela não se apossou apenas do meu rebento, mais também dos “colegas” que os convidei para esse banquete, e que tenho o cuidado de registrar seus nomes quando preciso recorrer nem que seja a uma sua única palavra ou fala deles.
A desavergonhada possa com um bem que não é seu, é uma pessoa violenta, mau caráter que no maior cinismo exibe o produto do seu furto. Uma alma imoral, sem ética, uma bandida que devia esta na cadeia junto aos seus pares. É uma miserável de nível superior que comprova sua incapacidade ou preguiça para trabalhar e criar, que coloca sob suspeita sua formação acadêmica. Como será que conseguiu se graduar? O que não deve ter feito para conseguir um diploma? O que ela não será capaz de fazer para aparecer ou tirar proveito? O mais surpreendente é que essa sujeita em momento algum pensou que pudesse ser desmascarada. O que a leva achar que ficaria impune? Certamente, mantém a moral corrupta de que pode burlar a lei e/ou a polícia.
A justiça, em geral, é morosa, isto obviamente exige tempo e dinheiro. Já enviei e-mails comunicando à usurpadora que identifiquei seu plágio, e também para negociarmos uma saída, mas, até a presente data, 10 de novembro de 2008, não tive retorno. Não sei com qual objetivo ou estratégia, essa senhora continua em silêncio. Talvez, para que eu desista. Está perdendo a chance de ter a hombridade de assumir seu crime imaterial e evitar a justiça. Lógico que é sabedora que plagiou, isto é, copiou e colocou sua assinatura, e, assim, pôde enganar muita gente, mas não todo mundo e muito menos a si mesma. Como provar que o texto é de minha autoria? Estou documentado tanto com material impresso quanto com a divulgação virtual em vários sites no Brasil e em Portugal com registro de data anterior a esse furto. Confio na justiça, e se, por ventura, as provas não forem suficientes, tem a minha estilística. Colegas e alunos reconhecem facilmente meus escritos, minha forma de expressão verbal. Na última das hipóteses é só comparar o texto plagiado com os meus demais textos e com os textos da plagiadora para perceber: Linearidade do meu lado e oscilação do lado dela.
Será que nunca vamos ter um nível razoável de moralidade neste país? Se por acaso a justiça não me contemplar, o que espero que não aconteça. Eu faço justiça, literalmente, com as próprias mãos: Escrevo neste site revelando a identidade da criminosa, exponho a foto do meu filho seqüestrado junto com sua foto de nascença, para que o leitor as compare. Finalmente, divulgo nos meios de comunicação da sua cidade a sua fraude. Com certeza ela sentirá o gosto amargo de ter plagiado. E que isto lhe sirva, e também a outros desonestos, de LIÇÃO.
OS RICOS-POBRES por marta medeiros
Anos atrás escrevi sobre um apresentador de televisão que ganhava um milhão de reais por mês e que em entrevista vangloriava-se de nunca ter lido um livro na vida. Classifiquei-o imediatamente como uma pessoa pobre.
Agora leio uma declaração do publicitário Washington Olivetto em que ele fala sobre isso de forma exemplar. Ele diz que há no mundo os ricos-ricos (que têm dinheiro e têm cultura), os pobres-ricos (que não têm dinheiro, mas são agitadores intelectuais, possuem antenas que captam boas e novas idéias) e os ricos-pobres, que são a pior espécie: têm dinheiro, mas não gastam um único tostão da sua fortuna em livrarias, museus ou galerias de arte, apenas torram em futilidades e propagam a ignorância e a grosseria.
Os ricos-ricos movimentam a economia gastando em cultura, educação e viagens, e com isso propagam o que conhecem e divulgam bons hábitos. Os pobres-ricos não têm saldo invejável no banco, mas são criativos, efervescentes, abertos. A riqueza destes dois grupos está na qualidade da informação que possuem, na sua curiosidade, na inteligência que cultivam e passam adiante. São estes dois grupos que fazem com que uma nação se desenvolva. Infelizmente, são os dois grupos menos representativos da sociedade brasileira. O que temos aqui, em maior número, é o grupo que Olivetto não mencionou, os pobres-pobres, que devido ao baixíssimo poder aquisitivo e quase inexistente acesso à cultura, infelizmente não ganham, não gastam, não aprendem e não ensinam: ficam à margem, feito zumbis.
E temos os ricos-pobres, que têm o bolso cheio e poderiam ajudar a fazer deste país um lugar que mereça ser chamado de civilizado, mas que nada: eles só propagam atraso, só propagam arrogância, só propagam sua pobreza de espírito.
Exemplos?
Vou começar por uma cena que testemunhei semana passada. Estava dirigindo quando o sinal fechou. Parei atrás de um Audi preto do ano. Carrão. Dentro, um sujeito de terno e gravata que, cheio de si, não teve dúvida: abriu o vidro automático, amassou uma embalagem de cigarro vazia e a jogou pela janela no meio da rua, como se o asfalto fosse uma lixeira pública.
O Audi é só um disfarce que ele pôde comprar, no fundo é um pobretão que só tem a oferecer sua miséria existencial. Os ricos-pobres não têm verniz, não têm sensibilidade, não têm alcance para ir além do óbvio. Só tem dinheiro. Os ricos-pobres pedem no restaurante o vinho mais caro e tratam o garçom com desdém, vestem-se de Prada e sentam com as pernas abertas, viajam para Paris e não sabem quem foi Degas ou Monet, possuem tevês de plasma em todos os aposentos da casa e só assistem a programas de auditório, mandam o filho pra Disney e nunca foram a uma reunião da escola. E, claro, dirigem um Audi e jogam lixo pela janela. Uma esmolinha pra eles, pelo amor de Deus.
O Brasil tem saída se deixar de ser preconceituoso com os rico-ricos (que ganham dinheiro honestamente e sabem que ele serve não só para proporcionar conforto, mas também para promover o conhecimento) e se valorizar os pobres-ricos, que são aqueles inúmeros indivíduos que fazem malabarismo para sobreviver, mas, por outro lado, são interessados em teatro, música, cinema, literatura, moda, esportes, gastronomia, tecnologia e, principalmente, interessados nos outros seres humanos, fazendo da sua cidade um lugar desafiante e empolgante.
É este o luxo de que precisamos, porque luxo é ter recursos para melhorar o mundo que nos coube, e recurso não é só money: é atitude e informação.
Marta Medeiros
MÁRIO QUINTANA – CARTA A UM POETA
Meu caro poeta,
Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para oscontemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? – perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: “eu vos trago a verdade”, enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: “eu te trago a minha verdade.” E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!
Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as digressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: “O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escreve os seus poemas?” A poesia é dessas coisas que a gente faz, mas não diz.
A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.
Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: “Eu não te largarei até que me abençoes”. Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técnica dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.
Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.
Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que, no entanto, me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.
Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?
Mario Quintana
ECCE HOMO poema de manoel de andrade
foto livre.
ECCE HOMO
Levam ao Sinédrio o humilde nazareno
para que se julgue o amor e a inocência
e diante da judaica prepotência
o Mestre se mantém doce e sereno.
Por ser blasfemador é réu de morte
diz Caifás com desprezo ao acusado
e depois de cuspido e injuriado
aos romanos entregam a sua sorte.
No pátio do palácio a massa se aglutina
e um prenúncio sinistro percorre a multidão
traído e abandonado à própria provação
aguarda o prisioneiro a sua sina.
– É um visionário, um sonhador somente
– e me comove sua mansidão, sua pobreza…
diz Pilatos…, convicto da certeza
de estar frente a um homem inocente.
Diante da injustiça e do impasse
transfere a Antipas a sentença
mas o tetrarca devolve-lhe a presença
com os espinhos ensangüentando a face.
Coberto com o manto da ironia
e como cetro uma cana retorcida
nessa imagem de realeza escarnecida
trazem novamente o Rabi à pretoria.
Tenta Pilatos um último artifício
para acalmar a plebe alucinada
e espera que a espádua açoitada
salve o Galileu do sacrifício.
Rasga-lhe a carne o látego cruel
e nem um murmúrio de dor ante o flagelo
envilecido e ultrajado, invencível e belo
cumpre a Trágica Figura o seu papel.
Mas ainda assim a turba em desatino
exige que a condenação seja mantida
e Pilatos propõe à massa ensandecida
que delibere sobre o seu destino.
Diante do pretório e amotinado
o povo absolve Barrabás
e movido pelos asseclas de Caifás
exige o Galileu crucificado.
Ante a sentença e os gritos do estrupício
e entre a verdade e o interesse dos seus atos
lava as suas mãos Pôncio Pilatos
e entrega o Cordeiro ao sacrifício.
Na mais ingrata e suprema solidão
maltrapilho, descalço e abatido
para o meio da escória é conduzido
sob o escárnio cruel da multidão.
Passos cambaleantes, dor, delírio
toda a ignomínia no símbolo da cruz
o madeiro infame nos ombros de Jesus
e o lancinante caminho do martírio.
Ergue-se o holocausto ao amor crucificado
na dor que esmaga, na sede insaciável
no estóico silêncio, no deboche intolerável
no lento suplício de um homem sem pecado.
E na agonia do Calvário, rumo à glória
roga a Deus perdão para os algozes
por tanto amor recebe os golpes mais atrozes
e o julgamento mais iníquo da história.
Curitiba, 26/02/04
(*) “Eis o homem”. Palavras de Pilatos ao apresentar Jesus aos judeus
Este poema consta do livro “CANTARES”, editado por Escrituras
VINHO BARATO, MULHER FEIA E ROCK PAULEIRA
cavalo. largo da ordem. curitiba.
Funcionava assim. Você encontrava os amigos na rua durante as tardes de sábado para combinar como seria a noitada, mesmo que o local fosse sempre o mesmo. Com todo vigor que seus 13, 14 ou 15 anos lhe injetavam nas veias seguia o caminho a pé. Subia a 24 de Maio para passar na 24 Horas, a rua que não dormia. O bando contava as moedas, normalmente roubadas do troco do pão, para rachar garrafões de Large Field. Alguns tinham que salvar ainda o passe do madrugueiro.
Na época os comerciantes não se importavam se era prudente autorizar que três adolescentes, na média, dessem uma beiçada em cinco litros de vinho. Não havia copos. Controlar a dose certa do gole num garrafão era necessário treino, que estava sendo religiosamente cumprido há pelo menos um ano. Do contrário, entrava até pelas narinas.
Éramos 1,3 milhão, só que sem crack. O máximo de violência era voltar para casa sem os sapatos. A meia jogava-se fora para não passar ridículo. As gangues normalmente tinham o nome da praça usada para confabular o melhor ataque aos inimigos, os meninos das outras praças. Em algumas regiões, como o Água Verde, até padaria podia dar origem ao nome de um “temido grupo”. Assistiu “The Warriors – Os Selvagens da Noite”? Era mais ou menos assim, só que sem revólveres, facas, bastões de beisebol e metrô.
As ruas escolhidas para chegar até o Largo da Ordem eram as que tivessem relação com o meretrício. Não para consumir. Mas a paisagem era mais bonita e sempre rendia uma boa história no dia seguinte. Talvez ainda não fosse politicamente incorreto esvaziar a bexiga numa árvore. E sempre dava vontade na altura da Muricy. O problema era achar árvores ali. Então…
Na chegada os dentes já estavam roxos. Encontrava os outros, com camisetas do Pantera, Sepultura e… Slayer!!! As meninas se fantasiavam de Mortícia. Roupa comprada no Shopping Omar. Era óbvio que ninguém que estava ali iria para o El Mago, coisa de playboy. Só existia um lugar que poderia abrigar tanta gente diferentemente igual: Hangar.
Primeiro problema: não podia entrar com bebida. Garrafão vazio no lixo então. A vantagem é que já se entrava com a mira calibrada. Digamos que o local não era reconhecido pelas lindas mulheres que lá aportavam. Só que era preciso se manter em pé. Caso caísse uma saraivada de botinadas lhe acertava até o âmago. Pura diversão.
Uma coisa não tinha explicação: você simplesmente não podia se encostar nas paredes. E não era tinta fresca. A teoria mais aceita é que a combinação engolir vinho rapidamente, mulher feia mais pontapés no estômago causavam um vômito imediato e forte que o golfo acertava as paredes antes de encontrar o solo. Uma noite perfeita naqueles tempos.
Hoje é difícil você encontrar um curitibano legal que não tenha passado bons fins de semana no Hangar no começo dos anos 90. Que não tenha escutado Gipsy Dream e dezenas de outras bandas cover de “rock pauleira”.
Pois bem, o bar chegou à maioridade. Completou 18 anos e ficou registrado na memória de muitos. A dúvida que fica é se hoje ainda há espaço para esse tipo de experiência inocente inconsequentemente divertida. Que não começa e termina dentro da balada. Não se vê mais pessoas passeando a pé na madrugada. Os motivos são óbvios. Temos violência, Lei Seca, mulheres mais bonitas (as feinhas têm muito mais recursos hoje, vai) e internet. Ou seria apenas o que chamamos de nostalgia?
caderno G. GP
EU E AS LATAS por carlos ferrari
Refrigerante ou cerveja? Com certeza dependendo do momento, do seu gosto pessoal ou até mesmo de um impulso, fica fácil para qualquer um fazer essa escolha em segundos. Pois bem, sentei agora para escrever essa coluna. Estou em um quarto de hotel em Brasília, e neste momento estamos eu e as latas. Não sei quem é quem, refrigerante, cerveja, água tônica e, por isso, acabei decidindo por conversar um pouco sobre isso com vocês.
A percepção da deficiência ao longo dos anos tem sofrido um constante processo de mutação. Da maldição até o inatingível, da inutilidade até os super-poderes; muitos foram os estereótipos construídos que de uma forma ou outra e de acordo com o senso comum, sempre afastaram a pessoa com deficiência da condição compreendida pela sociedade como normal.
Assim pudemos assistir ao longo da história a caridade durante séculos como único meio para garantia de subsistência.
A transição desse cenário é relativamente recente, e tem se dado por meio da luta do segmento e da reconstrução do conceito de deficiência, que agora não mais somente considera a limitação do individuo, pois passa a correlacionar essas limitações com a desadequação da sociedade e seus espaços físicos, equipamentos, serviços, sinalizações e comportamentos.
Então é fato que quanto menor a adequação do mercado maior a deficiência do consumidor.
De acordo com a lógica capitalista, desprezar por volta de vinte e sete milhões de consumidores em se tratando de Brasil, caracterizaria uma estratégia suicida e nem um estudioso ou profissional de marketing consideraria essa hipótese como possível. As ações, no entanto, vão na contra-mão do que ditam as regras de mercado, excluindo um segmento que muitas vezes tem que brigar para ter o consumo como um direito, mesmo tendo o recurso financeiro.
A peça publicitária que tratava da venda da bíblia falada, gravada por Cid Moreira trazia um alento àquelas pessoas de religião que até então não podiam ler. Cegos, baixa visão, dislexos, idosos, comemoravam a novidade na medida em que uma voz animadora anunciava a boa nova. O fechamento seria cômico se não fosse trágico; “Ligue agora para o telefone que está em seu vídeo e adquira nosso produto”!
Você já pensou nas dificuldades de um cadeirante para experimentar as roupas em boa parte das lojas ou mesmo para adentrar em bares e restaurantes de qualquer canto deste País?
Pois é, estamos aqui eu e as latas e vou buscar na sorte uma bebida gelada para matar a sede e renovar a esperança de termos em breve um mercado que não entenda essa questão como uma ação de responsabilidade social, mas sim do aproveitamento do potencial de consumo de um público que trabalha, que tem família ou mesmo recebe benefícios governamentais, enfim um público com poder de compra.
* Carlos Ferrari é administrador de empresas, mestre em Administração de Empresas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e pós-graduado em Marketing pela Fundação Cásper Líbero. O vice-presidente da Instituição é deficiente visual de nascença e ficou totalmente cego aos sete anos de idade. Atualmente é professor universitário nos institutos Ítalo-Brasileiro e Faculdade Interação Americana. Vice-presidente da AVAPE, instituição focada na inclusão de pessoas com deficiência. Ele é, ainda, Membro Titular do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, presidente da Federação Paulista de Desportos para Cegos (FPDC), sócio-proprietário da Supera Treinamento e Gestão Sócio-Ambiental. Idealizador do treinamento Superação de Limites e Identificação de Potencialidades. Entre em contato com o autor pelo e-mail carlos.ferrari@avape.org.br
Sobre a AVAPE Com 26 anos de atuação, a AVAPE (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais) é uma instituição filantrópica beneficente de assistência social, que tem como missão promover as competências de pessoas com deficiência. Fundada em 1982, a entidade é considerada modelo de gestão e foi a primeira em sua área a receber a certificação ISO 9001. A AVAPE é reconhecida pelo trabalho de prevenção, diagnóstico, reabilitação clínica e profissional, qualificação e colocação profissional, programas comunitários e capacitação em gestão para organizações sociais. Oferece atendimento a pessoas com todos os tipos de deficiência, do recém nascido ao idoso. Desde o seu início, já realizou mais de 18 milhões de atendimentos gratuitos e inseriu 10 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Na busca de parâmetros internacionais, mantém parcerias e termos de cooperação técnica com diversas organizações do mundo.
WONKA BAR CONVIDA/ curitiba
Wonka Bar convida:
TERÇA 07 Abril 2009
QUARTA 08 Abril 2009
Maytê Corrêa & Grupo Batucajé
QUINTA 09 Abril 2009
SEXTA 10 Abril 2009
Festa de Garagem Especial com Polexia
Melodias bem construidas, arranjos bem cuidados e detalhados, reconhecimento em premiações nacionais e vídeo-clip polêmico, o Poléxia é umad das bandas curitibanas de maior destaque e com um dos melhores shows da cidade. Imperdível! http://www.myspace.com/thepolexia.
Depois a festa continua com o DJ MM.
22h
Entrada R$6 até 0h, após R$10
SABADO 11 abril 2009
Rock2Rock
Os DJs residentes Claudinha e Bernardo convidam você para se acabar com o melhor do indie e do alternativo, rock desde a raíz até as novas bandas. Sábado é no Wonka.
22h
Entrada Homem R$3 e Mulher FREE até 0h, após R$10
COMO MELHORAR O ENSINO DO PORTUGUÊS – por vicente martins
No presente artigo, oferecemos uma proposta de quatro oficinas ou encontros pedagógicos para a melhoria do Ensino do Português na Escola, especialmente o Ensino Fundamental. Tomaremos como paradigma para ação pedagógica a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicologia Cognitiva. As sugestões a seguir podem ser aplicadas ao próprio ambiente de trabalho, isto é, na escola e em serviço, reunindo professores-formadores e professores em formação contínua ou continuada.
O primeiro passo dos docentes é considerar a proposta pedagógica da escola para o ensino Fundamental. Assim, pertinente é a realização de uma Oficina de Leitura, Análise e Reestruturação da Grade Curricular da Disciplina Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. A oficina pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Ensinar a Língua Portuguesa.
Caberá ao formador dos docentes tomar como parâmetro de estudo as diretrizes estabelecidas pelo MEC/CNE para o Ensino Fundamental, através de documentos específicos (PCN, Resolução, Portaria, por exemplo) sobre o assunto, reestruturando o currículo do Ensino Fundamental, para a discussão com os professores, em três dimensões: a) competências: comunicativa, lingüística e lectoescritora; b) Conteúdos: Fonologia, Ortografia, Morfologia e Sintaxe, com detalhes de assuntos ou tópicos de cada setor de estudo e c) Habilidades Cognitivas e Instrumentais a serem alcançadas no final de cada série.
A partir das discussões com os professores, os formadores, em geral, observarão que muitos pontos do currículo ainda não são devidamente trabalhados pelos docentes, prática que nos sugere uma formação deficitária dos mesmos.
Os erros ortográficos, por exemplo, ainda são trabalhados, em sala de aula, de forma tradicional, com punições e atitudes não pedagógicas, não levando o professor, em conta, a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicopedagogia na abordagem do ensino-aprendizagem da ortografia. Compreender mais sobre a memória, como as crianças memorizam as formas lingüísticas, é fundamental para um ensino eficaz em sala de aula.
Uma segunda oficina que proponho aqui pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Escrever Corretamente. Inicialmente, deve o professor-formador apresentar aos professores os principais teóricos sobre o ensino de Ortografia.
O professor-formador pode começar por oferecer aos docentes em formação, para um tratamento didático sobre a matéria, uma série de exercícios para que os mesmos, a partir das alterações ortográficas, verificadas nos textos escritos dos alunos, possam reverter a situação de disortografia e promover o domínio da língua na sua variação culta.
Em geral, essa oficina ou encontro vai assinalar a necessidade de uma formação específica dos docentes para o trabalho com a ortografia a partir da produção textual, especialmente tomando a revisão como parte do processo da construção do texto.
Minha terceira idéia é a oficina foi denominada Como Desenvolver a Capacidade de analisar e refletir sobre a Língua(Gramática). Nas discussões com os professores, percebemos que os mesmos têm a crença de que o domínio da língua culta passa pelo conhecimento gramatical e lingüístico.
O enfoque do formador deve ser o de que é responsabilidade da escola o ensino da gramática, o que não significa restrição ao ensino de normas gramaticais, mas uma atitude de mostrar aos alunos que a língua culta, especialmente a gramática normativa, referencia, em nossa sociedade letrada, uma classe social emergente e que é papel da escola pública, municipal ou estadual, oferecer aos educandos competências para aquisição e desenvolvimento da comunicação requerida para uma cidadania ativa. De modo geral, os professores têm uma forte inclinação ao ensino normativo da língua portuguesa, especialmente as normas extraídas de textos referenciados pela literatura clássica, o que os levará, decerto, a orientá-los à tomada de decisão na escolha de novos paradigmas normativos de uso da língua previstos nos jornais e as revistas de grande circulação nacional e na mídia eletrônica, em especial, a Internet.
Por fim, a quarta e última oficina pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Leitura e de Produção de Textos(Leitura e Escrita). Esta Oficina mostrará, desde logo, a importância da compreensão leitora, isto é, a compreensão do texto lido, como uma das habilidades mais significativas no processo de formação escolar dos estudantes do Ensino Fundamental.
No tocante ao texto escrito, ao professor-formados caberá a oferta de uma metodologia processual, com base na abordagem cognitiva (Psicolingüística) para que os professores, em formação (e preferencialmente em serviço) trabalhem a produção textual em diferentes fases (planejamento, produção, seleção e organização de idéias, revisão, releitura do texto e edição final), de modo a não se limitar a avaliação do texto para verificação de aprendizagem (atribuição de nota), mas procurando dar um novo destino ou audiência aos mesmos: por exemplo, publicação dos textos dos alunos em jornais locais e na Internet.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará.
OS SUPER-BÁRBAROS bárbara kirchner e paulo leminski neto
bárbara kirchner e paulo leminski neto . foto de gilson camargo.
o amor tem garras e surpresas…
um panoptizar cercado de sutilezas
acariciam… delineiam…
secando prantos … mar de risos e espantos
serpenteiam… acalantam…
tal como se das mãos brotassem flores
talvez lírios do campo
O BEIJO poema de otto nul
Foi um beijo,
Um único, ardente,
Dado de repente
Sem que esperasses;
Ficaste no ar
Coberta de espanto
Como tivesse o beijo
Um certo encanto;
O beijo ficou na história
E também na memória,
Um beijo sem igual,
Que marcou um instante,
Sobreviverá aos tempos
Definitivamente imortal.
A FRAUDE DA EDUCAÇÃO por walmor marcellino
DÉFCIT EDUCACIONAL
Enquanto a prefeitura de Curitiba e o governo do Estado apostam políticas eleitorais sobre a eficácia de seu sistema de ensino e a eficiência de sua preparação pedagógica, a tragédia da educação continua à vista. Anísio Teixeira e Paulo Freire ficariam horrorizados com as pedagogias usadas em seu nome.
Em primeiro lugar, agrupamentos de 10 até o máximo de 30 crianças e adolescentes é o recomendado para uma sala de aula, para que o processo de ensino seja eficiente, supondo que o(a) professor(a) seja efetivamente habilitado(a) (e comprometido(a)) com sua escolha e adesão profissionais. E isso seria apenas o começo de uma solução educacional. (Nas escolas particulares e nas classes ricas, o critério seria nada menos do que o preço.)
Todavia, nem as políticas públicas nem os sistemas de ensino e formação (educação) conseguem equacionar esse número “funcional” de estudantes numa sala de aula; porém assim mesmo reconhecem que o coletivo de alunos numa sala deve ser proporcional a suas condições culturais, psicológicas e de capacidade de atenção-concentração (vale dizer, quanto mais pobre e “desassistido” ou sem recursos culturais e estabilidade emocional, maior atenção e menor deve ser o grupo discente para obter mais atenção pedagógica. E isso nega essa massificação de que “há escolas para todos”!). Mas eles não “conseguem equacionar” essa questão elementar, porque preferem a propaganda de que a UNESCO lhes reconhece o esforço (não a solução, mesmo porque as políticas da UNESCO são políticas de “boa-vontade” e estímulos).
Assim, secretários e assessores comissionados no geral não passam de pelegos oportunistas que, a serviço das autoridades que os nomearam, mentem para a população sobre a educação que lhe é oferecida e fingem preocupação com o sistema educacional, com as condições técnicas de ensino e com a preparação e eficiência dos professores e da sua burocracia política, pretendendo assim justificar essa sua formidável propaganda enganosa.
O CANTAR DO XEXÉU poema de tonicato miranda
nem todo poeta é triste
nem todo palhaço é palhaço
nem toda a música é canção
toda mulher merece um não
milhares de sim, algumas o véu
não está em todas tardes a luz
assim como não são
brancas as nuvens sobre mim
hoje a ameaça de chuva está
agarrada no cinza no céu
no rádio toca “Você”
de Menescal e Boscoli
no meu peito toca um Rio
onde já fui menos saudade
pois era simples pardal ao léu
Curitiba dos anos 80
era Cardoso e sua “troupe“
nós por ali como andorinhas ligeiras
de bar em bar, de rua em rua
quase prostitutas de bordel
ninguém sente saudades
do que nunca sentiu
mas queria sentir tristeza
de um futuro que não gestei
o coração como cavalos em tropel
sentir saudade de mim e de você
o meu corpo dolorido de ausências
dos amigos e dos perigos dos amores
tudo e todos que podem me colocar
como condenado no banco dos réus
nem todo poeta é triste
mas palhaço pode ser um dia
quando a tristeza molhar a boca
adoçando a palavra, brotando o gesto
beijando a abelha antes dela moldar o mel
nem todo pio na mata
e nos baldios da cidade aberta
vem do bem te vi ou da gralha preta
às vezes vem da andorinha
outras de um simples xexéu
MEDIÇÃO FAMIGERADA poema de leonardo meimes
Cabe em cada limbo
Uma população inteira…
É isso que se espera
Cabe em cada estádio
Uma porção de hipócritas?
Não, não cabe.
Não cabe nem o ego
Do maior dos famosos
Encheria um copo
A verdade no mundo?
Ela existe?
O mesmo copo
Encher-se-ia de amor?
Sem rancor, ciúmes, traição.
De amor puro e simples?
Se retirássemos o amor pelo material
Acabaríamos por esvaziar o copo?
Caberia em um punho
Toda a coragem de um homem?
Talvez a de um suicida o preenchesse
Mas só a de se matar
A de viver seria insuficiente.
Cabe ao ser humano
Comandar este mundo?
Cabe a nós criar nossas leis?
Ou julgar nossas mazelas
De acordo com elas?
Cabe a Deus
Punir-nos em vida?
Fé! Quanto de Fé encheria
Aquele mesmo copo de antes?
Quanto de Fé existe no ser humano
Quando não se trata de religião,
Mas do próprio ser humano?
Cabe na vida
Uma existência
Completa?
DE PARIS crônica de hamilton alves
Quando cheguei aqui nenhuma surpresa. Era como já tivesse vindo muitas vezes a essa cidade, que merece inteiramente o nome de “cidade luz”. À noite, as luzes espocam por toda parte. É um feerismo que, acredito, não se vê em parte alguma do planeta.
Quando saí do Brasil para cá tinha lido não sei onde (creio que foi num livro de ensaio de Kundera) que “Paul Verlaine morreu num hotel modesto de Paris”.
Perguntei ao taxista que me levou do aeroporto a um hotel em Montmartre:
– Você sabe alguma coisa sobre o lugar em que teria morrido Verlaine?
– Não, nada sei. – disse, lacônico.
Como poderia saber? Ou será verdadeira a história que um amigo que morou muitos anos aqui me contou que travou com um garçom de restaurante que tinha um grande conhecimento sobre literatura? E artistas em geral?
O taxista, que entrevistei, parecia desinformado sobre dados a respeito de artistas. Ou de Verlaine em especial. Nada sabia de sua existência.
Meu interesse em Paris é cultural. Nada mais. Conhecer a cidade, os lugares, museus, restaurantes, cafeterias famosos está na linha de meu objetivo. Por onde passaram ou viveram escritores, pintores, músicos, atores – isso procuro afanosamente saber.
De repente, posso conhecer um grande poeta. Achar um livro de sua autoria numa livraria. Um poeta que não chegou ainda à fama. Ou não seja muito cortejado por parisienses. Me proponho a um tetê-à-tête com ele num local qualquer.
De certo, não recusaria um convite desses. Trocaríamos ideias. Me falaria de seu modo de compor ou conceber a poesia; lhe falaria de outro tanto; lhe daria de presente meu último livro -“Homenzinho na madrugada”, com uma capa belíssima de um grande artista ( assim pouco reconhecido entre nós) – Jair Platt – que se foi deste mundo como chegou – sem nome algum.
Jair era refratário à fama ou à badalação. Era de sua natureza simples e arredia.
Estou já há dias em Paris.
Ainda não encontrei esse poeta. Ou um grande pintor. O que tenho visto de obras de artistas à margem do Sena me parece de pouca ou nenhuma qualidade.
Cadê a grande revelação na poesia ou na pintura?
Obviamente, numa estada curta como essa não vai dar para encontrar esse poeta ou esse pintor com que sonho. Deve andar neutro e esquivo pelas ruas da cidade, sem se fazer notar, como foi o caso mais recente (ou não tão recente assim) de Jacques Prévert, que vivia oculto ou era pouco popular.
Artistas são, de um modo geral, seres estranhos.
– Paris, Paris, Paris… – perdoem-me – há um ligeiro equívoco! Sonhei, certamente, que estava pela primeira vez percorrendo as ruas dessa cidade. Andava em busca do grande poeta ou do grande pintor. Seres que evidentemente não existem mais. Ou se ocultam. Quem é que saberá?
(março/09)
Iluminai-vos! por alceu sperança
As crianças se tornam poderosos defensores do Bem quando em seus videogueimes se abalam a dramáticas tentativas de derrotar seus vilões preferidos.
Os adultos também fazem seus jogos. Através das teorias da conspiração, por exemplo, pode-se escolher uma raça (judeus, índios) para atacar como sendo a coisa maldita que nos oprime e ameaça – a nós, a raça pura e honesta, que somos, obviamente, o Bem.
O governador Roberto Requião negou apoio ao presidenciável Geraldo Alckmin, nas eleições de 2006, porque este é “do capeta” e nós, evidentemente, somos do lado de Deus.
Nada diferente do videogueime da piazada: eu sou o bonzinho do Bem e o árabe, o cacique Kretã, o Judeuzão, é o capetão que eu vou combater entre zaps, ziins e pows!
Recebi um e-mail anônimo me alertando para deixar de ser burro e perceber que minha “ideologia” (marxista) foi criada por uma turma de judeuzões do mal. Os mesmos que segundo um tal “Protocolo dos Sábios de Sião”, também desgraçam a nossa vida com tudo que de ruim acontece neste mundo.
Cada um joga o jogo infantil que lhe apetece. Não é preciso teoria da conspiração nenhuma para perceber quem domina o mundo na atual etapa da humanidade: é o capitalismo em sua fase neoliberal, que se expressa de diversas formas.
Aumenta a pobreza. Arrasa o meio-ambiente. Manipula eleições criando dois pólos de disputa que defendem o mesmíssimo programa. Faz o banco lucrar e o mercadinho da esquina quebrar. Promove o desemprego na cidade e não deixa ninguém trabalhar no campo… e vai por aí.
A teoria da conspiração – uma rede de sociedades secretas comandaria todo o mundo há séculos – é um joguinho muito do besta. Geralmente é uma ficção que parte de uma verdade completa – uma data, um fato histórico – e a partir daí se desdobra em meias-verdades até chegar a fantasias inteiras, como a origem extraterrestre, ou seja, desumana, dos “dominadores” (as raças odiadas).
Seria apenas um jogo idiota se não fosse perigoso: ele faz com que o jogador se sinta um simples marionete dessa tamanha rede de dominação racial e política:
“Nada que eu possa fazer em minha comunidade vai afetar essa dominação de judeuzões mauzões descendentes de lagartos extraterrestres. Por isso, o jeito é eu me neoliberalizar de uma vez e ir lá beliscar a minha parte no bolo dessa corrupção toda”.
O videogueime adulto da teoria da conspiração só tem uma vantagem: como se trata de fantasias amalucadas e mirabolantes, você pode falar mal do inimigão e combatê-lo sem o menor risco, pois ele jamais vai revidar.
Claro, ele é secreto: se aparecer por aí aos tapas com os teóricos da conspiração, vão abrir seu jogo e tornar a brincadeira revelada e chata. Só acontece nos filmes.
Nos videogueimes, as crianças sempre derrotam o Mauzão. Mas no jogo infantil dos adultos, os iluminados inimigos sempre vencem. E ao vencer nos dizem:
“Não adianta lutar contra nós. Nossa rede de segredos e tramas é demais para você, reles mortal! Anda, abandona essa ideologia marxista e caia de vez nas riquezas e maravilhas neoliberais!”
Só que o marxismo não é ideologia, cara-pálida. É um método de análise que todos, do padre ao professor, passando pelo aprendiz e pelo cientista, usam modernamente para qualquer estudo que se faça. E esse jogo, senhor Zorro, apesar de suas pistolas mortíferas, nós já vencemos!
PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES (05.04.09) – por juca (josé zokner)
Constatação I (Falando da frágil paz ou dos preparativos das guerras).
Os tratados
Antes solidificados,
Foram abandonados,
Mal falados,
Vilipendiados,
E acabaram liquidificados.
Constatação II (Meio ambiente).
Dizia o jardineiro,
Poetando:
“O pinheiro
Solta grimpas*
Supimpas;
Solta pinhão
Que é uma obra-prima
De formatação
Da mãe natureza
Ou Daquele lá de cima.
Com toda a certeza,
Foi gerado com poesia
Com rima
Que, nos campos,
Naquela era
Havia
Outra atmosfera:
Pirilampos
Piscando;
Sapos coaxando;
Corujas crocitando;
Cigarras cantando;
Grilos
Com seus estrilos.
É, tudo isso,
Toda essa cena,
Algum dia,
Ainda se via.
Pena!
*Grimpa = Ramo do pinheiro.
Constatação III
A freqüência
Naquele bar
É uma indecência,
Disse a solteirona,
Sentada na poltrona,
Olhando pela janela
Do quarto dela.
Só tem homem acompanhado,
Com cara de enfastiado,
Que comigo não daria par.
Constatação IV (Tragédia do cotidiano).
Com o passar do tempo, com o avanço cronológico da idade, os cônjuges continuaram a dormir na cama de casal. Mas havia como uma espécie de muro de Berlim virtual no meio do assim chamado leito nupcial: Ele nem, ao menos, chegava a passar a mão na abundância dela; ela nem chegava a roçar no seu maior patrimônio. Coitados!
Constatação V
Desacato a uma autoridade é quando você não chama:
-Um juiz de meritíssimo;
-Um reitor de magnífico;
-Um cardeal, ou bispo de reverendíssimo;
-Um deputado ou senador de Vossa Excelência, ao invés de nominar, como os franceses, que se reportam a todos os cidadãos, sem distinção, de senhor e senhora.
Constatação VI
Estava num baita dilema,
Sem dúvida um problema,
Queria provar por teorema,
Sem ser apelativo,
Se uma prevaricação
Ajudaria
A reciclar a libido, ou não
O que seria,
Em caso positivo,
Uma excelente solução.
Constatação VII (Poeminha atrapalhado, aloprado sem muito pé e muito menos cabeça).
Constrito,
Depois de ouvir
Um grito
Sair
Da boca do lobo
Ou da boca-de-lobo
Já nem me lembro mais
Ando esquecido demais
Confuso,
Meio bobo,
Obtuso
Será que é o fuso?
Ou o horário de verão
Puxa! Que confusão
Vou ficar é calado
Antes que eu seja internado
Em vários asilos,
Por causa dos meus grilos,
Sem
Que alguém
Tenha pena de mim.
Fim.
Constatação VIII
Rico semeia uma rosa, dos ventos, e colhe uma brisa de pétalas; pobre, semeia uma rosa, dos ventos, e colhe uma tempestade de espinhos.
Constatação IX
Um dos exemplos de humanismo, amizade e paixões do povo italiano é o que se pode encontrar nos livros do escritor Giovanni Guareschi, principalmente naqueles cujos personagens principais são o padre Dom Camilo e o comunista Peppone. Leitura obrigatória, como diriam os críticos.
Constatação X (De dúvidas cruciais).
Foi o concerto para a mão esquerda, de Maurice Ravel, que foi vetado pelos políticos da assim chamada Direita? E foi durante a execução de Os pinheiros de Roma, de Ottorino Respighi, que caíram umas grimpas na cabeça do regente? E, mais ainda, foi na Valsa das flores, de Piotr Ilich Tchaikovsky que a rosa brigou com o cravo, debaixo de uma sacada?
Constatação XI (De uma dúvida crucial via pseudo-haicai).
Mudança de atitude
Da regra do jogo, durante
O seu transcurso, é ilicitude?
Constatação XII
Foi a polva que, no bem-bom, disse pro polvo:
“Bem, isso de agora passar um dos tentáculos
Na minha bun, digo nuca, depois eu resolvo”?
Constatação XIII
Foi o caminhante,
Seguindo a trilha,
Que, de repente,
Apareceu
Numa ilha
E nada mais entendeu?
Constatação XIV (Ah, esse nosso vernáculo).
O rei quando estava sentado no trono lhe deu vontade de sentar no trono e com voz tronante pediu licença à corte e saiu correndo numa velocidade de um mésotron.
Constatação XV
Ela clareou os dentes como soe acontecer com os atores e atrizes globais. No entanto, ela era por natureza azeda, digna de se candidatar a um concurso de Miss Azedume. Jamais, em tempo algum, se permitia um simples sorriso. Quando muito, um amarelo. Rir, então, nem pensar. Quando lhe perguntavam por que nunca ria, até para mostrar os dentes clareados, ela respondia que sim. Que ela ria. Mas, por dentro.
Constatação XVI
Não só o Brasil inteiro ficou triste, compungido, macambúzio com a derrota acachapante da Argentina para a Bolívia. A América Latina inteira também…
E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br
PALAVRA poema de joão batista do lago
Coisa estranha este fenômeno: Palavra!
Nela tudo se decompõe
Numa razão assimétrica
Incoerente e disfuncional
Para no ato seguinte
Ser toda ela funcional
De toda metafísica que se impõe
Não conheço qualquer ser
Que dela não dependa
Nada se lhe escapa
– seja na vida;
seja na morte
Tudo dela depende:
Paz e guerra
Homem e mulher
Criança e adulto
Fome e fartura
Miséria e riqueza
Leis e anomia
Patrão e empregado
Trabalho e desemprego
Céu e terra
Deus e diabo…
Não há na vida
Nem na morte
Sujeito de tamanha grandeza
Dela tem-se toda verdade
Mas a mentira nela invade
Ó, a Palavra!
Reina de todos Poetas
Dela fazem uso os Filósofos
A ela se quedam os cientistas
Diante dela ajoelham religiosos
Na retórica é brinquedo de sofistas
Santa e demoníaca é a Palavra!
Desperta amor e ódio
Fere a alma e o espírito como faca de dois gumes
Rasga a carne do verbo
Dilacera corações de amantes (e)
Beija as mãos que apedreja
Palavra! Ó tu, meiga e doce Palavra!
Rude e azeda como o fel da ponta da lança
Voraz, caidiça, decrépita e senil
Bela, altiva, nobre e digna
Arrogante, soberba e presunçosa
Sou-te o mais humilde escravo na floresta do discurso
Nada – desde a poeira do nada – define-te. Nada!
Explicar-te é todo o mistério
Entender-te é tudo que se deseja
És toda possibilidade do Ser – deus ou diabo –
Habitas no sonho, na realidade e no real
Constróis e desconstróis paraísos e infernos
És o símbolo oculto da mandala
De Parmênides a Sócrates
De Platão a Aristóteles
Sânscrita, ó Palavra, tu és
És mestre do hinduismo e do budismo e do tantrismo
És, enfim, a Paidéia de tudo ser
TELESCÓPIO poema de solivan brugnara
Hei de um dia
transbordar
que meu coração e um ovo de águia,
e livre ver
mar, estrelas, nebulosas,
qualquer imensidão.
Pastorear êxodos.
Cavalgar manadas.
Beber oceanos.
Vou arrebentar, inundar, levitar,
num púlpito qualquer
rasgar o paletó
a camisa
a pele
a alma
e gritar
voem poemas, estão livres, voem.
E leve vou ascender
cair no sentido inverso
da terra para as nuvens.
Sim, sim, acredito no improvável,
um dia! um dia!
As paredes serão neblinas de concreto armado,
todas as glândulas lagrimais hão de atrofiar por falta de uso
e as fabricas de fechadura, de grades, de alarmes,
de tudo que prende terão suas ações desvalorizadas.
E então vou apenas fecundar, reencontrar, gargalhar,
desconcertar com um tiro de plumas.
E se morrer de jubilo,
nunca mais quero ser de carne e alma,
que ter uma alma e manter um pássaro na gaiola.
Se puder escolher
vou de renascer telescópio
ou motor de avião.
ESPUMA E SOMBRA poema de lilian reinhardt
…em única morada nos ouvimos e nos habitamos…
De onde vens palavra minha?!
Para onde vais?!…
Espuma e sombra sob os véus
reluzes e sombreias a minha prancha
doce é o enlevo do teu beijo
e formosa a composição de tuas formas
De incenso é a tintura de teus sons
mas a sombra não descalça os teus pés
nem o plasma de tua boca
nem este enredo da asa de teu verso
Mas meiada de teu rochedo
em meu sonho
e plasma aceso em mim neste vaso
me alcovas com tua luz e me exparges…
Ainda ontem te colhi flor
do meu sal!
SENDO, TERÃO NASCIDO! poema de jb vidal
para meus filhos Diego, Gustavo e João Paulo
meninos travessos
levados
lindos
meninos puros
sedentos de viver
aprenderão como
garotos danados
amores de todos
ingênuos
anjos na rua
livres?
donos de si
sabem de tudo
e de nada
aprenderão
que é preciso
ser duro
sorrir
tocar as mãos
cavalgar as montanhas
segurar as nuvens
correr sobre os mares
viajar com os pássaros
endurecer-se mais
mais amar
fazer o tempo
combater o trovão
adormecer livre
para acordar
um novo homem
jb vidal – (1990)
LUÍS SERGUILHA por jairo pereira
UMA POÉTICA QUE PROVA O SIGNO A FRENTE DO PENSAMENTO
O arquétipo do poeta pra mim, era e ainda é, a figura de um velho cego falando sem parar sobre o topo de uma montanha. Arauto ou rapsodo!? As palavras correndo na frente do pensamento e tudo num enliado que o próprio discurso vai enliando, tecendo, como uma imensa rede de ditos. Inteligível ou não, de todo o conteúdo lançado ao espaço, parte seria apreendida e muito bem aproveitada. Imagens. Imagens. Sons. Significados… O discurso se impondo, sem preocupação de clarear caminhos, mas apenas por necessidade de existir. Depois de vinte anos, enliado na poesia e seu fazer, me aparece a figura arquetípica de meus sonhos de poeta. O nome: Luís Serguilha, português de Vila Nova do Famalicão. Sua poesia vem em borbotões, tomando tudo, cobrindo de palavras as paisagens internas e externas. Lembra Omeros de Derek Walcott, só que mais mundo interior que exterior. Profundo na pegada. Pancognocedor, a tudo investiga e põe a nu, poeticamente. Uma viagem fecunda, navegar nesse imenso rio de palavras. Rio ou oceano, onde os signos proliferam verdades transfinitas. Interessa além da poesia que se possa analisar, o ser-poeta, Luís Serguilha. Pesquisador incansável de poéticas novas. Amigo íntimo da poesia brasileira contemporânea e seus poetas, com quem vive profícuo diálogo. Uma crítica que se faz além da palavra escrita, além do que no livro é substância e significação, deve realmente centrar-se também no emissor dos signos. O gestor da megapoética, é relativamente jovem, quase sério, no orgulho de poeta que todo português tem, mas amigo e humilde como os grandes de espíritho. Seus livros “A Singradura do Capinador”, “Embarcações”, “Lorosa’e Boca de Sândalo”, “O Externo Tatuado da Visão” e “Hangares do Vendaval”, dão bem a mostra dessa poética livre, auto-criativa, que se expande em signos fortes, instituindo espaços novos. Uma lira prenhe de imagens, metáforas, prolíferas verdades. Mergulhar no oceano poético de Luís Serguilha é conhecer as mônadas originais do dizer, que não se traem, sim espelham as projeções, conquistas do poeta, nos desafios do fazer. Poeta contemporâneo na plena acepção da palavra, Luís Serguilha, quebra o cânone. Inaugura o discurso paradoxal, em espirais ao sabor do espíritho que conhece e tanto mais quer descobrir, conhecer. Há ânsia de procura nas palavras. Ânsia de descobrimento nas imagens atiradas como formigas pra fora do formigueiro. Imagino um poeta brasileiro, com essa fúria do poético, essa avidez de transformar o mundo em palavras, carnavalizar o criado na segunda nathureza, que é a nathureza plena do engendrador, filho do Senhor. O artista que delibera, projeta, constrói e realiza, com os instrumentos possíveis (a sua linguagem) a obra humana. Contraditória, polêmica, essa poética do excesso do “verbo belo” em nosso tempo. Mas cuidado, crianças. Cuidado meninos, versejadores “cocô de cabrito”. No princípio era o caos, a fúria das linguagens. Os precipícios do sem-razão. As falésias de significação. Os turbilhões magmáticos do dizer sem precedentes. Uma poética vulcânica, que ainda ninguém conseguiu destrinchar, decodificar, não pode ser tachada, alinhada, selada na vida de seu tempo. Luís Serguilha, pelo que se vê, está mais preocupado em expor os seus mundos do poético, como lhe vem assim, em borbotões. O panconhecimento de tudo, instituindo o particular. A poesia franca, resultante da abertura de canais com o desconhecido. Infovia da percepção livre. A crítica reducionista, é capaz até de matar o poeta. Matar o verbo em ser. Atirar no passado o que se instituiu com rigor e originalidade. Acredito no sensível, que antecipa os tempos. Acredito nas palavras obrando mundos novos no por aí. Sim, as linguagens tem esse dom, de inovar, inaugurar espaços, em sua nathureza de ser-dinâmico. O poeta Luís Serguilha, como dominador majoritário dos signos de sua criação, finje-se de morto quando convém, e deixa fluir a vida-palavra pro onde quiser. Nesse ato de liberação do discurso, atinge-se o êxtase da criação livre de autor, e muitas inaugurações imagéticas ocorrem. O Luís Serguilha sabe disso e deixa-se estar no processo para o bem da poesia portuguesa contemporânea e universal. Essa action poetic particular de Luís Serguilha, traz Homero na raiz ou confunde-se com a imagem de minhas visões do rapsodo no pico da montanha. Transcendem as sentenças, história e verdades. Estamos aquém do início (nascimento) e além da morte, no transfim a esmo. Inserir-se numa poética que desrespeita o cânone, atropela o próprio contemporâneo quando homeriza o discurso, é perder-se e reencontrar-se na vida e no pensamento. Atirar-se nos redemoinhos dos ditos, pra ver o que se pode haurir dali, dos dínamos ou detratores de significação. Uma aventura (existencial de criação) que assusta pelo megaempreendimento, só pode ser louvada e Luís Serguilha merece atenção. Sua obra constituída pelos muitos livros, dispensa peroração de dúvida de valor. A cobra está morta e o pau repica no chão da lira enthusiasmada. Poucos poetas conhecem como o autor de “A Singradura do Capinador” a poesia que se pratica hoje no mundo. Pode se inferir de tudo que primeiro é um conhecer que se habilita no processo. Depois é o criador, ou ambos juntos, haurindo a poesia que é espelho da alma expansiva do poeta, num arrastão de redes (malhas finas) em mundo interior e exterior. “onde uma categoria de turbilhões procura a eternidade do pântano na ingenuidade da atmosfera/onde o fôlego repercute os mausoléus das enxurradas/o esforço do fogo volátil ordena a indolência calamitosa das árvores”. De “A Singradura do Capinador”, Canto XIII, pg. 59. Vivemos os tempos do pensamento dispersivo. A velocidade das imagens na Net, conspurcando o intelecto. Poetas em sua sina de criadores, obram na palavra a vida. A recusa é regra e injustificada. Poesia não tem editor, preço ou público. Sobrevive dos próprios poetas que se lêem, interpretam e divulgam. O caos e o poético se confundem. Ambos refletem a dinâmica dos mundos em se criando. A missão ou não-missão, sina de poeta, afeita a Luís Serguilha é de enfrentamento de realidades, sentidos. Coragem não lhe falta. Domínio e técnica das linguagens, também não. “Um rio aceso de tigres infinitos é habitado/pelos noivados exaltados dos lenhadores/que enlaçam os escombros das rédeas/solares nas fracções persistentes das clepsidras/trabalhadas desamparadamente/pelos grânulos misteriosos”. HANGAR 15, pg. 131 de “Hangares do Vendaval”. O poeta trabalha com estado de ser e anunciação. Na supermônada pulsante da vida, os signos detentores do conhecimento em alarde. Há uma matriz forte, aparentemente estática, mas ao contrário em plena potência. Dessa matriz invisível, é que o poeta tira a substância preciosa do seu dizer. “As épocas diluídas sobre as entranhas hipnóticas da noite são loucamente/arrastadas pelos acenos unânimes dos pássaros curvilíneos/e os olhos desinvestidos apuram as comunidades dos voos”. De “O Externo Tatuado da Visão”, I, pg. 15. A obra de Luís Serguilha, desafiará críticos e exegetas no tempo e no espaço. Não é um todo que se apreende de primeira, facilmente, como uma poesia de cotidiano, urbana ou rural. Os veios criativos que sustentam essa poética complexa exigem ampla e demorada análise. Complexo no complexo. Os complexos do alto espíritho tomam conta da poesia de Luís Serguilha, prestidigitando o conhecimento, num desafio de especulação ao leitor. Quantos se habilitam a emparceirar os grãos?! Em jAiRo e poeta mezzocrítico de província, não faço mais que cogitar sobre, longe de identificar em detalhes a máquina mantenedora do signos. A poesia brasileira, portuguesa e universal precisa disso, do que não se dá de cara expedito, claro, objetivo. Complexo e poético se confundem. Teias, veios, redes, enliados no próprio enliado. Quem quiser ler calendários, livros de auto-ajuda e manuais de bom comportamento que passe ao largo da obra de Luís Serguilha. “As cartas atléticas das naus elevam-se no nervosismo dos/clarões mastreando o mais breve rito dos apegamentos selvagens/e os andaimes concêntricos do horizonte os arsenais ilegíveis dos pássaros”. De “Embarcações” pg. 151. O poeta é o navegador arbitrário. O navegador das palavras instituidoras do real poético. Tudo tem a ver com o poeta. As imagens de mundos seus, conhecidos na ponta da pena que lavra, e nos experimentos do viver. Arbitrária a navegação se faz quando se colocam antíteses num mesmo barco/valise de significação, e o poeta compõe o que parece impossível. “É no mênstruo dos veios taciturnos/nas pranchas das metrópoles/reaparecidas/que uma sutura da loucura escuta a âncora desenvolvida pelos pianos/fátuos”. In “Lorosa’e – Boca de Sândalo”. A poesia busca o seu lugar, antilugar no mundo. O poeta Luís Serguilha, dá o exemplo de imensos desafios cumpridos. Prova também que a poesia pode mais que a filosofia na inauguração dos novos espaços, sagrações. A poesia contemporânea praticada hoje, contempla acima de tudo o poeta como criador, e não há arte no seu complexo signo-simbólico a exigir mais de autoria. Salve Luís Serguilha na sua coragem, de transformar em arte e sagrado, o produto do ver, sentir, e que a realidade comete o prodígio do desaparecimento.
jAiRo pErEiRa
Autor de O abduzido, Espirithopéia
e outros.
AFRESCO – LEDO ENGANO – SOL, AREIA E POUCA SOMBRA / mini contos de raymundo rolim
Afresco
Era visível o nervosismo da noiva. O padre já não agüentava a demora. Os convidados se abanavam, o calor sufocava. Algumas senhoras tiveram de ser retiradas para o ar fresco e o noivo nunca que chegava. E não veio mesmo. Ahahahahahahahah. E o padre pensava bem quietinho: eh! filho da puta!
Ledo engano
A orquestra estava afinadíssima. O maestro impecável. Haviam ensaiado até momentos antes. As luzes se apagaram. Os músicos respiraram de forma profunda seguidos pelo maestro que, recém formado e em primeiríssima audição, suava em bicas. As cortinas se abriram e nada. Não aconteceu nada. Absolutamente nada! O teatro era noutro endereço.
Sol, areia e pouca sombra
Foi ilusão de ótica ou a miragem era efeito da sede mesmo! Não se sabia pra onde ir, quando, de repente, o deserto pintou-se de verde e um camelo, apenas um, veio e bebeu todo o Nilo. Ah, um crocodilo estava lá. Um! Parece que tinha também um navio cheio de bandeirinhas e os passageiros acenavam felizes. Sob apito, o navio zarpou, carregou o camelo e levou o Nilo atrelado que puxou por gravidade o deserto. O crocodilo veio oferecer os seus préstimos e servir água fresca num cântaro de jade espoliado ao grande Tutankamon.
A MÃE (conto angolano) por vera lúcia kalaari (Portugal)
Esse era o dia em que Saiengue, o soba de Camanongue, esperava a chegada de seu filho único, vindo da cidade.
O rapaz partira há seis anos e agora todos aguardavam o seu regresso: o pai, a velha mãe, a mulher, o filho e a filha. Nesses seis anos nenhum deles o vira e assim cada um o esperava anciosamente.
A cubata erguia-se a certa distância do povoado, longe da única estação, e por isso não podiam saber a hora exacta da chegada. Era uma pequena casa muito limpa, no meio de um extenso mangueiral, alinhado nas margens do rio. Do outro lado erguiam-se verdejantes montanhas que se perdiam em picos altos e nublados. No tempo do frio, o rio corria remansoso e pouco profundo. Mas quando as chuvas chegavam das serranias, as águas cresciam assustadoramente, lamacentas e escuras.
Todos se haviam vestido mais cedo e ficaram sentados pacatamente à espera. Lá estava o velho pai, a barba branca destacando-se no rosto negro e grave. Era um homem respeitado naqueles lugares.
Hoje, porque seu filho único voltava, pusera o seu melhor pano, que comprara há anos na cidade.
Ao lado do velho, sentava-se a mulher, a única que tivera em toda a sua vida, porque havia sido uma boa companheira, dócil e trabalhadora. Numa pedra mais baixa, sentava-se a nora, companheira do seu filho. Segurava uma fita longa de missangas, e seus dedos hábeis iam tecendo um cinto largo de cruzes miúdas, em carmesim. O seu rosto, nem feio nem bonito, denotava a ansiedade febril que a tomava. De vez em quando baixava-se para dizer qualquer coisa à pequenita que lhe brincava aos pés. Mais longe, debaixo de uma grande mangueira, um rapazito esguio tentava colher um fruto dourado. O velho tinha os olhos fitos no rapaz, mas via-se que o seu pensamento estava distante.
A velha mãe virou-se para a nora e perguntou:
-Compraste o peixe na loja do Calonjere?
-Sim, minha mãe, tratei de tudo.
Na obscuridade da porta os seus olhos brilhavam na face escura.
O miúdo escorregou, caíu e começou a chorar desalmadamente. A jovem mulher levantou-se rapidamente e limpou-lhe os calções do pó.
-Cala-te!Teu pai está prestes a chegar e não gostará de te encontrar assim!
O rapaz limpou as lágrimas com as mãos e sentou-se calmamente no capim áspero. O velho olhou o neto, alisou a barba branca e, sorrindo, disse:
-Calomanga ficará satisfeito por ter à sua espera dois filhos como estes.Ele te agradecerá a maneira como trataste seus velhos pais nestes longos anos. Foi um bom dia aquele em que te trouxe para esta casa.
Mal havia acabado de proferir estas palavras, ouviu-se uma voz na curva do caminho. Era bem a voz de que eles se lembravam e que tanto desejavam ouvir, mas agora bem diferente das suas recordações.
-Aqui estou!
A velha mãe uniu as mãos com força sobre o regaço. O velho levantou-se rapidamente do chão. Os passos do recém-chegado ressoavam mais perto, na terra avermelhada. A mulher, que se deixara ficar sentada, de olhos fitos no solo, pôde ver os pés calçados de grossas botas e ouviu-o gritar:
-Meu pai! Mãe!
-Filho…-disse o velho-.
A sua voz tremeu e suavemente começou a chorar. A mãe acercara-se timidamente e tocou no braço do filho.
-Calomanga, estás diferente. Não pareces o mesmo!
-Mãe, seis anos não deixam ninguém na mesma – disse o rapaz numa voz clara e rápida.
Depois, acercou-se da jovem mulher que se mantivera imóvel.
-Então, Fuvuca, estás boa?
-Foi a melhor das filhas para nós,Calomanga-falou o velho.
-Sim?-interrompeu o jovem-.E onde estão os meus filhos?
-Estou aqui…
O pequeno abeirou-se lentamente e olhou aquele desconhecido, de sapatos de cabedal e de calças que eram de um tecido grosso e escuro, uma fazenda dos brancos. Clomanga passou-lhe a mão pelos cabelos ásperos , rindo.
-Então foi nisto que se transformou o pequeno choramingas que deixei?
A jovem mulher olhava-o agora abertamente. Sim! Como estava mudado! Seis anos na cidade haviam modificado seu marido, cheio de juventude e energia. Sentiu-se muito tímida e começou a chorar.
Após uma longa pausa, como se cada um tentasse adivinhar os pensamentos do outro, Calomanga começou a falar. Dir-se-ia que falava apenas para preencher o vácuo que se estendia sobre eles.
-Como é bom estar de volta! É pena continuar tudo tão atrasado!
-Estamos na mesma – respondeu o velho pai, permanecendo um pouco pensativo.
-Pois é…Habituado como estou à cidade, tudo me parece bem diferente – estas últimas palavras foram ditas com um certo ar de troça -.
Fuvuca sentiu um leve aperto no coração e, silenciosamente, afastou-se.
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Calomanga havia distribuído os presentes que trouxera.
A jovem esposa retirara-se para um canto, olhando o marido e os filhos que o cercavam.
-Pai…tenho uma coisa para lhe dizer…
O velho estremeceu e puxou com força a manta que lhe escorregava nas pernas. A fogueira bruxuleava, pondo sombras grotescas nas mangueiras que se erguiam em copas cerradas.
-O pai sabe… – continuou o filho -. Na cidade vêm-se muitas coisas. Já não poderei ficar aqui. Acostumei-me a outra vida. Vim, para levar os meus filhos, para metê-los na escola dos brancos.
Os pequenos começaram aos pulos, a gritarem radiantes.-
-Irei no comboio…Irei no comboio…
A miúda agarrou-se ao pai e perguntou anciosamente:
-Eu também vou?
-Sim, tu vais também – respondeu o pai com energia.
-E Fuvuca? – falou o velho mansamente.
-Bem…ela…pensei mandá-la de volta para o pai. Dar-lhe-ei dinheiro e nada lha faltará.
O pequeno Jamba virou-se para a mãe, os olhos brilhando de satisfação.
-Então irei para a escola! Sempre desejei isso!
Nenhum deles pensava em Fuvuca, reparava na sua expressão. Ninguém notou como ela tremia, a não ser o velho, que continuava sentado, acariciando a barba branca.
Calomanga, radiante com a alegria dos filhos, exclamou:
-Irás para a escola, verás grandes ruas, automóveis , tudo o que nunca viste até agora.
A criança não se pôde conter:
-Quando vamos? Eu quero ir já!
Fuvuca olhou para aquele filho que acalentara ao longo das noites, que bebera do seu leite. Lembrou-se de quando lhe limpava a boca gotejante de leite branco. Era então aquele o seu filho! Este, encontrando o olhar da mãe, confessou, pensativo:
-Sempre quis ir para a cidade, mãe!
Calomanga agarrava a filha, num gesto de posse. Então, a miúda encostando a cara ao pai, olhou, arrogante, para a mãe.
-Está claro que nada te faltará – dirigiu-se o homem para a jovem mulher -.Nunca passarás necessidades.
Fuvuca olhou-o com dignidade, mas ele nem reparou, enlevado como estava com os filhos. E sem que ninguém se apercebesse, a mãe saíu de casa. Sentou-se na pedra onde se sentara por tantos anos com os dois filhos. Num instante pensou no que seria a sua vida dali para o futuro. Sim! Já sabia qual o caminho a tomar. Levantou-se e caminhou silenciosamente para o rio que brilhava ao luar. Ainda ouviu a voz do filho, gritando alegremente:
-E posso também andar de carro?
O velho tinha começado a falar, numa voz triste e implorativa.
A água corria-lhe agora aos pés e sentiu o frio cortante do seu beijo. Lembrou-se por instantes que devia descer rapidamente e lançou-se convulsivamente para a frente. O rio abriu-se para a receber num abraço gélido. Como de muito longe, pareceu-lhe ouvir ainda a voz do filho, repetindo várias vezes, a rir:
-Irei de comboio…Irei de comboio…
Esta voz morreu ao longe e a jovem mãe nada mais ouviu.
As águas fecharam-se novamente e continuaram o seu serpentear tranquilo para o mar.
foto livre.
LIRA DO JUBILO CARNAL por walnice nogueira galvão
No Cântico dos Cânticos, os olhos da amada são como os da pomba, os cabelos um rebanho de cabras, o hálito dela tem a fragrância das maçãs, e o talhe é como a palmeira cujos cachos lembram seus seios, que parecem um par de cabritos, ou gazelas gêmeas.
Um dos livros constitutivos do Antigo Testamento, o Cântico dos Cânticos pode ser considerado como um patrimônio da humanidade. Esse notável poema tem resistido à usura das eras que, no seu caso, se medem em termos de milênios. A exata idade da composição se perde na noite dos tempos. Entretanto, uma das hipóteses mais aceitas, no âmbito de um antigo debate em que opiniões contraditórias abundam, situam-no, com base no exame de suas peculiaridades linguísticas, entre os séculos V e IV antes de Cristo.
Representante da poesia lírica bíblica, honra que partilha com o livro dos Salmos, também conhecido como “Salmos de Davi”, é o único caso de discurso erótico nas Sagradas Escrituras.
Mesmo aceitando a datação acima sugerida, vemo-nos diante de fixação tardia, obtida por uma redação que amalgamou e assentou formas orais anteriores, fenômeno corrente na literatura da Antiguidade. Nesse sentido, fica evidente, sobretudo através da comparação com outros acervos literários, estarmos às voltas com uma compilação de antigas canções nupciais, compostas em honra de uma Noiva e de um Noivo, ambos encarnando o ressurgimento da vida na terra quando a primavera retorna após a esterilidade hibernal. Nas palavras do poema:
Eis que o inverno já passou,
cessaram as chuvas e se foram.
No campo aparecem as flores (…)
Da figueira brotam os primeiros figos
A eclosão da natureza em flores e frutos era então celebrada com ritos propiciatórios, que incluíam a conjunção carnal de casais jovens, vestígios que ainda se encontram nos países europeus nas chamadas “festas de maio”. Nessas, rapazes e moças dançam em torno de um mastro engalanado, representação comuníssima na iconografia medieval e encontradiça em certo tipo de poesia popular da época tida como licenciosa – a dos clérigos vagantes ou goliardos, a exemplo dos afamados Carmina Burana.
O júbilo dos esponsais, a alegria do exercício dionisíaco da sexualidade, comandada pela natureza e responsável pela regeneração dela, aglutina nesse tipo de poesia o cunho profano à elevação sacra. Pois a união, muitas vezes exercida nos próprios campos que objetivava fecundar, podia alçar-se à transcendência de uma hierogamia. Como diz a Amada:
O verde gramado nos sirva de leito!
Cedros serão as vigas de nossa casa,
E ciprestes as paredes.
A musa erótica, por sua vez, é um registro de poesia lírica muito praticada na Antiguidade, e dentre suas espécies conta-se o epitalâmio, como seu nome indica criado para festejar a ocorrência de um matrimônio. Costumava ser entoado por um coro às portas da câmara nupcial. Entre seus cultores gregos encontram-se a famosa poetisa Safo e seu contemporâneo Alceu, ambos do século VI a.C., afora Anacreonte, Teócrito e Píndaro.
Embora o Cântico dos Cânticos seja tradicionalmente atribuído a Salomão, os eruditos acautelam-nos para o fato de que tal autoria é infundada, porque induzida apenas pela presença do nome desse rei no texto, igualmente conhecido como “Cantares de Salomão”. De qualquer modo, o título Cântico dos Cânticos torna-se um superlativo e aponta para a reputação de excelência do poema quando comparado a seus pares, destacando-se dentre os demais.
O que não há dúvida é de que se trata de um poema – ou melhor, uma suíte ou rapsódia de poemas – de amplitude étnica. Assim como há epopéias que fundam uma nacionalidade, a exemplo da Ilíada e da Odisséia para os gregos, ou de Gilgamesh para os babilônios, ou mesmo do Antigo Testamento para o povo hebreu, aqui temos seu poema erótico.
Composto em forma de diálogo entre a Amada, o Amado e o Coro, o poema celebra amores numa dicção exaltada e bem pouco camuflada, servindo-se do recurso do paralelismo, ou repetição de uma mesma fórmula sintática na construção do verso, usual na literatura oral, e sobretudo na Bíblia, por suas virtudes mnemônicas.
Parte considerável do encanto do poema decorre da força de suas imagens e metáforas, o mais das vezes inusitadas, fazendo-nos penetrar num outro universo estético, para nós totalmente perdido não fora a Bíblia: vejam-se as análises de Northrop Frye. Para que a estranheza não nos feche as portas à fruição das belezas do poema, vale a pena examinar com mais vagar tais imagens.
O primeiro elemento que salta aos olhos é a equiparação entre o corpo da Amada e um jardim, por sua vez um arquétipo da literatura ocidental. É desse paradigma que emanam diversas metáforas, as quais por sua vez estréiam, embora apenas embrionariamente, logo no Gênesis, livro inicial da Bíblia e, como seu título indica, uma cosmogonia implicada numa narrativa das origens da humanidade. No Gênesis há um jardim, o Éden, presidido por um ser feminino, Eva, mãe de toda a espécie humana, e indissoluvelmente ligada no imaginário àquele jardim. Mais um passo a ser dado e teremos o jardim como metáfora da mulher.
A metáfora é explicitada por inteiro logo de saída: “És um jardim fechado,/ minha irmã e minha noiva” (Cap. 4, 12-16). O vergel onde jorra um manancial se tornaria uma das metáforas seminais da literatura ocidental e, convergindo com a poesia bucólica de Roma, ficaria conhecido como o tópico do locus amoenus (lugar ameno), estudado por E. R. Curtius, gerando farta descendência em várias línguas e literaturas. Se preferirmos a versão latina do Cântico dos Cânticos, falaremos de hortus conclusus (horto concluso), ou o “jardim fechado” supracitado.
Daí decorrem as várias imagens típicas de um povo de pastores e lavradores, que identificam, sucessivamente, a Amada com a rosa de Sharon e com um lírio do vale entre os espinhos que são suas amigas, seus seios com um par de cabritos uma vez e outra vez com gazelas gêmeas. Atribuem-lhe ainda olhos como os da pomba, cabelos como um rebanho de cabras, faces como metades de romã, hálito como a fragrância das maçãs, talhe como o da palmeira (símile retomado em Iracema, de José de Alencar), cujos cachos, tanto quanto os da videira, lembram seus seios.
Se a correspondência primordial se faz com o Éden, portanto numa esfera paradisíaca onde os frutos da terra medram sem que seja necessário cultivá-los, já outras comparações relevam do propriamente agropastoral, derivando do trabalho humano. Noivo e Noiva são pastores, sendo o Amado uma “macieira entre árvores silvestres”, seu nome mais aromático que os perfumes e suas carícias mais suaves que o vinho. Quanto à Amada, seus dentes são “um rebanho de ovelhas tosquiadas” e o ventre “um monte de trigo,/ cercado de lírios”. O vinho e os perfumes são privilegiados como matrizes de metáforas:
Tuas carícias são mais deliciosas que o vinho;
teus perfumes, mais aromáticos que todos os bálsamos.
Teus lábios, minha noiva, destilam néctar;
Em tua língua há mel e leite.
(…)
Teu umbigo é uma taça redonda:
não lhe falte vinho mesclado!
Outra esfera traz imagens da civilização urbana e suas criações, e através delas a comparação com artefatos citadinos: os quadris a colares, o pescoço a uma torre de marfim, as madeixas a fios de púrpura, o nariz à torre do Líbano, culminando com a equiparação da Amada tanto às parelhas das carruagens do Faraó quanto a Jerusalém, capital e sede sagrada do povo hebreu.
Entremeadas à esfera agropastoril, que era sobretudo a da cultura do povo de Israel, e à urbana, surgem ainda metáforas cósmicas: nelas a Amada assemelhando-se à aurora, à luz, ao sol, às constelações.
A Amada se dirige ao Amado, ou a ele se refere, em declarações cheias de ardor. E profere igualmente o elogio do amor em termos abstratos e que não poderiam ser mais inflamados:
Porque é forte o amor como a morte,
e a paixão é violenta como o abismo:
suas centelhas são centelhas de fogo,
labaredas divinas.
Águas torrenciais não conseguirão apagar o amor,
nem rios poderão afogá-lo.
Como não poderia deixar de ser, tratando-se de um dos mais antigos poemas de amor da história da humanidade, e um dos mais belos, deu origem a uma farta linhagem, não só de traduções e adaptações, como de paráfrases e citações. Para o português, contamos com bela edição de 1944, contendo traduções completas de João de Deus, José Benedito Cohen e Jamil Almansur Haddad, com erudita introdução de José Pérez. Antes disso eram lidas as versões novecentistas de Ernest Renan, uma integral, a outra com cortes e explicações.
Entre nós, um leitor de Renan, Machado de Assis, não desdenhou de escrever um conto chamado “Cantiga de esponsais”. Nele se vislumbra a presença do poema, entrevisto lá atrás como pano de fundo induzido pelo título. O conto passa a contrastar a falta de inspiração do velho músico viúvo – padecendo de bloqueio criador e nem sequer podendo terminar a peça nupcial que começara a compor em sua já remota lua-de-mel – e o enlevo de um parzinho recém-casado, que ele espreita da janela.
Manuel Bandeira compôs um belíssimo poema dialogado, homônimo ao da Bíblia (“- Quem me busca a esta hora tardia? / – Alguém que treme de desejo.”), recolhido em “Belo belo”. E dentre os mais famosos na nossa literatura é o epitalâmio com que o modernista Oswald de Andrade brinda o amor por sua última esposa, Maria Antonieta d’Alkmin, intitulado bem brasileiramente, ao pôr em cena os instrumentos musicais de uma seresta tocada por chorões, “Cântico dos Cânticos para flauta e violão”. Uma sequência de poemas organizados em ciclo, formando igualmente uma suíte ou rapsódia, composta por várias partes com títulos próprios, mimetiza de perto o modelo bíblico. Aqui, o nome da Amada serve para rimar com a primeira pessoa da voz lírica, em meio a metáforas cósmicas como neste trecho:
Toma conta do céu
Toma conta da terra
Toma conta do mar
Toma conta de mim
Maria Antonieta d’Alkmin!
A atribuição de autoria ao grande rei Salomão, como vimos, decorre apenas do fato de seu nome ser mencionado no texto e de ser referido como poeta na Bíblia. E o único nome de mulher presente é o de Shulamit, ou Sulamita, que é o feminino de Salomão. Para aumentar a confusão, há muitas eras que o verso Nigra sum sed formosa (sou negra mas formosa), como se tornou conhecido na versão latina da Vulgata, transformou-se em mote literário. Assim dando ensejo a que a alusão à cor fosse vista não apenas como o bronzeado advindo da exposição da pastora ao sol, erigindo-se em discutível referência à rainha de Sabá, que era etíope, e a quem se atribuem legendários amores com Salomão.
Mas essas não são as únicas leituras que o poema permite. Há séculos que outras, mais alegóricas, existem e são tidas em grande conta no corpus exegético de diferentes religiões, tendo gerado milhares de páginas de interpretações.
Se entre muitos povos o céu é visto como parceiro sexual da terra, sobre a qual se debruça ao abraçá-la, ambos foram frequentemente divinizados enquanto atores de uma hierogamia. Também o Cântico dos Cânticos foi estimado como uma alegoria das relações entre um rei (o Amado) e a coletividade de seus súditos (a Amada), ou então entre Jeová e Israel, sua terra e seu povo. E, na vigência do cristianismo, tornou-se moeda corrente a leitura do poema como um elogio das relações amorosas entre Cristo e sua Igreja. Não poucas Bíblias trazem especificações e notas detalhando essas relações, que ficam no mínimo bizarras num texto de tão alta voltagem erótica.
Entretanto, uma obra vetusta como essa e justamente considerada como um feito excepcional de poesia só poderia gerar múltiplas interpretações, sem excluir as que ainda se farão no futuro.
HAI-CAIS de edu hoffman
fiquei à esmo
tomando cerveja
comendo torresmo
=
tempo nublado
as nuvens da solidão
trazem o frio
=
dos tempos cinza
pássaros machucados
se fizeram vôo
=
chuva de janeiro
vento forte derruba
o topo do pinheiro
=
manhã ao vento
na chuva os utensílios
soltam-se de mim
CIGARRAS NO APOCALIPSE poema de bárbara lia
Quando o poema emerge,
Estridente,
Emudece o verão
Escurece a primavera
Incendeia o outono
Poetas são cigarras
No apocalipse
Sempiterno som
Canto que incomoda ecoa
Em muralhas pagãs
Invade corredores
Cola ao som o hortelã
Das festas de antes
Arranca lágrimas cinzas
No silêncio laranja
De Guantánamo
O som ardido trinca o sol
Escorre gema zelosa
Na chaga das crianças
Da África inteira
Canta a primavera afogada
Da vida ceifada.
A cigarra segue
No apocalipse sem volta
Anoitece areias de Fallujah
Todas as ruas da Faixa de Gaza
A cigarra cerra o cadavérico olhar
Das meninas da Palestina e do Iraque.
Cigarras no apocalipse
São poetas em desalinho
Gestados no ventre escuro
Ninfas subterrâneas
Emergem em canto e vôo
Ao som da trombeta
De um anjo sem olhos.
ESTES VERSOS TE DOU… poema de charles beaudelaire
Estes versos te dou para que, se algum dia,
Feliz chegar meu nome às épocas futuras
E lá fizer sonhar as humanas criaturas,
Nau que um esplêndido aquilão ampara e guia,
Tua memória, irmã das fábulas obscuras,
Canse o leitor com pertinaz monotonia,
E presa por grilhão de mística energia
Suspensa permaneça em minhas rimas puras;
Maldita que, do céu infindo ao mais profundo
Abismo, a mim somente escutas neste mundo!
– Ó tu que, como sombra de existência fátua,
Pisas de leve, sem que aqui jamais te afronte
Nenhum mortal que te suponha amarga, estátua
De olhos de jade, grande anjo de brônzea fronte!
BIA DE LUNA – POEMA
amanheço com
cara de espanto
entardeço com
cara de fresta
anoiteço com
cara de sobra.
CENTRO DA CORRUPÇÃO por walmor marcellino
CONSCIÊNCIA E REALIDADE POSITIVA
Devo acentuar que o judiciário brasileiro é o valhacouto de todas as corrupções e deformações da vida pública brasileira, através de sua ponte com o interesse privado? Só porque dele se esperam as soluções pelo que assoma em violência social desconforme à convivência em sociedade, ou por ser um poder inamovível e irremediável? Como explicar?
Em corrupção legislativa somos exatamente iguais ao nosso modelo ‑ os Estados Unidos da América ‑, com a diferença de que o grande império incrustou os lobbies empresariais como assessoria parlamentar e o nosso congresso nacional, pudiciosamente, aceita propinas antes das eleições, durante o mandato e depois de deixá-lo; sempre negando que está comprometido “apenas com a atividade econômica”, e também sem alcançar a transparência cínica dos ruralistas e seu pensamento bovino.
Alguém e alguma teoria traduz o encadeamento dos fatos e seu sentido; isso tanto na mística, como na ciência? Até na necessária interpretação política, em que sua hermenêutica é tarefa que vem sendo delegada ao poder econômico-social.
Um texto de Gilles Delleuze me enevoa a cabeça, no sentido da percepção da nossa realidade política: “… Para nós o intelectual teórico deixou de ser um sujeito, uma consciência representante ou representativa. Aqueles que agem e que lutam deixaram de ser representados, mesmo por um partido, um sindicato, que se arrogariam, por sua vez, o direito de serem a sua consciência. Quem fala e quem age? É sempre uma multiplicidade, mesmo na pessoa que fala ou que age. Somos todos grupúsculos. Já não há representação, há apenas ação, ação de teoria, ação de prática em relações de transição ou de rede”.
No que isso ilustra? Sem que eu lhe atribua mais do que um descortínio psicossocial, nós os remanescentes da pretensa “vanguarda do proletariado” não nos conformamos com o deslocamento dessa hipotética representação política. Somos hoje grupelhos e grupúsculos “bem intencionados ou meramente oportunistas”, porfiando demandas sociais, mas na verdade querendo liderar trabalhadores e massas numa sociedade de classes em difração significativa e com vistas a alguma utopia revolucionária sem objeto real.
Essa dissolução entre nós (os agentes sociais) e as classes, que julgamos representar, não seria parte de um malogro intelectual sob uma multipolaridade de conhecimentos e de situações de vida, que não compreendemos porque neles não estamos efetivamente integrados, por baixo? Ou a “pós-modernidade” da cultura burguesa nos aposentou o presente e seu futuro?
8 FLORES e a CANÇÃO DESESPERADA poema de tonicato miranda
para a mulher amada
e tantas mulheres como você
Você,
rosa vermelha
e um punhal brilhante sobre a mesa
do corredor até a mim vem
uma canção desesperada
Você,
um lírio branco
e vinte lírios brancos sobre a mesa
que nada rivalizam ou contêm
dos acordes da canção desesperada
Você,
meu amor perfeito
a caneta e a carta sobre a mesa
tudo a escrever ao meu bem
dentro da canção desesperada
Você,
minha violeta quase preta
há na tarde reflexos sobre a mesa
tudo que o sol vai levar para além
da tarde, junto à canção desesperada
Você,
cacho de acácia
desfolhando-se sobre a mesa
meus dedos tristes, sem
dedilhar pianos na canção desesperada
Você,
um ipê amarelo
pintando o papel sobre a mesa
mesmo vindo a noite qual um trem
embarque-me na canção desesperada
Você,
rosa branca
derramada sobre a mesa
derrame fragrâncias em mim, mais de cem
para perdurar-me nesta canção desesperada
Você,
manacá da serra
decorando meu sangue sobre a mesa
anhagatirão é teu nome também
o branco e a violeta juntos na canção desesperada
TM
Curitiba, 29/12/2008.
PEQUENAS CONSTATAÇÕES na FALTA DE MAIORES – por juca (josé zokner) 26/03/09
PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.
Constatação I
“Tá tudo ruço:
Um papai-noel
No carnaval
E um arlequim
No Natal.
Tá tudo mudado”,
Disse o pinguço
Com a língua enrolada
Pra namorada,
Antes apaixonada,
Agora, esquiva
Não mais compreensiva,
Nem compassiva.
Coitado!
Coitada!
Coitada?
Constatação II
Não se pode confundir plumas e paetês com pumas e patês, porque, como dizia numa novela o personagem do ator paranaense Tony Ramos: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Elementar, minha gente.
Constatação III
Levou um sopapo
E uma bronca da mulher:
“Não explicou
Nada
Esse batom,
Meio-tom
Marrom
Que a camisa manchou
Só papo.
E pior, furado!
Não sou uma qualquer.
Sou uma fada
E do bem.
Você quer
Ter um harém?”
Coitado!
Coitada!
Constatação IV (Dúvida crucial via pseudo-haicai).
A inócua retórica
Dos políticos
É histórica?
Constatação V
Ela caprichou
E se produziu.
De nada adiantou.
Continuou com cara
De bugio
Misturada
Com arara.
Coitada!
Constatação VI
Copo vazio
De vinho
Me dá fastio
Me dá brotoeja
Só curável
Com carqueja
E muito provável
Com cerveja,
Onde, claro,
Não falte o raro
Colarinho.
Constatação VII
Não se pode confundir coligido (no sentido de acumulação), com corrigido, mesmo sendo pronunciado por chinês e japonês, muito embora tenha muito político que tem coligido patrimônio em valores tais que dobra triplica ou mais em pouquíssimo tempo, conforme a mídia recentemente destacou, sem que tenha explicado convincentemente a fonte e não ter corrigido na sua – dele – declaração de imposto de renda.
Constatação VIII
O marido,
Pelo ciúme,
Ficou carcomido.
Sentiu o olor
Na mulher
Do perfume
Do seu sócio
“Mas logo o beócio!”*
Aí, melancólico
Rememorou
Que já tinha sido
Um grande amor
E de até bucólico,
Do tipo bem-me-quer
E que virou
Chinfrim.
E, tristemente, pensou:
“Coitado de mim!”
*Beócio = “que ou o que não possui conhecimentos suficientes em determinado domínio; ignorante”. (Houaiss).
Constatação IX (De uma dúvida crucial).
Por que será que há tantos acidentes em minas, na China? Será que um país com tão alta tecnologia, não poderia cuidar de seus mineiros? A explosão com muitas mortes e feridos tem sido uma constante em aparecer na mídia. Será que a China é como certos países em que à vi