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PELE & OSSO ou DA CARNADURA das PALAVRAS – por jairo pereira

A poesia de Neuza Pinheiro no seu primeiro livro impresso, individual, como eu previa, alumbra a paisagem da lírica brasileira. Edição Fundação Cultural de João Pessoa – FONJOPE, 95 pgs. Prêmio Nacional de Literatura Lúcio Lins 2008. São muitas as Neuzas que se revelam, fortes, em pele e osso e na carnadura das palavras. Essa poeta, mulher, densa e resolvida, no seu psiquismo, pede “bis” à vida, como ela mesma expressou numa correspondência ao ora aventureiro a crítico. Gosto, regosto do seu estilo não-estilo. Conhecimento da palavra/poema repetida, principalmente nos primeiros poemas do livro. Não há desperdício de imagens. A palavra vem seca, pele & osso no mundo do sensível. Imagino os poemas do livro levados ao teatro, em performances alucinadas, com muito movimento de luzes, ação. Eu diria, dentre outros, este: “nessa lágrima pesarosa/composto de metais em solução aquosa/me veio a visão repentina/de ser massa entre os blocos/da Muralha da China”. A poesia espiritual, material, cotidiana e espectral de Neuza Pinheiro, é lux do pensamento acelerado. A mulher trabalhadora, madura, de visão crítica, inserida no social que aniquila e mata o ser criador, rebate com as catanas do talento as sombras. “me pisam nemas ninféias/luas danosas gementes/floemazuis viscerantes/deformidades maléias”. Uma poeta que amalgama coisas, sensações, fluxos verbais, imagens espectrais, silêncios e cogitações, só pode mesmo haurir a melhor poesia. Numa época em que poetas perseguem conceitos, fórmulas de se dar bem na escritura, em sendo sempre o outro, a poeta de Pele & Osso, revela-se visceral, abrindo-se na carne das palavras e no mais profundo do seu ser. Pele & Osso. Transcende a artista, o rigor vital de seu dizer, e a angústia que perpassa versos e versos, soa monocórdio alerta de um ser em crise. Um ser que somos, todos. Não há saída para o irreversível. O que não tem remédio, solução. Esse grito da alma a que Neuza Pinheiro expande no universo, vibra em dor. Queria e faço isso, digredir além dos ossos, pele e carnadura das palavras. A mônada que sustenta a poesia de Neuza Pinheiro, traz sim a angústia dos séculos. A mulher, nua, prolífera de sonhos, ilusões, rescaldos de sofrer, amar, projetar, frente ao real que agride e conspurca contra o intelecto. Vontade de amá-la sempre. Um ser cálido, transmitindo calor e segurança ao outro que pouco conhecemos. Que bom pudesse… Auto-conhecimento e poesia. Auto-conhecimento e viver. Auto-conhecimento e re-conhecer-se em meio a objetalidade presente. A poeta não perde o discurso pele & osso, vetor da sua realidade compósita de sofrer, amar, criar. Uma fuga o criar, sem precedentes. O criar que sublima e enleva o criador. Vivemos a era dos sem-leitura, do pensamento dispersivo, que revisita relâmpago, links, blogues, sites, objetos espectrais, conceitualmente distantes do livro e seu convite ao raciocínio lesto. “o poema não disse a que vinha/trouxe em gris em grous a vinha/rascou seu rastro de prata/da lua até a cozinha”. Não sei se é pelo conhecer de Neuza Pinheiro que detenho, em senti-la no tudo que nos comunicamos, que me marcam seus poemas e sua vida. A primeira vez que li/senti poemas seus foi na Revista Coyote, e já me sinalizaram a grande poeta/mulher, complexa na pegada, batalhadora da palavra bela, pele e osso, sangue e carne. Re-gosto do poeta autêntico que dá a cara pra bater, explora sua aura suja e nada espera em retorno. É suja de “psíquico” a poesia de Neuza. Suja e malcheirosa às vezes. Como a fêmea animal que lambe a cria, ainda túmida do sangue do nascer, a poeta perpassa emoções, sentimentos em auto-análise, ou auto-crítica: “sou uma mulher/sem cão/sem gato/sem pássaro/já levei à morte um mini-cacto/agora me seca a samambaia”. Há humor, como chuva ácida nessa poesia. Humor, angustiado, que não consegue e nem pretende, apagar a dor hospedeira dos poemas. Dolorida, a poeta pede “bis” à vida. Re-gosto, sua verve de pan-conhecimento. Os saltos no escuro. O pensamento ágil, lêmpto, na composição do poema. Taí uma poeta brasileira de encher os olhos de lágrimas. Uma poeta de rigozijo, em descobri-la autêntica, nathural, nathuralíssima no dizer. Meu olhar crítico e a lâmina do ver, desver, transver, não me habilita a grande coisa, ainda mais, quando esmorecemos ante a indiferença no poético. A era da corrosão do pensamento. O superimpulso de gerações, na velocidade do pecado. Ah. Phoda-se a indiferença das multidões! Teocrática verdade. A poesia de Neuza Pinheiro, finca raízes no céu da lira entusiasmada, na época do sem-entusiasmo. “sob uma perspectiva de náusea/diante da beleza/escolho a lesma/que a um punhado de sal/se desagrega/e aprisionada ao ser não ser/orvalho ou pérola/deixa de si mesma o longo leia-se/só alma/em rastro acesa”. A mulher nua que eu vejo, re-vejo, poeta e criadora dá prazer em expô-la aos ímpios. Faço isso. Os sentidos, revelam ausência, pesarosa presença, desfaçatez, indiferença, preâmbulos de escuridão e asco. Os sentidos do outro, com relação à poesia, é pouco mais que nada. Mas os poetas prosseguem em sua sina de descortinar o desconhecido, ou o conhecido des-sentido. Na palavra de Neuza pele, osso, carne de palavras duras, aflitivas até, reveladoras do “eu profundo” o “eu” encasulado no próprio “eu”. Pra arremate de meu parco dizer sobre a poeta, não poderia deixar de arremessar mais este: “estava lá/trêmula de tão nua/e não havia pressa na voragem dos/tempos. A noite era só uma/e eu me encontrava nesse estado líquido de/coisas”.

 

 

jAiRo pEreIrA

Autor de O abduzido e outros.


 

 

HISTÓRIA: À PROCURA DOS FATOS por walmor marcellino

A vida dos “homens ilustres” não é a história, mas a história não pode esquecer a hegemonia social, conquanto “os fatos da existência social em relevo” não venham sendo mais do que uma seleção da média jornalística ‑ ainda que nela estejam efetivamente contidos a luta das classes na conquista da produção e administração de seus resultados, e ademais um contencioso do próprio poder nos conflitos pelo poder, isto é, na política.

Basta ao nosso conhecimento político saber como agem e pensam as classes dominantes? E como se lhes reagem os produtores diretos por seus interesses fundamentais nesse processo social de classes, ou no que remanesceu dessas classes em transformação? Sim; porém como a história poderá fazer-lhes uma síntese ou uma expansão reveladoras, senão tentando delinear-lhe os traços mais significativos da tensão social de que compartilham? Particularmente, sob o poder dos planos e projetos político-administrativos “de mudança”, seu pensamento e sua ação. O demais, ficará à conta da “a sociedade do espetáculo” evidenciada por seus cronistas.

Se “a chamada ‘classe política’ ou elite não é outra coisa senão a categoria intelectual do grupo social dominante” (A. Gramsci: Cadernos do Cárcere) e vivemos a sociedade que nos conforma porém que desejamos flexibilizar para nossa ação, como escolher (e disseminar) os fatos da relação de poder político na formação social que o cotidiano ressalta à nossa vidência? Os fatos nos diminuem até o esquecimento e o poder nos envolve e determina o modo de existência; e assim só as sínteses históricas nos podem re-situar na vida social.

EDU HOFFMAN – HAICAIS

nunca avaro

 

   rima para a lâmpada

 

      encontro, claro  

 

 

=

 

 

                        vida que sorvo

 

                     do bico da cegonha

 

                       ao bico do corvo

 

=

 

 

memória rã

 

 

 

                    meu micro

 

                       sóft

 

                    na lagoa

 

=

 

 

estórias

 

 

                       Ivo

 

                       viu

 

                        a

 

                       uva

 

                       uma

 

                       óva

 

=

 

 

                                        lobisomens

 

                               que seriam dos deuses  

 

                                  sem os homens ?

 

=

 

 

 

            trilha de gente

 

         cacos dejetos lixo

 

           bicho não passa

 

 

BILL GATES NA FEIRA COMDEX – editoria

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Numa recente feira de informática (Comdex), Bill Gates fez uma comparação da indústria de computadores com a automobilística, declarando:

“Se a GM tivesse evoluído tecnologicamente, tanto quanto a indústria de computadores evoluiu, estaríamos dirigindo carros que custariam 25 dólares e que fariam 1000 milhas por galão (algo como 420 km/l)”.

A General Motors, respondendo, divulgou a seguinte nota:

Se a Microsoft fabricasse carros:

01 – Toda vez que eles repintassem as linhas das estradas, você teria que comprar um carro novo.

02 – Ocasionalmente, dirigindo a 100 km/h, seu carro morreria na Auto-estrada sem nenhuma razão aparente, e você teria apenas que aceitar isso, sem compreender o porquê! Depois, deveria religá-lo (desligando o carro, tirando a chave do contato, fechando o vidro saindo do carro, fechando e trancando a porta, abrindo e entrando novamente… Em seguida sentar se no banco, abrir o vidro, colocar a chave no contato e ligar novamente). Depois, bastaria ir em frente.

03 – Ocasionalmente a execução de uma manobra à esquerda poderia fazer com que seu carro parasse e falhasse… Você teria então que reinstalar o motor! Por alguma estranha razão você aceitaria isso como “normal”.

04 – A Linux faria um carro em parceria com a Apple, extremamente confiável. Cinco vezes mais rápido e dez vezes mais fácil de dirigir. Mas apenas poderia rodar em 5% das estradas.

05 – Os indicadores luminosos de falta de óleo, gasolina e bateria seriam substituídas por um simples “Falha Geral ou Defeito Genérico” (permitindo que sua imaginação identifique o erro!).

06 – Os novos assentos obrigariam todos a terem o mesmo tamanho de bunda.

07 – Em um acidente, o sistema de air bag perguntaria: “Você tem certeza que quer usar o air bag?”.

08 – No meio de uma descida pronunciada, quando você ligasse o ar-condicionado o rádio e as luzes ao mesmo tempo, ao pisar no freio apareceria uma mensagem do tipo “Este carro realizou uma operação ilegal e será desligado!” (IRRETOCÁVEL).

09 – Se desligasse o seu carro utilizando a chave, sem antes ter desligado o rádio ou o pisca-alerta, ao ligá-lo novamente, ele checaria todas as funções do carro durante meia hora, e ainda lhe daria uma bronca para não fazer isto novamente. (ÓTIMA).

10 – A cada novo lançamento de carro, você teria de reaprender a dirigir. Coisa fácil: voltaria a auto-escola para tirar uma nova carteira de Motorista. (PODE PARECER EXAGERO, MAS PENSANDO BEM É ISSO MESMO).

11 – Para desligar o carro, você teria de apertar o botão “Iniciar” (PERFEITA).

12- A única vantagem: Seus netos saberiam dirigir muito melhor!

UMA ANDORINHA SÓ, NÃO FAZ VERÃO! poema de deborah o’lins de barros

Andorinhas solitárias: uni-vos!

Vamos de encontro às teorias ultrapassadas

da sociologia clássica!

Façamos nossos pedaços de verão

e, de grão em grão,

a revolução se fará.

Cruzar os braços é como votar em branco,

e não sejamos brandos:

o conhecimento é socialista,

somos pássaros com sementes nos bicos,

não temos o direito de ser egoístas.

Andorinhas solitárias, não somos elite,

apenas temos nosso feijão-com-arroz cultural diário,

e nosso dever é dividi-lo,

para depois vê-lo multiplicado.

A cultura agoniza,

a educação agoniza,

e nos resignamos com o ditado.

Andorinhas solitárias, uni-vos,

e, de grão em grão,o

verão estará no papo.

Mosca usa “computador de bordo” para escapar dos nossos tapas – editoria

 

Cientistas descobriram como elas fogem do perigo com tanta tranqüilidade. Acha que é mais rápido que elas?

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Ela vem sorrateira. Voa tranqüila. Pára bem na sua frente. Você se prepara. Respira fundo. Tenta ser o mais rápido possível. E a mosca voa com serenidade para um local seguro. Parece até rir da sua cara. Como é que pode? Cientistas descobriram. As moscas sempre escapam do seu tapão porque possuem uma espécie de “computador de bordo”. Elas são capazes de calcular com precisão a velocidade e o trajeto do perigo, e voam para bem longe dele.

Mas se elas têm “computadores”, os cientistas não devem nada nesse quesito. E foi com a ajuda deles que os pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriram o truque das mosquinhas. E publicaram na revista “Current Biology” desta quinta-feira.

Com câmeras de alta resolução e computadores avançados, os cientistas conseguiram filmar uma mosca em ação. E calcularam que cerca de 100 milissegundos antes de levantar vôo, seu pequeno cérebro já percebeu que há uma ameaça, já viu de onde ela vem e para onde está indo e obteve a velocidade do perigo. Ela então adapta sua postura e, com facilidade, voa para longe. Ao todo, o processo leva 200 milissegundos. Você consegue ser mais rápido? Tente!

A descoberta “ilustra quão rapidamente o cérebro das moscas pode processar informações e dar a resposta motora apropriada”, explicou o autor do estudo, Michael Dickinson, em nota.

A operação toda não pode ser considerada um “reflexo”, porque a mosca pode mudar de idéia e ir para outro lado quando bem entender. Ela sabe muito bem o que está fazendo. Dependendo do que a ocupa no momento (ela pode ser se alimentando, “paquerando” um potencial parceiro ou simplesmente irritando alguém), a reação é diferente, mas o resultado, o mesmo.

Um cérebro tão esperto em um bichinho tão minúsculo faz Dickinson pedir um maior “apreço” à melhor amiga dos cientistas. “Pense antes de tentar matá-las”, diz ele. Mas pense rápido.

G1/agência

 

CHIMARRÃO E POESIA poema de jayme caetano braun

 

O payador missioneiro
Sente o calor do braseiro
Batendo forte no rosto
E vai mastigando o gosto
Da velha infusão amarga,
Sentindo o peso da carga
Que algum ancestral comanda
Enquanto o mundo se agranda
E o coração se me alarga

Sempre a mesma liturgia
Do chimarrão do meu povo,
Há sempre um algo de novo
No clarear de um outro dia,
Parece que a geografia
Se transforma – de hora em hora
E o payador se apavora
Diante um mundo convulso
Sentindo o bárbaro impulso
De se mandar campo fora!

Muito antes da caverna
Eu penso – enquanto improviso,
Nos campos do paraíso
O patrão que nos governa,
Na sua sapiência eterna
E eterna sabedoria,
Deu o canto e a melodia
Para os pássaros e os ventos
Pra que fossem complementos
Do que chamamos poesia!

Por conseguinte – o Adão,
Já nasceu poeta inspirado,
Mesmo um tanto abarbarado
Por falta de erudição
E compôs um poema pagão
À sua rude maneira,
Para a sua companheira,
A mulher – poema beleza,
Inspirado – com certeza
Numa folha de parreira!

Os Menestréis – os Aedos,
Os Bardos – Os Rapsodos,
Poetas grandes – eles todos,
Manejando a voz e os dedos
Vão desvendando os segredos
Nas suas rudes andanças,
As violas em vez de lanças,
Harpas – flautas – bandolins,
Semeando pelos confins
As décimas e as romanzas!

Tanto os poetas orientais
Como os poetas do ocidente,
Cada qual uma vertente,
Todos eles mananciais,
Nos quatro pontos cardeais
Esparramando canções
E – no rastro das legiões
Do lusitano prefácio,
A última flor do lácio
Nos deu Luiz Vaz de Camões!

No Brasil continental
Chegaram as caravelas
E vieram junto com elas
As poesias – com Cabral,
Para um marco imemorial
Nestas florestas bravias
Perpetuando melodias
De imorredouro destaque:
Castro Alves e Bilac
E Antônio Gonçalves Dias!

Neste garrão de hemisfério
Quando a pátria amanhecia
Surgiu também a poesia
No costado do gaudério
Na pia do batistério
Das restingas e das flores
E a horda dos campeadores
Bárbara e analfabeta
Pariu o primeiro poeta
No canto dos payadores!

E foi ele – esse vaqueano
Do cenário primitivo,
Autor do poema nativo
Misto de pêlo e tutano,
De pampeiro – de minuano,
Repontando sonhos grandes;

Hidalgo – Ramiro – Hernández
El Viejo Pancho – Ascassubi
Mamando no mesmo ubre
Desde o Guaíba aos Andes!

Há uma grande variedade
De poetas no meu país,
Do mais variado matiz
Cheios de brasilidade,
De um Carlos Drummond de Andrade
Ao mais culto e ao mais fino,
Mas eu prefiro o Balbino,
Juca Ruivo e Aureliano,
Trançando de mano a mano
Com lonca de boi brasino

João Vargas – e o Vargas Neto
E o Amaro Juvenal,
Cada qual um manancial
Que ilustram qualquer dialeto,
Manuseando o alfabeto
No seu feitio mais austero,
Os discípulos de Homero
De alma grande e verso leve,
Desde sempre usando um “breve”
De ferrão de quero-quero!

Imagino enquanto escuto
Esse bárbaro lamento
Que a poesia é o som do vento
Que nunca pára um minuto,
Picumã vestiu de luto
A quincha do Santafé,
Mas nós sabemos porque é
Que o vento xucro não pára:
São suspiros da Jussara
Chamando o índio Sepé!

 

 

gaucho-mate

POEMA PARA MEU PAI – de ivo barroso

Meu pai morreu longe de mim
(eu é que estava longe dele).
Tantos anos se passaram
e ainda não lhe vi a sepultura.
Continuo longe. Mas sua presença
me sacode como um choque elétrico,
uma bebida forte que me arde
por dentro.
Está vivo nos meus dedos,
nos cabelos ralos
— a nuca, dá arrepios de se ver.
Está cada vez mais perto de mim
(eu é que estou mais perto dele).

FOTOGRAFIA poema de joanna andrade

Longa omissão,

covas e mais covas,

intermináveis lacunas sem expectativas,

sem cadáveres,

um infinito mar de sangue insipido claro e invisivel,

nada.

 

réquiem prum inimigo – poema de jorge barbosa filho

eu fico extasiado

com teu olhar de abismo

onde me atiro,

e procuro louco

o meu abrigo.

 

enterrar meu corpo,

no cemitério

de teu sorriso…

é vôo impreciso,

e minha língua prova

as asas de tuas salivas…

.

ah! me leva pro céu!

só pra soprar um risco..

uma nuvem…

me faz um anjo lindo,

enquanto eu traço

a dor que imagino.

 

chorei bastante,

te enterrei dentro de mim

me matei , te matei

tanto, que nem te digo…

você morre comigo!

o dilúvio das fronhas

não eram apenas chuvas!

 

ei, baby, aceite

o bônus track

da escuridão

de nossas palavras…

perdi a noção do perigo

te deitei na minha cama

pra sonhar contigo

e acordei com o inimigo!

 

mas ainda saí vivo!

vivo!

MARILU WOLFF abre exposição no JOKERS

A artista plástica curitibana Marilu Wolff abriu nesta segunda-feira, dia 13, às 20 horas, a exposição individual As Cores da Periferia, no Jokers (R. São Francisco, 164). Na ocasião ela selecionou 13 obras que, como o próprio título adianta, apresenta figuras humanas ligadas, principalmente, as pessoas que moram e trabalham na periferia, no campo, às margens da grande cidade. “Esse é um tema que me atrai bastante e me identifiquei muito. O meu trabalho mostra as pessoas que trabalham no setor primário da economia, com obras muitas vezes inspiradas nas fotografias do Sebastião Salgado”, define Marilu. A exposição tem entrada franca e permanece aberta até o dia 13 de junho.

Ao falar sobre sua obra Marilu acredita que por intermédio da figura humana ela consegue expressar muitas coisas que gostaria de passar para as pessoas. “As minhas obras estão relacionadas ao trabalho do homem do campo, do carpinteiro e outras funções que muitas vezes não são valorizadas”. O tema é recorrente na sua carreira. “Acho que agora meu trabalho está mais seguro e percebo que criei um estilo próprio. É uma marca que pode ser reconhecida quando as pessoas olham a minha obra”, comenta.

No início essas figuras eram representadas pela artista de forma mais suave e, ao poucos, elas foram ganhando mais expressão. Principalmente por conta evolução cromática da artista. “Eu percebo que há um amadurecimento não só das expressões mas, também, pelo uso da cor dos ambientes que são bem vivas, que faz um contraste com a cor das pessoas”, avalia Marilu.

Marilu conta que vai apresentar telas que foram produzidas por ela a partir de 2005. “Ultimamente tenho usado nas figuras humanas uma cor violeta que traduz uma expressão maior para as dificuldades enfrentadas para os personagens que eu apresento nas telas. Hoje estou totalmente satisfeita com esse resultado”.

Serviço:

As Cores da Periferia. Exposição da artista plástica Marilu Wolff. No Jokers (R. São Francisco, 164 – centro Histórico). Abertura segunda-feira, dia 14, às 20 horas. A exposição permanece até o dia 13 de junho. Horário de visitação: de segunda a sábado, das 18 horas até meia-noite. Entrada franca. Informações: 41 3324 2351.

Mais informações e entrevistas:
RB – Escritório de Comunicação
Rodrigo Browne 41 9145 7027
Bárbara B. 41 3363 775

 

PAIXÃO DE COSMONAUTA poema de leonardo meimes

 

Uma caindo aqui

Outra lá

Branquinhas.

 

Redondas, espaçadas

Algumas até enfurecidas.

 

Negra por excelência

Da carne.

 

Vermelha no coração

Fervente

 

Azul… por que é sim azul

Mas também por ser Blues

 

Macia para os que

A tocam com respeito

 

Dura e pesada

Para quem dela usa

Sem medo

 

Marcada pelos carimbos

Do sol

 

Pelas intempéries

Do mundo…

Não será ela o mundo?

 

Feminina no nome

Nas ações maternas

 

Masculina na ferocidade

Das reações

 

Dúbia por ser linda, amável

Perigosa, incontrolável

E tudo que realmente

Nos é valioso

 

Passam muitos dias

Sem que ela seja percebida

MANOEL DE ANDRADE faz lançamento, dia 15/04, de seu livro POEMAS PARA A LIBERDADE.

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Poemas para a liberdade

Até então inédito no Brasil, o sucesso editorial de Poemas para a liberdade foi tão considerável quanto seu alcance “político”. A obra estreou em 1970, na Bolívia. A 2a edição, colombiana, esgotou-se em poucas semanas nas livrarias de Cali e Bogotá. A 3a edição, lançada em San Diego, em 1971, espalhou-se pela Califórnia e pelo sudoeste dos EUA, levada pelos estudantes e intelectuais chicanos. Suas primeiras edições panfletárias, lançadas em 1970 em Cuzco e Arequipa, espalharam-se pelo meio estudantil do Peru e percorreram a América nas mochilas de estudantes latino-americanos. Seus poemas foram publicados em jornais, revistas, opúsculos, cartazes e panfletos.

Catarinense radicado no Paraná, onde se formou em Direito, o autor Manoel de Andrade deixou o Brasil em março de 1969, perseguido pela panfletagem de seu poema “Saudação a Che Guevara”, em uma época em que sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente por meio de jornais e publicações como a Revista Civilização Brasileira. Expulso da Bolívia em fins de 1969, onde chegou em setembro para se integrar ao movimento guerrilheiro comandado por Inti Peredo, preso e expulso do Peru e da Colômbia em 1970, seus Poemas para la Libertad tiveram uma trajetória política e uma aventura literária que dificilmente outro livro tenha tido. Como falam da luta armada e cantam a saga guerrilheira em uma América Latina então controlada por ditaduras militares, cruzaram clandestinamente certas fronteiras, como uma mala com 200 exemplares da edição boliviana, que chegou a Guayaquil por via fluvial, trazida do Peru por contrabandistas equatorianos.

Poemas para a liberdade consta de vários catálogos da literatura latino-americana e seus poemas, de várias antologias, como Poesia Latinoamericana – Antología Bilingüe, publicada em 1998 pela Epsilon Editores de México., em que o autor partilha suas páginas com consagrados poetas, como Mario Benedetti, Juan Gelman e Jaime Sabines.

A capa do livro foi inspirada em cartaz anunciando recital do autor em 1970, na Universidad de Los Andes, Bogotá.

 

 

A ROSA DE VENTO E ÁGUA poema de otto nul

Surgiu no jardim

Uma rosa

De vento e água;

 

Foi vista como uma aparição

Insólita ou absurda

Quase milagrosa;

 

Espectral, ali ficou

Irradiando pálida luz

Para estranheza geral;

 

À noite, a rosa

De vida efêmera

Evaporou-se no ar.

 

O EGOISMO SOCIAL E A MOBILIDADE HUMANA por tonicato miranda

 


No último 22 de Setembro de 2008, no auditório do Ministério das Cidades, aconteceu o Seminário “Jornada Na Cidade Sem Meu Carro”. Dos que participaram do evento, 80% chegaram a ele conduzindo um automóvel ou vieram como passageiro de veículo motorizado. O evento teve a abertura do Ministro das Cidades, do Governador de Brasília e do representante do DENATRAN. Não pode ser dito que foi hipocrisia, mas o Ministro chegou ao evento pedalando uma bicicleta emprestada, em um trecho de menos de dois quilômetros. Valeu pelo simbolismo.

Ao final do evento todos se dirigiram aos seus carros e o Ministro, seguiu para outro rumo no banco de trás do automóvel oficial, guiado por seu motorista vestido de quepe e da pompa da institucionalidade do cargo, felizmente sem luvas brancas.

Estamos todos doentes. A velocidade dos automóveis, reflexo dos avanços buscados a peso de ouro e dos petroeuros pelo mundo da Fórmula 1, pela Fórmula Indy, é objeto de consumo impossível para os citadinos. Nas cidades, nossas velocidades de segurança não devem ultrapassar a 60 km/h, sendo 35 km/h, segundo estudos de vários institutos de pesquisa da Alemanha, da Holanda e da Suécia, aquela em que um pedestre tem 85% de chance de sobreviver num atropelamento. Não é à toa que hoje circula em toda Europa forte campanha para convencer as autoridades municipais a adotar para a maioria das vias urbanas a velocidade de 30 km/h.

Muitos diriam ser pouco. Mas quanto vale a vida dos nossos avôs, bisavôs ou das nossas crianças? tonicato-miranda-foto-da-depressao-de-20-nos-euaO automóvel vem se transformando no nosso bem, nosso mal, desde seu início, no final do Século XIX. Nascido simultaneamente com a bicicleta, da mesma forma que a magrela, faz tempo já atingiu o seu limite de desenvolvimento e eficiência.

No livro o Choque do Futuro foi mostrada a sua ineficiência. Embora atraente, pode-se mostrar como esta máquina é extremamente incompetente. Para transportar 55 ou 85 kg do peso de um adulto a tara (o peso próprio) dos automóveis tem de 1.100 a 1.700 kg. A bicicleta, para transportar estes mesmos pesos de carga não tem mais de 15 kg. Assim, o automóvel carrega vinte vezes mais o peso da carga a transportar, enquanto a bicicleta tem seis ou sete vezes menos o peso da carga transportada.

Muitos diriam isto é bobagem, o importante é que dentro do meu veículo eu ouço música, estou “protegido” e ele me leva onde eu quero “rapidamente”. Mas protegido do que? O acidente entre veículos motorizados é a segunda “causa mortis” em nosso País há muito tempo. Consegue fazer mais vítimas do que os atropelamentos de pedestres e de ciclistas. Senão vejamos alguns dados apenas da nossa cidade símbolo da motorização e terceira maior metrópole do planeta.

Pois São Paulo, em 2005 apresentou 1586 mortos no trânsito, sendo 757 atropelamentos de pedestres; 39 ciclistas; 177 motociclistas e 132 passageiros dos automóveis. Embora estes dados retirados do “blog” “Apocalipse Motorizado” tenham sido elevados em muito nos últimos três anos, eles já mostram o cenário de guerra no qual vivemos. Somente para se ter uma idéia, em 2008 o número de motociclistas mortos ascendeu para 857, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.

Mas o automóvel é o meu conforto e não abro mão dele, diriam os mais acostumados às comodidades da motorização. Está certo. Ainda agora, neste nosso último feriado da Semana Santa, os jornais estamparam em suas páginas “São Paulo bate recorde de congestionamento – 235 km”. Isto é progresso? É isto que queremos para nossa cidade? Para nossas vidas? Ficarmos engarrafados no trânsito, dentro de um veículo com ar condicionado, por horas a fio? Não é à toa que São Paulo tem a terceira maior frota de helicópteros do mundo.

Assim, esta coisa de dizer que ter carro é símbolo de “status social”, é somente para otário e pobre de espírito. Há muito tempo que ricos em São Paulo andam de helicóptero. Também não sendo incomum a presença de inúmeros edifícios com muitos heliportos em suas coberturas. Para que? Para que os grandes capitalistas não enfrentem o que todos os mortais enfrentam no seu dia-a-dia. Grandes congestionamentos, muita irritação, fechadas de veículos, bate-bocas generalizados com vidros escancarados, alguns culminando em agressões físicas e mortes de bala de chumbo grosso mesmo.

A Grande jornalista/urbanista Jane Jacobs, em seu laureado livro Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas, teceu uma frase antológica “bicicletas aproximam as pessoas, automóveis afastam”. Como ciclista, confirmo integralmente esta máxima e posso “dar meu testemunho”. Estava em Utrecht, na Holanda, acompanhado de um amigo holandês que me mostrava a cidade e os projetos nela implantados para a bicicleta. Ao final do nosso encontro nos despedimos e fiquei a olhar a sua trajetória de saída. Logo uns trinta metros à frente, percebi que ele se dirigia a outro ciclista e perguntava se poderia acompanhá-lo, pedalando ao seu lado. Ou seja, é possível entre ciclistas, quase de imediato estabelecer uma camaradagem, coisa muito rara em se tratando de motoristas, sempre em regime de competição e disputa por oportunidades, seja vaga para estacionar, seja espaço para circular.

No entanto, o maior egoísmo social é a publicidade veiculada nas TVs e nos programas de auditório, fazendo do automóvel o objeto de desejo de consumo de classes de renda muito baixa. São inúmeras as residências que mal têm seis metros de testada de lote, mas que guardam espaço para abrigar um automóvel. Ou seja, têm a cama sobre o veículo, e este tem seu espaço garantido, mesmo que não haja espaço na sala de estar para comportar toda a família para assistir a um programa de TV, e/ou mesmo uma alimentação de qualidade.

Posso afirmar ser este um egoísmo social porque os governos não provêem as cidades de espaços seguros e agradáveis para as famílias passearem ou simplesmente estar. No passado os passeios públicos, parques e praças já cumpriram este papel. Hoje, porém, com o egoísmo exacerbado, a violência sem o freio do policiamento folgado e burocrático, transformou o espaço da rua em espaço da dúvida, da terra de ninguém e do medo.

É claro que o automóvel alarga o horizonte e permite às famílias aproveitar momentos de férias e de feriados prolongados. No entanto, muitos em tempos como o da Semana Santa ou do próximo feriado de Tiradentes, ficarão na cidade. Alguns por decisão própria, outros por total falta de condições para sair de carro, ou em se abrigar na casa de um parente em outro local. O fato é que nem todos têm dinheiro sobrando para bancar estadia em hotel ou realizar gastos com viagens. Em geral, como diria Caetano Veloso, ficam nas grandes cidades os “pretos e pobres, que são quase todos pretos” e acrescento eu, e ainda alguns brancos, mas igualmente pobres, além dos velhos etonicato-miranda-congestionamento-na-beira-mar-norte dos enfermos.

Agora a nova moda entre os proprietários de automóvel é usar o defectível vidro escuro, transformado por uma película conhecida como “insufilm”. Covardia. Afirmo ser isto uma covardia porque faz do motorista um ser anônimo e impede aos pedestres e aos ciclistas que entendam a intenção dos condutores de autos e se estes estão enxergando nossos movimentos. Afirmam os motoristas que este procedimento visa a dotar os veículos de melhor conforto, diante das condições do nosso País tropical, muito quente em determinados períodos e com luz por demais ofuscante. Também porque os protege de assaltos na via pública. Cretinice – adianto. A segurança é exatamente o contrário. Qualquer seqüestrador ou assaltante poderá fazê-lo sem nenhuma percepção dos demais transeuntes de uma via. Dado que não há visão, não há segurança.

É bem por isto que se comprova que as casas mais seguras não são aquelas cheias de trancas e de muros altos, onde o ladrão depois que entra se encontra seguro para praticar as maiores atrocidades, sem que nada seja percebido pela vizinhança. E isto é tão real e científico que os projetos mais ricos de Florianópolis e adjacências, como em Jurerê Internacional ou em Pedra Branca, no município de Palhoça, as casas não têm muros, mas cercas singelas, com arbustos sempre cortados à meia altura.

De volta à mobilidade, não se entende porque os governantes apartaram a bicicleta do cenário das cidades, deixando de oferecer infraestruturas adequadas e seguras à circulação dos ciclistas. Dizem os governantes “não há espaço”. É claro que não, nas nossas cidades mais de 30% do espaço dos seus territórios são ocupados por áreas para circulação e estacionamento de veículos motorizados.

Apenas na cidade de São Paulo a CET estima que há 1 milhão de vagas públicas gratuitas. Quantas existem em Curitiba? Em Florianópolis e em outras cidades quantas são? 200 mil? Quantas vagas existem para deficientes nessas cidades? Em São Paulo são 158. Ou seja, 0,015% ou um centésimo de 1%. E será que existem apenas 158 deficientes querendo estacionar? É claro que não. Este é mais um dos aspectos do egoísmo social.

A expropriação das oportunidades urbanas daqueles que têm opção diversa – como os ciclistas; ou daqueles portadores de deficiências físicas, não são realizadas apenas pelos detentores do poder e do capital, mas por uma parcela significativa da população, hoje identificada como os grupos motorizados. O meio urbano nas grandes cidades vem sendo construído ao longo de séculos, por acréscimos sucessivos aos espaços legados por nossos ancestrais. É impossível a ele, sem a adoção de cirurgias profundas, “abrir” espaços para a circulação e guarda em estacionamentos ao ar livre de tantos automóveis, como querem seus proprietários.

Faz tempo a racionalidade deixou de nortear administradores públicos e a população em geral. Ela que clama por mais e mais espaço como se este fosse um direito lídimo e intocável. Ela se coloca contra o pedágio urbano; contra o pedágio rodoviário; contra os impostos; contra as zonas azuis e suas outras corruptelas; contra as multas no trânsito e as lombadas eletrônicas, as quais chamam de instrumentos da indústria da multa. Enfim, contra todos os instrumentos de controle. E chegam mesmo a dizer que a Constituição Federal garante a elas “o direito de ir e vir”. Mas qual nada, cara pálida, o direito de ir e vir se aplica ao cidadão e não ao seu automóvel.

É mesmo assim que se comporta a nossa sociedade motorizada e hipócrita. Curitiba tem um dos melhores sistemas de transportes do País, sendo objeto de desejo dos olhares de muitas cidades mundiais. Recentemente uma equipe da “Streetfilms” esteve em Curitiba, entrevistando pessoas, entre elas Jaime Lerner, o atual Prefeito e secretários municipais, para conhecer mais sobre o sistema que pretendem implantar em Nova York. Mas nós aqui insistimos em dizer que o sistema está superado.

De fato, muito ainda precisa ser mostrado quanto às mazelas decorrentes do uso exagerado da motorização no meio urbano. Principalmente quanto às poluições ambientais, devido as emissões de gases e ruídos. Sobre o primeiro aspecto, ainda na cidade de São Paulo, é alarmante o número de mortes de recém-nascidos devido a inalação dos gases provenientes do escapamento dos automóveis. Mas diriam os discípulos de São Tomé – quem polui são os ônibus e caminhões e não os automóveis. Bobagem grossa, novamente digo eu. Os carros de passeio são de longe os maiores poluidores.

Estudo realizado pela UFRGS, em 1993, observou que os automóveis de passeio eram responsáveis por 56% da emissão de gases nocivos em Porto Alegre; vindo em seguida os ônibus, com 14%; depois os caminhões, com 12%; as indústrias da periferia urbana, com 12%; outros 6% atribuídos a emissões diversas, como queimadas. Ocorre que as pessoas não se dão conta de que as emissões dos carros são quase invisíveis, mas em número avassalador. E como se obtêm isto? Perguntariam os céticos. Ora, através da análise de filtros colocados em pontos específicos da cidade. Também porque os combustíveis utilizados pelos veículos são diferentes nas suas composições. Simples, não é mesmo?

Esta é uma das várias razões porque devemos controlar cada vez mais o uso do automóvel no meio urbano. Ter automóvel é sim uma coisa boa. Mas usá-lo indiscriminadamente é mais do que um ato anti-social é uma agressão ao seu vizinho, um desrespeito à saúde do seu avô e da sua avó. A natureza humana agradece e lhe dá boas vindas à sociabilidade e a um mundo menos egoísta. E que tal se, ao invés de ir à feira com o seu carrinho, não vá a pé ou de bicicleta e aprecie os jardins das casas dos vizinhos? Quem sabe não nasça em seu dia um pouco mais de prazer e identificação com a cidade em que escolheu para viver?

Mas se nada disso faz parte das suas pretensões, não lamente a crise, não diga que a cidade está ficando insuportável. Você ainda não está preparado/preparada para viver num ambiente do Século XXI. Interessante o que nos diz um texto que li recentemente, no qual não lembro agora o autor, me perdoem, o qual faz comparação entre Berlim e Bangcok. Mostrava o texto que Berlim tem três vezes mais automóvel do que a cidade asiática, mas ao contrário o número de viagens motorizadas correspondia a menos de um quarto da capital tailandesa. E chegava a conclusão de que se a posse de veículos motorizados representava a riqueza de uma nação, o uso do carro de forma indiscriminada demonstra quão pobre ainda esta nação se apresenta. Não foi à toa que um dos maiores investimentos de Berlim, realizados para a Copa do Mundo de Futebol de 2006, destinaram-se a dar maior mobilidade para a bicicleta. Em especial, entre os estádios e os hotéis; e entre os terminais do transporte coletivo os estádios e os novos hotéis, construídos para atender a grande demanda aos eventos.

Mas se nada deste texto a(o) convenceu da ignomínia que é ir a padaria buscar pão de automóvel. Esqueça. De fato, o mundo gravita ao redor do seu umbigo. Deixo apenas um pequeno abraço. Da minha parte, vou continuar pedalando minha bicicleta, indiferente às suas reclamações ingênuas e ineficazes para com a ganância dos impostos governamentais em cima do seu objeto de consumo maior, do seu papagaio de estimação sobre quatro rodas. Passar bem.

 

FOTOS: a primeira foi feita na depressão americana de 1920.

a segunda na Av. Beira Mar Norte (Florianópolis) fora da temporada.

Tonicato Miranda é Presidente da União de Ciclistas do Brasil – UCB.

 

CONTRATADOS poema de vera lúcia kalaari (Portugal)

Ah! Caravanas que passais

 De homens cansados,

 Esfaimados,

 Cantando vergados

 Ao peso da saudade,

 Bandeira branca a tremular ao vento…

 Caravanas de homens de pés descalços

 Sangrando por tortuosos caminhos…

 Como eu vos amo a todos, todos!

 Oh mulheres de ancar largas, bamboleantes,

 Com filhos ranhosos e famintos

 Que vindes em algazarra acenardes adeus,

 E gritais, gritais, palavras, impropérios,

 Cobrindo o choro dos que partem…

 Oh mães velhinhas, doloridas,

 Que chorais por não poderdes partir

 A dizerdes adeus,

 Um adeus distante

 A quem não esperais tornar a ver…

 Ah! As caravanas, as caravanas!

 Caravanas de homens esperançosos

 De corpos quebrados

 Que vêm de longe e se perdem à distância…

 

 

E só o mundo irado,

 A fome, o cansaço.

 E lá longe, a casa, as terras, as noites luarentas,

 O brilho ardente das fogueiras…

 E vão nas caravanas, coração pulsando,

 E a esperança, sempre a esperança,

 Num somho de riqueza.

 E voltam de novo, famintos,

 Das terras do fim do mundo.

 Voltam à terra onde andaram em pequeninos,

 Com o choro dos filhos nus

 Esfaimados, a pedir pão.

 

Deixem, homens, deixem que o tempo

 Marque o trilho das caravanas em que ides partir.

 Dia a dia, hora a hora,

 Ele se rasgará mais brilhante,

 Sem que o bafo dum vento quente

 Murche as flores da tua esperança.

 Partireis, triunfantes,

 À demanda, à conquista,

 Des terras dum novo mundo.

 

 

 

 

 P.S. Convém explicar que os contratados, eram, nas ex-colónias, os africanos apanhados em rusgas, que eram forçados a partir para trabalharem nas fazendas, por tempo indeterminado e que muitas vezes acabavam por nunca voltar aos sítios de origem.

A OUTRA por jorge lescano

                                                                                                                                                                   para P.S.

Ella havia viajado para o exterior cortando a tênue linha que os ligava (encontros para leituras. Agora ele percebia que também Paolo e Francesca se encontravam na leitura, nunca tinha reparado nisso apesar de que na sua juventude vivera uma situação parecida. A  leitura, amorosa armadilha. Lendo as Cartas a Milena se havia apaixonado por um fantasma!). Ele decidiu continuar o relacionamento escrevendo e-mails.

 Nesse meio tempo descobriu uma réplica dela. A moça trabalhava numa copiadora. Antes vira alguém muito parecida num filme erótico. Por momentos, a Frida de Salma Hayek se parece com Ella, então ele gostaria de ser Trotsky.

 A moça da copiadora também tinha o cabelo longo e preto e crespo de Ella, a mesma pele jambo. (Não quero forçar as coisas dizendo que tinham o mesmo nome, seria coincidência demais, tornando a história real inverossímil. Ele desejava manter a naturalidade do relato para que Ella o entendesse melhor, como nos encontros de leitura.) A moça da copiadora respondia por outro nome.

A insistência do olhar dele acabou chamando a atenção desta moça que, depois de algum tempo, começou a retribuir seu interesse. Então ele recuou. Nunca soube se por receio de trair a distante ou mera cobardia. A moça saiu do emprego. Ele tivera a oportunidade, desperdiçada, de se despedir dela, pois havia ido tirar xerox no mesmo dia e hora em que ela se despedia dos colegas na Galeria do Rock. Mais uma vez deixou de agir, depois percebeu o que havia perdido. Sempre acreditou que teria uma segunda chance, era o modo de desculpar sua falta de iniciativa, sua timidez.

Depois de quatro anos, Ella voltou. Tiveram vários encontros sem que abordassem o assunto principal, apesar de reconhecerem a correspondência de intenções.

No último ano, graves acontecimentos familiares perturbaram a mente dele, confundiram seus sentimentos. Agora que Ella estava perto, começou a sentir saudades da moça da copiadora.

A paciência tem um limite, sempre soube disso sem que jamais pudesse computar sua extensão. O caso é que Ella se sentiu rejeitada ou simplesmente cansou de esperar uma definição. Deixou de vê-lo e de permitir que a visse. Uma vez ele telefonou para sua casa e Ella se livrou dizendo que ligaria para ele, ambos sabendo que isto nunca aconteceria. Afastou-se dos telefones, o assunto exigia uma entrevista. Tentou reatar a comunicação via internet, Ella não respondia as mensagens. Para aumentar a sua confusão, a moça da copiadora não lhe saía da memória. Freqüentemente se confundem no seu pensamento. Às vezes as imagina usando um sarong, um xale, um leque, qualquer adereço exótico de estampa japonesa, de quadro de Gauguin. Os rostos se confundem, à imagem de uma corresponde a voz ou o nome da outra. De Ella guarda postais, uma leitura em francês, em vídeo, alguns e-mails, um exemplar de Rabinal Achi, a versão em castelhano da peça maia, que comprou num sebo do México, uma foto fantasiada de esquimó na antiga Cristiania enviada pela internet (cada vez que abre o guarda-roupa ela sorri no espelho). De Cláudia conserva acenos breves, olhares sutis, a tepidez da mão num ligeiro contato ao receber as cópias. Pobres troféus dos seus fracassos.

Ele não sabe fazer discursos nem escrever cartas de amor; redigiu um texto em que conta estas peripécias sentimentais. O dedicou a Ella, identificando-a com as letras iniciais do nome que usava quando a conheceu. Agora vive a dúvida de enviá-lo por e-mail ou apenas publicá-lo na internet, correndo o risco de ela não o descobrir. Mais uma vez a hesitação domina o enredo. Sabe que Cláudia se dilui para sempre na multidão de São Paulo; da outra, provavelmente, nunca obterá resposta.

 

 

 

NO SHOPPING CENTER / JAIRANDO UM JAZZ – poema de solivan brugnara

Abre-te Sesamo automático,

                         esta porta de translúcido vidro

                         para mim, o Moises de tuas águas sólidas.

                        Será que suas engrenagens, 

                    suas roldanas esmaga-formigas, seus sensores

                            funcionam com passarinhos?

                         Ou a andorinha bate no vidro como

                            em qualquer outra vidraça

                         e morre na delicia de morrer em um vôo      

                                despreocupado.

                            Gosto de caminhar no shopping           

                            este museu de roupas e calçados contemporâneos.

                            Meus olhos acham os decorativos deuses indianos.

                             Meus olhos flecham o calcanhar dos arquiles.

                           Meus olhos acariciam as meninas.

                            Meus olhos vêm a noite pelas janelas

                            e navego

                           cruzando Andrômeda

                           cruzeiro transespacial.

                           Balanço do do marmmmMnsera quenoi esopsçao tem balndlço de marnm MnM barcobebbadoGIu<a>sgliuglurub lka voub jdhueueueucrzaudndo anfdromedasolto^ v ^ v ajdgi***#3m@r?/??< >

                              A labirintite passou

                           e ando agora com alma de Bosch

                               por este estomago cheios de loja

                            pronto para sugar todas,todas as vitaminas de meu cartão de credito.

                           Experimento perfumes

                            safiras liquidas, rubis aquoso,outro cor de urina.

                         Sou sexagésima sexta reencarnação de um alquimista                          

                          e sinto vontades                            

                           de misturar o odor da manha,

                           com fezes de beija-flor,

                           vulvas em cio

                             e noite com óvnis.

                              Por tudo em frascos Mirós.

                             Ascendo em escadas rolantes

                               braços imitando um urubu. 

                        Paro para ver

                           na vitrines da loja de brinquedos

                             o super-homem

                             o que pode

                             cavalgar em cometas

                             e  se alimentar de vácuo,

                             o que pode tomar um sorvete feito de massa solar.

                           E Batmam o frutívoro espalha pólen.

                               Barbies em esquives rosas

                              e vídeos- games onde

                              as crianças podem

                                decapitar virtualmente  

                                estrirpar virtualmente

                                 lobos, anões e madrastras.   

                                Nos cinemas

                                olho os cartazes

                                como quatros em exposição.

                            Multidão de livros na livraria.

                          E toda a multidão esta  cheia de cretinos e magos

                         E toda a multidão tem economistas e astrólogos.

                             E em toda a multidão tem um poeta.

              Meus livros não estão na livraria

                     Nem do  Thadeu de estrelas no bigode

                     Nem do  Thadeu dez-dedos

                       na mão esquerda quando toca violão.

                     Nem do Jairo

                     O centauro que atravessa os oceanos a galope.

                        Nem do Jairo

                            Que abençoou as águas do riu Iguaçu

                            com poemas

                          e comeu pão com nanquim nas manhas.

                          Seuss filhos da p*#+_0*&&}$$CORNOS

                DO*@33##PKU$ilibinoshdnsG0Q3PIFU98WBICHA CAPINEWGIUB087

                     ESTA BURRIOIqeru,fne in tME IRRITAeeiirriHJGIDGIUtavao tomar IJVYU4746387¨*$%%&*($MNO CUlokhnfsçoiuoip90843l98w@%$t376   

           Compro  hq do homem-aranha       

                e um livro do Schopenhauer.

               Filosofos estão em promoção,

                       mais baratos que o gibi.

                 Paque um, leve dois.

                   Karl Marx em promoção

                    o capital em promoção.

                   Passo pela praça de má alimentação.

                    Barulho de atol das rocas.

                    Nos luminosos e placas em cores primarias

                      Uma salsicha de fraque e cartola.

                  Palhaços oferecendo  hamburguês

                      e monge comida chinesa.

                Sobre um cone o everest  granulado com  confeitos

                           vende sorvetes.

                      Sou tele-transportado por elevadores

                         de botões azuis fluorescentes.

                           3,2,1

                         Ejeção completada com sucesso.     

SÓ UM CANTO / NO JARDIM DE SOFIA (zocha) – poema de lilian reinhardt

Só um canto e a luz acorda
     a orgia celeste recomeça
     em minha alma agreste
     Tu és a carne do meu sonho
     o espaço a pausa a laceração
     desse anjo demônio
     dessa lousa ferida
     entre essas cordas que plangem
     toco-te ainda vestal
     com minha saliva de vinhas
     no calabouço dessa argila sangrada
     Em veneno e loucura
     a tua pele rasga o sal
     da ancestralidade da minha

FACULDADE VIROU SHOPPING CENTER por amandio luís de almeida teixeira

Quando paro a pensar sobre a educação superior desse país, vejo-a como um doente terminal, abandonado sobre uma maca em um corredor de hospital. Foram-se os tempos em que possuir uma pós-graduação, um mestrado, ser um doutor ou um professor catedrático era visto com respeito e como sinônimos de competência, experiência e capacidade de um trabalhador de qualidade, um cientista.

As políticas educacionais, a meu ver, se equivocaram. Todas, independentemente de governos e partidos, quando resolveram – e nisso todos os governos pós-ditadura incorreram – democratizar, massificar, ou “igualar” (por baixo) as oportunidades de acesso ao terceiro grau. O resultado dessa visão clientelista, num país que parece confundir democracia com populismo, pode ser muito bem sintetizado no que observamos no atual governo. Ao mesmo tempo em que o presidente alardeia sua vaidade e seu orgulho por não ter um diploma, perpetua e agrava a situação, ao querer sedimentar ainda mais a idéia de que todo mundo pode e deve ter um diploma universitário.

Já não bastasse a proliferação descontrolada de universidades de “fundo de quintal”, onde o que vale é poder pagar para seu diploma conseguir. Hoje uma universidade assemelha-se muito mais a um shopping center do que a uma instituição de ensino de qualidade, frequentadas por professores e alunos despreparados. Ao invés de salas de aulas bem montadas, laboratórios, bibliotecas, o que se vê? Lojas, bancos, restaurantes e lazer, parte fundamental dessa estrutura deformada. Parece que em cada esquina há uma universidade. Que o tal ensino à distância, eliminou de vez a distância entre a mediocridade e a aptidão natural de cada indivíduo para conquistar uma profissão de nível superior. Para que tanto diploma? Para que tantos licenciados, bacharéis e pós-graduados?

Acredito que chamar esse ensino de superior já é um equívoco. Superior só se for pela quantidade de médicos, engenheiros, advogados, entre tantos outros profissionais, que são despejados, a cada ano, de forma descontrolada, num mercado de trabalho já saturado. Profissionais para os quais o diploma é apenas a ferramenta necessária e legitimadora de seu direito como cidadão a se tornar um profissional de segunda, numa terra de terceira. Médicos que não sabem suturar, advogados do crime, engenheiros da demolição do saber.

Ou pior, concurseiros (públicos) profissionais. Não o pobre como alardeia o governo, mas aqueles mais afortunados, inocentes ou não, que sustentam essa famigerada indústria dos concursos. Indústria essa que movimenta milhões e milhões de reais, feita de cursinhos especializados, empresas promotoras especializadas (em concursos), o próprio governo que tem aí uma renda vultosa em taxas de inscrição, os cartórios que enriquecem ao autenticar tanta papelada desnecessária.

 

Hoje tudo é especializado. Os professores mal pagos e já engolidos por essa máquina. Esses que já não ensinam, mas que se especializam em treinar em macetes para passar. Esses que usam apostilas “obrigatórias” sem conteúdo, que custam uma fortuna, mas nada mais são do que receitas de bolo, dicas e truques, provas anteriores, cujo lema é “Aprendam como passar”. Parece-me mais especializadas no “seja esperto!”. Não precisa saber, é só se “preparar”! Preparar para que? Ao final disso tudo o que são esses concursos? E os famosos cadastros de reserva? Quantos são cancelados, postergados por anos, e ao final, sem ninguém contratar, voltam a se apresentar ao público? De quem é a culpa? Perguntem ao nosso sábio presidente…

Pobres tempos esses em que o saber já não importa. Em que a ciência é achincalhada, as cabeças pensantes decepadas. Poucos, muito poucos, sobreviveram a esse tsunami de diplomas fajutos, muitos comprados, outros tantos falsificados, milhares obtidos pela compra criminosa de monografias, dissertações e teses. Poucos, muito poucos, de forma árdua ao estudar, ao se dedicar, anos e anos de suas vidas “desperdiçar”, crédulos cidadãos que em algum momento acharam que isso lhes daria alguma real e honesta chance de no mercado de trabalho se encaixar.

Uns, mais inteligentes, ou mais lúcidos, vão embora. Fazer carreira, fama e dinheiro honesto nos países dos lourinhos de olhos azuis e viram celebridades, por mérito reconhecido é certo, mas ridiculamente aplaudido aqui, pelos mesmos que se indignam quando alguém ousa pensar. Outros decidem ficar. Por menos oportunidade, familiar necessidade ou que, por convicção, acham que é onde devem estar e lutar.

Essa é a minoria de sonhadores onde me incluo. Minoria de esperança persistente, de valor nunca reconhecido que tanto assusta e incomoda a esse país lulista, de reais valores, desprovido. Somos nós esses “velhos” com mais de 45 anos a elite pensante? A burguesia dominante? Ou a absoluta minoria que teima em sobreviver, mesmo que de forma tão humilhante? Só posso falar por mim.

Esta é minha ficha criminal:

Engenheiro, pós-graduado, mestrado, doutorado, pós-doutorado.

Professor universitário (enquanto agüentei).

Última ocupação: diretor de projeto – BID/Nasa.

Ocupação atual: desempregado, há três anos em casa.

 

CARTAS por hamilton alves


 

 

                                               Lendo há dias uma resenha de jornal sobre Samuel Beckett, o grande dramaturgo, autor de peças revolucionárias do teatro mundial, prêmio Nobel de literatura, vim a saber que era dado a escrever cartas, anunciando-se que um volume delas será editado e lançado em breve por conceituada editora brasileira.

                                               A carta é um gênero literário como outro qualquer, com a particularidade de ser, entre todos, muito peculiar, no sentido de que, diferente de fazê-lo no livro, quando nunca faz, o escritor pode se derramar em confissões que jamais faria de público.

                                               Quem gostava muito de escrever cartas era Elizabeth Bishop, que dizia: “Tenho pena de quem não gosta de escrever cartas”.

                                               Outros escritores brasileiros trocaram cartas inúmeras, não foram nem duas nem três. Cito os casos de Drummond e Mário de Andrade, que pela vida afora se trocaram recados compridos ou curtos, para alegria de muitos de seus admiradores espalhados por aí, que puderam descobrir na troca de missivas feita por ambos as confidências íntimas sobre tantos assuntos, que jamais revelariam em crônica, contos, poemas, etc.

                                               Eu mesmo gosto de escrevê-las.

                                               Quando não tenho para quem escrever escrevo para mim mesmo. Tenho algumas cartas que me dirigi, nesse solilóquio com que acabo me divertindo ao lê-las ou relê-las. Maluquice? Adoro as minhas maluquices, sem elas não saberia viver. Ou minha vida, aos meus olhos, se empobreceria.

                                               Ainda hoje escrevi duas cartas. Uma para um amigo que anda nervoso nos Estados Unidos com a crise que assola aquele país. Procurei animá-lo.
                                               “ – Obama dará um jeito em tudo” – disse-lhe, confiante no tirocínio e liderança do novo Presidente.       

                                               Outra para um amigo no Rio, que pouco temos nos visto ultimamente, eu por nunca mais ter ido lá, ele que esteve aqui há pouco, mas de curta passagem. A carta é a forma de nos aproximar porque, obviamente, os recados telegráficos do computador não alimentam nossa sede de maiores expansões verbais e emocionais.

                                               Fiz-lhe uma revelação que só poderia ser feita através do sigilo ou da discrição da carta. Não contaria jamais o episódio numa crônica ou de outro modo qualquer. Para ele mesmo, um velho chapa, me custou muito confessá-la ou narrá-la. Será certamente pegado de surpresa com a minha confidência, tal a crueza com que narrei o fato. Ou rirá muito à vista dos lances tais quais lhe foram confiados.

                                               Daí a importância da carta, que é uma forma de extravasar tudo, todo o lixo que nos vai n’alma (n’alma tem hora).

                                               De que outro jeito lhe confidenciar pormenores tão crus ou tão arrepiantes? Que constituem segredos que não podem ser assim espalhados ao vento?

                                               Assim, temos o recurso da carta. Com três pinceladas compõe-se uma carta. Nada mais que trinta linhas ou cinqüenta. Nem menos nem mais, senão a carta fica quilométrica e, a partir de certo momento, por mais interessante, começa a aborrecer o mais paciente leitor.   

                                               Já escrevi tantas cartas (tenho-o feito com freqüência nesses últimos tempos) que não é de duvidar que, se um dia alcançar algum nome como escritor, haverá algum abelhudo que queira publicá-las. E tem desde já meu veto. A carta é algo rigorosamente confidencial.

 

 

( março/09)

PERSONAGENS E HERÓIS por walmor marcellino

 

A morte de Márcio Moreira Alves volta a pôr em discussão a pouca importância de algumas participações políticas na contestação ao “discricionarismo” da ditadura militar, cujo golpe contra as instituições nacional-democráticas foi por ele aplaudido (como o foi pelo “Correio da Manhã”). As atas políticas e as crônicas dos fatos e do próprio deputado-cassado mostram o que realmente aconteceu.

Um herói tem uma causa que o edifica; ela ressalta suas virtudes e ele a engrandece aos olhos de todos. O herói tem uma origem que o ilumina, uma missão que lhe exige sacrifícios e uma dedicação que o eleva acima dos contemporâneos.

A causa da democracia formal não produz heróis. Hoje e nestes tempos não mais. O golpe militar de 1964 ‑ para impor uma ditadura burocrático-militar de classe e um sistema capitalista-monopolista de Estado ‑ mostrou alguns poucos heróis (da causa revolucionária das classes sociais subalternas) que vêm sendo misturados e confundidos com os “resistentes democráticos” e as tantas vítimas da ditadura militar.

Essa má-intenção ideológico-política não pode ser minimizada nesse esforço de “equalização sem princípios”, pois seu intento é glorificar ambigüidades políticas mais do que elogiar pequenas ações desorientadas.

Esse oportunismo político que aproveita a vitimologia para gratificar-se não deve prevalecer. É uma ofensa àqueles que, martirizados, conseqüentes em seu projeto político de classe, deixaram ações exemplares para essa interrupta revolucionarização política do país.

 

O MENINO MUTILADO poema de joanyr de oliveira

Bagdá, seis de abril, domingo.
No subúrbio de Diala,
um menino chamado Ali Abbas
perdeu as mãos e o sonho.
O coração do mundo contraiu-se
ferido pela imagem enfática.

Seus pais se desintegraram
nas profundezas do sono.
Com que sonhariam no instante
em que o míssil desvairado
saltou sobre as velhas telhas
e o assombro total das paredes? 

Os pais de Ali Abbas talvez
no seu amplo tapete onírico
navegassem o branco da paz.
O sonho, ingênuo e sem olhos,
não situa as portas detonadas.

O míssil de nome Tomahawk
bradou “não” e “não”, e categórico
fez da casa sombras e ruínas.
Devorou falanges, falangetas,
os braços, o amanhã e o sorriso
do guri sonhador Ali Abbas.

Comovido indagou Ali Abbas:
“Quem sabe poderias trazer-me
meus dois braços de volta?”

As lágrimas envoltas no silêncio
afagaram as palavras do menino
e odiaram o míssil e seu ofício
de antropófago no céu de Bagdá.

 

QUEM PRECISA DE IDEOLOGIA PARA VIVER? por alceu sperança


 

Em 2030, nano-sensores serão injetados na corrente sanguínea de uma pessoa, implantando microchips para amplificar e até suplantar diversas funções cerebrais. Com isso, as pessoas vão compartilhar memórias e experiências íntimas emitindo as sensações como ondas de rádio para os sensores de outra pessoa.

É uma descrição tecnologizada da telepatia, feita por Raymond Kurzweil, um sujeito que muito guri gostaria de ser: músico, cientista, inventor, empresário, escritor.

Sabe fazer arte, inventar e ganhar dinheiro. E também assustar a gente. Não é terrível a idéia de que você poderá ter um nano-sensor implantado em seu sangue enquanto estiver dormindo ou tomando uma injeção? Com o microchip instalado, você receberá sinais externos que poderão controlar sua mente.

Isso pode parecer assustador, Mr. Kurzweil, mas alguém já pensou nisso antes. O “chip” atual só demora um pouco mais para ser implantado, pois começa a entrar no sangue e no espírito desde o nascimento e acompanha o sujeito ao longo de sua existência. Chama-se ideologia.

Por vezes as pessoas estranham o emprego da expressão “a ideologia”, pois acreditam haver mais de uma e que a palavra significa “um conjunto de ideias”.

Nosso querido Cazuza embolou ainda mais o meio de campo ao cantar que precisava de uma ideologia “pra viver”. Mas ideologia, a meu ver, é palavra de uso apenas singular. A confusão que ocorre com esse termo é similar à que cerca a palavra “alternativa”.

Não existem “alternativas”, mas apenas “a alternativa”. Claro que também se usa o plural em casos particulares: “As alternativas ao liberalismo e ao colonialismo”, por exemplo, pois são duas coisas.

Ideologia é um conjunto de controles educacionais, culturais, religiosos, comportamentais, éticos, legais etc impostos pela classe dominante. A palavra foi criada em 1801 por Destutt de Tracy (1754–1836).

Napoleão, num discurso ao Conselho de Estado, em 1812, declarou:

“Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história”.

Foi Auguste Comte (1798–1857) quem levou a palavra ideologia a significar especificamente o conjunto de idéias de uma época. Mais ou menos aquilo que se costuma chamar de “senso comum” e “opinião pública” – a somatória da elaboração teórica dos pensadores dessa época.

Para Marx, a ideologia integra a superestrutura dominante: “(…) teremos que examinar a história dos homens, pois quase toda ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida desta história ou a uma abstração completa dela”.

Ideologia seria, assim, o total dos conhecimentos científicos e crenças dominantes. Gramsci via na ideologia elementos unilaterais e fanáticos, mas também elementos de conhecimento rigoroso e até mesmo de ciência. Nesse sentido, a ideologia seria “todo o conjunto das supra-estruturas”.

Conclui-se que a ideologia é produzida pelos sábios, que recolhem as opiniões correntes, organizam e sistematizam tais opiniões e, sobretudo, as corrigem e orientam de acordo com os interesses prevalecentes nessa época. Assim, ela passa a ter um papel de comando sobre a consciência dos homens, que devem se submeter voluntariamente ou à força a seus critérios e mandamentos.

É por isso que a gente “pensa” que tem esta ou aquela opinião sobre algo e só quando a submete a uma análise criteriosa e autocrítica percebe que ela foi imposta em nossa pobre cabeça pela ideologia.

Sem precisar dos chips e nano-sensores do nosso prezado Mr. Kurzweil.

RUMOREJANDO (Feliz Pessach e Feliz Páscoa a todos desejando) / por juca (josé zokner).(12.04.09)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I (Uma historieta).

Tão logo se formou em Direito, o jovem abriu um escritório na sua pacata cidade natal. Criou um slogan, usando o que lhe foi aconselhado por entendidos no assunto que era o seguinte: O Defensor das Causas Justas. Como gostava de se vestir com terno e gravata como é de praxe o uso de tal indumentária pelos advogados, usando as calças dos ternos bem justas, como era moda na cidade onde estudou e se formou, o povo logo passou a chamá-lo do Defensor das Causas Justas e das Calças Justas. Nos dois primeiros casos que interveio não foi feliz e o pessoal, maldosamente, sem que ele soubesse, passou a cognominá-lo de Defensor das Causas Perdidas. Era um sujeito com boa estampa e não faltou que as mulheres passassem a olhá-lo com interesse, tanto como bom partido para casamento – um doutor! – como um amante. Certa vez, estando na cama com uma senhora casada, eis que o marido aponta com o seu carro, mais cedo do que de costume, no portão para entrar com o carro na garagem que ficava nos fundos. “Vou me esconder no guarda-roupa”, ele disse todo aflito. “Não. Tá muito batido esse esquema. Pule a janela do quarto e saia pelo portão pra rua, pois ele costuma entrar pela cozinha, enquanto eu escondo tuas roupas”. E assim ele fez. Não faltou quem o visse sem as calças se esgueirando pela rua para chegar num terreno baldio com o mato cerrado para esperar que a cidade adormecesse para chegar a sua casa. Aí, sucedeu uma nova mudança no slogan-apodo: Defensor das Causas Perdidas e das Calças Perdidas. Coitado!

Constatação II

Postura

Com os políticos?

Sejamos analíticos:

Merecem compostura.

O que a mídia mostra

De falcatrua

É só uma pequena amostra.

As demais, caro leitor,

Conclua:

Quase ninguém

Se abstém.

É um pavor,

Um horror.

Constatação III

Olhar no espelho eu evito.

O meu grau de intolerância

Está beirando o infinito.

Constatação IV

Plantava flores no seu jardim para ver borboletas, abelhas e besouros volutearem em torno delas. Queria aprender a voar. Real e efetivamente. Nada a ver com os seus sonhos…

Constatação V

“Você é uma mulher

Ou uma ratazana”,

Disse a mãe pra filha

“Dê um chega pra cá

E não para lá

Naquele banana.

Pois é o que ele quer.

Com isso você não se humilha.

Bote uma roupa bem decotada

Que ele virá

Que nem louco pra essa empreitada”.

Constatação VI

Eu fiquei mudo

Quando, de despedida,

A fingida

Me deu um abraço

E disse: “Como na canção,

Eu descrente de tudo

Só me resta o cansaço.

Quer saber,

Não sou seu palhaço.

Vá lamber

Sabão”.

Constatação VII

Esse que você chama,

Que você proclama

De seu preclaro amigo,

Que é cioso

Com seu próprio umbigo,

É um mafioso,

Um mentiroso

Que eu sempre desdigo.

Constatação VIII

Na Câmara, aquele deputado era duplamente comissionado: Fazia parte de uma comissão e eventualmente ganhava a dita cuja por batalhar e conseguir a aprovação de algum negócio para os parentes e amigos.

Constatação IX

Não se pode confundir característica com casuística, muito embora em certos países a característica do seu povo não seja uma questão casuística. É falta de ética, moral e outras “cositas” desse jaez.

Constatação X (De conselhos úteis).

Não queira transferir para outrem as tuas verdades só porque você as considera incontestes. Elas podem ter se revelado, no passado, deslavadas mentiras. Analogamente, no presente e no futuro. De nada!

Constatação XI

O retruca só retruca o seu superior quando este permite que ele seja o quarto jogador de um jogo de truco e esteja jogando contra ele. Em outros casos será considerado indisciplinado e poderá até pegar uma cana por insubordinação.

Constatação XII

O religioso lia uma parábola; o professor de geometria analítica explicava aos alunos a equação da parábola; no campo de futebol, um jogador de futebol batia um escanteio e a bola descrevia uma parábola. Por outro lado (qual lado?), os planetas do sistema solar descreviam órbitas elípticas. No interior dos corpos moléculas, átomos, mésons, prótons e nêutrons não ficavam atrás. A hipérbole, sem tanta notoriedade, sofria, quase morrendo de inveja. Coitada!

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

BOURDIEU, O CAMPO ERUDITO E A SEMANA DE 22 – editoria

O Campo da Arte e da Produção Erudita

 

            Segundo Pierre Bourdieu um campo se constitui quando ele ganha autonomia em relação a outros campos, ditando suas próprias regras e padrões. O campo artístico definiu-se em oposição ao campo econômico, ao religioso e ao político. O artista ganha autonomia ao se libertar de seus patronos burgueses, a Igreja e as cortes.

            Tal fato ocorreu  por volta do século XV, com a invenção da imprensa, que aumenta o alcance da obra, principalmente o da literatura. A função artística antes associada à religião (a maioria das obras das pinturas na época ainda eram ligadas a religião) e ao poder político ou econômico. Artistas que antes produziam obras que tinham de ter uma função estética exigida pelo patrono ganharam autonomia para produzir arte enquanto tal. Bourdieu comenta sobre esse fenômeno:

 

Embora a vida intelectual e artística estivesse sob a tutela, durante toda a Idade Média, em grande parte do Renascimento e, na França, com a vida na corte, durante todo o período clássico, instâncias de legitimidade externas, libertou-se progressivamente, tanto  econômica como socialmente, do comando da aristocracia e da Igreja, bem como de suas demandas estéticas.[1]

 

Ainda afirma:

Destarte, o processo de autonomização da produção intelectual e artística é correlato à constituição de uma categoria socialmente distinta de artistas ou de intelectuais profissionais, cada vez mais inclinados a levar em conta exclusivamente as regras firmadas pela tradição propriamente intelectual ou artística herdada de seus predecessores, e que lhes fornece um ponto de partida ou um ponto de ruptura, e cada vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda e qualquer dependência social (…).[2]

 

Cabe ressaltar que esse momento se dá através de uma nova relação do artista com o não-artista e com outros artistas. Essas novas relações, estão associadas a industria cultural e a produção erudita respectivamente. Isso não quer dizer que uma obra de cunho erudito não possa atingir não-artistas, mas que primeiramente ela é formulada com vistas aos pares.

A relativa independência dos artistas aumentou cada vez mais a parti da revolução industrial. A produção cultural em massa conseguiu difundir ainda mais os “produtos” artísticos o que teve dois resultados distintos. Um deles é a constituição de uma economia de bens simbólicos no mercado, com produção artística em grande escala sendo vinculada em folhetins, revistas e outros meios. O outro foi a constituição de um grupo de indivíduos que estabelecem a regra do campo, se constituindo não em artistas ordinários, mas representantes e juízes de uma tradição artística. Ou seja, instaura-se “uma dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação, cisão produzida por uma intenção meramente simbólica e destinada à apropriação simbólica”[3].

A respeito da constituição deste campo artístico erudito, gostaria de abordar um fato histórico nacional, a Semana da Arte Moderna, de 1922, pois constitui um cisma entre um padrão artístico que vigorava desde o final do século XIX e um novo padrão que reivindicava liberdade e reconhecimento no campo. É um caso que ilustra muito bem “a estrutura e o funcionamento da produção erudita”.

 

A Semana da Arte de 1922

(…) o campo da produção erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente cultural concedido pelo grupo de pares que são, ao mesmo tempo, clientes privilegiados e concorrentes”

 

A semana da Arte Moderna aconteceu na cidade de São Paulo de 11 a 18 de fevereiro de 1922. A exposição apresentava uma série artes plásticas, palestras sobre a modernidade, declamação de poesias e apresentações musicais. Os artistas participantes foram Mário de Andrade e Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, entre outros.  

Os artistas que idealizaram a semana propunham um rompimento com a estética vigente e por isso trouxe desconforto para or artistas consagrados da época. Na Europa o processo de mudança de padrão estético já vinha acontecendo e o que esses artistas fizeram foi fazer promoção desses novos padrões. As principais influências foram do cubismo, expressionismo e futurismo. A exposição teve grande imapacto na época, no entanto impacto negativo.

 

Isso ocorreu porque, segundo Bourdieu, as obras produzidas no campo erudito são, geralmente, inteligíveis para o público não-artista. Com isso os crtiticos, dotados de um reconhecimento, leêm as obras e indicam o que é bom e o que é ruim para o público. Acontece que há uma relação entre esses críticos e os artistas. Dessa maneira constitui-se uma arena fechada para a consagração, na qual só participa da disputa os que são legitimados por esses “juízes” que tem de forma subjetiva os critérios de classificação.

Um dos momentos onde fica mais clara a tentativa dos modernistas de entrar no campo, estabelecendo uma nova elite artistica, foi o poema “Sapos” de Manuel Bandeira, crítica ao Parnasianismo, que abriu a exposição e foi seriamente criticado.

A poesia parnasiana caracteriza-se pela sacralidade da forma, pelo respeito às regras de versificação, pelo preciosismo rítmico e vocabular, pela rima rica e pela preferência por estruturas fixas, como os sonetos. O emprego da linguagem figurada é reduzido, com a valorização do exotismo e da mitologia. Os temas preferidos são os fatos históricos, objetos e paisagens. Era a verdade arte pela arte, porque, segundo seus autores a poesia deve existir por si só, não dependendo de sentimentos. Entre seus adeptos havia Olavo Bilac. A seguir poesia de Olavo Bilac a respeito da língua portuguesa, Última Flor do Lácio:

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

 

          O Parnasianismo se constitui um bom exemplo a respeito do  campo erudito pela rigidez exigida pelos autores a respeito da métrica e dos temas tratados. E para criticar tal rigidez, o poema de Manuel Bandeira:

Os Sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

 

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…

           

O poema todo é uma afronta ao quebrar todo o padrão proposto pelos parnasianos e ainda ao criticá-los abertamente. Os artistas da Semana da Arte Moderna conseguiram o reconhecimento só com o tempo, tendo a exposição grande importância histórica em questões de contestação, de reclame de identidade cultural nacional e outros aspectos.

            Mais importante para o nosso estudo de cultura, a Semana de 22, mostrou que artistas disputam um campo no qual se briga constantemente pela sua arbitragem. Quem permanece no campo é quem dita as regras para que se faça parte dele, mas um rompimento através da constituição de uma consciência coletiva também é possível. Foi por causa desses artistas que procuravam quebrar a vanguarda que tivemos nomes como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Tarsila do Amaral e outros artistas hoje consagrados, que possivelmente não teriam valor nenhum caso permanecessem os valores do século XIX no campo.

 


[1] Bourdieu, Pierre. O mercado de bens simbólicos. In: Sergio Micelli (org.), Ed. Perspectiva, São Paulo, 2004, cap. 3 p. 100

[2] Idem, p.101

[3] Ibidem, p. 103

 

TRANÇAGEM – poema de jairo pereira

 

 

 

No cesto trançado

da fala

o ímpeto do fazer

construir

a poesia trançada

com as mãos

adornada com as  cores

da mata extinta

pintada à argila fresca

da beira do rio.

A poesia, cesto

de sentenças úrbicas

suspensa

nas árvores do pensar

pensado

o pensamento trançado

de fio a fio, nó em nó

no tempo

cesto trançado das idéias idas

revividas idéias vindas

das altas fontes do saber

redescobrir

de instintos produtivos.

Pés nus no chão de espinhos palavra

sobre palavra, signos entre

signos

tranço o cesto de meu viver, palavra

fagulhas do fogo aceso

do criar

transpasso a trança do terçado.

No cesto trançado do meu dizer

cabem todos os mundos

da palavra

a santa que satisfaz, a pura,

a odiosa a renomada, a bem aventurada, a que engana

o artífice na poesia.

Palavras, vozes que soam

no cesto trançado da fala

dentro dos ossos

antigos dos conceitos

:primitivas aparições:

LAVRADOR DE OUTONOS poema de joão batista do lago

Chegado é o tempo da colheita!

Há muitos frutos para se colherem

Depois dum verão causticante (e)

Antes que o inverno de águas torpes

Carregue para o leito das correntes

Toda beleza das rosas e das flores.

 

Venho dos campos de terras tombadas

Ardidas e calcinadas por mãos assassinas

Onde se plantaram o fogo do madeiro

Hoje a cruz de cinzas que volatiza a vida

Transformando todos os frutos em carvão

Enferrujando a lavoura e a água e o sal.

 

Lavrei-me de todas essas rudezas (e)

Diante do altar de todas as plantações

Viscerálgico como carpideira solitária

Fui carpindo uma a uma minhas dores

Plantando em cada semente visionária

A possibilidade de me ser toda floresta.

 

Todo o fruto da terra que ainda me resta

Colho-o com as mãos duma criança

Para comê-lo com o sabor da esperança

Visceral diante do altar da vida

Como se fora a última hóstia dos mortais

Para queimar o fogo dos dias finais.

 

Talvez assim – quem sabe! – o fogo pagão

Aprenda a arar a terra de todos os campos

Salvar todas as nascentes de qualquer Jordão

Capaz de banhar a vida com todos os encantos

Gerados do ventre da terra… E ao final

Cantar o terço numa oração de bem-aventurança.

 

SONHOS E DESEJOS poema de rosa mel

O sonho que eu sonho
Dou para ti em desejo
E em corpo eu deponho
O desejo que almejo

Estar em teus braços
Sedentos de amor
Mirando-me os traços
Tremulos de ardor

Derreto em teu corpo
Quente e aconchegante
É este o meu porto
Onde fico estonteante

Abrasador e envolvente
Mergulhado em minh’alma
Absorvente e carente
Onde busco a minha calma

Por entre corpos enroscados
Sem começo e nem fim
Pernas e braços entrelaçados
E a ternura brotando em mim

Muito grande esse tesão
Que por ti eu sinto e quero
E eu desperto num repelão
A mulher ardente e espero

Que ventura me cobrir
Com beijos apaixonados
No amor e no servir
Vivendo entrelaçados

COM O DIABO LÁ DENTRO! por ubirajara passos

A frase é um dos lugares comuns mais batidos, ainda que sempre hilário e chamativo: “moço, ele tá com o diabo no corpo” (ou no couro, dependendo da região ou contexto sócio-cultural em que é pronunciada). E nos dá conta de uma realidade, aparentemente, irrefutável, autônoma e sem maiores matizes: o sujeito foi “possuído” (no sentido mais ingênuo e simplório possível) pelo demônio e pronto! Não há mais o que explicar, questionar ou conjecturar. Salta aos olhos a visão do cara furibundo, a baba a escorrer de uma boca furiosa que profere os mais cultos e ferinos impropérios, ou debochados e “pornográficos” xingamentos; os olhos normalmente esbugalhados, o corpo tenso como um tronco de árvore, os membros a se movimentar de forma rápida e ríspida.

Mas o que eu não conhecia ainda, até umas três semanas atrás, é a versão sofisticada e insinuante do adágio. Uma estagiária, que segundo alguns é a versão “feminina” (com todas as qualidades clássicas prováveis que o adjetivo encerra) do Peruca, me entrou, outro dia, em pleno cartório, com aquele ar de quem havia visto o capeta e, tão circunspecta quanto um humorista inglês, nos contou que uma parte em disputa com outra numa audiência do Juizado Especial Criminal (aquele setor que, entre coisas, atende majoritariamente às reclamações do povão a crimes do tipo: “doutor, minha vizinha me chamou de corno”) lhe havia avisado, aos gritos: “moça, é bom chamar os brigadianos (os policiais militares do Rio Grande do Sul) que ela tá com o diabo lá dentro!”.

Juro que se não fosse o tom de humor contido da minha cara estagiária, eu não teria dado maior bola à frasesinha, tomando-a por sua irmã similar e mais comum, e teria continuado a maldita e insossa rotina dos cálculos judiciais – coisa, que no início é até interessante, mas depois de vinte anos se torna mais banal e sem graça que aquela matrona com que o leitor se casou aos quinze anos, gatinha linda, gostosa e doidona, e agora, aos sessenta, se tornou rabugenta e horripilante, o verdadeiro dragão do inferno.

O inusitado da situação, entretanto, despertou-me a atenção para a versão fora do comum da coisa. “Com o diabo lá dentro!?”. Antes de mais nada, dentro de quê? Se estar com o diabo no corpo é algo inespecífico, que não anima muitas dúvidas, o “lá” deixa a entender um órgão bem delimitado, de onde se extrai as mais diversas e estapafúrdias hipóteses!

“Lá” dentro onde? Na buceta, o que pode ser uma resposta tremendamente entusiasmante para os mais inveterados tarados, boêmios ou simples amantes da coisa mais gostosa e linda que a natureza criou como eu? Ou simplesmente no fígado, no pulmão nos rins, caso em que a possível conseqüência, além das obviamente supostas (como no útero, quando poderá, segundo os badalados filmes yankees nascer o anti-Cristo de uma “Rosimeri” qualquer, ou até mesmo o clone do Inácio dos Noves Dedos), pode tanto ir de um devastador câncer a um incremento dos portadores da peste emocional fascista. A idéia de se localizar no cérebro, ou no coração não é muito criativa, já pressuposta na expressão “diabo no couro”, mas, para os cornos mansos, “ter o diabo nos cornos” pode até servir de alguma coisa…

Porém, a coisa não fica por aí. Se está lá dentro por onde (e como) entrou? Sabendo que as possíveis respostas da anatomia (excetuada a capacidade de atravessar matéria sólida) envolvem não mais que uns sete buracos, dos quais pelo menos uns três se prestam à mais safada orgia, devemos crer que não se trata, provavelmente, de um diabo qualquer (se bem que “entrar o diabo pelo cu” é algo meio “vulgar), brigão e impertinente como chefe de repartição pública e maldoso e intrigueiro como puxa-saco de patrão, mas “O Diabo”, com todas as qualidades que justificam sua fama de rebelde e imoral perante o moralismo judaico-cristão, assim como a seus congêneres greco-romanos (Dionísio e Baco), africanos (Exu e seus comandados) ou islâmicos (os djins, gênios não necessariamente identificados com o mal, mas que fogem ao controle da razão burocrática ocidental). Ou seja, um diabo folgazão, putanheiro e sem-vergonha, e, dependendo do possuído, até adepto da Marcha do Orgulho Gay!

Seja como for, o pior de tudo é saber como tirá-lo de “lá”. Afinal, contra um capeta tão sofisticado e especializado (que bem poderia se enfiar no núcleo básico de formação da matéria e energia e criar meios de destruição, ou de transformação inusitada, do mundo “concreto” que conhecemos bem mais complexas que as bombas nucleares ou os pretensos poderes para-normais ou a alquimia) não é qualquer exorcismo de padre gagá, broxa e/ou pedófilo que resolve! E muito menos a atitude bronca e direitosa de qualquer comandante de polícia militar estadual enfrentando revolucionários de palhaçada por aí a fora… Presumo que para expulsar este tipo de entidade infernal somente uma overdose do prazer maior que justifica sua localização na parte precisa do corpo pode surtir efeito! Isto se não for um diabo viciado. Porque aí não tem jeito mesmo.

Seja como for, fica lançado o desafio aos leitores que se animarem a comentar esta crônica: onde é mesmo que o diabo se encontra, por onde entrou e como é que vai sair?

UM MUNDO DE COITADINHOS por philio terzakis

Dia desses, assisti ao tão falado documentário “O segredo”, da australiana Rhonda Byrne.

Pra quem não sabe, é o tal filme da polêmica, que fala da lei da atração universal: pensamento positivo atrai coisa boa, e pensamento negativo atrai coisa ruim (grande novidade!).

É um trabalho interessante pra quem nunca ouviu falar do poder da mente e quer aprender um pouco sobre o assunto. Quem já estuda o tema pode achar o filme superficial e materialista.

Já os anti-auto-ajuda vão vomitar.

Pra esses, ninguém pode dizer: “Vamos lá! Mude sua vida! Você pode! Tente pelo menos! Acabe com esse casamento que não funciona! Largue esse emprego do qual você não gosta! Sua vida é você quem faz! Faça um esforço, puxa!, em vez de ficar aí se lamentando nesse buraco!”.

Não, não. É coisa feia e tola de se dizer. É de dar vergonha, né? Em nosso mundo, o pessimismo e a crítica são muito mais chiques que o otimismo. Cabra inteligente não sai por aí dizendo que o mundo é lindo. Isso é coisa de gente burra, desse povo que lê livro de auto-ajuda.

Mas de se fazer de vítima, ninguém tem vergonha, né? De dar uma de coitadinho e acusar os outros das próprias misérias, todo mundo gosta e acha inteligentíssimo. Eu nem sei como o mundo agüenta essa superpopulação de coitadinhos. Todos são vítimas de tudo: do Estado, da crise econômica, do chefe, do marido, da esposa, dos filhos, dos países imperialistas, da televisão e de quem mais chegar.

É tanta inocência, Meu Deus! É tanto “eu não tenho nada a ver com isso”! Ô, tadinhos! Será que se criam?

Perfeitamente compreensível. O que é mais fácil: acusar os outros ou tentar mudar a si mesmo? Precisa responder? Se eu posso reclamar, porque danado vou fazer um esforço e tomar decisões radicais e enfrentar meus medos e talvez até, Meu Deus!, que terror!, quebrar a cara? E na frente de todo mundo!!!

Não. Melhor ser um coitadinho, né? E botar a culpa no Lula. Ou em qualquer outro aí, que esteja de bobeira, disposto a carregar o peso da minha ignorância, da minha preguiça e da minha covardia.

Quanto ao termo “auto-ajuda”, eu o acho até interessante, embora meio redundante. Que tipo de ajuda não é auto? Qualquer ajuda começa dentro da gente. Nem que seja pelo simples fato de pedir ou de aceitar uma ajuda.

 

AS MELHORES FRASES DOS PIORES ALUNOS

 

-O metro é a décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre e para o cálculo dar certo arredondaram a Terra!

 

-O cérebro humano tem dois lados, um para vigiar o outro.

 

-O cérebro tem uma capacidade tão grande que hoje em dia, praticamente, toda a gente tem um.

 

-Quando o olho vê, não sabe o que está vendo, então ele Amanda uma foto eléctrica para o cérebro que lhe explica o que está a ver.

 

-O nosso sangue divide-se em glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e até verdes!

 

-Nas olimpíadas a competição é tanta que só cinco atletas chegam entre os dez primeiros.

 

-O piloto que atravessa a barreira do som nem percebe, porque não ouve mais nada.

 

-O teste do carbono 14 permite-nos saber se antigamente alguém morreu.

 

-Antes mesmo da guerra a Mercedes já fabricava Volkswagen.

 

-Pedofilia é o nome que se dá ao estudo dos pêlos.

 

-O pai de D. Pedro II era D. Pedro I, e de D. Pedro I era D. Pedro 0.

 

-Nos aviões, os passageiros da primeira classe sofrem menos acidentes que os da classe economica.

 

-O índice de fecundidade deve ser igual a 2 para garantir a reprodução das espécies, pois precisa-se de um macho e uma fêmea para fazer o bebê. Podem até ser 3 ou 4, mas chegam 2.

 

-O homossexualismo, ao contrário do que todos imaginam, não é uma doença, mas ninguém quer tê-la.

 

-Em 2020 a caixa de previdência já não tem dinheiro para pagar aos reformados, graças à quantidade de velhos que não querem morrer.

 

-O verme conhecido como solitária é um molusco que mora no interior, mas que está muito sozinho.

 

-Na segunda guerra mundial toda a Europa foi vítima da barbie (queria dizer, decerto, barbárie) nazi.

 

-Cada vez mais as pessoas querem conhecer a sua família através da árvore ginecológica.

 

-O hipopótamo comanda o sistema digestivo e o hipotálamo é um bicho muito perigoso.

 

-A Terra vira-se nela mesma, e esse difícil movimento chama-se arrotação.

 

-Lenini e Stalone eram grandes figuras do comunismo na Rússia.

 

-Uma tonelada pesa pelo menos 100Kg de chumbo.

 

-Quando os egípcios viam a morte a chegar, disfarçavam-se de múmia.

 

-Uma linha reta deixa de ser reta quando encontra uma curva.

 

-O aço é um metal muito mais resistente do que a madeira.

 

-O porco é assim chamado porque é nojento.

 

-A fundação do Titanic serve para mostrar a agressividade dos icebergs.

 

-Para fazer uma divisão basta multiplicar subtraindo.

 

-A água tem uma cor inodora.

 

-O telescópio é um tubo que nos permite ver televisão de muito longe.

 

-A idade da pedra começa com a invenção do Bronze.

 

-O sul foi posto debaixo do norte por ser mais comodo.

 

-Os rios podem escolher desaguar no mar ou na montanha.

 

-A luta greco-romana causou a guerra entre esses dois países.

 

-Os escravos dos romanos eram fabricados em África, mas não eram de boa qualidade.

 

-O tabaco é uma planta carnívora que se alimenta de pulmões.

 

-Na Idade Média os tratores eram puxados por bois, pois não tinham gasolina.

 

-A baleia é um peixe mamífero encontrado em abundância nos nossos rios.

 

-Quando dois átomos se encontram, vai dar uma grande merda.

 

-Princípio de Arquimedes: qualquer corpo mergulhado na água, sai completamente molhado.

 

-Newton foi um grande ginecologista e obstetra europeu que regulamentou a lei da gravidez e estudou os ciclos de Ogino-Knaus.

 

-Pergunta: Em quantas partes se divide a cabeça? Resposta: Depende da força da cacetada.

 

-A trompa de Eustáquio é um instrumento musical de sopro, inventado pelo grande músico Belga Eustáquio, de Bruxelas.

 

-Parasitismo é o fato de um cara não trabalhar e viver à custa dos outros, de dinheiro, cigarros e outros bens materiais.

 

-Ecologia é o estudo dos ecos, isto é, da ida e vinda dos sons.

 

-A Biologia é o estudo da saúde. E para beneficiar a saúde é que foi inventado o biotonico.

 

-As constelações servem para clarificar a noite.

 

-Ao princípio os índios eram muito atrasados mas com o tempo foram-se sifilizando.

 

-O Convento dos Capuchos foi construído no século 16 mas só no século 17 foi levado definitivamente para o alto do monte.

 

-A História divide-se em 4: Antiga, Média, Momentânea e Futura, a mais estudada hoje.

 

-A Bigamia era uma espécie de carroça dos gladiadores, puxada por dois cavalos.

 

-As aves têm na boca um dente chamado bico.

 

-A Terra é um dos planetas mais conhecidos e habitados do mundo.

 

46850coala primo irmão da “preguiça”. foto livre.

NO ESCURINHO DE LISBOA por alexandra prado coelho (Portugal)

DEFICIÊNCIA E ORIENTAÇÃO SEXUAL

Deficiência visual

 

Na escuridão temos que nos socorrer dos outros sentidos. Distinguimos sons que nunca ouviríamos antes, surpreendemo-nos porque os olhos não nos avisaram

que os nossos dedos iam tocar em algo frio ou molhado ou rugoso, identificamos locais pelo cheiro, tentamos perceber sabores de alimentos sem cor. Duas experiências – um passeio por Alfama e um jantar de cozinha molecular – às escuras em Lisboa.

a Confiança cega. Agora percebemos exactamente o que a expressão quer dizer.
Agarramos o braço do guia, logo acima do cotovelo, e vamos caminhando, passo inseguro, venda nos olhos, de vez em quando um braço à frente, tacteando o ar. “Cuidado, não gesticules tanto, ias batendo na cara de um senhor”, avisa Tiago. É ele o nosso guia nesta visita do projecto Lisboa Sensorial, uma ideia do estúdio criativo Cabracega, em colaboração com a Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), os Lisbon Walkers, e a Associação do Património e da População de Alfama (APPA).
Nas ruas estreitinhas de Alfama esse é um risco grande. As pessoas desviam-se, mas pode não haver espaço suficiente e podemos, inadvertidamente, atingir alguém. O melhor é manter os braços baixos afastando-os só um pouco do corpo para sentir a parede, o corrimão, as grades de uma janela, uma porta. Depois vamos aprendendo. Um bruáaa significa que passámos em frente de um café – ouvem-se pedaços de conversa, frases soltas – depois percebemos que a parede recomeçou, mais à frente é o olfacto que nos ajuda, o cheiro revela que é um talho.
“Podes baixar-te”, diz o guia. “O que é isto?”. É peludo, tem temperatura de ser vivo e mexe-se. “Um cão?”. Acertámos. Mas onde está a cabeça? “É do lado oposto a esse”. Ahhh….
A experiência é sensorial a todos os níveis à excepção de um. “Esqueçam os olhos”, pede Carlos, o guia cego da ACAPO, no início da visita. De qualquer forma não temos alternativa. Com a venda posta perdemos aquele que é, muitas vezes sem termos real consciência disso, o sentido em que mais confiamos.
Tentamos então recorrer à memória que temos das ruas de Alfama e procuramos traçar um mapa mental do caminho que estamos a percorrer. Se virámos à esquerda devemos estar a entrar naquela rua que sobe, de repente o ar muda, os sons alteram-se e estamos num largo. Ah, deve ser o largo tal, mas quando tentamos confirmar, perguntando, descobrimos que o nosso sentido de orientação (que não é grande coisa, admitamos) nos deixou ficar mal.
Antes de começarmos o passeio tinham-nos sido dadas algumas instruções básicas. Um braço do guia atravessado em frente da nossa barriga significa que temos que parar, provavelmente porque há escadas para descer. E se for numa rua estreita temos que nos pôr em fila indiana, mão direita no ombro de quem vai à nossa frente. Depois os pés tacteiam o chão, deslizando prudentemente até ao que parece ser o degrau.
Ar fresquinho Quando o piso incerto de Alfama se torna, subitamente, liso debaixo dos nossos pés, isso quer dizer alguma coisa. “O adro de uma igreja”, lança alguém.
Era. Já distinguir tipos de árvores pelas rugosidades do tronco e o formato das folhas é um trabalho para especialistas. Mas perceber que estamos agora junto ao gradeamento de um miradouro é mais fácil, quanto mais não seja pelo ar fresquinho que nos dá na cara e por os sons parecerem vir de muito longe, lá em baixo.
Mais à frente atravessamos uma zona com muita gente, sentimos os corpos a passarem ao nosso lado, desviamo-nos sem saber se o estamos a fazer para o lado certo. “Há um grupo de turistas que está a olhar para nós com um ar espantadíssimo”, conta Tiago. Isso é o que menos nos incomoda. Não vemos as expressões de espanto nos rostos deles – é como se não existissem. “Para vocês é uma vantagem”, explica Tiago, a rir. “A pressão social fica toda connosco”.
Os guias continuam a conduzir o grupo que, às apalpadelas, lá avança por Alfama. Desta vez entramos num sítio coberto e tocamos em algo informe e molhado.
É uma peça de roupa num tanque num lavadouro público. Tacteando o rebordo do tanque, avançamos até ao estendal e tentamos, pelo formato, distinguir as peças de roupa penduradas. É tempo de nos sentarmos e ouvirmos Carlos explicar como, sem ver, escolhe a cor da roupa que quer vestir.
Mais à frente, Carlos há-de tocar fado, claro, mas também modinhas brasileiras. E no fim, de olhos ainda vendados, iremos testar o paladar, o sentido que ainda nos faltava. Parece tão evidente aquele sabor, mas porque é que não o conseguimos identificar?
A refeição Mas essa é uma pergunta que já tínhamos feito inúmeras vezes na noite anterior. Estávamos no restaurante Bem-me-Quer, junto à Praça do Chile, em Lisboa, e… não víamos absolutamente nada. Foi um Jantar Sensorial, antes do passeio sensorial por Alfama. A ideia é de Paula Cascais, dona do Bem-me-Quer e inspira-se no já famoso restaurante Unsicht Bar de Berlim, onde se come às escuras.
Agora, às quintas e sextas à noite, isso também é possível em Lisboa. Por enquanto, Paula só aceita grupos reduzidos, para ver como resulta, e para deixar Ana Serôdio adaptar-se à sua nova tarefa. Ana é cega desde os cinco anos e nunca tinha servido à mesa num restaurante. Mas aqui é ela quem, de todos nós, mais à vontade está na escuridão total da sala. Há uma música de fundo baixinha, mas como nada nos distrai a vista sentimos mais intensamente o silêncio da sala, e isso leva-nos a conversar de uma mesa para outra. Entrámos ali como desconhecidos, mas, no “escurinho do restaurante”, falamos como velhos amigos, fazendo perguntas a Ana, que, com infinita paciência, responde a tudo. Sim, em casa é ela quem cozinha, não, não tem medo de usar facas, sim, ficava sozinha com a filha quando ela era pequena, sim trabalhou 17 anos num banco e agora está a tirar um curso de informática, não, Lisboa não é uma cidade adaptada a cegos. “Às vezes sinto-me mesmo revoltada, tento controlar a revolta, mas é difícil quando vou na rua e há tantos obstáculos que não nos deixam passar”.

Foi por causa disso que Paula pensou neste projecto. Tinha à porta do restaurante dois grandes vasos com plantas e só quando viu um programa sobre os obstáculos que os cegos enfrentam nas ruas é que pensou “ai, os meus vasos”. Depois falou com a ACAPO e descobriu a Ana. Mas um jantar às escuras não lhe parecia suficiente para clientes que já conheciam bem a cozinha vegetariana do Bem-me-Quer, por isso decidiu entrar não numa mas em duas aventuras simultâneas:
o que comemos às escuras é cozinha molecular, feita pela Paula em colaboração com o Cooking Lab.
Descobertas A primeira descoberta é a de que, se não as virmos, decoramos mais facilmente o nome das pessoas. O nome e o som da voz são as referências a que nos agarramos quando, sentados à mesa no meio da escuridão, não nos podemos socorrer de olhares e gestos – se nos queremos dirigir a alguém temos que o chamar pelo nome.

À nossa frente quando nos sentamos está já uma taça com alguma coisa lá dentro. O truque, aprendemos rapidamente, é começar por tentar perceber o formato do recipiente. No restaurante da Paula pode ser de muitos formatos, redondo, quadrado, semi-oval, quadrado pequenino. No caso desta entrada, a ideia é pegar-lhe com a mão e levá-la à boca. Não ter o cérebro a enviar-nos mensagens sobre o que os nossos olhos acabaram de ver e a preparar as nossas papilas gustativas para um sabor que guardamos na memória faz toda a diferença.
Quando a comida chega à boca não temos nenhuma informação sobre ela. Começa o jogo de detectar sabores, perceber formas. Chegam depois três copos, dois quentes e um frio. São sopas com sabores inéditos. A seguir vem o prato principal, ou melhor, os três pratos que compõem o principal, e o desafio é cada vez maior. Os dedos percorrem a margem dos pratos, depois deslizam cautelosamente até ao interior. Não há facas nem garfos, mas uma colher, com a qual percorremos o fundo dos pratos tentando perceber se nos escapou alguma coisa. Tornamo-nos mais intuitivos.
Na escuridão a conversa continua. Mantemos hábitos inúteis – viramos na direcção de quem fala e pomos uma expressão de quem está a ouvir com interesse.
Mas acenar com a cabeça ou sorrir em silêncio não resulta. É preciso falar.
As sobremesas são supreendentes. Uma delas faz estalinhos na nossa boca e o som, como pipoquinhas a estalar, ouve-se claramente na sala.
Ana aproxima-se mais uma vez. Tocando levemente na mesa e no nosso braço localiza o prato e levanta-o. Depois, com os mesmos gestos serenos, traz-nos um chá. O jantar está a acabar. Tivemos sempre os telemóveis desligados e não fazemos ideia de que horas são.
A comida estava deliciosa. Mas para o sabermos foi preciso arriscar.
Confiança cega. Agora sabemos o que isso é.

Lisboa Sensorial – Passeios às cegas por Alfama 26 de Julho às 11h (provavelmente serão retomados em Setembro) Sujeito a marcação prévia (máximo de 8 participantes) Preço: 20 euros (reverte inteiramente para a ACAPO) Telf: 913806479

Jantar Sensorial Restaurante Bem-me-Quer Av. Almirante Reis nº 152 r/c e 1º esq.
Quintas e sextas-feiras (por marcação) Preço: 40 euros Telf: 218476678

 

A MENINA AFEGÃ pela jornalista niara de oliveira

 


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Essa menina de olhos expressivos foi fotografada quando tinha 12 anos pelo fotógrafo Steve McCurry, em junho de 1984. Ela estava no acampamento de refugiados Nasir Bagh, do Paquistão, durante a guerra contra a invasão soviética. Sua foto foi publicada na capa da National Geographic em junho de 1985 e, devido à expressividade, a capa converteu-se numa das mais famosas da revista e do mundo.

Ninguém sabia o nome da menina, nem mesmo McCurry. Depois de 17 anos de busca, em janeiro de 2002 ele reencontrou-a, agora com 30 anos de idade, e pôde saber seu nome. Sharbat Gula vive numa aldeia remota do Afeganistão, é uma mulher tradicional, casada, mãe de três filhas. Ela regressou ao Afeganistão em 1992.

Para McCurry, “A Menina Afegã” era apenas mais uma de tantas crianças que fotografou naquela época, mas a foto fez tanto sucesso que o assombrou por anos como pesadelo.

O fotógrafo não sabia responder nem a mais simples das perguntas nas inúmeras cartas recebidas pela revista: Quem era a garota? Qual o nome? Como ela está hoje? A National Geographic produziu um documentário em 2002, intitulado: “Uma Vida Revelada”, que descreve a busca incansável e persistente de McCurry pelo paradeiro da menina que comoveu o mundo com seu olhar.


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A menina afegã, com olhar menos expressivo, mais maduros, experientes e tristes, reza para que suas três filhas tenham pelo menos uma boa educação, coisa que ela não conseguiu devido às condições financeiras e pelo sofrimento da guerra. Nem ela e nem o marido sabiam do sucesso da fotografia, são pessoas muito simples e não assistem tevê, não compram jornais e nem tiveram acesso à revista onde Sharbat foi capa. Na foto acima, em 2002, durante as gravações para o documentário, Sharbat não soube dizer se estava com 29 ou 30 anos porque não possui registro.

GAÚCHOS (sic) TEXANOS NA CULTURA – por ademir canabarro

gaucho-na-doma2

o peão GAÚCHO na doma. ORIGINAL, sem encenação e fantasias.

 

 

gaucho-texanos-na-cultura-materia-000747peão brasileiro  fantasiado de “peão texano” USA. se aculturando, infelizmente. os peões de todas as regiões do Brasil sempre usaram suas roupas tradicionais, que vestiam no dia-dia da vida campeira. lamentável. mas as griffes…$$$$$$!!!! 

 

Assistindo a um vídeo de um Rodeio Gaúcho aqui de Santa Catarina vi peões montando sem a indumentária exigida ou que deveria ser exigida nos Rodeios Crioulos.

O Art. 22 do Regulamento Campeiro do MTG/SC estabelece que: os participantes de todas as modalidades deverão apresentar-se devidamente pilchados, assim como os seus cavalos deverão estar devidamente encilhados. Vi, também, peões montando de calça jeans, bombachinhas argentinas – ou como se diz, calça com punho – e poucos usando a tradicional bombacha gaúcha da Tradição do Rio Grande.

Mas o que mais me espantou foi o uso indiscriminado da chaparreira, uma indumentária usada nos Rodeos norte-americanos e que entrou no Brasil certamente pelo Rodeio Country de Barretos, no Estado de São Paulo. Também conhecida como Charrão, a peça é uma espécie de calça de couro com franjas, que o peão coloca por cima do jeans, durante a gineteada.

 

Infelizmente, são poucos os Patrões de CTGs que exigem a tradicional Pilcha Gaúcha Brasileira nos Rodeios Crioulos Gaúchos. Aos que exigem a indumentária completa e correta dos sul-brasileiros, os meus parabéns! Estão preservando a pureza da Cultura Regional Gaúcha do Sul do Brasil. Aos que não a exigem, gostaria de lembrar que estão colaborando para a deturpação da rica Tradição dos Gaúchos Sul-brasileiros; que estão esquecendo do principal objetivo de um Centro de Tradições Gaúchas do Rio Grande do Sul, que é o de ser o mantenedor dos usos e costumes tradicionais dos interioranos sulinos e da História do Povo Gaúcho Brasileiro. Além disso, demonstram, agindo assim, uma grande ignorância ao permitirem que peões usem indumentárias estranhas à Tradição dos Campeiros do Sul do Brasil, no âmbito do Movimento Tradicionalista Gaúcho Brasileiro organizado.

 

Mas, será só por ignorância? Bem, aqueles que têm dúvidas devem ler, informar-se e melhor se preparar para que não venham a permitir essas e outras aberrações desse tipo em seus Rodeios Crioulos Gaúchos. E além do mais, as regras para um Rodeio da Tradição Gaúcha estão publicadas no sítio do próprio MTG/SC, à disposição de todos os interessados. Tornar-se-á cúmplice desse assassinato cultural só aqueles que assim o quiserem. Ou será que há outra explicação para essas incoerências? Ou quem sabe algum peão gaúcho foi ao Rodeio Country de Barretos e viu os peões usando a chaparreira – aquele pedaço de couro balançando nas pernas do cowboy -,e o chiru achou bonito e trouxe essa texana indumentária para os nossos Rodeios Crioulos – da Terra -, contando com a conivência ou a falta de pulso de alguns Patrões de certas Entidades Tradicionalistas Gaúchas?

 

E dessa forma entrou mais um objeto estranho no Tradicionalismo Gaúcho Brasileiro, sendo também aceito como algo normal nos Rodeios Crioulos Gaúchos Tradicionalistas.

Pergunta-se: qual a incumbência do Coordenador Regional do MTG? Não seria papel dele fiscalizar os Rodeios e exigir que as Patronagens cumpram as diretrizes culturais do Tradicionalismo Gaúcho?

 

Se não é dele esta tarefa, de quem seria, então?  

 

 

(do colaborador e Mangrulho do ONTG no Sul do Brasil, Ademir Canabarro: um Missioneiro!)

 

NÓS, SOMOS GAÚCHOS! poema de josé itajaú oleques teixeira

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Nós somos gaúchos e não sertanejos;

nós temos cultura e os próprios festejos;

nós temos uma terra, um regionalismo;

nós temos o nosso Tradicionalismo.

O nosso fandango nunca foi bailão;

nós temos um Pago e uma Tradição;

nós somos gaúchos bem brasileiros;

nós só imitamos o Rio Grande campeiro.

Nós somos gaúchos, não somos modistas, com fins culturais e não mercadistas;

não temos intuito perverso, assassino;

zelamos a História, a Cultura e um Hino.

Nós somos gaúchos, não só rio-grandenses;

não somos do Texas e nem rio-platenses;

nós temos um Pago, somos nativistas:

nós somos Gaúchos Tradicionalistas!

O SONHO GEOMÉTRICO DE ESCHER por flávio calazans

Mauritis Cornelius ESCHER nasceu na Holanda em 17 de junho de 1898; lá abandonou a escola de arquitetura para ser artista plástico, dedicando-se às obras de arte em sua possiblidade de reprodução em cópias múltiplas, as gravuras sobre metal, pedra e madeira.

            Em 1935 reside em Granada, Espanha, onde apaixona-se pelos arabescos geométricos do castelo de Alhambra, construído pelos árabes, e do estudo dos arabescos Escher desenvolve um estilo próprio, empregando brincadeiras com a geometria para ampliar a percepção e expandir a consciência por meio da arte.

            Incompreendido pela crítica de sua época, Escher escreveu artigos tentando explicar o inexplicável: um trabalho inovador e fora dos parâmetros previsíveis, obra coerente e original ao extremo, genialidade que hoje é “Cult” e clássico entre quem sabe apreciar a arte.

            Em um artigo sobre artista gráfico e artista plástico, Escher explicou que a vida só pode ser percebida pelos contrastes, e esta paixão quase barroca espanhola leva Escher a explorar o que a Psicologia da Gestalt chama lei da Figura-Fundo, contrastando massas pretas e brancas em gravuras com anjos e demônios, por exemplo, onde a consciência foca a figura dos anjos enviando os demônios como fundo subliminar, entre tantas outras.

            Por vinte anos Escher pesquisou cristalografia, a estrutura dos cristais (lembrando que o elemento carbono é a origem dos diamantes e da vida orgânica na Terra) e a refração da luz pela física óptica, além de estudar astronomia desenhando detalhados mapas estelares do céu noturno; chegando a desenvolver teorias próprias sobre cristais e estrelas que contribuiram para que desenvolvesse uma nova perspectiva na qual as linhas paralelas em um ponto do espaço tornam-se convergentes a um ponto de fuga piramidal; como se olhando sob fios de um poste telegráfico, deslocando a cabeça até o ponto em que as linhas paralelas correm para o horizonte.

            Escher afirma que seus contrastes e paradoxos visuais buscam causar um “salto” de percepção no observador-fruidor-público, questionando a realidade física, o continuum espaço-tempo, efetuando metamorfoses inesperadas entre formas de vida diversas e até elementos inorgânicos, além de imagens que encaixam-se umas nas outras reduzindo-se ao infinito (o que antecede em 1940 o que viria a ser a geometria fractal de Mandelbrot de 1980).

            Sempre dasafiando os limites, bordas e fronteiras, Escher cria uma arte delirante, diferente, subliminar, que atinge intensamente todos os que detem-se para sentir longamente seus paradoxos e impossiblidades visuais. Idéias e símbolos místicos e esotéricos preenchem sua obra discretamente, e Escher escreveu confirmando que depois de prontas descobria nas gravuras axiomas místicos como “o que está acima é como o que está abaixo” os quais eram ilustrados e demonstrados visualmente, evidências esotéricas iniciáticas de arquétipos do Inconsciente Coletivo..ouroboros, espirais, sinais zodiacais e cabalísticos, caveiras iconesas subliminares e camaleões cósmicos povoam as obras.

            Combinando e cruzando a Teoria Gravitacional de Newton com a Relatividade de Einstein e com imagens religiosas persas, egípcias, chinesas, etc…como conteúdo e como forma a geometria dos cristais e das mesquitas mouras, Escher surpreende o leitor atento a cada imagem com um desfile desafiador de impossiblidades que falam por sí, um discurso para quem abre bem os olhos.

            Consciente, Escher explica sua obra entre arte e ciência: “Minhas imagens requerem explanação por que sem isto elas permanecem muito herméticas”.

            Escher contava histórias em imagens, nas quais o espectador encontra a sí próprio refletido, suas próprias dúvidas e inquietações cósmicas sobre crescimento e metamorfose projetadas nas figuras.

            “O construtor, o arquiteto, nada mais é do que um escravo da gravidade” provoca Escher em outro texto.

            A gravitação de Newton é questionada nas perspectivas impossíveis de cachoeiras em castelos e escadarias múltiplas que inspiram até abertura de telenovelas de Hans Donner na Rede Globo de Televisão.

            O ritmo de suas gravuras é musical, ele mesmo pergunta-se: “É possível comparar a imagem visual com o som audível?”.

            Em uma crítica ao racionalismo, Escher mostra desenhos perfeitos em seus detalhes mas escondendo truques de perspectiva ilógicos em um desafio à razão, Koans, paradoxos visuais convidando a transcender a mente e os estreitos limites da lógica.

            Desafiando a Biologia, Escher cria o “Bicho-rodapé” como um tatú de seis patas que enrola-se sobre sí mesmo em espiral para andar, imagem de desenho animado.

            Incompreendido e isolado, fazendo imagens muito à frente de sua época, Escher cria um universo que esconde uma complexa superpopulação variada e rica como reflexo de seu mundo interior sensível e avançado, racional mas transcendendo os limites da razão.

            Escher demonstra que a arte tem um poder visual de ampliar os horizontes da nossa percepção da realidade, e hoje sua obra é estudada em faculdades de arquitetura e ilustra livros de física teórica.  

 

 

 

 

RETRATO poema/gaúcho de delci josé oliveira

(Romance das Mulheres dos Guerreiros)

 

 

De certo guardava luto,
porque sóbrio era o vestido.
Na linha austera dos lábios,
nem sinal do riso ausente
se podia adivinhar.
Havia traços do Oriente
e uma plácida tristeza
de névoa crepuscular.
Presos na coifa, os cabelos
sugeriam a nobreza
dessas damas de além-mar.

Eram tristes as mulheres,
no tempo desse retrato…

Mulheres de homens campeiros
nos horizontes abertos
para as grandes recorridas,
duras domas e tropeadas
como não se fazem mais.
Uma vez ganhando a terra,
os homens faziam guerra
pra garantirem a paz.

Homens chegados da Ibéria
ao chão dadivoso e rico,
onde o seu sangue beduíno
verteu-se em seiva de angico
e no pampa enraizou.

Quando os homens reuniam
laços, cavalos e lanças
e se alçavam ao campo
com indômita esperança,
essas místicas mulheres
sabiam do seu mister;
e nas casas das estâncias,
nos ranchos desamparados,
ficavam só as crianças
e os velhos – aos seus cuidados.

Elas cuidavam de tudo,
lavouras e plantação,
fiando a lã para os ponchos,
moendo o trigo para o pão;
criando gerações novas
de caudilhos e campeiros,
a rigor de sacrifícios,
de minuanos e mormaços,
porque esta terra pedia
as primícias do seu sangue
e as bênçãos do seu suor.

Eram fortes as mulheres
no retrato desse tempo….

Essas mulheres trigueiras
dos ranchos de palha e barro
faziam suas trincheiras
contra os bandidos andantes
e colunas estrangeiras;
e, das filhas que salvavam,
a seu exemplo formavam
novas mães e companheiras.

Aos fluidos da primavera,
quando o verde renascia,
e se tramavam os ninhos,
e floriam mal-me-queres,
e as fêmeas eram fecundas,
– coitadas dessas mulheres!

Na voz dos ventos pressagos
vinham cantigas ausentes,
apresilhando os sentidos
como silícios ardentes,
como pesados grilhões…
e a música igual dos grilos
espicaçava o silêncio,
como esporas anunciando
a volta dos seus varões.

Eles chegavam cansados,
quando não vinham feridos
(assim mesmo quando vinham),
para mudar de cavalo,
para fazer mais um filho,
porque a terra merecia
esse holocausto de sangue
em louvor a Liberdade,
para a nova sociedade
viver num mundo melhor.

E as mulheres prestimosas,
pacientes sacerdotisas,
bem guardavam na memória
de milenar ascendência
medicinas misteriosas
contra as dores e feridas;
e, em vigílias comovidas,
ao brando abrigo das quinchas,
dos seus dedos delicados
floresciam os bordados
das bandeiras e das vinchas.

Era servis as mulheres
no retrato desse tempo…

E como eram solidárias
na lida dos ajutórios,
nos partos e nos velórios
e nos transes e responsos
dos terços tristes, chorados
por alma dos que morriam!

Rijas mulheres do Pampa!
Enlutadas heroínas
que se chamaram de “chinas”
por esse esquivo recato
e pelos olhos rasgados,
deixados de herança índia
nos sangues miscigenados!

Decerto delas herdamos
essa força primitiva,
essa fé que nos anima,
que mantém a raça viva,
perene através da idade.
Da mulher quase cativa
nasceu essa gente altiva
que ama tanto a Liberdade!

Eram mulheres de fato
essas Senhoras do Pampa
no tempo desse retrato!

 


NO PLÁGIO TE ROUBAM UM POUCO D’ALMA por valdeci gonçalves da silva

 

“Mas quando falamos de seqüestro da subjetividade, não há a necessidade de cativeiro material. O roubo é mais profundo, pois é levado muito mais que a materialidade da vida” (FÁBIO DE MELO – Padre).

No dia 21 de outubro de 2008, recebi um e-mail que dizia: “Gostei do artigo X, mais gente gostou, tanto é que o seu trabalho foi publicado como sendo de Fulana de tal, no Jornal Y, da cidade Z, na página…, exemplar do dia 21 de outubro (hoje), …”. Até então esta notícia me soou meio irreal, embora ciente de que o informante, devido às suas responsabilidades e seriedade, não perderia seu tempo com pegadinha ou algo do gênero. Bem sei que o bicho homem é propenso a tudo, mas é como se eu tivesse, num primeiro momento, dificuldade de aceitar a realidade de que alguém fosse capaz. O dito ser humano se encarrega de práticas monstruosas a ponto de arrastar criança dependurada em carro; jogar filha pela janela do prédio (o que é bem diferente da monstra que, mesmo jogando seu bebê num lago ou córrego, compreende-se que foi levada pelo desespero ou loucura da psicose puerperal, etc.), e de tantas outras barbaridades que me fazem indagar: Esse tipo de vivente pode ser chamando de humano? Ou é humano por ser exatamente isso: Monstro? Se, com bastante freqüência, dispensam suas habilidades em coisas horripilantes, plagiar…

Minha inicial incredulidade, talvez, também tenha a ver com o fato de que as pessoas, nas figuras de advogados, procurador, professores, padre, estudantes e outros, ao se utilizarem dos meus textos para argumentar suas peças jurídicas, como recurso didático em sala de aula, e fundamentar tese, dissertação, trabalho monográfico de conclusão de curso, respectivamente, sempre tiveram a decência de me pedirem autorização. Isto tanto no Brasil quanto em Portugal, e algumas ainda tiveram a gentileza de me enviar o material. E, também nos sites que permiti meus textos, bem como aqueles que copiaram sem me consultar, a todos que tive acesso, até hoje, fizeram uso do procedimento ético de citarem autor (a minha pessoa) e fonte (www.algosobre.com.br). Apenas em um, possivelmente o responsável pela postagem, dizia ter descoberto um texto interessante e que fizera algumas alterações. Meio eufórico chamava a atenção para que os internautas o lessem. Percorri, atentamente, todo o texto e pude constatar que o mesmo se encontrava na íntegra. Assim, as mudanças anunciadas, na verdade, só podia se tratar do referencial bibliográfico que não constava.

A única notícia de plágio que tomei conhecimento foi de um atribuído a Paulo Coelho em relação ao texto de uma psicóloga chilena. Em termos de vivência que me ocorrera foi dar apoio (indicando alguns endereços solicitados) a uma colega cujo ex-aluno nosso havia plagiado e apresentado um dos seus trabalhos num congresso. Mas, naquele momento não me toquei em pergunta-lhe qual era o seu sentimento de ter sido plagiada. Depois de plagiado perguntei para ela que me disse ter sentido muita raiva e a sensação de roubada. No seu caso, o plagiador que já ocupava a função de professor em duas universidades, “teve a dignidade” de pedir exoneração das mesmas, e se recolher à sua cidade de origem. Mas, diante de vários parágrafos, meus, recortados e montados para formar um texto assinado por outra pessoa, com o mesmo título do qual se deu apenas ao trabalho de retira-lhe os dois pontos! Tive a sensação de insegurança, de invasão, de constrangimento, desrespeito e falta de chão. É como se o ladrão, ou melhor, a ladra tivesse desfilando com peças prediletas do meu guarda-roupa, e eu vendo tudo aquilo sem poder, de imediato, desmascará-la e resgatar o que é meu, a deixando nua em pêlo diante de todos. Mas tenho que resolver de modo informal a partir de alguma negociação ou na legalidade por meio da justiça.

Mas essa analogia ainda não parece suficiente para explicitar meu sentimento. Porque, para adquiri qualquer outro objeto o que basta é ter dinheiro suficiente, ir até a loja e sair satisfeito com a compra na sacola. Mas o plágio de um artigo é o roubo de algo que nasceu das entranhas da mente, vísceras e coração depois de um período, geralmente sofrido, de gestação. O roubo do produto intelectual não pode, simplesmente, ser comparado ao furto de um objeto que não implica, comumente, em nenhum grande dispêndio de energia além do encanto pela sua beleza, utilidade e prazer do poder aquisitivo ou de compra, porque está pronto. O máximo do que pode precisar é de se fazer algum pequeno ajuste, e ter disposição para usá-lo. Enfim, o artesanato conseqüente das inquietações, angústias, gastos financeiros, sacrifícios, não pode ter a mesma valoração do objeto fabricado alienadamente em série, anônimo, impessoal e em surpreendentes quantidades.

Roubo por plágio é como se te levassem um filho, não um recém-nascido com qual se teve pouca convivência, apesar da grande espera e expectativa, mas gradinho com o qual já se teve uma história, um investimento emocional, cuidados devotados  para vê-lo se desenvolver saudável. Além da praxe que afirma: Criança dá trabalho. E todos os filhos, como dizem, são igualmente queridos. Embora que, com alguns, se tenha mais afinidade. Nesse episódio, me levaram um dos quais eu mais me identificava, por isso o vazio da impotência parece aumentado. É uma sensação de ter o coração cheio de amor para dá a esse filho, os peitos cheios de leito, mas sem jamais poder amamentá-lo. Na medida em que, paralelo a isso, vislumbro uma aura de impureza, uma sensação não mais de acolhimento, mas de rejeição. O filho já não é mais o mesmo, foi mexido, violentado, adulterado, alguém está, indevidamente, se deliciando com a proximidade da sua companhia, o vendo crescer, sorri, indagar com perguntas de “gaveta” sobre as “banalidades” do existir.

O processo de criação, obviamente, não acontece à toa. A fecundação, por regra, é conseqüência de uma orgia, da promíscua entrega aos mais variados autores, etc. Num primeiro momento, sou tomado pela febre da inquietação daquilo que não se encaixa, que parece incongruente, que falta algo sobre o qual ainda precisa ser dito, ou que apesar de toda fala ou descrição a respeito ainda sugere incompleto. Como se a verdade tivesse sido revelada, mas não toda a verdade, ou, pelo menos a verdade que eu a entendo como primordial. E, por vezes, também a necessidade de questionar aspectos anormais, bizarros, que parecem perfeitamente integrados à paisagem e cristalizados no pensar e fazer profissional, no cotidiano das interações e relações íntimas. Em vista disso, acho que não consigo viver pura e simplesmente como um animal. A vida vivida apenas pelo prazer hedônico de gozá-la não me interessa. A existência me inquieta, Deus me provoca, a sociedade me incomoda e que quero utopicamente aplacar, traçar um perfil suportável desse insuportável que, por vezes, me ultraja a condição digna de cidadão brasileiro. Uma vez fisgado por essas dúvidas, me vem o desejo de esclarecê-las, de entendê-las melhor. Porém, enquanto isso está sendo gestado, durmo ruminando a idéia e acordo me se espreguiçando com novos insights ou ainda mais angustiado.

Essa gravidez cresce, e para aliviar o peso dessa barriga enorme e invisível, como toda prenha (palavra horrorosa) se empenha no bem estar do feto (termo detestável, me sugere coisa estragada, podre, e não à bela imagem de um serzinho em formação) e preocupação com o seu futuro de bebê corre, sem pudor, atrás de exames, ajuda médica. Em suma, para ser acompanhada, eu corro para as livrarias. Vejo primeiro o que tenho disponível na estante da casa, livros, revistas. Mas a vontade de sentir o descendente forte, não me faz se contentar com o habitual ou caseiro, procuro fortalecê-lo com o que existe de mais atual e moderno. Não com o propósito de segui-lo, mas que sejam parâmetros para situar minhas argumentações no contexto da contemporaneidade. Nem sempre encontro o que quero ou espero nesses supermercados do saber, faço pedidos, vou a sebos. Algumas bulas sumárias parecem promissoras e, por isso, levo alguns volumes para mais tarde descobrir que são pouco calóricas. As histórias se repetem, e é comum constatar a ausência do essencialmente novo, a maior parte é de idosos, ou mesmo, caducos, maquilados de releituras. Mas a cata continua, na Internet, etc., até o ponto de me certificar de que todas as fontes disponíveis foram esgotadas.

O próprio feto ajuda, tem uma orientação intrínseca. Não raro direciona, ele parece saber o momento preciso de parar e anunciar o esboço dos seus contornos faciais. Como geralmente meus rebentos são polêmicos, por isso procuro me fundamentar. Convém salientar que, ser polêmico, não é nada mais nada menos do que não ter preconceito, não mascarar, dizer naturalmente o que pensa e sente. Até porque há uma forte e imediatista sedução social para tudo que é sem alma, de fachada, oco e artificial. Uma evasão em massa, tonta, desorientada feito besouro na claridade pronta para se incrustar e se acomodar na camada mais superficial dos vernizes. Polêmico é não esconder, e se dispor em se ariscar de trazer para visibilidade aquilo que boa parte, por conta do medo, do narcisismo prefere manter encoberto. O costume do faz de conta parece mais ardente do que a intenção compromissada de inquietar, de provocar substanciais mudanças. E, assim, em meio às bobagens ou discussões fúteis tentam tamponar o que de fato são os ingredientes que motivam os dramas, os atrasos, as injustiças, etc.

Vivemos a fantasia e o engodo do real. Em razão disso e por causa dos meus temas polêmicos, procuro a cumplicidade dos autores, primeiro dos consagrados, depois dos menos endeusados, embora estes, por vezes, me digam mais a respeito dos conteúdos que pesquiso. Em síntese, é uma busca incessante desses médicos intelectuais para deixar meu feto mais intelectualmente robusto. Não sou dado à imitação, reprodução, sempre procuro imprimir nem que seja um filete que conduza a alguma reflexão. Assim sendo, não me contento apenas com essas garimpagens, enveredo numa retrospectiva do meu banco de dados, das experiências em atendimento clínico (a fonte mais rica), da interação nas aulas que ministro e das minhas vivências pessoais, para ver se consigo colher prováveis preciosidades, ou, pelo menos, algo de diferente. Depois, faço um balanço de tudo isso visando, o que não é fácil, dar coerência e leveza a um rosto que já nasce agreste – porque não tenta agradar -, mas singular.

Essa luta envolve os mais diversificados modos de investimento costurados ou atravessado por situações que representam o intelecto como fácil e supérfluo. Um dia resmunguei sobre o preço de um livro fino e caro, e o atendente disse: “Mas o que é setenta e cinco reais para você que é professor e ganha uma nota!?” Completei: “Uma nota baixa, diga-se de passagem!”. Contendo a minha irritação pela sua falta de compreensão de que aquele preço me limitava de saber mais, de ter acesso a mais informações, lhe disse: “Para quem, uma vez perdida, compra um livro! Tudo bem. Mas para quem está sempre comprando…”. Ele disse: “É mesmo professor. Aliás, o senhor é um dos que mais compra, ou melhor, é o segundo porque tem a professora da universidade XYZ que sempre gasta em terno de 500,00 (quinhentos reais) por mês”. Meio que atingido nos meus brios ou estimulado por uma competição paranóica e, portanto, babaca. Assim, sabedor de que brasileiro adora comprar a prazo, que sempre quer ter ou ostentar um padrão de vida além das suas reais posses. Mesmo que em detrimento de repousar, à noite, a cabeça tranqüila no travesseiro. Num tom de brincadeira aproveitei para me gabar: “É, mas tenho certeza que ela não compra como eu, ou seja, à vista!” Ele disse: “É verdade, só tem o senhor mesmo”. Detesto prestação, se o comércio dependesse de mim, certamente ficaria em apuros, meu cartão de credito, parafraseando Cazuza, que não é substituto de navalha, só raramente tem serventia para alguma hora.

Voltando a minha gestação. Às vezes, o feto nasce prematuro, mas tem condição de sobrevivência. Também não consiste numa excepcionalidade que, de repente um se desmembre, nascendo, assim, gêmeo, trigêmeo. Alguns passam dias para nascer, mas todo nascimento, quase sempre é resultado da liquidificação das noites adentrando as madrugadas com dores que são transmutadas para o computador. Não raro rabisco pedaços de papéis procurando desvendar as características do rebento, enxoval, etc., e quando passo para tela adquire ou assume outra configuração que aceito ou aproveito alguns órgãos, ou deleto e começo tudo novamente. Em resumo, são os preparativos para o parto, construção de um bebê que sempre nasce tendo como testemunhas os primeiros raios de sol batendo na vidraça da janela, em meio ao burburinho tímido da redondeza que desperta. A felicidade desse nascimento acaba se manifestando em outras oportunidades com colegas e alunos mais próximos, com expressões mornas do tipo: “Hoje cedo conclui um texto que parece interessante, nele consegui dizer exatamente o que queria havia tempo!”.

Enquanto alguns bebês parecem ter nascido prontos para cair no mundo, outros demoram em adquirir feições próprias, precisam de inúmeros retoques ou plásticas. Por vezes, os descrevo com palavras ou frases em parágrafos que digo para mim mesmo, mas isto é genial! Mereço um prêmio. Noutros, de repente um parágrafo não se harmoniza, ou descubro que o repeti com outras palavras. Acho que a redação é comum demais, que não acrescenta nada. Enfim, que é uma droga, e que Diogo Mainardi (considero fascinante sua cultura e escrita. Pena que não use seu enorme potencial para conscientizar ao invés de alimentar picuinhas), certamente, riria de mim. Essa briga é constante, aí, depois de toda crítica, prazer, desprazer o feto nasce. Talvez pelo cansaço que demanda o gestar, e esforço em colocar para fora, “dar à luz”. Num primeiro momento sou tomado por uma atmosfera de contemplação. Assim, toda obra recém-chegada, por alguns instantes, parece perfeita, maravilhosa. Eis aqui uma mãe sugada, exausta e em estado de graça com o bebê nos braços. Lambo a cria, e a legitimo com o olhar generoso e doce tão próprio do instinto maternal. Passado este frisson contemplativo, começo a examinar e a vê-la em detalhes.

Logo em seguida surgem as dúvidas: Se aceito ou não esse filho? Se o lanço ao seu destino? Cometo infanticídio ou o mantenho em cárcere privado? Como será seu caminhar longe da vigilância dos meus olhos? Da minha defesa? Como interagirá com as pessoas? Como será tratado? E quando, finalmente, lhe dou assas não sei se ele cumprirá sua missão ou se será mais um medíocre a incrementar um universo de futilidades? Ou se terá brilho próprio e será reconhecido? Alguns são paridos com tanto amor, e passam em brancas nuvens. Outros, meio que feinhos, que eu não dava muito por eles, e que por isso quase os abortei. Mistério: Caem na simpatia do público, e passam a ser bem solicitados, no que gera certo ciúme: “Puxa aquele pelo qual fiz tanta força poucos dão atenção!”. Mas, até agora em relação a todos meus rebentos não tenho do que me queixar, foram bem aceitos. Nunca recebi crítica abertamente negativa. Já chegaram a comentar sobre os tamanhos das criaturas, mas que, apesar de afetados pelo estirão do crescimento, não cansam, concluem os comentaristas.

Por tudo isso, um roubo intelectual não tem como ser comparado a um simples furto material. Furto é furto. Se o ladrão de objeto vai preso, o larápio da produção intelectual também deveria ter esse mesmo tipo de punição. Se isso não acontece é porque denota a desqualificação do trabalho gerado no coração e nos labirintos luminosos e assombrosos da massa cinzenta. A ladra me roubou não só “um mosaico de parágrafos”, mas as minhas noites mal dormidas, solidão, privação da vida social e pessoal, tudo dentro desse mesmo pacote chamado Direito Autoral que deve ser respeitado. Essa pessoa é tão bandida e perigosa como qualquer outro marginal. Ela não se apossou apenas do meu rebento, mais também dos “colegas” que os convidei para esse banquete, e que tenho o cuidado de registrar seus nomes quando preciso recorrer nem que seja a uma sua única palavra ou fala deles.

A desavergonhada possa com um bem que não é seu, é uma pessoa violenta, mau caráter que no maior cinismo exibe o produto do seu furto. Uma alma imoral, sem ética, uma bandida que devia esta na cadeia junto aos seus pares. É uma miserável de nível superior que comprova sua incapacidade ou preguiça para trabalhar e criar, que coloca sob suspeita sua formação acadêmica. Como será que conseguiu se graduar? O que não deve ter feito para conseguir um diploma? O que ela não será capaz de fazer para aparecer ou tirar proveito? O mais surpreendente é que essa sujeita em momento algum pensou que pudesse ser desmascarada. O que a leva achar que ficaria impune? Certamente, mantém a moral corrupta de que pode burlar a lei e/ou a polícia.

A justiça, em geral, é morosa, isto obviamente exige tempo e dinheiro. Já enviei e-mails comunicando à usurpadora que identifiquei seu plágio, e também para negociarmos uma saída, mas, até a presente data, 10 de novembro de 2008, não tive retorno. Não sei com qual objetivo ou estratégia, essa senhora continua em silêncio. Talvez, para que eu desista. Está perdendo a chance de ter a hombridade de assumir seu crime imaterial e evitar a justiça. Lógico que é sabedora que plagiou, isto é, copiou e colocou sua assinatura, e, assim, pôde enganar muita gente, mas não todo mundo e muito menos a si mesma. Como provar que o texto é de minha autoria? Estou documentado tanto com material impresso quanto com a divulgação virtual em vários sites no Brasil e em Portugal com registro de data anterior a esse furto. Confio na justiça, e se, por ventura, as provas não forem suficientes, tem a minha estilística. Colegas e alunos reconhecem facilmente meus escritos, minha forma de expressão verbal. Na última das hipóteses é só comparar o texto plagiado com os meus demais textos e com os textos da plagiadora para perceber: Linearidade do meu lado e oscilação do lado dela.

Será que nunca vamos ter um nível razoável de moralidade neste país? Se por acaso a justiça não me contemplar, o que espero que não aconteça. Eu faço justiça, literalmente, com as próprias mãos: Escrevo neste site revelando a identidade da criminosa, exponho a foto do meu filho seqüestrado junto com sua foto de nascença, para que o leitor as compare. Finalmente, divulgo nos meios de comunicação da sua cidade a sua fraude. Com certeza ela sentirá o gosto amargo de ter plagiado. E que isto lhe sirva, e também a outros desonestos, de LIÇÃO.

 

OS RICOS-POBRES por marta medeiros


Anos atrás escrevi sobre um apresentador de televisão que ganhava um milhão de reais por mês e que em entrevista vangloriava-se de nunca ter lido um livro na vida. Classifiquei-o imediatamente como uma pessoa pobre.
Agora leio uma declaração do publicitário Washington Olivetto em que ele fala sobre isso de forma exemplar. Ele diz que há no mundo os ricos-ricos (que têm dinheiro e têm cultura), os pobres-ricos (que não têm dinheiro, mas são agitadores intelectuais, possuem antenas que captam boas e novas idéias) e os ricos-pobres, que são a pior espécie: têm dinheiro, mas não gastam um único tostão da sua fortuna em livrarias, museus ou galerias de arte, apenas torram em futilidades e propagam a ignorância e a grosseria.
Os ricos-ricos movimentam a economia gastando em cultura, educação e viagens, e com isso propagam o que conhecem e divulgam bons hábitos. Os pobres-ricos não têm saldo invejável no banco, mas são criativos, efervescentes, abertos. A riqueza destes dois grupos está na qualidade da informação que possuem, na sua curiosidade, na inteligência que cultivam e passam adiante. São estes dois grupos que fazem com que uma nação se desenvolva. Infelizmente, são os dois grupos menos representativos da sociedade brasileira. O que temos aqui, em maior número, é o grupo que Olivetto não mencionou, os pobres-pobres, que devido ao baixíssimo poder aquisitivo e quase inexistente acesso à cultura, infelizmente não ganham, não gastam, não aprendem e não ensinam: ficam à margem, feito zumbis.
E temos os ricos-pobres, que têm o bolso cheio e poderiam ajudar a fazer deste país um lugar que mereça ser chamado de civilizado, mas que nada: eles só propagam atraso, só propagam arrogância, só propagam sua pobreza de espírito.
Exemplos?
Vou começar por uma cena que testemunhei semana passada. Estava dirigindo quando o sinal fechou. Parei atrás de um Audi preto do ano. Carrão. Dentro, um sujeito de terno e gravata que, cheio de si, não teve dúvida: abriu o vidro automático, amassou uma embalagem de cigarro vazia e a jogou pela janela no meio da rua, como se o asfalto fosse uma lixeira pública.
O Audi é só um disfarce que ele pôde comprar, no fundo é um pobretão que só tem a oferecer sua miséria existencial. Os ricos-pobres não têm verniz, não têm sensibilidade, não têm alcance para ir além do óbvio. Só tem dinheiro. Os ricos-pobres pedem no restaurante o vinho mais caro e tratam o garçom com desdém, vestem-se de Prada e sentam com as pernas abertas, viajam para Paris e não sabem quem foi Degas ou Monet, possuem tevês de plasma em todos os aposentos da casa e só assistem a programas de auditório, mandam o filho pra Disney e nunca foram a uma reunião da escola. E, claro, dirigem um Audi e jogam lixo pela janela. Uma esmolinha pra eles, pelo amor de Deus.
O Brasil tem saída se deixar de ser preconceituoso com os rico-ricos (que ganham dinheiro honestamente e sabem que ele serve não só para proporcionar conforto, mas também para promover o conhecimento) e se valorizar os pobres-ricos, que são aqueles inúmeros indivíduos que fazem malabarismo para sobreviver, mas, por outro lado, são interessados em teatro, música, cinema, literatura, moda, esportes, gastronomia, tecnologia e, principalmente, interessados nos outros seres humanos, fazendo da sua cidade um lugar desafiante e empolgante.

É este o luxo de que precisamos, porque luxo é ter recursos para melhorar o mundo que nos coube, e recurso não é só money: é atitude e informação.

Marta Medeiros

MÁRIO QUINTANA – CARTA A UM POETA

 


Meu caro poeta,

Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para osmario-quintanacontemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? – perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: “eu vos trago a verdade”, enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: “eu te trago a minha verdade.” E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!

Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as digressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: “O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escreve os seus poemas?” A poesia é dessas coisas que a gente faz, mas não diz.

A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: “Eu não te largarei até que me abençoes”. Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técnica dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.

Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.

Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que, no entanto, me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.

Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?

Mario Quintana

 

ECCE HOMO poema de manoel de andrade

manoel-de-andrade-foto-22782457187_3de45fe315               foto livre.

 

ECCE HOMO

 

 

 

 

 

Levam ao Sinédrio o humilde nazareno          

para que se julgue o amor e a inocência          

e  diante  da  judaica  prepotência

o Mestre se mantém doce e sereno.                 

 

Por ser blasfemador é réu de morte                

diz Caifás com desprezo ao acusado               

e  depois  de  cuspido e  injuriado                   

aos romanos entregam a  sua  sorte.                  

 

No pátio do palácio a massa se aglutina             

e um prenúncio sinistro percorre a multidão  

traído e abandonado à própria provação       

aguarda  o  prisioneiro  a  sua  sina.                     

 

– É um visionário, um sonhador  somente      

– e me comove sua mansidão, sua pobreza…               

diz Pilatos…, convicto  da  certeza                    

de estar frente a um homem inocente.              

 

Diante da  injustiça  e  do  impasse                     

transfere  a  Antipas  a  sentença                          

mas o tetrarca  devolve-lhe a presença                        

com os espinhos ensangüentando a face.

 

Coberto com  o  manto  da ironia                       

e como cetro uma cana  retorcida                     

nessa  imagem de realeza  escarnecida                   

trazem novamente o Rabi à pretoria.

 

Tenta Pilatos um último  artifício

para acalmar a plebe alucinada

e espera que a espádua açoitada

salve  o  Galileu  do sacrifício.

 

Rasga-lhe  a  carne  o  látego  cruel

e nem um murmúrio de dor ante o flagelo

envilecido e ultrajado, invencível e belo        

cumpre a Trágica Figura o seu papel.

 

Mas ainda assim a turba em desatino                                     

exige que a condenação seja mantida                                    

e Pilatos propõe à massa ensandecida

que  delibere  sobre  o  seu  destino.

 

Diante do pretório e amotinado

o  povo  absolve  Barrabás

e movido pelos asseclas de Caifás

exige o Galileu crucificado.

 

Ante a sentença e os gritos do estrupício

e entre a verdade e o interesse dos seus atos

lava  as  suas  mãos  Pôncio  Pilatos

e  entrega  o  Cordeiro  ao  sacrifício.

 

Na mais ingrata e suprema solidão

maltrapilho,  descalço  e  abatido

para o meio da escória é conduzido

sob o escárnio  cruel  da  multidão.

 

Passos  cambaleantes,  dor,  delírio

toda a ignomínia no símbolo da cruz

o madeiro infame nos ombros de Jesus

e o lancinante caminho do martírio.

 

Ergue-se o holocausto ao amor crucificado

na  dor  que  esmaga,  na  sede  insaciável

no estóico silêncio, no deboche intolerável

no lento suplício de um homem sem pecado.

 

E na agonia do Calvário, rumo à glória

roga  a  Deus  perdão  para  os  algozes

por tanto amor recebe os golpes mais atrozes

e o julgamento mais iníquo da história.

 

                                                                Curitiba,   26/02/04

 

 

(*) “Eis o homem”. Palavras de Pilatos ao apresentar Jesus aos judeus

 

Este poema consta do livro “CANTARES”, editado por Escrituras

VINHO BARATO, MULHER FEIA E ROCK PAULEIRA

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cavalo. largo da ordem. curitiba.

 

Funcionava assim. Você encontrava os amigos na rua durante as tardes de sábado para combinar como seria a noitada, mesmo que o local fosse sempre o mesmo. Com todo vigor que seus 13, 14 ou 15 anos lhe injetavam nas veias seguia o caminho a pé. Subia a 24 de Maio para passar na 24 Horas, a rua que não dormia. O bando contava as moedas, normalmente roubadas do troco do pão, para rachar garrafões de Large Field. Alguns tinham que salvar ainda o passe do madrugueiro.

Na época os comerciantes não se importavam se era prudente autorizar que três adolescentes, na média, dessem uma beiçada em cinco litros de vinho. Não havia copos. Controlar a dose certa do gole num garrafão era necessário treino, que estava sendo religiosamente cumprido há pelo menos um ano. Do contrário, entrava até pelas narinas.

Éramos 1,3 milhão, só que sem crack. O máximo de violência era voltar para casa sem os sapatos. A meia jogava-se fora para não passar ridículo. As gangues normalmente tinham o nome da praça usada para confabular o melhor ataque aos inimigos, os meninos das outras praças. Em algumas regiões, como o Água Verde, até padaria podia dar origem ao nome de um “temido grupo”. Assistiu “The Warriors – Os Selvagens da Noite”? Era mais ou menos assim, só que sem revólveres, facas, bastões de beisebol e metrô.

As ruas escolhidas para chegar até o Largo da Ordem eram as que tivessem relação com o meretrício. Não para consumir. Mas a paisagem era mais bonita e sempre rendia uma boa história no dia seguinte. Talvez ainda não fosse politicamente incorreto esvaziar a bexiga numa árvore. E sempre dava vontade na altura da Muricy. O problema era achar árvores ali. Então…

Na chegada os dentes já estavam roxos. Encontrava os outros, com camisetas do Pantera, Sepultura e… Slayer!!! As meninas se fantasiavam de Mortícia. Roupa comprada no Shopping Omar. Era óbvio que ninguém que estava ali iria para o El Mago, coisa de playboy. Só existia um lugar que poderia abrigar tanta gente diferentemente igual: Hangar.

Primeiro problema: não podia entrar com bebida. Garrafão vazio no lixo então. A vantagem é que já se entrava com a mira calibrada. Digamos que o local não era reconhecido pelas lindas mulheres que lá aportavam. Só que era preciso se manter em pé. Caso caísse uma saraivada de botinadas lhe acertava até o âmago. Pura diversão.

Uma coisa não tinha explicação: você simplesmente não podia se encostar nas paredes. E não era tinta fresca. A teoria mais aceita é que a combinação engolir vinho rapidamente, mulher feia mais pontapés no estômago causavam um vômito imediato e forte que o golfo acertava as paredes antes de encontrar o solo. Uma noite perfeita naqueles tempos.

Hoje é difícil você encontrar um curitibano legal que não tenha passado bons fins de semana no Hangar no começo dos anos 90. Que não tenha escutado Gipsy Dream e dezenas de outras bandas cover de “rock pauleira”.

Pois bem, o bar chegou à maioridade. Completou 18 anos e ficou registrado na memória de muitos. A dúvida que fica é se hoje ainda há espaço para esse tipo de experiência inocente inconsequentemente divertida. Que não começa e termina dentro da balada. Não se vê mais pessoas passeando a pé na madrugada. Os motivos são óbvios. Temos violência, Lei Seca, mulheres mais bonitas (as feinhas têm muito mais recursos hoje, vai) e internet. Ou seria apenas o que chamamos de nostalgia?

 

caderno G. GP

 

EU E AS LATAS por carlos ferrari

Refrigerante ou cerveja? Com certeza dependendo do momento, do seu gosto pessoal ou até mesmo de um impulso, fica fácil para qualquer um fazer essa escolha em segundos. Pois bem, sentei agora para escrever essa coluna. Estou em um quarto de hotel em Brasília, e neste momento estamos eu e as latas. Não sei quem é quem, refrigerante, cerveja, água tônica e, por isso, acabei decidindo por conversar um pouco sobre isso com vocês.

A percepção da deficiência ao longo dos anos tem sofrido um constante processo de mutação. Da maldição até o inatingível, da inutilidade até os super-poderes; muitos foram os estereótipos construídos que de uma forma ou outra e de acordo com o senso comum, sempre afastaram a pessoa com deficiência da condição compreendida pela sociedade como normal.

Assim pudemos assistir ao longo da história a caridade durante séculos como único meio para garantia de subsistência.

A transição desse cenário é relativamente recente, e tem se dado por meio da luta do segmento e da reconstrução do conceito de deficiência, que agora não mais somente considera a limitação do individuo, pois passa a correlacionar essas limitações com a desadequação da sociedade e seus espaços físicos, equipamentos, serviços, sinalizações e comportamentos.

Então é fato que quanto menor a adequação do mercado maior a deficiência do consumidor.

De acordo com a lógica capitalista, desprezar por volta de vinte e sete milhões de consumidores em se tratando de Brasil, caracterizaria uma estratégia suicida e nem um estudioso ou profissional de marketing consideraria essa hipótese como possível. As ações, no entanto, vão na contra-mão do que ditam as regras de mercado, excluindo um segmento que muitas vezes tem que brigar para ter o consumo como um direito, mesmo tendo o recurso financeiro.

A peça publicitária que tratava da venda da bíblia falada, gravada por Cid Moreira trazia um alento àquelas pessoas de religião que até então não podiam ler. Cegos, baixa visão, dislexos, idosos, comemoravam a novidade na medida em que uma voz animadora anunciava a boa nova. O fechamento seria cômico se não fosse trágico; “Ligue agora para o telefone que está em seu vídeo e adquira nosso produto”!

Você já pensou nas dificuldades de um cadeirante para experimentar as roupas em boa parte das lojas ou mesmo para adentrar em bares e restaurantes de qualquer canto deste País?

Pois é, estamos aqui eu e as latas e vou buscar na sorte uma bebida gelada para matar a sede e renovar a esperança de termos em breve um mercado que não entenda essa questão como uma ação de responsabilidade social, mas sim do aproveitamento do potencial de consumo de um público que trabalha, que tem família ou mesmo recebe benefícios governamentais, enfim um público com poder de compra.

* Carlos Ferrari é administrador de empresas, mestre em Administração de Empresas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e pós-graduado em Marketing pela Fundação Cásper Líbero. O vice-presidente da Instituição é deficiente visual de nascença e ficou totalmente cego aos sete anos de idade. Atualmente é professor universitário nos institutos Ítalo-Brasileiro e Faculdade Interação Americana. Vice-presidente da AVAPE, instituição focada na inclusão de pessoas com deficiência. Ele é, ainda, Membro Titular do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, presidente da Federação Paulista de Desportos para Cegos (FPDC), sócio-proprietário da Supera Treinamento e Gestão Sócio-Ambiental. Idealizador do treinamento Superação de Limites e Identificação de Potencialidades. Entre em contato com o autor pelo e-mail carlos.ferrari@avape.org.br

Sobre a AVAPE Com 26 anos de atuação, a AVAPE (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais) é uma instituição filantrópica beneficente de assistência social, que tem como missão promover as competências de pessoas com deficiência. Fundada em 1982, a entidade é considerada modelo de gestão e foi a primeira em sua área a receber a certificação ISO 9001. A AVAPE é reconhecida pelo trabalho de prevenção, diagnóstico, reabilitação clínica e profissional, qualificação e colocação profissional, programas comunitários e capacitação em gestão para organizações sociais. Oferece atendimento a pessoas com todos os tipos de deficiência, do recém nascido ao idoso. Desde o seu início, já realizou mais de 18 milhões de atendimentos gratuitos e inseriu 10 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Na busca de parâmetros internacionais, mantém parcerias e termos de cooperação técnica com diversas organizações do mundo.

 

WONKA BAR CONVIDA/ curitiba

Wonka Bar convida:

 

 

TERÇA 07 Abril 2009

Blues no Wonka com Décio Caetano

O guitarrista Décio Caetano já dividiu palco com André Christovam, Blues Etílicos e Marcus Rampazzo, entre outros, já está no seu quarto álbum, o elogiado “I Can´t Stop” e tem a presença de palco de um autentico bluesman do delta do Mississipi, como pôde ser comprovado nos diversos festivais de Blues que participou. Acompanhado por Fernando Rivaben na bateria e Edu Mella no baixo, possa agraciar o público com seus solos bem estruturados e envolventes, no autêntico blues de Chicago, e cheio de força nos vocais.http://www.myspace.com/deciocaetano
22h
Entrada R$6

 

QUARTA 08 Abril 2009

Maytê Corrêa & Grupo Batucajé

A melhor roda de samba de Curitiba, o melhor dos clássicos, sambas antigos e novos compositores com Mayte Correa e Grupo Batucajé: Hestevan Prado violão . Julião cavaco . Mauricio Santos percussão . Alex Figueiredo percussão . Andre Luiz percussão . Denis Nunes baixo.
Entrada R$8

 

QUINTA 09 Abril 2009

“Wonka Jazz Project” com Marco Lobo
A melhor jam session de Curitiba recebeo percussionista Marco Lobo http://www.myspace.com/marcolobopercussion, O baiano já tocou com Marisa Monte, Elba Ramalho, Maria Bethânia, Titãs, Gil, e ultimamente Milton Nascimento e Caetano Veloso. É lendario pela exploração de objetos inesperados, novos sons e ritmos, além da percussão tradicional, buscando sonoridades exóticas, vibrantes, nunca antes ouvidas. Participou da turne mundial de Billy Cobham, nos brinda com sua presença na nossa jam com Helinho Brandão saxofone . Fernando Rivabem bateria . JBoldrini baixo acustico . Jeff Sabbag piano.
Entrada R$8

 

 

SEXTA 10 Abril 2009 

Festa de Garagem Especial com Polexia

Melodias bem construidas, arranjos bem cuidados e detalhados, reconhecimento em premiações nacionais e vídeo-clip polêmico, o Poléxia é umad das bandas curitibanas de maior destaque e com um dos melhores shows da cidade. Imperdívelhttp://www.myspace.com/thepolexia.

Depois a festa continua com o DJ MM.

22h

Entrada R$6 até 0h, após R$10

 

SABADO 11 abril 2009

Rock2Rock

Os DJs residentes Claudinha e Bernardo convidam você para se acabar com o melhor do indie e do alternativo, rock desde a raíz até as novas bandas. Sábado é no Wonka.

22h

Entrada Homem R$3 Mulher FREE até 0h, após R$10

 

Wonka Bar : Trajano Reis, 326
fones 3026 6272 : 9142 0810

COMO MELHORAR O ENSINO DO PORTUGUÊS – por vicente martins

No presente artigo, oferecemos uma proposta de quatro oficinas ou encontros pedagógicos para a melhoria do Ensino do Português na Escola, especialmente o Ensino Fundamental. Tomaremos como paradigma para ação pedagógica a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicologia Cognitiva. As sugestões a seguir podem ser aplicadas ao próprio ambiente de trabalho, isto é, na escola e em serviço, reunindo professores-formadores e professores em formação contínua ou continuada.

O primeiro passo dos docentes é considerar a proposta pedagógica da escola para o ensino Fundamental. Assim, pertinente é a realização de uma Oficina de Leitura, Análise e Reestruturação da Grade Curricular da Disciplina Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. A oficina  pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Ensinar a Língua Portuguesa.

Caberá ao formador dos docentes tomar como parâmetro de estudo as diretrizes estabelecidas pelo MEC/CNE para o Ensino Fundamental, através de documentos específicos (PCN, Resolução, Portaria, por exemplo) sobre o assunto, reestruturando o currículo do Ensino Fundamental, para a discussão com os professores, em três dimensões: a) competências: comunicativa, lingüística e lectoescritora; b) Conteúdos: Fonologia, Ortografia, Morfologia e Sintaxe, com detalhes de assuntos ou tópicos de cada setor de estudo e c) Habilidades Cognitivas e Instrumentais a serem alcançadas no final de cada série. 

A partir das discussões com os professores, os formadores, em geral, observarão que muitos pontos do currículo ainda não são devidamente trabalhados pelos docentes, prática que nos sugere uma formação deficitária dos mesmos.

Os erros ortográficos, por exemplo, ainda são trabalhados, em sala de aula,  de forma tradicional, com punições e atitudes não pedagógicas, não levando o professor, em conta, a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicopedagogia na abordagem do ensino-aprendizagem da ortografia. Compreender mais sobre a memória, como as crianças memorizam as formas lingüísticas, é fundamental para um ensino eficaz em sala de aula.

Uma segunda oficina que proponho aqui pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Escrever Corretamente. Inicialmente, deve o professor-formador apresentar aos professores os principais teóricos sobre o ensino de Ortografia.

O professor-formador pode começar por oferecer aos docentes em formação, para um tratamento didático sobre a matéria, uma série de exercícios para que os mesmos, a partir das alterações ortográficas, verificadas nos textos escritos dos alunos, possam reverter a situação de disortografia e promover o domínio da língua  na sua variação culta.

Em geral, essa oficina ou encontro vai assinalar a necessidade de uma formação específica dos docentes para o trabalho com a ortografia a partir da produção textual, especialmente tomando a revisão como parte do processo da construção do texto.

Minha terceira idéia é a oficina foi denominada  Como Desenvolver a Capacidade de analisar e refletir sobre a Língua(Gramática). Nas discussões com os professores, percebemos que os mesmos têm a crença de que o domínio da língua culta passa pelo conhecimento gramatical e lingüístico. 

O enfoque do formador deve ser o  de que é responsabilidade da escola o ensino da gramática, o que não significa restrição ao ensino de normas gramaticais, mas uma atitude de mostrar aos alunos que a língua culta, especialmente a gramática normativa, referencia, em nossa sociedade letrada, uma classe social emergente e que é papel da escola pública, municipal ou estadual, oferecer aos educandos competências para aquisição e desenvolvimento da comunicação requerida para uma cidadania ativa.    De modo geral, os professores têm uma forte inclinação ao ensino normativo da língua portuguesa, especialmente as normas extraídas de textos referenciados pela literatura clássica, o que os levará, decerto, a orientá-los à tomada de decisão na escolha de novos paradigmas normativos de uso da língua previstos nos jornais e as revistas de grande circulação nacional e na mídia eletrônica, em especial, a Internet.

 

Por fim, a quarta e última oficina pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Leitura e de Produção de Textos(Leitura e Escrita). Esta Oficina mostrará, desde logo, a importância da compreensão leitora, isto é, a compreensão do texto lido, como uma das habilidades mais significativas no processo de formação escolar dos estudantes do Ensino Fundamental.

No tocante ao texto escrito, ao professor-formados caberá a oferta de uma metodologia processual, com base na abordagem cognitiva (Psicolingüística) para que os professores, em formação (e preferencialmente em serviço) trabalhem a produção textual em diferentes fases (planejamento, produção, seleção e organização de idéias, revisão, releitura do texto e edição final), de modo a não se limitar a avaliação do texto para verificação de aprendizagem (atribuição de nota), mas procurando dar um novo destino ou audiência aos mesmos: por exemplo, publicação dos textos dos alunos em jornais locais e na Internet.

 

 

 Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará. 

OS SUPER-BÁRBAROS bárbara kirchner e paulo leminski neto

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bárbara kirchner e paulo leminski neto . foto de gilson camargo.

 

o amor tem garras e surpresas…

um panoptizar cercado de sutilezas

acariciam… delineiam…

secando prantos … mar de risos e espantos

serpenteiam… acalantam…

tal como se das mãos brotassem flores

talvez lírios do campo

O BEIJO poema de otto nul

Foi um beijo,

Um único, ardente,

Dado de repente

Sem que esperasses;

 

Ficaste no ar

Coberta de espanto

Como tivesse o beijo

Um certo encanto;

 

O beijo ficou na história

E também na memória,

Um beijo sem igual,

 

Que marcou um instante,

Sobreviverá aos tempos

Definitivamente imortal.

 

A FRAUDE DA EDUCAÇÃO por walmor marcellino

DÉFCIT EDUCACIONAL

 

Enquanto a prefeitura de Curitiba e o governo do Estado apostam políticas eleitorais sobre a eficácia de seu sistema de ensino e a eficiência de sua preparação pedagógica, a tragédia da educação continua à vista. Anísio Teixeira e Paulo Freire ficariam horrorizados com as pedagogias usadas em seu nome.

Em primeiro lugar, agrupamentos de 10 até o máximo de 30 crianças e adolescentes é o recomendado para uma sala de aula, para que o processo de ensino seja eficiente, supondo que o(a) professor(a) seja efetivamente habilitado(a) (e comprometido(a)) com sua escolha e adesão profissionais. E isso seria apenas o começo de uma solução educacional. (Nas escolas particulares e nas classes ricas, o critério seria nada menos do que o preço.)

Todavia, nem as políticas públicas nem os sistemas de ensino e formação (educação) conseguem equacionar esse número “funcional” de estudantes numa sala de aula; porém assim mesmo reconhecem que o coletivo de alunos numa sala deve ser proporcional a suas condições culturais, psicológicas e de capacidade de atenção-concentração (vale dizer, quanto mais pobre e “desassistido” ou sem recursos culturais e estabilidade emocional, maior atenção e menor deve ser o grupo discente para obter mais atenção pedagógica. E isso nega essa massificação de que “há escolas para todos”!). Mas eles não “conseguem equacionar” essa questão elementar, porque preferem a propaganda de que a UNESCO lhes reconhece o esforço (não a solução, mesmo porque as políticas da UNESCO são políticas de “boa-vontade” e estímulos).

Assim, secretários e assessores comissionados no geral não passam de pelegos oportunistas que, a serviço das autoridades que os nomearam, mentem para a população sobre a educação que lhe é oferecida e fingem preocupação com o sistema educacional, com as condições técnicas de ensino e com a preparação e eficiência dos professores e da sua burocracia política, pretendendo assim justificar essa sua formidável propaganda enganosa.

 

O CANTAR DO XEXÉU poema de tonicato miranda

nem todo poeta é triste

nem todo palhaço é palhaço

nem toda a música é canção

toda mulher merece um não

milhares de sim, algumas o véu

 

não está em todas tardes a luz

assim como não são

brancas as nuvens sobre mim

hoje a ameaça de chuva está

agarrada no cinza no céu

 

no rádio toca “Você”

de Menescal e Boscoli

no meu peito toca um Rio

onde já fui menos saudade

pois era simples pardal ao léu

 

Curitiba dos anos 80

era Cardoso e sua “troupe

nós por ali como andorinhas ligeiras

de bar em bar, de rua em rua

quase prostitutas de bordel

 

ninguém sente saudades

do que nunca sentiu

mas queria sentir tristeza

de um futuro que não gestei

o coração como cavalos em tropel

 

sentir saudade de mim e de você

o meu corpo dolorido de ausências

dos amigos e dos perigos dos amores

tudo e todos que podem me colocar

como condenado no banco dos réus

 

nem todo poeta é triste

mas palhaço pode ser um dia

quando a tristeza molhar a boca

adoçando a palavra, brotando o gesto

beijando a abelha antes dela moldar o mel

 

nem todo pio na mata

e nos baldios da cidade aberta

vem do bem te vi ou da gralha preta

às vezes vem da andorinha

outras de um simples xexéu

MEDIÇÃO FAMIGERADA poema de leonardo meimes

Cabe em cada limbo

Uma população inteira…

É isso que se espera

 

Cabe em cada estádio

Uma porção de hipócritas?

Não, não cabe.

Não cabe nem o ego

Do maior dos famosos

 

Encheria um copo

 A verdade no mundo?

Ela existe?

 

O mesmo copo

Encher-se-ia de amor?

Sem rancor, ciúmes, traição.

De amor puro e simples?

 

Se retirássemos o amor pelo material

Acabaríamos por esvaziar o copo?

 

Caberia em um punho

 Toda a coragem de um homem?

Talvez a de um suicida o preenchesse

Mas só a de se matar

A de viver seria insuficiente.

 

Cabe ao ser humano

Comandar este mundo?

 

Cabe a nós criar nossas leis?

Ou julgar nossas mazelas

De acordo com elas?

 

Cabe a Deus

Punir-nos em vida?

 

Fé! Quanto de Fé encheria

 Aquele mesmo copo de antes?

Quanto de Fé existe no ser humano

Quando não se trata de religião,

Mas do próprio ser humano?

 

Cabe na vida

Uma existência

Completa?

DE PARIS crônica de hamilton alves

Quando cheguei aqui nenhuma surpresa. Era como já tivesse vindo muitas vezes a essa cidade, que merece inteiramente o nome de “cidade luz”. À noite, as luzes espocam por toda parte. É um feerismo que, acredito, não se vê em parte alguma do planeta.

                                               Quando saí do Brasil para cá tinha lido não sei onde (creio que foi num livro de ensaio de Kundera) que “Paul Verlaine morreu num hotel modesto de Paris”.

                                               Perguntei ao taxista que me levou do aeroporto a um hotel em Montmartre:

                                               – Você sabe alguma coisa sobre o lugar em que teria morrido Verlaine?

                                               – Não, nada sei. – disse, lacônico.

                                               Como poderia saber? Ou será verdadeira a história que um amigo que morou muitos anos aqui me contou que travou com um garçom de restaurante que tinha um grande conhecimento sobre literatura? E artistas em geral?

                                               O taxista, que entrevistei, parecia desinformado sobre dados a respeito de artistas. Ou de Verlaine em especial. Nada sabia de sua existência.

                                               Meu interesse em Paris é cultural. Nada mais. Conhecer a cidade, os lugares, museus, restaurantes, cafeterias famosos está na linha de meu objetivo. Por onde passaram ou viveram escritores, pintores, músicos, atores – isso procuro afanosamente saber.

                                               De repente, posso conhecer um grande poeta. Achar um livro de sua autoria numa livraria. Um poeta que não chegou ainda à fama. Ou não seja muito cortejado por parisienses. Me proponho a um tetê-à-tête com ele num local qualquer.

                                               De certo, não recusaria um convite desses. Trocaríamos ideias. Me falaria de seu modo de compor ou conceber a poesia; lhe falaria de outro tanto; lhe daria de presente meu último livro  -“Homenzinho na madrugada”, com uma capa belíssima de um grande artista ( assim pouco reconhecido entre nós) – Jair Platt – que se foi deste mundo como chegou – sem nome algum.

                                               Jair era refratário à fama ou à badalação. Era de sua natureza simples e arredia.

                                               Estou já há dias em Paris.

                                               Ainda não encontrei esse poeta. Ou um grande pintor. O que tenho visto de obras de artistas à margem do Sena me parece de pouca ou nenhuma qualidade.

                                               Cadê a grande revelação na poesia ou na pintura?

                                               Obviamente, numa estada curta como essa não vai dar para encontrar esse poeta ou esse pintor com que sonho. Deve andar neutro e esquivo pelas ruas da cidade, sem se fazer notar, como foi o caso mais recente (ou não tão recente assim) de Jacques Prévert, que vivia oculto ou era pouco popular.

Artistas são, de um modo geral, seres estranhos.

                                                – Paris, Paris, Paris… – perdoem-me – há um ligeiro equívoco! Sonhei, certamente, que estava pela primeira vez percorrendo as ruas dessa cidade. Andava em busca do grande poeta ou do grande pintor. Seres que evidentemente não existem mais. Ou se ocultam. Quem é que saberá?

 

 

(março/09)                 

 

 

 

 

Iluminai-vos! por alceu sperança

As crianças se tornam poderosos defensores do Bem quando em seus videogueimes se abalam a dramáticas tentativas de derrotar seus vilões preferidos.

Os adultos também fazem seus jogos. Através das teorias da conspiração, por exemplo, pode-se escolher uma raça (judeus, índios) para atacar como sendo a coisa maldita que nos oprime e ameaça – a nós, a raça pura e honesta, que somos, obviamente, o Bem.

O governador Roberto Requião negou apoio ao presidenciável Geraldo Alckmin, nas eleições de 2006, porque este é “do capeta” e nós, evidentemente, somos do lado de Deus.

Nada diferente do videogueime da piazada: eu sou o bonzinho do Bem e o árabe, o cacique Kretã, o Judeuzão, é o capetão que eu vou combater entre zaps, ziins e pows!

Recebi um e-mail anônimo me alertando para deixar de ser burro e perceber que minha “ideologia” (marxista) foi criada por uma turma de judeuzões do mal. Os mesmos que segundo um tal “Protocolo dos Sábios de Sião”, também desgraçam a nossa vida com tudo que de ruim acontece neste mundo.

Cada um joga o jogo infantil que lhe apetece. Não é preciso teoria da conspiração nenhuma para perceber quem domina o mundo na atual etapa da humanidade: é o capitalismo em sua fase neoliberal, que se expressa de diversas formas.

Aumenta a pobreza. Arrasa o meio-ambiente. Manipula eleições criando dois pólos de disputa que defendem o mesmíssimo programa. Faz o banco lucrar e o mercadinho da esquina quebrar. Promove o desemprego na cidade e não deixa ninguém trabalhar no campo… e vai por aí.

A teoria da conspiração – uma rede de sociedades secretas comandaria todo o mundo há séculos – é um joguinho muito do besta. Geralmente é uma ficção que parte de uma verdade completa – uma data, um fato histórico – e a partir daí se desdobra em meias-verdades até chegar a fantasias inteiras, como a origem extraterrestre, ou seja, desumana, dos “dominadores” (as raças odiadas).

Seria apenas um jogo idiota se não fosse perigoso: ele faz com que o jogador se sinta um simples marionete dessa tamanha rede de dominação racial e política:

“Nada que eu possa fazer em minha comunidade vai afetar essa dominação de judeuzões mauzões descendentes de lagartos extraterrestres. Por isso, o jeito é eu me neoliberalizar de uma vez e ir lá beliscar a minha parte no bolo dessa corrupção toda”.  

O videogueime adulto da teoria da conspiração só tem uma vantagem: como se trata de fantasias amalucadas e mirabolantes, você pode falar mal do inimigão e combatê-lo sem o menor risco, pois ele jamais vai revidar.

Claro, ele é secreto: se aparecer por aí aos tapas com os teóricos da conspiração, vão abrir seu jogo e tornar a brincadeira revelada e chata. Só acontece nos filmes.

Nos videogueimes, as crianças sempre derrotam o Mauzão. Mas no jogo infantil dos adultos, os iluminados inimigos sempre vencem. E ao vencer nos dizem:

“Não adianta lutar contra nós. Nossa rede de segredos e tramas é demais para você, reles mortal! Anda, abandona essa ideologia marxista e caia de vez nas riquezas e maravilhas neoliberais!”

Só que o marxismo não é ideologia, cara-pálida. É um método de análise que todos, do padre ao professor, passando pelo aprendiz e pelo cientista, usam modernamente para qualquer estudo que se faça. E esse jogo, senhor Zorro, apesar de suas pistolas mortíferas, nós já vencemos!


PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES (05.04.09) – por juca (josé zokner)


Constatação I (Falando da frágil paz ou dos preparativos das guerras).

Os tratados

Antes solidificados,

Foram abandonados,

Mal falados,

Vilipendiados,

E acabaram liquidificados.

Constatação II (Meio ambiente).

Dizia o jardineiro,

Poetando:

“O pinheiro

Solta grimpas*

Supimpas;

Solta pinhão

Que é uma obra-prima

De formatação

Da mãe natureza

Ou Daquele lá de cima.

Com toda a certeza,

Foi gerado com poesia

Com rima

Que, nos campos,

Naquela era

Havia

Outra atmosfera:

Pirilampos

Piscando;

Sapos coaxando;

Corujas crocitando;

Cigarras cantando;

Grilos

Com seus estrilos.

É, tudo isso,

Toda essa cena,

Algum dia,

Ainda se via.

Pena!

*Grimpa = Ramo do pinheiro.

Constatação III

A freqüência

Naquele bar

É uma indecência,

Disse a solteirona,

Sentada na poltrona,

Olhando pela janela

Do quarto dela.

Só tem homem acompanhado,

Com cara de enfastiado,

Que comigo não daria par.

Constatação IV (Tragédia do cotidiano).

Com o passar do tempo, com o avanço cronológico da idade, os cônjuges continuaram a dormir na cama de casal. Mas havia como uma espécie de muro de Berlim virtual no meio do assim chamado leito nupcial: Ele nem, ao menos, chegava a passar a mão na abundância dela; ela nem chegava a roçar no seu maior patrimônio. Coitados!

Constatação V

Desacato a uma autoridade é quando você não chama:

-Um juiz de meritíssimo;

-Um reitor de magnífico;

-Um cardeal, ou bispo de reverendíssimo;

-Um deputado ou senador de Vossa Excelência, ao invés de nominar, como os franceses, que se reportam a todos os cidadãos, sem distinção, de senhor e senhora.

Constatação VI

Estava num baita dilema,

Sem dúvida um problema,

Queria provar por teorema,

Sem ser apelativo,

Se uma prevaricação

Ajudaria

A reciclar a libido, ou não

O que seria,

Em caso positivo,

Uma excelente solução.

Constatação VII (Poeminha atrapalhado, aloprado sem muito pé e muito menos cabeça).

Constrito,

Depois de ouvir

Um grito

Sair

Da boca do lobo

Ou da boca-de-lobo

Já nem me lembro mais

Ando esquecido demais

Confuso,

Meio bobo,

Obtuso

Será que é o fuso?

Ou o horário de verão

Puxa! Que confusão

Vou ficar é calado

Antes que eu seja internado

Em vários asilos,

Por causa dos meus grilos,

Sem

Que alguém

Tenha pena de mim.

Fim.

Constatação VIII

Rico semeia uma rosa, dos ventos, e colhe uma brisa de pétalas; pobre, semeia uma rosa, dos ventos, e colhe uma tempestade de espinhos.

Constatação IX

Um dos exemplos de humanismo, amizade e paixões do povo italiano é o que se pode encontrar nos livros do escritor Giovanni Guareschi, principalmente naqueles cujos personagens principais são o padre Dom Camilo e o comunista Peppone. Leitura obrigatória, como diriam os críticos.

Constatação X (De dúvidas cruciais).

Foi o concerto para a mão esquerda, de Maurice Ravel, que foi vetado pelos políticos da assim chamada Direita? E foi durante a execução de Os pinheiros de Roma, de Ottorino Respighi, que caíram umas grimpas na cabeça do regente? E, mais ainda, foi na Valsa das flores, de Piotr Ilich Tchaikovsky que a rosa brigou com o cravo, debaixo de uma sacada?

Constatação XI (De uma dúvida crucial via pseudo-haicai).

Mudança de atitude

Da regra do jogo, durante

O seu transcurso, é ilicitude?

Constatação XII

Foi a polva que, no bem-bom, disse pro polvo:

“Bem, isso de agora passar um dos tentáculos

Na minha bun, digo nuca, depois eu resolvo”?

Constatação XIII

Foi o caminhante,

Seguindo a trilha,

Que, de repente,

Apareceu

Numa ilha

E nada mais entendeu?

Constatação XIV (Ah, esse nosso vernáculo).

O rei quando estava sentado no trono lhe deu vontade de sentar no trono e com voz tronante pediu licença à corte e saiu correndo numa velocidade de um mésotron.

Constatação XV

Ela clareou os dentes como soe acontecer com os atores e atrizes globais. No entanto, ela era por natureza azeda, digna de se candidatar a um concurso de Miss Azedume. Jamais, em tempo algum, se permitia um simples sorriso. Quando muito, um amarelo. Rir, então, nem pensar. Quando lhe perguntavam por que nunca ria, até para mostrar os dentes clareados, ela respondia que sim. Que ela ria. Mas, por dentro.

Constatação XVI

Não só o Brasil inteiro ficou triste, compungido, macambúzio com a derrota acachapante da Argentina para a Bolívia. A América Latina inteira também…

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

PALAVRA poema de joão batista do lago

Coisa estranha este fenômeno: Palavra!

Nela tudo se decompõe

Numa razão assimétrica

Incoerente e disfuncional

Para no ato seguinte

Ser toda ela funcional

De toda metafísica que se impõe

 

Não conheço qualquer ser

Que dela não dependa

Nada se lhe escapa

– seja na vida;

seja na morte

 

Tudo dela depende:

Paz e guerra

Homem e mulher

Criança e adulto

Fome e fartura

Miséria e riqueza

Leis e anomia

Patrão e empregado

Trabalho e desemprego

Céu e terra

Deus e diabo…

 

Não há na vida

Nem na morte

Sujeito de tamanha grandeza

Dela tem-se toda verdade

Mas a mentira nela invade

 

Ó, a Palavra!

Reina de todos Poetas

Dela fazem uso os Filósofos

A ela se quedam os cientistas

Diante dela ajoelham religiosos

Na retórica é brinquedo de sofistas

 

Santa e demoníaca é a Palavra!

Desperta amor e ódio

Fere a alma e o espírito como faca de dois gumes

Rasga a carne do verbo

Dilacera corações de amantes (e)

Beija as mãos que apedreja

 

Palavra! Ó tu, meiga e doce Palavra!

Rude e azeda como o fel da ponta da lança

Voraz, caidiça, decrépita e senil

Bela, altiva, nobre e digna

Arrogante, soberba e presunçosa

Sou-te o mais humilde escravo na floresta do discurso

 

Nada – desde a poeira do nada – define-te. Nada!

Explicar-te é todo o mistério

Entender-te é tudo que se deseja

És toda possibilidade do Ser – deus ou diabo –

Habitas no sonho, na realidade e no real

Constróis e desconstróis paraísos e infernos

 

És o símbolo oculto da mandala

De Parmênides a Sócrates

De Platão a Aristóteles

Sânscrita, ó Palavra, tu és

És mestre do hinduismo e do budismo e do tantrismo

És, enfim, a Paidéia de tudo ser

 

TELESCÓPIO poema de solivan brugnara

                    Hei de um dia

                                         transbordar

           que meu coração e um ovo de águia,

                     e livre ver

          mar, estrelas, nebulosas,

                                 qualquer imensidão.

             Pastorear êxodos.

            Cavalgar manadas.

            Beber oceanos.

 Vou arrebentar, inundar, levitar,

       num púlpito qualquer

              rasgar o paletó

                           a camisa

                                  a pele

                                         a alma

                                                  e gritar

                                   voem poemas, estão livres, voem.

 

E leve vou ascender

cair no sentido inverso

da terra para as nuvens.

 

Sim, sim, acredito no improvável,

um dia! um dia!

 As paredes serão neblinas de concreto armado,

 todas as glândulas lagrimais hão de atrofiar por falta de uso

 e as fabricas de fechadura, de grades, de alarmes,

de tudo que prende terão suas ações desvalorizadas.

      

              E então vou apenas fecundar, reencontrar, gargalhar,

                         desconcertar com um tiro de plumas.

               E se morrer de jubilo,

  nunca mais quero ser de carne e alma,

   que ter uma alma e manter um pássaro na gaiola.

            Se puder escolher

                      vou de renascer telescópio

                          ou motor de avião.

 

ESPUMA E SOMBRA poema de lilian reinhardt

…em única morada nos  ouvimos e  nos habitamos…
                                         

        De onde vens palavra minha?!
           Para onde vais?!…
           Espuma e sombra  sob os véus
          reluzes e sombreias a minha prancha
           doce é o  enlevo do  teu beijo  
           e formosa a composição de tuas formas
           De   incenso é a tintura de teus sons
           mas a sombra não descalça os teus pés
           nem o   plasma de  tua boca
           nem este enredo  da asa de teu verso
           Mas meiada  de teu rochedo 
           em meu sonho
            e plasma aceso em mim neste vaso
            me alcovas com tua luz  e me  exparges…
           Ainda ontem te  colhi  flor
            do meu sal!

 

SENDO, TERÃO NASCIDO! poema de jb vidal

  

para meus filhos Diego, Gustavo e João Paulo

 

                                                                            

                                                                                                                                  

 

 

 

 

meninos travessos

levados

 

lindos

 

meninos puros

sedentos de viver

 

aprenderão como

 

garotos danados

amores de todos

ingênuos

anjos na rua

 

livres?

 

donos de si

sabem de tudo

e de nada

aprenderão

que é preciso

ser duro

sorrir

tocar as mãos

cavalgar as montanhas

segurar as nuvens

correr sobre os mares

viajar com os pássaros

 

endurecer-se mais

mais amar

fazer o tempo

combater o trovão

adormecer livre

para acordar

 

um novo homem

 

 

 

jb vidal –     (1990)

LUÍS SERGUILHA por jairo pereira

UMA POÉTICA QUE PROVA O SIGNO A FRENTE DO PENSAMENTO

 

 

O arquétipo do poeta pra mim, era e ainda é, a figura de um velho cego falando sem parar sobre o topo de uma montanha. Arauto ou rapsodo!? As palavras correndo na frente do pensamento e tudo num enliado que o próprio discurso vai enliando, tecendo, como uma imensa rede de ditos. Inteligível ou não, de todo o conteúdo lançado ao espaço, parte seria apreendida e muito bem aproveitada. Imagens. Imagens. Sons. Significados… O discurso se impondo, sem preocupação de clarear caminhos, mas apenas por necessidade de existir. Depois de vinte anos, enliado na poesia e seu fazer, me aparece a figura arquetípica de meus sonhos de poeta. O nome: Luís Serguilha, português de Vila Nova do Famalicão. Sua poesia vem em borbotões, tomando tudo, cobrindo de palavras as paisagens internas e externas. Lembra Omeros de Derek Walcott, só que mais mundo interior que exterior. Profundo na pegada. Pancognocedor, a tudo investiga e põe a nu, poeticamente. Uma viagem fecunda, navegar nesse imenso rio de palavras. Rio ou oceano, onde os signos proliferam verdades transfinitas. Interessa além da poesia que se possa analisar, o ser-poeta, Luís Serguilha. Pesquisador incansável de poéticas novas. Amigo íntimo da poesia brasileira contemporânea e seus poetas, com quem vive profícuo diálogo. Uma crítica que se faz além da palavra escrita, além do que no livro é substância e significação, deve realmente centrar-se também no emissor dos signos. O gestor da megapoética, é relativamente jovem, quase sério, no orgulho de poeta que todo português tem, mas amigo e humilde como os grandes de espíritho. Seus livros “A Singradura do Capinador”, “Embarcações”, “Lorosa’e Boca de Sândalo”, “O Externo Tatuado da Visão” e “Hangares do Vendaval”, dão bem a mostra dessa poética livre, auto-criativa, que se expande em signos fortes, instituindo espaços novos. Uma lira prenhe de imagens, metáforas, prolíferas verdades. Mergulhar no oceano poético de Luís Serguilha é conhecer as mônadas originais do dizer, que não se traem, sim espelham as projeções, conquistas do poeta, nos desafios do fazer. Poeta contemporâneo na plena acepção da palavra, Luís Serguilha, quebra o cânone. Inaugura o discurso paradoxal, em espirais ao sabor do espíritho que conhece e tanto mais quer descobrir, conhecer. Há ânsia de procura nas palavras. Ânsia de descobrimento nas imagens atiradas como formigas pra fora do formigueiro. Imagino um poeta brasileiro, com essa fúria do poético, essa avidez de transformar o mundo em palavras, carnavalizar o criado na segunda nathureza, que é a nathureza plena do engendrador, filho do Senhor. O artista que delibera, projeta, constrói e realiza, com os instrumentos possíveis (a sua linguagem) a obra humana. Contraditória, polêmica, essa poética do excesso do “verbo belo” em nosso tempo. Mas cuidado, crianças. Cuidado meninos, versejadores “cocô de cabrito”. No princípio era o caos, a fúria das linguagens. Os precipícios do sem-razão. As falésias de significação. Os turbilhões magmáticos do dizer sem precedentes. Uma poética vulcânica, que ainda ninguém conseguiu destrinchar, decodificar, não pode ser tachada, alinhada, selada na vida de seu tempo. Luís Serguilha, pelo que se vê, está mais preocupado em expor os seus mundos do poético, como lhe vem assim, em borbotões. O panconhecimento de tudo, instituindo o particular. A poesia franca, resultante da abertura de canais com o desconhecido. Infovia da percepção livre. A crítica reducionista, é capaz até de matar o poeta. Matar o verbo em ser. Atirar no passado o que se instituiu com rigor e originalidade. Acredito no sensível, que antecipa os tempos. Acredito nas palavras obrando mundos novos no por aí. Sim, as linguagens tem esse dom, de inovar, inaugurar espaços, em sua nathureza de ser-dinâmico. O poeta Luís Serguilha, como dominador majoritário dos signos de sua criação, finje-se de morto quando convém, e deixa fluir a vida-palavra pro onde quiser. Nesse ato de liberação do discurso, atinge-se o êxtase da criação livre de autor, e muitas inaugurações imagéticas ocorrem. O Luís Serguilha sabe disso e deixa-se estar no processo para o bem da poesia portuguesa contemporânea e universal. Essa action poetic particular de Luís Serguilha, traz Homero na raiz ou confunde-se com a imagem de minhas visões do rapsodo no pico da montanha. Transcendem as sentenças, história e verdades. Estamos aquém do início (nascimento) e além da morte, no transfim a esmo. Inserir-se numa poética que desrespeita o cânone, atropela o próprio contemporâneo quando homeriza o discurso, é perder-se e reencontrar-se na vida e no pensamento. Atirar-se nos redemoinhos dos ditos, pra ver o que se pode haurir dali, dos dínamos ou detratores de significação. Uma aventura (existencial de criação) que assusta pelo megaempreendimento, só pode ser louvada e Luís Serguilha merece atenção. Sua obra constituída pelos muitos livros, dispensa peroração de dúvida de valor. A cobra está morta e o pau repica no chão da lira enthusiasmada. Poucos poetas conhecem como o autor de “A Singradura do Capinador” a poesia que se pratica hoje no mundo. Pode se inferir de tudo que primeiro é um conhecer que se habilita no processo. Depois é o criador, ou ambos juntos, haurindo a poesia que é espelho da alma expansiva do poeta, num arrastão de redes (malhas finas) em mundo interior e exterior. “onde uma categoria de turbilhões procura a eternidade do pântano na ingenuidade da atmosfera/onde o fôlego repercute os mausoléus das enxurradas/o esforço do fogo volátil ordena a indolência calamitosa das árvores”. De “A Singradura do Capinador”, Canto XIII, pg. 59. Vivemos os tempos do pensamento dispersivo. A velocidade das imagens na Net, conspurcando o intelecto. Poetas em sua sina de criadores, obram na palavra a vida. A recusa é regra e injustificada. Poesia não tem editor, preço ou público. Sobrevive dos próprios poetas que se lêem, interpretam e divulgam. O caos e o poético se confundem. Ambos refletem a dinâmica dos mundos em se criando. A missão ou não-missão, sina de poeta, afeita a Luís Serguilha é de enfrentamento de realidades, sentidos. Coragem não lhe falta. Domínio e técnica das linguagens, também não. “Um rio aceso de tigres infinitos é habitado/pelos noivados exaltados dos lenhadores/que enlaçam os escombros das rédeas/solares nas fracções persistentes das clepsidras/trabalhadas desamparadamente/pelos grânulos misteriosos”. HANGAR 15, pg. 131 de “Hangares do Vendaval”. O poeta trabalha com estado de ser e anunciação. Na supermônada pulsante da vida, os signos detentores do conhecimento em alarde. Há uma matriz forte, aparentemente estática, mas ao contrário em plena potência. Dessa matriz invisível, é que o poeta tira a substância preciosa do seu dizer. “As épocas diluídas sobre as entranhas hipnóticas da noite são loucamente/arrastadas pelos acenos unânimes dos pássaros curvilíneos/e os olhos desinvestidos apuram as comunidades dos voos”. De “O Externo Tatuado da Visão”, I, pg. 15. A obra de Luís Serguilha, desafiará críticos e exegetas no tempo e no espaço. Não é um todo que se apreende de primeira, facilmente, como uma poesia de cotidiano, urbana ou rural. Os veios criativos que sustentam essa poética complexa exigem ampla e demorada análise. Complexo no complexo. Os complexos do alto espíritho tomam conta da poesia de Luís Serguilha, prestidigitando o conhecimento, num desafio de especulação ao leitor. Quantos se habilitam a emparceirar os grãos?! Em jAiRo e poeta mezzocrítico de província, não faço mais que cogitar sobre, longe de identificar em detalhes a máquina mantenedora do signos. A poesia brasileira, portuguesa e universal precisa disso, do que não se dá de cara expedito, claro, objetivo. Complexo e poético se confundem. Teias, veios, redes, enliados no próprio enliado. Quem quiser ler calendários, livros de auto-ajuda e manuais de bom comportamento que passe ao largo da obra de Luís Serguilha. “As cartas atléticas das naus elevam-se no nervosismo dos/clarões mastreando o mais breve rito dos apegamentos selvagens/e os andaimes concêntricos do horizonte os arsenais ilegíveis dos pássaros”. De “Embarcações” pg. 151. O poeta é o navegador arbitrário. O navegador das palavras instituidoras do real poético. Tudo tem a ver com o poeta. As imagens de mundos seus, conhecidos na ponta da pena que lavra, e nos experimentos do viver. Arbitrária a navegação se faz quando se colocam antíteses num mesmo barco/valise de significação, e o poeta compõe o que parece impossível. “É no mênstruo dos veios taciturnos/nas pranchas das metrópoles/reaparecidas/que uma sutura da loucura escuta a âncora desenvolvida pelos pianos/fátuos”. In “Lorosa’e – Boca de Sândalo”. A poesia busca o seu lugar, antilugar no mundo. O poeta Luís Serguilha, dá o exemplo de imensos desafios cumpridos. Prova também que a poesia pode mais que a filosofia na inauguração dos novos espaços, sagrações. A poesia contemporânea praticada hoje, contempla acima de tudo o poeta como criador, e não há arte no seu complexo signo-simbólico a exigir mais de autoria. Salve Luís Serguilha na sua coragem, de transformar em arte e sagrado, o produto do ver, sentir, e que a realidade comete o prodígio do desaparecimento.

 

 

jAiRo pErEiRa

Autor de O abduzido, Espirithopéia

e outros. 

AFRESCO – LEDO ENGANO – SOL, AREIA E POUCA SOMBRA / mini contos de raymundo rolim

 

Afresco

 

Era visível o nervosismo da noiva. O padre já não agüentava a demora. Os convidados se abanavam, o calor sufocava. Algumas senhoras tiveram de ser retiradas para o ar fresco e o noivo nunca que chegava. E não veio mesmo. Ahahahahahahahah. E o padre pensava bem quietinho: eh! filho da puta!

 

Ledo engano

 

A orquestra estava afinadíssima. O maestro impecável. Haviam ensaiado até momentos antes. As luzes se apagaram. Os músicos respiraram de forma profunda seguidos pelo maestro que, recém formado e em primeiríssima audição, suava em bicas. As cortinas se abriram e nada. Não aconteceu nada. Absolutamente nada! O teatro era noutro endereço.

 

           Sol, areia e pouca sombra

 

Foi ilusão de ótica ou a miragem era efeito da sede mesmo! Não se sabia pra onde ir, quando, de repente, o deserto pintou-se de verde e um camelo, apenas um, veio e bebeu todo o Nilo. Ah, um crocodilo estava lá. Um! Parece que tinha também um navio cheio de bandeirinhas e os passageiros acenavam felizes. Sob apito, o navio zarpou, carregou o camelo e levou o Nilo atrelado que puxou por gravidade o deserto. O crocodilo veio oferecer os seus préstimos e servir água fresca num cântaro de jade espoliado ao grande Tutankamon. 

A MÃE (conto angolano) por vera lúcia kalaari (Portugal)

 

Esse era o dia em que Saiengue, o soba de Camanongue, esperava a chegada de seu filho único, vindo da cidade.

O rapaz partira há seis anos e agora todos aguardavam o seu regresso: o pai, a velha mãe, a mulher, o filho e a filha. Nesses seis anos nenhum deles o vira e assim cada um o esperava anciosamente.

A cubata erguia-se a certa distância do povoado, longe da única estação, e por isso não podiam saber a hora exacta da chegada. Era uma pequena casa muito limpa, no meio de um extenso mangueiral, alinhado nas margens do rio. Do outro lado erguiam-se verdejantes montanhas que se perdiam em picos altos e nublados. No tempo do frio, o rio corria remansoso e pouco profundo. Mas quando as chuvas chegavam das serranias, as águas cresciam assustadoramente, lamacentas e escuras.

Todos se haviam vestido mais cedo e ficaram sentados pacatamente à espera. Lá estava o velho pai, a barba branca destacando-se no rosto negro e grave. Era um homem respeitado naqueles lugares.

Hoje, porque seu filho único voltava, pusera o seu melhor pano, que comprara há anos na cidade.

Ao lado do velho, sentava-se a mulher, a única que tivera em toda a sua vida, porque havia sido uma boa companheira, dócil e trabalhadora. Numa pedra mais baixa, sentava-se a nora, companheira do seu filho. Segurava uma fita longa de missangas, e seus dedos hábeis iam tecendo um cinto largo de cruzes miúdas, em carmesim. O seu rosto, nem feio nem bonito, denotava a ansiedade febril que a tomava. De vez em quando baixava-se para dizer qualquer coisa à pequenita que lhe brincava aos pés. Mais longe, debaixo de uma grande mangueira, um rapazito esguio tentava colher um fruto dourado. O velho tinha os olhos fitos no rapaz, mas via-se que o seu pensamento estava distante.

A velha mãe virou-se para a nora e perguntou:

-Compraste o peixe na loja do Calonjere?

-Sim, minha mãe, tratei de tudo.

Na obscuridade da porta os seus olhos brilhavam na face escura.

O miúdo escorregou, caíu e começou a chorar desalmadamente. A jovem mulher levantou-se rapidamente e limpou-lhe os calções do pó.

-Cala-te!Teu pai está prestes a chegar e não gostará de te encontrar assim!

O rapaz limpou as lágrimas com as mãos e sentou-se calmamente no capim áspero. O velho olhou o neto, alisou a barba branca e, sorrindo, disse:

-Calomanga ficará satisfeito por ter à sua espera dois filhos como estes.Ele te agradecerá a maneira como trataste seus velhos pais nestes longos anos. Foi um bom dia aquele em que te trouxe para esta casa.

Mal havia acabado de proferir estas palavras, ouviu-se uma voz na curva do caminho. Era bem a voz de que eles se lembravam e que tanto desejavam ouvir, mas agora bem diferente das suas recordações.

-Aqui estou!

A velha mãe uniu as mãos com força sobre o regaço. O velho levantou-se rapidamente do chão. Os passos do recém-chegado ressoavam mais perto, na terra avermelhada. A mulher, que se deixara ficar sentada, de olhos fitos no solo, pôde ver os pés calçados de grossas botas e ouviu-o gritar:

-Meu pai! Mãe!

-Filho…-disse o velho-.

A sua voz tremeu e suavemente começou a chorar. A mãe acercara-se timidamente e tocou no braço do filho.

-Calomanga, estás diferente. Não pareces o mesmo!

-Mãe, seis anos não deixam ninguém na mesma – disse o rapaz numa voz clara e rápida.

Depois, acercou-se da jovem mulher que se mantivera imóvel.

-Então, Fuvuca, estás boa?

-Foi a melhor das filhas para nós,Calomanga-falou o velho.

-Sim?-interrompeu o jovem-.E onde estão os meus filhos?

-Estou aqui…

O pequeno abeirou-se lentamente e olhou aquele desconhecido, de sapatos de cabedal e de calças que eram de um tecido grosso e escuro, uma fazenda dos brancos. Clomanga passou-lhe a mão pelos cabelos ásperos , rindo.

-Então foi nisto que se transformou o pequeno choramingas que deixei?

A jovem mulher olhava-o agora abertamente. Sim! Como estava mudado! Seis anos na cidade haviam modificado seu marido, cheio de juventude e energia. Sentiu-se muito tímida e começou a chorar.

Após uma longa pausa, como se cada um tentasse adivinhar os pensamentos do outro, Calomanga começou a falar. Dir-se-ia que falava apenas para preencher o vácuo que se estendia sobre eles.

-Como é bom estar de volta! É pena continuar tudo tão atrasado!

-Estamos na mesma – respondeu o velho pai, permanecendo um pouco pensativo.

-Pois é…Habituado como estou à cidade, tudo me parece bem diferente – estas últimas palavras foram ditas com um certo ar de troça -.

Fuvuca sentiu um leve aperto no coração e, silenciosamente, afastou-se.

……………………………………………………………………………………………………….

Calomanga havia distribuído os presentes que trouxera.

A jovem esposa retirara-se para um canto, olhando o marido e os filhos que o cercavam.

-Pai…tenho uma coisa para lhe dizer…

O velho estremeceu e puxou com força a manta que lhe escorregava nas pernas. A fogueira bruxuleava, pondo sombras grotescas nas mangueiras que se erguiam em copas cerradas.

-O pai sabe… – continuou o filho -. Na cidade vêm-se muitas coisas. Já não poderei ficar aqui. Acostumei-me a outra vida. Vim, para levar os meus filhos, para metê-los na escola dos brancos.

Os pequenos começaram aos pulos, a gritarem radiantes.-

-Irei no comboio…Irei no comboio…

A miúda agarrou-se ao pai e perguntou anciosamente:

-Eu também vou?

-Sim, tu vais também – respondeu o pai com energia.

-E Fuvuca? – falou o velho mansamente.

-Bem…ela…pensei mandá-la de volta para o pai. Dar-lhe-ei dinheiro e nada lha faltará.

O pequeno Jamba virou-se para a mãe, os olhos brilhando de satisfação.

-Então irei para a escola! Sempre desejei isso!

Nenhum deles pensava em Fuvuca, reparava na sua expressão. Ninguém notou como ela tremia, a não ser o velho, que continuava sentado, acariciando a barba branca.

Calomanga, radiante com a alegria dos filhos, exclamou:

-Irás para a escola, verás grandes ruas, automóveis , tudo o que nunca viste até agora.

A criança não se pôde conter:

-Quando vamos? Eu quero ir já!

Fuvuca olhou para aquele filho que acalentara ao longo das noites, que bebera do seu leite. Lembrou-se de quando lhe limpava a boca gotejante de leite branco. Era então aquele o seu filho! Este, encontrando o olhar da mãe, confessou, pensativo:

-Sempre quis ir para a cidade, mãe!

Calomanga agarrava a filha, num gesto de posse. Então, a miúda encostando a cara ao pai, olhou, arrogante, para a mãe.

-Está claro que nada te faltará – dirigiu-se o homem para a jovem mulher -.Nunca passarás necessidades.

Fuvuca olhou-o com dignidade, mas ele nem reparou, enlevado como estava com os filhos. E sem que ninguém se apercebesse, a mãe saíu de casa. Sentou-se na pedra onde se sentara por tantos anos com os dois filhos. Num instante pensou no que seria a sua vida dali para o futuro. Sim! Já sabia qual o caminho a tomar. Levantou-se e caminhou silenciosamente para o rio que brilhava ao luar. Ainda ouviu a voz do filho, gritando alegremente:

-E posso também andar de carro?

O velho tinha começado a falar, numa voz triste e implorativa.

A água corria-lhe agora aos pés e sentiu o frio cortante do seu beijo. Lembrou-se por instantes que devia descer rapidamente e lançou-se convulsivamente para a frente. O rio abriu-se para a receber num abraço gélido. Como de muito longe, pareceu-lhe ouvir ainda a voz do filho, repetindo várias vezes, a rir:

-Irei de comboio…Irei de comboio…

Esta voz morreu ao longe e a jovem mãe nada mais ouviu.

As águas fecharam-se novamente e continuaram o seu serpentear tranquilo para o mar.

 

48149foto livre.

 

 

LIRA DO JUBILO CARNAL por walnice nogueira galvão

No Cântico dos Cânticos, os olhos da amada são como os da pomba, os cabelos um rebanho de cabras, o hálito dela tem a fragrância das maçãs, e o talhe é como a palmeira cujos cachos lembram seus seios, que parecem um par de cabritos, ou gazelas gêmeas.

Um dos livros constitutivos do Antigo Testamento, o Cântico dos Cânticos pode ser considerado como um patrimônio da humanidade. Esse notável poema tem resistido à usura das eras que, no seu caso, se medem em termos de milênios. A exata idade da composição se perde na noite dos tempos. Entretanto, uma das hipóteses mais aceitas, no âmbito de um antigo debate em que opiniões contraditórias abundam, situam-no, com base no exame de suas peculiaridades linguísticas, entre os séculos V e IV antes de Cristo.

Representante da poesia lírica bíblica, honra que partilha com o livro dos Salmos, também conhecido como “Salmos de Davi”, é o único caso de discurso erótico nas Sagradas Escrituras.

Mesmo aceitando a datação acima sugerida, vemo-nos diante de fixação tardia, obtida por uma redação que amalgamou e assentou formas orais anteriores, fenômeno corrente na literatura da Antiguidade. Nesse sentido, fica evidente, sobretudo através da comparação com outros acervos literários, estarmos às voltas com uma compilação de antigas canções nupciais, compostas em honra de uma Noiva e de um Noivo, ambos encarnando o ressurgimento da vida na terra quando a primavera retorna após a esterilidade hibernal. Nas palavras do poema:

Eis que o inverno já passou,
cessaram as chuvas e se foram.
No campo aparecem as flores (…)
Da figueira brotam os primeiros figos

A eclosão da natureza em flores e frutos era então celebrada com ritos propiciatórios, que incluíam a conjunção carnal de casais jovens, vestígios que ainda se encontram nos países europeus nas chamadas “festas de maio”. Nessas, rapazes e moças dançam em torno de um mastro engalanado, representação comuníssima na iconografia medieval e encontradiça em certo tipo de poesia popular da época tida como licenciosa – a dos clérigos vagantes ou goliardos, a exemplo dos afamados Carmina Burana.

O júbilo dos esponsais, a alegria do exercício dionisíaco da sexualidade, comandada pela natureza e responsável pela regeneração dela, aglutina nesse tipo de poesia o cunho profano à elevação sacra. Pois a união, muitas vezes exercida nos próprios campos que objetivava fecundar, podia alçar-se à transcendência de uma hierogamia. Como diz a Amada:

O verde gramado nos sirva de leito!
Cedros serão as vigas de nossa casa,
E ciprestes as paredes.

A musa erótica, por sua vez, é um registro de poesia lírica muito praticada na Antiguidade, e dentre suas espécies conta-se o epitalâmio, como seu nome indica criado para festejar a ocorrência de um matrimônio. Costumava ser entoado por um coro às portas da câmara nupcial. Entre seus cultores gregos encontram-se a famosa poetisa Safo e seu contemporâneo Alceu, ambos do século VI a.C., afora Anacreonte, Teócrito e Píndaro.

Embora o Cântico dos Cânticos seja tradicionalmente atribuído a Salomão, os eruditos acautelam-nos para o fato de que tal autoria é infundada, porque induzida apenas pela presença do nome desse rei no texto, igualmente conhecido como “Cantares de Salomão”. De qualquer modo, o título Cântico dos Cânticos torna-se um superlativo e aponta para a reputação de excelência do poema quando comparado a seus pares, destacando-se dentre os demais.

O que não há dúvida é de que se trata de um poema – ou melhor, uma suíte ou rapsódia de poemas – de amplitude étnica. Assim como há epopéias que fundam uma nacionalidade, a exemplo da Ilíada e da Odisséia para os gregos, ou de Gilgamesh para os babilônios, ou mesmo do Antigo Testamento para o povo hebreu, aqui temos seu poema erótico.

Composto em forma de diálogo entre a Amada, o Amado e o Coro, o poema celebra amores numa dicção exaltada e bem pouco camuflada, servindo-se do recurso do paralelismo, ou repetição de uma mesma fórmula sintática na construção do verso, usual na literatura oral, e sobretudo na Bíblia, por suas virtudes mnemônicas.

Parte considerável do encanto do poema decorre da força de suas imagens e metáforas, o mais das vezes inusitadas, fazendo-nos penetrar num outro universo estético, para nós totalmente perdido não fora a Bíblia: vejam-se as análises de Northrop Frye. Para que a estranheza não nos feche as portas à fruição das belezas do poema, vale a pena examinar com mais vagar tais imagens.

O primeiro elemento que salta aos olhos é a equiparação entre o corpo da Amada e um jardim, por sua vez um arquétipo da literatura ocidental. É desse paradigma que emanam diversas metáforas, as quais por sua vez estréiam, embora apenas embrionariamente, logo no Gênesis, livro inicial da Bíblia e, como seu título indica, uma cosmogonia implicada numa narrativa das origens da humanidade. No Gênesis há um jardim, o Éden, presidido por um ser feminino, Eva, mãe de toda a espécie humana, e indissoluvelmente ligada no imaginário àquele jardim. Mais um passo a ser dado e teremos o jardim como metáfora da mulher.

A metáfora é explicitada por inteiro logo de saída: “És um jardim fechado,/ minha irmã e minha noiva” (Cap. 4, 12-16). O vergel onde jorra um manancial se tornaria uma das metáforas seminais da literatura ocidental e, convergindo com a poesia bucólica de Roma, ficaria conhecido como o tópico do locus amoenus (lugar ameno), estudado por E. R. Curtius, gerando farta descendência em várias línguas e literaturas. Se preferirmos a versão latina do Cântico dos Cânticos, falaremos de hortus conclusus (horto concluso), ou o “jardim fechado” supracitado.

Daí decorrem as várias imagens típicas de um povo de pastores e lavradores, que identificam, sucessivamente, a Amada com a rosa de Sharon e com um lírio do vale entre os espinhos que são suas amigas, seus seios com um par de cabritos uma vez e outra vez com gazelas gêmeas. Atribuem-lhe ainda olhos como os da pomba, cabelos como um rebanho de cabras, faces como metades de romã, hálito como a fragrância das maçãs, talhe como o da palmeira (símile retomado em Iracema, de José de Alencar), cujos cachos, tanto quanto os da videira, lembram seus seios. 
Se a correspondência primordial se faz com o Éden, portanto numa esfera paradisíaca onde os frutos da terra medram sem que seja necessário cultivá-los, já outras comparações relevam do propriamente agropastoral, derivando do trabalho humano. Noivo e Noiva são pastores, sendo o Amado uma “macieira entre árvores silvestres”, seu nome mais aromático que os perfumes e suas carícias mais suaves que o vinho. Quanto à Amada, seus dentes são “um rebanho de ovelhas tosquiadas” e o ventre “um monte de trigo,/ cercado de lírios”. O vinho e os perfumes são privilegiados como matrizes de metáforas: 

Tuas carícias são mais deliciosas que o vinho; 
teus perfumes, mais aromáticos que todos os bálsamos. 
Teus lábios, minha noiva, destilam néctar; 
Em tua língua há mel e leite. 
(…) 
Teu umbigo é uma taça redonda: 
não lhe falte vinho mesclado! 

Outra esfera traz imagens da civilização urbana e suas criações, e através delas a comparação com artefatos citadinos: os quadris a colares, o pescoço a uma torre de marfim, as madeixas a fios de púrpura, o nariz à torre do Líbano, culminando com a equiparação da Amada tanto às parelhas das carruagens do Faraó quanto a Jerusalém, capital e sede sagrada do povo hebreu. 

Entremeadas à esfera agropastoril, que era sobretudo a da cultura do povo de Israel, e à urbana, surgem ainda metáforas cósmicas: nelas a Amada assemelhando-se à aurora, à luz, ao sol, às constelações. 

A Amada se dirige ao Amado, ou a ele se refere, em declarações cheias de ardor. E profere igualmente o elogio do amor em termos abstratos e que não poderiam ser mais inflamados: 

Porque é forte o amor como a morte, 
e a paixão é violenta como o abismo: 
suas centelhas são centelhas de fogo, 
labaredas divinas. 
Águas torrenciais não conseguirão apagar o amor, 
nem rios poderão afogá-lo. 

Como não poderia deixar de ser, tratando-se de um dos mais antigos poemas de amor da história da humanidade, e um dos mais belos, deu origem a uma farta linhagem, não só de traduções e adaptações, como de paráfrases e citações. Para o português, contamos com bela edição de 1944, contendo traduções completas de João de Deus, José Benedito Cohen e Jamil Almansur Haddad, com erudita introdução de José Pérez. Antes disso eram lidas as versões novecentistas de Ernest Renan, uma integral, a outra com cortes e explicações. 

Entre nós, um leitor de Renan, Machado de Assis, não desdenhou de escrever um conto chamado “Cantiga de esponsais”. Nele se vislumbra a presença do poema, entrevisto lá atrás como pano de fundo induzido pelo título. O conto passa a contrastar a falta de inspiração do velho músico viúvo – padecendo de bloqueio criador e nem sequer podendo terminar a peça nupcial que começara a compor em sua já remota lua-de-mel – e o enlevo de um parzinho recém-casado, que ele espreita da janela. 

Manuel Bandeira compôs um belíssimo poema dialogado, homônimo ao da Bíblia (“- Quem me busca a esta hora tardia? / – Alguém que treme de desejo.”), recolhido em “Belo belo”. E dentre os mais famosos na nossa literatura é o epitalâmio com que o modernista Oswald de Andrade brinda o amor por sua última esposa, Maria Antonieta d’Alkmin, intitulado bem brasileiramente, ao pôr em cena os instrumentos musicais de uma seresta tocada por chorões, “Cântico dos Cânticos para flauta e violão”. Uma sequência de poemas organizados em ciclo, formando igualmente uma suíte ou rapsódia, composta por várias partes com títulos próprios, mimetiza de perto o modelo bíblico. Aqui, o nome da Amada serve para rimar com a primeira pessoa da voz lírica, em meio a metáforas cósmicas como neste trecho: 

Toma conta do céu 
Toma conta da terra 
Toma conta do mar 
Toma conta de mim 
Maria Antonieta d’Alkmin! 

A atribuição de autoria ao grande rei Salomão, como vimos, decorre apenas do fato de seu nome ser mencionado no texto e de ser referido como poeta na Bíblia. E o único nome de mulher presente é o de Shulamit, ou Sulamita, que é o feminino de Salomão. Para aumentar a confusão, há muitas eras que o verso Nigra sum sed formosa (sou negra mas formosa), como se tornou conhecido na versão latina da Vulgata, transformou-se em mote literário. Assim dando ensejo a que a alusão à cor fosse vista não apenas como o bronzeado advindo da exposição da pastora ao sol, erigindo-se em discutível referência à rainha de Sabá, que era etíope, e a quem se atribuem legendários amores com Salomão. 

Mas essas não são as únicas leituras que o poema permite. Há séculos que outras, mais alegóricas, existem e são tidas em grande conta no corpus exegético de diferentes religiões, tendo gerado milhares de páginas de interpretações. 

Se entre muitos povos o céu é visto como parceiro sexual da terra, sobre a qual se debruça ao abraçá-la, ambos foram frequentemente divinizados enquanto atores de uma hierogamia. Também o Cântico dos Cânticos foi estimado como uma alegoria das relações entre um rei (o Amado) e a coletividade de seus súditos (a Amada), ou então entre Jeová e Israel, sua terra e seu povo. E, na vigência do cristianismo, tornou-se moeda corrente a leitura do poema como um elogio das relações amorosas entre Cristo e sua Igreja. Não poucas Bíblias trazem especificações e notas detalhando essas relações, que ficam no mínimo bizarras num texto de tão alta voltagem erótica. 

Entretanto, uma obra vetusta como essa e justamente considerada como um feito excepcional de poesia só poderia gerar múltiplas interpretações, sem excluir as que ainda se farão no futuro.

 

HAI-CAIS de edu hoffman

fiquei à esmo

 

    tomando cerveja 

 

   comendo torresmo

 

 

=

 

 

                   tempo nublado

 

               as nuvens da solidão

 

                   trazem o frio

 

 

=

 

 

               dos tempos cinza

 

            pássaros machucados

 

               se fizeram vôo

 

 

=

 

 

               chuva de janeiro

 

             vento forte derruba

 

              o topo do pinheiro

 

 

=

 

 

 

               manhã ao vento

 

          na chuva os utensílios

 

            soltam-se de mim

 

CIGARRAS NO APOCALIPSE poema de bárbara lia

Quando o poema emerge,

Estridente,

Emudece o verão

Escurece a primavera

Incendeia o outono

 

 

Poetas são cigarras

No apocalipse

Sempiterno som

Canto que incomoda ecoa

Em muralhas pagãs

Invade corredores

Cola ao som o hortelã

Das festas de antes

Arranca lágrimas cinzas

No silêncio laranja

De Guantánamo

 

 

O som ardido trinca o sol

Escorre gema zelosa

Na chaga das crianças

Da África inteira

Canta a primavera afogada

Da vida ceifada.

 

 

A cigarra segue

No apocalipse sem volta

Anoitece areias de Fallujah

Todas as ruas da Faixa de Gaza

A cigarra cerra o cadavérico olhar

Das meninas da Palestina e do Iraque.

 

 

Cigarras no apocalipse

São poetas em desalinho

Gestados no ventre escuro

Ninfas subterrâneas

Emergem em canto e vôo

Ao som da trombeta

De um anjo sem olhos.

 

 

ESTES VERSOS TE DOU… poema de charles beaudelaire

Estes versos te dou para que, se algum dia,
Feliz chegar meu nome às épocas futuras
E lá fizer sonhar as humanas criaturas,
Nau que um esplêndido aquilão ampara e guia,

Tua memória, irmã das fábulas obscuras,
Canse o leitor com pertinaz monotonia,
E presa por grilhão de mística energia
Suspensa permaneça em minhas rimas puras;

Maldita que, do céu infindo ao mais profundo
Abismo, a mim somente escutas neste mundo!
– Ó tu que, como sombra de existência fátua,

Pisas de leve, sem que aqui jamais te afronte
Nenhum mortal que te suponha amarga, estátua
De olhos de jade, grande anjo de brônzea fronte!

 

BIA DE LUNA – POEMA

bia-de-luna-002

 

amanheço com

cara de espanto


entardeço com

cara de fresta


anoiteço com

cara de sobra.

CENTRO DA CORRUPÇÃO por walmor marcellino

CONSCIÊNCIA E REALIDADE POSITIVA

 

Devo acentuar que o judiciário brasileiro é o valhacouto de todas as corrupções e deformações da vida pública brasileira, através de sua ponte com o interesse privado? Só porque dele se esperam as soluções pelo que assoma em violência social desconforme à convivência em sociedade, ou por ser um poder inamovível e irremediável? Como explicar?

Em corrupção legislativa somos exatamente iguais ao nosso modelo ‑ os Estados Unidos da América ‑, com a diferença de que o grande império incrustou os lobbies empresariais como assessoria parlamentar e o nosso congresso nacional, pudiciosamente, aceita propinas antes das eleições, durante o mandato e depois de deixá-lo; sempre negando que está comprometido “apenas com a atividade econômica”, e também sem alcançar a transparência cínica dos ruralistas e seu pensamento bovino.

Alguém e alguma teoria traduz o encadeamento dos fatos e seu sentido; isso tanto na  mística, como na ciência? Até na necessária interpretação política, em que sua hermenêutica é tarefa que vem sendo delegada ao poder econômico-social.

Um texto de Gilles Delleuze me enevoa a cabeça, no sentido da percepção da nossa realidade política: “… Para nós o intelectual teórico deixou de ser um sujeito, uma consciência representante ou representativa. Aqueles que agem e que lutam deixaram de ser representados, mesmo por um partido, um sindicato, que se arrogariam, por sua vez, o direito de serem a sua consciência. Quem fala e quem age? É sempre uma multiplicidade, mesmo na pessoa que fala ou que age. Somos todos grupúsculos. Já não há representação, há apenas ação, ação de teoria, ação de prática em relações de transição ou de rede”.

No que isso ilustra? Sem que eu lhe atribua mais do que um descortínio psicossocial, nós os remanescentes da pretensa “vanguarda do proletariado” não nos conformamos com o deslocamento dessa hipotética representação política. Somos hoje grupelhos e grupúsculos “bem intencionados ou meramente oportunistas”, porfiando demandas sociais, mas na verdade querendo liderar trabalhadores e massas numa sociedade de classes em difração significativa e com vistas a alguma utopia revolucionária sem objeto real.

Essa dissolução entre nós (os agentes sociais) e as classes, que julgamos representar, não seria parte de um malogro intelectual sob uma multipolaridade de conhecimentos e de situações de vida, que não compreendemos porque neles não estamos efetivamente integrados, por baixo? Ou a “pós-modernidade” da cultura burguesa nos aposentou o presente e seu futuro?

8 FLORES e a CANÇÃO DESESPERADA poema de tonicato miranda

para a mulher amada

e tantas mulheres como você

 

 

 

 

Você,

rosa vermelha

e um punhal brilhante sobre a mesa

do corredor até a mim vem

uma canção desesperada

Você,

um lírio branco

e vinte lírios brancos sobre a mesa

que nada rivalizam ou contêm

dos acordes da canção desesperada

Você,

meu amor perfeito

a caneta e a carta sobre a mesa

tudo a escrever ao meu bem

dentro da canção desesperada

Você,

minha violeta quase preta

há na tarde reflexos sobre a mesa

tudo que o sol vai levar para além

da tarde, junto à canção desesperada

Você,

cacho de acácia

desfolhando-se sobre a mesa

meus dedos tristes, sem

dedilhar pianos na canção desesperada

Você,

um ipê amarelo

pintando o papel sobre a mesa

mesmo vindo a noite qual um trem

embarque-me na canção desesperada

Você,

rosa branca

derramada sobre a mesa

derrame fragrâncias em mim, mais de cem

para perdurar-me nesta canção desesperada

Você,

manacá da serra

decorando meu sangue sobre a mesa

anhagatirão é teu nome também

o branco e a violeta juntos na canção desesperada

 

TM

Curitiba, 29/12/2008.

PEQUENAS CONSTATAÇÕES na FALTA DE MAIORES – por juca (josé zokner) 26/03/09

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

“Tá tudo ruço:

Um papai-noel

No carnaval

E um arlequim

No Natal.

Tá tudo mudado”,

Disse o pinguço

Com a língua enrolada

Pra namorada,

Antes apaixonada,

Agora, esquiva

Não mais compreensiva,

Nem compassiva.

Coitado!

Coitada!

Coitada?

Constatação II

Não se pode confundir plumas e paetês com pumas e patês, porque, como dizia numa novela o personagem do ator paranaense Tony Ramos: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Elementar, minha gente.

Constatação III

Levou um sopapo

E uma bronca da mulher:

“Não explicou

Nada

Esse batom,

Meio-tom

Marrom

Que a camisa manchou

Só papo.

E pior, furado!

Não sou uma qualquer.

Sou uma fada

E do bem.

Você quer

Ter um harém?”

Coitado!

Coitada!

Constatação IV (Dúvida crucial via pseudo-haicai).

A inócua retórica

Dos políticos

É histórica?

Constatação V

Ela caprichou

E se produziu.

De nada adiantou.

Continuou com cara

De bugio

Misturada

Com arara.

Coitada!

Constatação VI

Copo vazio

De vinho

Me dá fastio

Me dá brotoeja

Só curável

Com carqueja

E muito provável

Com cerveja,

Onde, claro,

Não falte o raro

Colarinho.

Constatação VII

Não se pode confundir coligido (no sentido de acumulação), com corrigido, mesmo sendo pronunciado por chinês e japonês, muito embora tenha muito político que tem coligido patrimônio em valores tais que dobra triplica ou mais em pouquíssimo tempo, conforme a mídia recentemente destacou, sem que tenha explicado convincentemente a fonte e não ter corrigido na sua – dele – declaração de imposto de renda.

Constatação VIII

O marido,

Pelo ciúme,

Ficou carcomido.

Sentiu o olor

Na mulher

Do perfume

Do seu sócio

“Mas logo o beócio!”*

Aí, melancólico

Rememorou

Que já tinha sido

Um grande amor

E de até bucólico,

Do tipo bem-me-quer

E que virou

Chinfrim.

E, tristemente, pensou:

“Coitado de mim!”

*Beócio = “que ou o que não possui conhecimentos suficientes em determinado domínio; ignorante”. (Houaiss).

Constatação IX (De uma dúvida crucial).

Por que será que há tantos acidentes em minas, na China? Será que um país com tão alta tecnologia, não poderia cuidar de seus mineiros? A explosão com muitas mortes e feridos tem sido uma constante em aparecer na mídia. Será que a China é como certos países em que à vida não se dá o devido valor?

Constatação X

Rico fica enfermo; pobre, doente.

Constatação XI (Poeminha dos tempos medievais).

O cavalo corcoveava

O cavaleiro, na sela,

Se sustentava,

Por aquelas arenas,

Para impressionar

A donzela

Com quem queria

Se casar

Mas ela, isso, não sabia.

Dele, mera ilusão?

Ou apenas,

Falta de comunicação?

Constatação XII

Foi juntar graveto,

No meio de um mato

Que não lhe pertencia

O que caracterizou um furto.

Pelo caminho mais curto,

Usou a hipotenusa,

Mas por um acesso cerrado,

Ao invés do cateto.

Rasgou a blusa,

Que não havia

Saído barato.

Proferiu

Um pequepê

Sonoro

O namorado

Riu

Do fato.

“Você ri e eu choro.

Não me venha!

Tá rindo de quê?

Preciso fazer um fogo

Pra fazer um prato

No forno

A lenha

Com azeite de dendê.

Se não quiser comer

Pode fazer a pista,

Pode já desaparecer

Da minha frente!

E não insista

Em permanecer

Seu corno,

Seu demagogo,

Seu impotente,

Seu transviado”.

Coitado!

Constatação XIII

O assim chamado meu lar

Está na direção

Do avião

Que vai aterrisar.

Como ele tá, ou não,

A fim de me acordar,

Na madrugada,

E eu não posso fazer nada

Ao perder

O sono,

Sem mais poder

Tirar

Uma reles pestana,

E por me sentir no abandono

Me ponho a ler

Os Mário’s Benedetti e Quintana.

Constatação XIV

Ela deu um espirro

Tão alto e profundo

Que ele acordou

Assustado,

Atordoado

Achou

Que era um rugido de leão

Com um tiro de canhão

E o fim do mundo.

Coitado!

Constatação XV

E como dizia a gatona, explicando a Teoria da Relatividade para as amigas principiantes* no assunto: “É muito melhor acordar nos braços do companheiro do que agarrada no travesseiro”.

*Não ficou claro se as amigas eram principiantes na Teoria da Relatividade ou em acordar nos braços de um eventual companheiro, ou, ainda, nos dois casos. Tão logo Rumorejando possa esclarecer tal fato de transcendental importância – não para a Humanidade, mas para elas – dará a conhecer aos seus gentis leitores. Obrigado pela compreensão.

Constatação XVI

Ela sofria

De um desvio:

Se punha a olhar

Para o mar

E dizia

Que era um rio.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

 

ENTARDECER poema de otto nul

Ah, tardes lindas

Tardes findas

 

No lusco-fusco

Em que me ofusco

 

No escarcéu

Que mostra o céu

 

Na melancolia

De uma agonia

 

Na derradeira hora

Do dia em que mora

 

A centelha ainda

Viva do sol que brinda

 

O ocaso de cores

E a noite de amores

 

ALEXANDRE FRANÇA em entrevista ao caderno G da Gazeta do Povo /Curitiba

 

O que é Curitiba?
Curitiba é uma renite que tentamos, a todo custo, curar entre edredons e livros do Dostoievski. É o frio que escondemos nos copos de cerveja e nas brasas de cigarro. Uma sala de estar vazia. O crack fumado por moleques friorentos. As luzes congeladas da nova iluminação branca da cidade. O boné do menino classe média roubado dentro do tubo do expresso. As favelas escondidas pelas campanhas publicitárias. A neve européia que ainda aguardamos. A cachaça tomada logo pela manhã por guardadores de carros. Os apartamentos mofados do centro. Reuniões literárias, recitais de poesia, indivíduos criticando amargamente seus colegas de trabalho. O vinho Campo Largo tomado por jovens nas esquinas do bairro São Francisco. A Cruz Machado abrigando musas desgastadas e músicos veteranos. A Ilíada decorada e declamada na casa da atriz Claudete Pereira Jorge. O templo do Dario Vellozo ainda ecoando em nossos ouvidos. Dalton Trevisan e a sua casa na Ubaldino. A Rua XV entulhada de lojas Diva. Os costelões 24 horas. O céu cinza. Os lambrequins que ainda resistem em casas polacas. Livros escritos por curitibanos, perdidos em prateleiras de grandes livrarias. Talentos diminuídos pela ignorância e pela falta de compreensão. Gente querendo reconhecimento de maneira obsessiva. Gente com medo de olhar na sua cara. Gente sorrindo forçosamente na festa de inauguração do último bar da moda. Um curitibano falando mal de Curitiba. Este mesmo curitibano com medo de morar fora.

(Esse é Alexandre Gil França, curitibano nascido dia 10 de agosto de 1982. Escreveu e publicouMata-Borrão, Batom (Poesia, 2003) e Toda Mulher Merece Ser Despida (Poesia, 2005). Tem os Cds gravados e lançados A solidão não mata, dá a idéia (2006) e Poesia em Desuso (2005, em parceria com o poeta Fernando Koproski).

O que não é Curitiba?
Aquilo que alguns curitibanos gostariam que a cidade fosse. Isto inclui Londres, Paris, Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e etc.


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Palavra mais do que viva

 

Quem são os curitibanos?

Os que eu admiro, são aqueles que fazem de tudo para que a cidade não vire uma cópia barata de Londres, Paris, Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e etc.

(Ele gosta de talharim com cubos de mignon, cerveja original, toca guitarra e violão, frequenta a Pizza Mais, o Wonka Bar, o Hermes Bar, o Café Mafalda, o Ponto Final, o Sal Grosso e o Bar Doce Lar. Namora a Renata (Reka), com quem passeia pela 13 de maio, XV de Novembro, Sete de Setembro e Coronel Dulcídio. Sabe dirigir, é Leão, torce pelo Coxa, é fã da marguerita da Pizza Mais e ama a cor preta).

O que te move a escrever?
O ócio, a noite, o frio e a solidão.

O que vem antes da escrita?
Os livros que li e o diálogo com as pessoas que gosto e admiro.

Você pensa por meio de imagens, palavras ou sons?
Quando começo a escrever, tento não pensar em nada – sigo um ritmo interno. Vou digitando coisas, sentindo o teclado, deixando a coisa fluir. De repente, surge um assunto. Não paro de digitar, agora focado neste assunto que, como um imã, vai me atraindo. Escrevo uma, duas, três, quatro, às vezes até dez páginas e paro. É deste processo que sai o grosso da minha produção. Às vezes acerto de primeira. Na maioria das vezes, não. É preciso também criar um clima para a escrita, por isto gosto de escrever de madrugada, onde tudo é mais silencioso. Quando não estou em casa e me vem uma imagem interessante, anoto num papel; depois tento inseri-la dentro do que já foi escrito. É como num brinquedo lego: primeiro fabrico as peças e depois tento encaixá-las da forma que me parece mais interessante. A parte difícil vem depois, quando reflito acerca do que escrevi: se aquilo é compatível com que penso sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre a vida. No final das contas, em muitos casos, acontece de num trabalho de dez laudas eu tirar apenas uma frase.

Com o que você tem sonhado ultimamente?
Com a minha boemia de antigamente. Por causa do trabalho, tenho saído menos e isto tem me afetado de maneira negativa. Para mim, realmente, é muito difícil viver longe dos bares e da vida noturna.

O que e quem você ama?
Amo a capacidade que temos de tentar compreender o próximo. Dia após dia treino esta capacidade em mim. Numa arte coletiva como o teatro, inclusive, isto é importante, principalmente quando você tem um elenco de oito pessoas com bagagens e histórias completamente diferentes. No caso da peça que estou dirigindo (Mentira!), esta capacidade de compreensão tem sido fundamental para a criação dos envolvidos. Penso que é no exercício intensivo da convivência (e, consequentemente, da capacidade de compreensão) que o bom teatro hoje parece respirar. Este excesso de (profissionalismo?) que a tv e a publicidade impõe aos atores acaba sugando o que eles possuem de melhor: a subversão, o senso crítico, a ação inventiva. Amo trabalhar com artistas que discutem o que fazem, que se colocam numa posição de risco, que odeiam o conforto da “missão cumprida” do funcionário padrão. Para mim, de fato, é um tédio trabalhar com profissionais do entretenimento, funcionários da cultura. Por que estas pessoas não querem ser compreendidas e nem querem compreender o próximo: elas querem bater o cartão e continuar a suas vidas como se nada de mais tivesse acontecido.


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Poeta e dramaturgo

 

O que e quem você odeia?
A intolerância. A minha teimosia. A teimosia dos outros. A arrogância. Odeio as pessoas que gostam de ser arrogantes. Odeio a inveja: o sentimento mais desagradável que alguém pode sentir. É pior do que romper um relacionamento

Como e de que maneira o teatro entrou em sua vida?
Sempre quis escrever dramaturgia (antes mesmo de me interessar por poemas) e eu já escrevia uns diálogos durante a minha adolescência. Lembro que uma das primeiras peças que eu assisti na minha vida, quando eu tinha uns dez anos, foi uma do Plínio Marcos sobre catadores de papel. Aquilo mudou definitivamente a minha maneira de encarar o mundo. Era super pesada. Mexia radicalmente com questões morais. Lembro que foi no colégio estadual. Então fui atrás de cursos de teatro na escola em que fazia o fundamental e em outros lugares. Acabei no curso do ator e diretor George Sada. Depois, entrei na faculdade de publicidade (posteriormente na de letras), e acabei abandonando a escola de teatro. Mas nunca deixei de assistir peças e estudar o assunto. Até que um dia eu conheci a famosa casa da atriz Claudete Pereira Jorge, onde se reunia uma porção de artistas admiráveis (hoje, todos meus amigos). Mostrei alguns dos meus textos para a turma e eles me incentivaram a continuar (inclusive fazendo leituras dramáticas na casa). A minha vontade de montar uma peça neste momento era muito grande. Convidei a Helena Portela (filha da Claudete) para a leitura de um texto meu (que, na época, ainda se chamava ?Um Dostoievski de Presente?). Ela aceitou o convite e chamou uma amiga, Verônica Rodrigues, para compor o elenco. Assim, de maneira despretensiosa, começaram os ensaios da minha primeira montagem, ?Um Idiota de Presente?, que para a minha surpresa teve uma boa acolhida do público. Nascia ali a Dezoito Zero Um ? Companhia de Teatro. Depois disto não parei mais de escrever dramaturgia e atualmente, junto com a música, esta tem sido a minha principal ocupação.

A poesia não é algo que cobra exclusividade? Ou você consegue lidar
bem com a poesia, a música, o teatro e a vida?

Penso que está tudo relacionado – poesia, música, dramaturgia, vida. Sem poesia – que é a base de tudo – , não consigo fazer direito o resto. Aliás, não me imagino sem poesia. Ela é o combustível que me faz querer viver. Isto não está ligado apenas ao ato de construir poemas. Mas sim a postura de vida, ao entendimento das coisas. Quando escrevo dramaturgia, por exemplo, eu preciso de uma atmosfera poética, se não a única coisa que acaba saindo são diálogos sobre o tempo, do tipo ?será que vai chover??.

O que você acha de quem posta comentário em posts na internet?
Acho que no mínimo esta pessoa está buscando um diálogo com alguém. Gosto quando comentam no meu blog. Me sinto menos sozinho. Todos nós às vezes nos sentimos sozinhos. A Internet nos dá esta impressão de que não estamos solitários no mundo. Embora eu, particularmente, prefira tomar uma cerveja com os amigos no bar.

 

 

No Festival de Curitiba, peças de França, atenção:
Mentira!Teatro fantástico | Curitiba/PR | Centro Cultural Falec |
Dias 26 às 18 horas, 28 às 12 horas e 29 às
15 horas Ingressos: R$ 10 e R$ 5

Final do Mês
Comédia | Curitiba/PR | Teatro da Caixa Cultural | Dias 22
às 18 horas, 23 às 21 horas, 24 às 15h, 25 às 18h
Ingressos: R$ 10 e R$ 5

Habitués – O Longo Caminho de
Dois Freqüentadores de Boteco

Drama | Curitiba/PR | Teatro João Luiz Fiani | Dias 20, 21,
22, 27, 28 e 29 às 21h e 19, 25 e 26 às 18h
Ingressos: R$ 30 e R$ 15

 

RIOS DE GENTE (série) poemas de francisco cenamor / España

 

5,02 p. m.

 

Llega hasta la pequeña plaza

el sonido de una guitarra.

 

Pasa, alegre, un limpiador de cristales

montado en bicicleta, silbando.

Alguien fuma nervioso alejándose.

Una mujer observa desde la mesa de una cafetería.

 

Ve pasar una pareja de ancianos.

Pequeños, elegantes. Salen de la plaza.

A la vuelta de la esquina, ella se agacha

para echar unas monedas al músico.

 

 

5,04  p. m.

 

Una mujer mira desde la mesa de una cafetería.

En frente, muy cerca, no lo ve,

un bloque de apartamentos limita la plaza.

 

En su rostro sereno se marca alguna arruga.

Da caladas lentas a un cigarro. El humo empaña su rostro.

Dos hombres con traje la observan mientras hablan.

 

La mano de un limpiador de cristales pasa ante ella

y se despierta. Mira al joven ruborizada.

Recoge con prisa sus cosas y sale sin volverse a mirar.

Una lágrima recorre su rostro.

 

 

5,06 p. m.

 

Cinco cipreses en la pequeña plaza.

Se ha despertado la tarde de su letargo.

Han salido del colegio los niños.

Abren los cierres de los comercios.

Adolescentes pudorosas cubren

su pecho con las carpetas.

Un discapacitado pide unas monedas

a alguien que escribe sentado en un banco.

Un grupo de gorriones pelea por unas migas de pan.

Dos hombres con traje salen de una cafetería.

Cinco inmóviles cipreses en la pequeña plaza.

 

POEMA de sara vanegas /Ecuador

 

es el viento que ruge entre las dunas hendidas

puertos antiguos y naves sumergidas desde el fondo

de la arena

resucitan /por segundos eternos

mientras el caminante maldice

su propia huella /tan lejos del oasis de sus antepasados

 

tan ajeno al recuerdo y al olvido

A REVISTA FORMA por manoel de andrade

 

Não me esquecera da Revista FORMA e do impacto cultural que causou na época, acenando-nos, naquele janeiro de 1966, com um espaço onde pudéssemos semear nossas ideias e nossos sonhos.

           FORMA chegava no momento certo. Os tempos sinalizavam para a nossa emancipação intelectual e, na década de 60, apesar do quartelaço de 64, o Paraná passava por um estado de graça em termos de cultura, e Curitiba, como centro polarizador dessa conjuntura, demandava uma publicação que expressasse ao país aquela realidade e partilhasse suas inquietudes com a inteligência nacional.. Vivia-se numa agradável atmosfera do espírito, marcada pela relevância das artes plásticas na presença do Juarez Machado, cartunista, na imprensa nacional; pelos prêmios do João Osório Brzezinski; pelas gravuras do Fernando Calderari e pelo destaque do Salão Paranaense de Belas-Artes. A literatura ainda buscava seu espaço marcado com a presença de novos poetas e contistas, pelo destaque de prosadores como o Dalton Trevisan e Jamil Snege e pela emocionante Noite da Poesia Paranaense, em 65, no Teatro Guaira. A dramaturgia mostrava sua presença com o talento de Cláudio Correia e Castro na direção do Teatro de Comédia do Paraná e, pelo apoio oficial, foi criado no Teatro Guaíra a Escola de Arte Dramática,  promovendo-se um intercâmbio com grandes companhias nacionais que colocaram Curitiba no roteiro dos grandes espetáculos. A música também ensaiava, por aqui, os seus melhores passos e instituições como a Pró-Música e a Scabi estiveram à frente de cursos e festivais de música realizados na Capital. Tudo isso partilhado com a regência do grande trabalho do maestro Roberto Schnorremberg no comando do Curso Internacional de Música do Paraná. Muitos de nós líamos o Cahiers du Cinéma e acompanhávamos também o pionerismo de Sylvio Back que já anunciava seu grande talento em vários curta-metragens, lançando em 1968, o filme Lance Maior.A crítica cinematográfica surge com o talento prematuro e de vanguarda de Lélio Sotomaior e Sérgio Rubens Sossélla, –que em setembro de 1963 me presenteou seu primeiro livro, 9 Artigos de Crítica  –marcou sua  indelével passagem por aqueles anos, como poeta, como crítico  – um dos maiores entendidos na obra de Fialho de Almeida, no Brasil  – e como colaborador e membro do Conselho de Redação da Revista FORMA. Naquela mesma época, publicava o ensaio sobre Milton Carneiro e sua “Procissão de Eus”. Na imprensa, a cultura era veiculada através da incansável atividade de Aramis Millarch e, sobretudo, pelo respeitável trabalho de Aroldo Murá Haigert, cuja coluna “Vernissage”, no Diário do Paraná, era a caixa de ressonância da melhor expressão da arte e da cultura paranaense. Quiséramos falar de outras sementes, de flores que desabrochavam e de frutos que começavam a amadurecer. Quiséramos falar  das tantas luzes que iluminaram aquela aurora cultural – marcada também pela arquitetura e a importância superlativa do nosso urbanismo –, mas tudo isso ou quase tudo, mal conseguiu chegar intacto até o fim de 68. E toda esta  primavera curitibana    abortada pela repressão e o trágico silêncio cultural que se seguiu ao AI-5 –  a FORMA se propunha abarcar em seu espaço, mas fechou suas páginas prematuramente e não conseguiu retratar a integralidade daquele fenômeno.

 

          Em julho de 2003 enviei uma carta a Fabio Campana parabenizando-o pelo primoroso lançamento da Revista ET CETERA e dizendo-lhe que, apesar de não ter notícia de que no Paraná se tenha publicado uma revista de cultura com um requinte visual e uma escolha tão criteriosa dos textos quanto a sua, houve, contudo, em Curitiba, uma honrosa exceção, tentada no bem intencionado projeto da REVISTA FORMA, lançada pela originalidade e a sensibilidade gráfica de Cleto de Assis e com carismática intelectualidade de Philomena Gebran.

 

          Hoje, 43 anos depois, compulsando com saudade suas páginas, abro o meu nº 01  – autografado pela Philomena, pelo Cleto e pelo João Osório – e releio o primeiro artigo: “Cultura no Paraná”, uma bela matéria sobre a primeira metade da década de 60. Escrito com  elegância  e inteligência por Ennio Marques Ferreira (a quem o Paraná também muito deve por sua passagem, naquela época, pelo Departamento de Cultura da Secretaria da Educação e Cultura e, mais recentemente, na Casa Andrade Muricy), o texto delineia toda a paisagem cultural do Estado, na primeira década de 60, enfatizando o papel da arquitetura e das artes plásticas. Seguem outras tantas expressões da cultura paranaense e pontificam neste número os desenhos litografados de Poty, a pintura de João Osório, um estudo sobre uma partitura de Bach feita pelo regente José de Almeida Penalva (o famoso Padre Penalva, da época), um belíssimo poema do poeta e estadista senegalês Léopold Sedar Senghor e textos de Sylvio Back, Elias Farah e Nelson Padrella.

 

         A nota de abertura do segundo número comenta da receptividade e do alcance nacional da Revista. Enfatiza seus propósitos como instrumento de diálogo com a intelectualidade brasileira e como instrumento de divulgação de uma cultura democrática. Não vou declinar, nos limites desta nota, toda a seleta galeria dos nomes que integraram os dois números da Revista FORMA. Contudo, quero ressaltar, no segundo número, a saudosa presença de Guido Pellegrino Viaro contando, num texto autobiográfico, as passagens marcantes de sua vida, desde sua origem simples e provinciana na cidadezinha italiana de Badia Polesina, onde nasceu em 1897. Destaca as dificuldades dos primeiros estudos, seus sonhos com terras distantes, seu alistamento, aos 16 anos, sua participação na 1ª Guerra Mundial, depois a tristeza e os horrores. Mais tarde, os estudos em Veneza e a busca de um caminho para a sua arte…, “a linha – sempre a linha  – os espaços, a cor.”  Da Europa para a América. Do Rio para São Paulo. A chegada fortuita a Curitiba. “Procurei me manter em pé sem fazer concessões. (…). Tratei com carinho a composição, após ter estudado a paisagem e a criatura. Só assim consegui não soçobrar, permanecendo assim mesmo, o pintor figurativo de ontem.”  O  segundo número tem sequência com um estudo arquitetônico de Cleon Ricardo dos Santos; um recheado BAÚ de notícias culturais, o poema Cântico de Guerra, de João Manuel Simões e um interessantíssimo artigo sobre “Literatura: Regional & Universal” de Hélio de Freitas Puglielli. Este número fala ainda de teatro e promove  um DEBATE sobre Orson  Welles,  através de textos de Sergio Rubens Sossella, Sylvio Back e Luiz Geraldo Mazza. Entre outras matérias, este segundo e último número da Revista se encerra com dois contos: Lamentações de Curitiba, de Dalton Trevisan e Noite/Nove  de Jamil Snege.

 

          FORMA teve um nascimento deslumbrante, mas, infelizmente, morreu ainda infante. Tinha tudo para ser nossa aldeia, nosso mágico território. Gestada pelas idéias de um tempo melhor, teve um parto cultural luminoso. Filha de tantos anseios e dos legítimos sonhos de cultura do Cleto e da Philomena, todos acompanhamos seus primeiros passos, e por isso  ela foi o nosso mimo, nosso relicário e agonizou em nossas lágrimas. Nestes dias, em que a memória da década de 60 abre as portas para tantos visitantes, registramos aqui nosso saudoso sentimento e uma esperançosa alegria por sabermos que o Cleto de Assis, que navega com destreza nas águas da informática, pretende publicar na Internet todo o rico conteúdo das duas únicas edições.  

 

 

RÉQUIEM PARA O TREMA poema de cleto de assis (27.out.08)

 

cleto-de-assis-arte-requiemtrema2

 

Treme, trema! É quase chegada a hora de partires.
O rei e sua corte de sábios assim ditaram
e a hora do cadafalso se aproxima.
Treme, porque os tribunais já se fecharam para ti,
não tens mais direito a apelações ou a acentuações.
Também os juízes e monarcas d’além mar
Não tiveram piedade e firmaram suas sentenças.

Se te serve de consolo, recordemos tuas culpas,
tantas vezes levantadas nas querelas contra ti,
estas mesmas em que te recusaste a aportar,
qual ungüento escorregadio.

Mas não te livraste dos qüiproquós.

Lembremos a ambigüidade dos lingüistas que
freqüentam as academias, intranqüilos,
com argüições grandiloqüentes, porém de qüércica acidez,
contra esses dois míseros pontinhos
de que és formado. Todos a gritar:
“Apropinqüemos sua morte!
Averigüemos suas culpas, pois ele não mais agüentará!
À forca com esse delinqüente!”

Mais atrapalhaste que ajudaste.
Chegaste da velha Grécia, via Gália e Lusitânia,
Para simbolizar um buraquinho na gramática.
Aliás, dois orifícios, para que ninguém te confundisse
com o indefectível ponto, de falsa modéstia postado aos
pés das frases, mas sempre a determinar seus fins.
Tu ganhaste o pináculo, acima delas e em cima de gordinhos us,
quase como bolhas de champanha a transbordar da taça.

Mas quantos vestibulandos levaste ao desespero!
Quantos parlamentares enganaste em ambíguos  discursos
plenos de obliqüidades!

Muitas vezes seqüestraste a inteligência de
Poetas, jornalistas, bacharéis e multilíngües mestres,
Que, distraídos, esqueceram de ti e preferiram
Levar-se a sonhos e incompletudes
com teus três tranqüilos irmãos penserosos…

Mais felizes, por certo, foram teus irmãos franceses,
Ainda a cavalgar, qual eqüestres sinais de la grammaire,
sobre muitas vogais e consoantes.

Mas os lusos, que te copiaram dos vizinhos gauleses,
foram os que deram a ti a primeira coroa espinhenta da ingratidão,
ao retirarem-te, há mais de cinqüenta anos,
Da palavra saüdade, na qual sentias tanta vaïdade.

Talvez uma de tuas maiores culpas é a de não seres
amigo do povo inculto, que não vê razões
para andares embarcado no lombo de desmilingüidas lingüiças
e de pingüins de geladeira.
Vieste para dividir,  meu dierético amigo,
e não para unir. E este é um tempo de solidariedade
no qual pouca serventia têm sinais que semeiam confusão,
embora, às vezes, sejas tão elucidativo.

Em ti sinto pena de nossos irmãos autóctones
Que, sem conhecer a língua dos missionários,
Já te pronunciavam em tão belas palavras naturais.
Que será feito, a partir de alguns poucos dias,
Do canto do güyarapuru, que já soa bonito só ao ser nominado?
E os birigüis e sagüis não poderão mais saltar nas árvores e fugir de Anhangüera?

Aproveite, pois, teus últimos dias do verão brasileiro
E das outras estações em que vivem os demais lusófonos,
pois teus dias estão contados.
Pelo menos os de freqüência nas gramáticas e dicionários de Português,
que serão liqüidados nas livrarias por tua culpa,
tua máxima culpa.

Breve virão novos gramáticas e novos léxicos
Para fazer o povo esquecer-te completamente
E começar a mudar algumas palavrinhas onde eras necessário.

Consola-te: nós aqui ficaremos para cuidar das vogais
que recusam a se transformar em ditongos
com a coleguinha do lado, como a u e a i da recém escrita palavra.
E, nos dias que se esvaem, pense que ainda poderás estar conosco
De vez em quando
Em estrangeiras palavras.

Aproveita bem este final de ano e tenha um bom Natal:
a partir daquele dia de graça terás apenas um qüinqüídio de vida.
Requiescat in pace.

Curitiba
27.out.08

 

COMPOSIÇÃO MARCIAL PARA CORAL poema de solivan brugnara

 

 

 

               Como um amanhecer com canto

                                   de pássaros  

                              escuta-se.                

             Gritos carmins, enxames de dor.

               Choros enfaixados com escombros.

          Gemidos que pousam como borboletas monarcas

                             Ganidos

                                        e o trilo dos decepados.

                 Bocas-templos clamam por Deus.

           Pombas desesperadas saem das gargantas das mães.

          Rosnados de vingança

                   Agulhas tatuando luto em um coração.                                               

          Feridos que vomitam panos ensangüentados.

         Berro de uma alma saindo do corpo a fórceps.

         Um chamado perfumado com esperança.

       Pedidos de ajuda se dissolvem no céu como sangue no mar

                          e  mortos cantam silencio.                                        

 

 

Mais inútil que… – poema de ana carolina cons bacila

 

Estou me sentindo mais morta que peixe boiando.

Estou me sentindo mais podre que defunto enterrado.

 

Mais triste que emo deprimido,

Mais estúpida que fanho perdido.

 

Mais leve que borboleta voando,

Mais entediada que burro parado.

 

Mais chata que mosquito zunindo,

Prestes a dar seu último suspiro.

 

A EXCOMUNHÃO DA VÍTIMA de miguezim da princesa

I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na linguiça
É uma coisa do Cão.

X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina 
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
 A vaga de sacristão. 

 

INCOERÊNCIA CATÓLICA por drauzio varella

 

 

AOS COLEGAS de Pernambuco responsáveis pelo abortamento na menina de nove anos, quero dar os parabéns. Nossa profissão foi criada para aliviar o sofrimento humano; exatamente o que vocês fizeram dentro da lei ao interromper a prenhez gemelar numa criança franzina.

Apesar da ausência de qualquer gesto de solidariedade por parte de nossas associações, conselhos regionais ou federais, estou certo de que lhes presto esta homenagem em nome de milhares de colegas nossos.

Não se deixem abater, é preciso entender as normas da Igreja Católica. Seu compromisso é com a vida depois da morte. Para ela, o sofrimento é purificador: “Chorai e gemei neste vale de lágrimas, porque vosso será o reino dos céus”, não é o que pregam?

É uma cosmovisão antagônica à da medicina. Nenhum de nós daria tal conselho em lugar de analgésicos para alguém com cólica renal. Nosso compromisso profissional é com a vida terrena, o deles, com a eterna. Enquanto nossos pacientes cobram resultados concretos, os fiéis que os seguem precisam antes morrer para ter o direito de fazê-lo.

Podemos acusar a Igreja Católica de inúmeros equívocos e de crimes contra a humanidade, jamais de incoerência. Incoerentes são os católicos que esperam dela atitudes incompatíveis com os princípios que a regem desde os tempos da Inquisição.

Se os católicos consideram o embrião sagrado, já que a alma se instalaria no instante em que o espermatozoide se esgueira entre os poros da membrana que reveste o óvulo, como podem estranhar que um prelado reaja com agressividade contra a interrupção de uma gravidez, ainda que a vida da mãe estuprada corra perigo extremo?

O arcebispo de Olinda e Recife não cometeu nenhum disparate, agiu em obediência estrita ao Código Penal do Direito Canônico: o cânon 1398 prescreve a excomunhão automática em caso de abortamento.

Por que cobrar a excomunhão do padrasto estuprador, quando os católicos sempre silenciaram diante dos abusos sexuais contra meninos, perpetrados nos cantos das sacristias e dos colégios religiosos? Além da transferência para outras paróquias, qual a sanção aplicada contra os atos criminosos desses padres que nós, ex-alunos de colégios católicos, testemunhamos?

Não há o que reclamar. A política do Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores.

Em nota à imprensa a respeito do episódio, afirmou Gianfranco Grieco, chefe do Conselho do Vaticano para a Família: “A igreja não pode nunca trair sua posição, que é a de defender a vida, da concepção até seu término natural, mesmo diante de um drama humano tão forte, como o da violência contra uma menina”.

Por que não dizer a esse senhor que tal justificativa ofende a inteligência humana: defender a vida da concepção até a morte? Não seja descarado, senhor Grieco, as cadeias estão lotadas de bandidos cruéis e de assassinos da pior espécie que contam com a complacência piedosa da instituição à qual o senhor pertence.

Os católicos precisam ver a igreja como ela é, aferrada a sua lógica interna, seus princípios medievais, dogmas e cânones. Embora existam sacerdotes dignos de respeito e admiração, defensores dos anseios das pessoas humildes com as quais convivem, a burocracia hierárquica jamais lhes concederá voz ativa.

A esperança de que a instituição um dia adote posturas condizentes com os apelos sociais é vã; a modernização não virá. É ingenuidade esperar por ela.

Os males que a igreja causa à sociedade em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos, medida arbitrária de impacto desprezível. O verdadeiro perigo está em sua vocação secular para apoderar-se da maquinária do Estado, por meio do poder intimidatório exercido sobre nossos dirigentes.

Não por acaso, no presente episódio manifestaram suas opiniões cautelosas apenas o presidente da República e o ministro da Saúde.

Os políticos não ousam afrontar a igreja. O poder dos religiosos não é consequência do conforto espiritual oferecido a seus rebanhos nem de filosofias transcendentais sobre os desígnios do céu e da terra, ele deriva da coação exercida sobre os políticos.

Quando a igreja condena a camisinha, o aborto, a pílula, as pesquisas com células-tronco ou o divórcio, não se limita a aconselhar os católicos a segui-la, instituição autoritária que é, mobiliza sua força política desproporcional para impor proibições a todos nós.

 

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tortura-nanide NANI. ilustração do site.

pacote. – de jorge lescano

 

 

                                                                                                                                                                           pacote.

A bem da verdade, a designação é tecnicamente incorreta, ou ao menos arbitrária. Trata-se de um saco de papel Kraft, com o nome de um supermercado perfeitamente visível, impresso com tinta azul. Parece-nos que o conceito pacote pressupõe, sugere, talvez requeira, determinadas dobras e barbantes ou fitas com laço ou papel adesivo para prender as abas de tendência triangular. Este não respeita esses requisitos. Mantém sua natureza de saco, reiterada pelo conteúdo que podemos adivinhar na estrutura vagamente cúbica da base. Estreita-se em direção à abertura por uma dobra realizada não de maneira casual, mas respeitando o plissado lateral, que faz do saco um retângulo de papel marrom quando, ainda virgem, repousa junto a outros congêneres na prateleira.
 A dobra, sem violar o plissado original, faz duas abas quase triangulares. Talvez isto crie um certo ar de família com o pacote propriamente dito. O vértice superior das abas vão em direção, ou nascem, impossível determinar com precisão o sentido original, do vinco do plissado; a base do triângulo fica na boca dentada, ou, se preferirmos, recortada à moda de uma onda contínua, acentuada no centro por um corte maior em semicírculo numa das faces, precisamente na qual se encontra impresso o nome da loja. Estas duas abas foram dobradas duplamente no sentido vertical, ou seja, em direção ao fundo do saco, formando uma alça.
 A coisa — hesitamos quanto à sua designação — se encontra no terceiro degrau, a contar de cima, da escadaria de concreto que dá acesso à entrada de um banco. O prédio da instituição financeira está fechado. Estamos na hora do crepúsculo vespertino de um  dia de outono. Confessamos que o objeto em questão foi o responsável pela interrupção de nossa caminhada.
 No primeiro momento — parece-nos que esta atitude é comum à espécie — olhamos em torno do embrulho — que daqui em diante chamaremos pacote —  procurando seu proprietário. Ao não o acharmos, ampliamos o raio de nosso olhar ao redor da escadaria e de nós mesmos. Como não avistamos ninguém na vizinhança, intuímos que o pacote foi esquecido por alguém que por um momento se deteve para descansar. Tal intuição, acrescida pela curiosidade, autoriza-nos a nos considerarmos donos do pacote abandonado.Para confirmar esta nova qualidade, insistimos em olhar em torno procurando seu legítimo proprietário, porém, já com o secreto desejo de não vermos ninguém a quem lhe falte este pacote.  
   Dispomo-nos a nos apropriarmos dele. Provemos o passo acelerado que nos afastará do local, e a concentração mental necessária para vencer o impulso de olhar para trás, denunciando-nos, caso um pedestre trilhe o mesmo caminho que nós. A certeza de nosso próximo gesto faz com que nos demoremos em especulações sobre seu conteúdo.
 A aparência conservada pela base do saco permite imaginar um corpo rígido e, insistimos, vagamente cúbico. A conclusão parece-nos óbvia: uma caixa. A medida que o recheio do pacote solitário ganha altura, perde a rigidez, sugerindo vultos menores, de forma orgânica e de matéria flexível. Pensamos em frutas miúdas e saquinhos de legumes. Talvez um maço de verduras. A caixa é menos previsível, tanto pode conter flocos de trigo como sabão em pó ou facas afiadas. Melhor não nos apressarmos no prognóstico.
 Subitamente nos ocorre que nada impede que o(a) ex-proprietário(a) do pacote tenha usado o saco  para guardar, ou  esconder, objetos  outros que não produtos  de supermercado. O retângulo-cubo
 
poderá ser um cofre ou estojo, os outros volumes algumas peças de pano usadas. Luvas, por exemplo, um par de meias de mulher. Enfim, coisas pequenas, de configurações, pesos e usos variados, dispensáveis no momento em que foram esquecidos ou abandonados.
 A ausência de marcas de outras dobraduras — além do vinco e o plissado — dão ao pacote aspecto de novo. A superfície lisa da face anterior sugere leveza.
 Custa-nos admitir que no interior possa haver algum mecanismo explosivo, programado para entrar em funcionamento quando alguém o toque. Que esconda ninhadas de animaizinhos mortos, retalhos de vísceras ou membros humanos, parece-nos intolerável pelas características externas supracitadas. Contudo, a caixa poderá conter aranhas venenosas vivas. Os volumes moles poderão ser: a) um feto de mamífero em avançado estado de putrefação; b) fezes contaminadas; c) uma substância química de efeitos imprevisíveis sobre o organismo humano; outros (?). Como se vê, material inadequado ao conceito tradicional de pacote. Este termo tem um caráter, não direi aristocrático, mas respeitável, a ponto de merecer seção especial nas lojas; embrulho é mais condizente com os pretensos conteúdos citados. 
 Somos tentados a procurar um policial e duas testemunhas de nossa inocência. Desejamos que o agente da ordem pública proceda ao desvendamento do mistério sob nossas vistas; gostaríamos de convocar a imprensa falada, escrita e televisionada para que noticie o achado bizarro. Ao mesmo tempo, desconfiamos que não seríamos levados a sério. Não é impossível, todavia, que sejamos incriminados. O policial não se deixará envolver num episódio sórdido sem alguma vantagem pessoal.
 Há um momento de fraqueza ou lucidez no qual optamos por nos desentender do pacote. Podemos imaginá-lo só, intacto no terceiro degrau, a contar de cima, próximo da coluna dórica que sustenta a cornija sobre a qual se lê, em letras góticas, o nome da instituição. Sim, urge que nos afastemos das implicações nocivas do seu incomprovável recheio.
 Torna-se necessário, porém, que aproveitemos a passagem de outra pessoa para desentravar os músculos tensos. No momento em que o pedestre se aproxime simularemos consultar o relógio. O gesto será largo e demorado. Precisamos ter a certeza de que foi percebido e interpretado corretamente. Isto é, não como simulação, mas como se de fato olhássemos o relógio pela derradeira vez, antes de desistirmos de uma espera que a esta altura dos acontecimentos se manifesta inútil.
 Talvez seja convincente acender um cigarro. É preciso ter calma e inspirar confiança na moça antes de começar a andar em ritmo e velocidade normais a alguns passos à sua frente. Assoviemos uma valsinha. Não!, tal dança não faz parte do seu repertório, e isto nos tornaria suspeitos. No entanto devemos impedir a todo custo que ela atribua a decisão de abandonarmos nossa atalaia, agora que a noite envolve o local, a uma futura abordagem ou perseguição, intenções totalmente estranhas à autora, bem como ao personagem e à sua sombra.
 A tudo isto se mantém alheio o

 Jorge Lescano

 
Para Daniela Delamare

DÉCIMAS poema de gregório de matos

Estais dada a Bersabu,
Chica, e não tendes razão,
Sofrei-me Maria João,
pois eu vos sofro a Mungu:
vós dais ao rabo, e ao cu,
eu dou ao cu, e ao rabo,
vós com um Negro diabo,
eu com uma Negrinha brava,
pois fique fava por fava,
e quiabo por quiabo.

Vós heis de achar-me escorrido,
não vo-lo posso negar,
eu também o hei de achar
remolhado, e rebatido
assim é igual o partido,
e mesmíssima a razão,
porque quando o vosso cão
dorme c’oa a minha cadela,
que fique ela por ela,
diz um português rifão.

Vós dizeis-me irada e ingrata,
c’oa a mão na barguilha posta”
eu me verei bem disposta”
e eu digo-vos: “Quien se mata?”
eu vou-me à putinha grata,
e descarrego o culhão,
vós ides ao vosso cão,
e regalais o pasmado,
leve ao diabo enganado,
e andemos c’oa a procissão.

Chica, fazei-me justiça,
e não vo-la faça eu só,
eu vos deixo o vosso có,
vós deixai-me a minha piça:
e se o demo vos atiça
mamar numa e noutra teta,
pica branca e pica preta,
eu também por me fartar
quero esta pica trilhar,
numa grêta e nutra grêta.

Dizem que o ano passado
mantínheis dez fodilhões
branco um, nove canzarrões,
o branco era o dizimado,
o branco era o escornado,
por ter pouco, e brando nabo;
hoje o vosso sujo rabo
me quer a mim dizimar,
que não hei de suportar
ser dízimo do diabo.

Chica, dormi-vos por lá,
tendo de negros um cento,
que o pau branco é corticento,
e o negro jacarandá:
e deixai-me andar por cá
entre as negras do meu jeito,
mas perdendo-me o respeito,
se o vosso guardar quereis,
contra o direito obrareis,
sendo amiga do direito.

Sois puta de entranha dura,
e inda que amiga do alho
sois uma arranha-caralho
sem carinho, nem brandura
dou ao demo a puta escura,
que estando a tôdas exposta,
não faz festa ao de que gosta;
dou ao demo o quies vel qui,
e não para quem a encosta.

Quem não afaga o sendeiro,
de que gosta, e bem lhe sabe,
vá-se dormir cuma trave,
e esfregue-se num coqueiro:
seja o cono presenteiro,
faça o mínimo agasalho
ao membro, que lhe dá o alho,
e se de carinho é escassa,
ou vá se enforcar , ou faça,
do seu dedo o seu caralho.

 

TRANSFORMA-SE O AMADOR NA COUSA AMADA poema de luís vaz de camões

 

Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minh’alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sòmente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,

está no pensamento como ideia:
o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.

A FALÊNCIA LIBERAL por walmor marcellino

DE ONDE PROVÊM?

 

 

De algum modo, somos vítimas do “paradoxo da informação ideal”, de que nos advertem os filósofos. Sob os interesses de classe (e caráter), tendemos a assimilar a ideologia sociopolítica que nos convenha; e então “nossos compromissos” objetivos e subjetivos desprezam quaisquer informações negativas, contrárias. Dessa maneira a intelligentsia contemporânea poderá afirmar e reafirmar a substância social da igualdade de direitos econômicos, sociais e políticos e a liberdade política concreta para consegui-los, o “idiota privatista” prosseguirá rejeitando o “interesse público” que não aproveite ao seu arrivismo.

Mesmo a produção destrutiva do capitalismo tem (teria?) uma finalidade que a sustém; e assim o sistema capitalista chegou a esta fase AD 2000, em que seu impulso-intenção produtora se liquefaz (naufraga) estrondosamente; com as pessoas que acreditavam na falácia liberal-produtiva (ainda que avassaladoramente destruindo natureza e comunidades) aturdidas no que se vai comprovando sua ”má-fé” ante a sociedade e a natureza ‑ sempre ameaçadas pela “ousadia” e cupidez imperial. Quanto a nós, reputados “imbecis coletivistas”, éramos a um tempo “ignorantes dos fundamentos dessa excelsa liberdade” como induzidos por uma “falácia patética” (sentimentalismo orientado para uma “humanização absoluta” ou simples “frustração ante as realizações alheias”) no desprezo à “única fonte real de progresso”: o próprio sistema capitalista e sua “lógica política liberal-democrático-representativa”.

Não pretendia aqui falar das “grandes virtudes” que, de uma ou outra forma, atraem e condicionam nossas atitudes e comportamento, e sim reconhecer que se consensuam nelas, por mais de 2.500 anos, aqueles “valores sociais” que a cultura eclética capitalista diz ter trazido à convivência no trabalho e na sociedade: a justiça, a coragem, a fidelidade, a compaixão, o amor, a temperança e a prudência, para apenas exemplificar, e não com o escopo de contrapor ao “malin génie” (má-fé intrínseca) de que padece a pós-modernidade.

Sabemos de onde provêm as idéias corretas ‑ da prática social, da experiência científica e da teoria crítica que viemos estruturando ‑; porém “o pensamento politicamente correto” é uma convenção do poder econômico-político, uma falácia alienante jogada sobre o vulgo. Então por que a polidez nos leva a admitir o falaço do provisionado intelectual a babar em nossos ouvidos e a nos reciclar a paciência com essa contumélia filosófica da burguesia?

Sugiro-lhes: não acalentar as burrices e dogmas de direita ou esquerda, de alienados e interesseiros, quando pretendem replicar ‑ ao modelo Fernando-Henrique Collor Cardoso, Gilmar Perlífero Mendes, Olavo Oh de Carvalho ou Diogo Decúbito Mainardi, assim alcunhados, respectivamente, como pelegos políticos: 1 – canhestro sociólogo neoliberal, 2 – jurisproduto e “patife ilustre”, 3 – filósofo fementido e 4 – pensador reciclado ao cotidiano. ‑ no que as práticas econômica, política e científica confirmam. wmarcellino@yahoo.com.br

 

GUERRA do CONTESTADO – CARTA ABERTA à NAÇÃO

Guerra do Contestado

 

Carta aberta à Nação


Eu, D. Manoel Alves de Assunção Rocha, aclamado Imperador constitucional da Monarquia Sul Brasileira, em primeiro de agosto do corrente ano, com sede no reduto de Taquaruçu do Bom Sucesso, convido a nação pra lutar para o completo extermínio do decaído governo republicano, que durante 26 anos infelicita esta pobre terra, trazendo o descrédito, a bancarrota, a corrupção dos homens e, finalmente o desmembramento da pátria comum.


Comprometo-me:
 
1º – O Em pouco tempo eliminar o último soldado republicano do território da Monarquia, que compreende as três províncias do Sul do Brasil – Rio Grande, Santa Catarina e Paraná;
2º – Para o futuro, anexar ao Império o Estado Oriental do Uruguai, antiga Província Cisplatina;
3º – Organizar um exército e armada dignos da Monarquia e reorganizar a guarda nacional;
4º – Dar ao país uma constituição completamente liberal;
5º – Reduzir os impostos de importação e exportação e bem assim estabelecer o livre câmbio dentro do território do Império;
6º – Fazer respeitar meus súditos, logo que me seja possível, em qualquer ponto do planeta;
7º – Fazer garantir a inviolabilidade do lar e do voto, tão menosprezados pelo decaído regímen;
8º – Fazer respeitar, em absoluto, a liberdade da imprensa, também menosprezada pela antiga República;
9º – Tornar inexpugnável a barra do Rio Grande e todo o litoral do país;
10º – Guarnecer a fronteira como Estado de São Paulo e fronteira argentina, logo que seja reconhecido oficialmente o novo Império e organizado o exército imperial;
11º – O Assumir, relativamente, todos os compromissos do antigo regime, que relativamente couberem ao Império Sul Brasileiro;
12º – O exército imperial será a primeira linha e a guarda nacional a segunda linha;
13º – Unificação da lei judiciária do país;
14º – Restringir a autonomia dos municípios;
15º – Emitir provisoriamente numerário nominal e em seguida a conversão metálica;
16º – A religião oficial será a católica apostólica romana;
17º – Liberdade de culto;
18º – Cogitar do desenvolvimento da lavoura sem desprezo da indústria;
19º – O imposto protecionista a indústria e lavoura do Império;
20º – Livres os portos do Império a todos estrangeiros sem cogitar-se da raça, crença etc;
21º – Serão considerados nacionais todos os estrangeiros que residirem dois anos no país;
22º – Modificar o atual sistema do júri, que não está mais compatível com o século;
23º – O ensino será obrigatório, tanto para a infância como para o exército;
24º – A criação do exército aviador que atualmente está dando resultado na guerra européia;
25º – Edificação da Corte Imperial que será no centro do território imperial;
26º – A bandeira e coroa do império Sul Brasileiro serão adotadas as antigas da decaída Monarquia Brasileira;
27º – A pena de morte em vigor, com a forca;
28º – O serviço militar será obrigatório;
29º – A agricultura nacional será dado uma área de terra independente de pagamento, em terras nacionais;
30º – De lº de setembro em diante entrará em vigor a lei marcial aos inimigos da Monarquia.
 

Viva a Monarquia Sul Brasileira!
Deus guarde e vele pela Monarquia!

Reduto do Taquarussú do Bom Sucesso, em 5 de agosto de 1914.

O Imperador Constitucional da Monarquia Sul Brasileira.

Ass. D. Manoel Alves de Assumpção Rocha

 

teria sido melhor? 

VERLAINE crônica de hamilton alves

 

 

 

                            Paul Verlaine foi um dos maiores poetas do século XIX, cujos poemas ainda ressoam, um dos quais com mais freqüência que os demais – “Chanson d’Automne” (ou Canção de Outono), que é de uma beleza fora do comum, pela sua musicalidade e feitura muito bem organizada, contendo os versos e as palavras estritamente necessárias, como se fosse concebido a compasso.

                            Verlaine foi amigo de Rimbaud. Os dois tiveram um envolvimento rumorosíssimo, inclusive no plano da recíproca homossexualidade. Eram dois libertinos em toda a extensão do termo, pouco se lixando para as convenções ou limites impostos pela sociedade da época.

                            Rimbaud, ao que se diz, virou a cabeça do amigo, que era casado e que, com a mulher, em decorrência de tal ligação, viveu momentos difíceis. Até que veio a se consumar quase um crime de homicídio, tendo Verlaine, numa acesa discussão ou conflito com Rimbaud, disparado um tiro de revólver, que por pouco não o atingiu mortalmente. A partir desse episódio, os dois se reconciliaram, mas não foram os mesmos amigos de antes. Até porque Rimbaud, na sua loucura de comportamento, acabou indo para uma cidade da Abissínia, onde, na intenção de enriquecer, ao que se diz, traficou com armas.

                            E a poesia onde ficou?

                            Teve uma única resposta, bem típica de seu temperamento: “à la merde la poésie”.

                            O fim de Rimbaud foi muito triste. Voltou à cidade natal, Charlesville, sendo acolhido pela irmã, que dele cuidou até o fim da vida. Amputou uma perna por essa ocasião. Viveu até os 37 anos. O suficiente para deixar um legado literário dos mais importantes e ricos, como é o caso de “Une saison en enfer”, sobre o qual exegetas dos mais renomados têm feito as mais extravagantes ilações.

                            Deixou poemas imortais, como “Le bateau ivre” (O barco bêbedo), que é vazado em termos extremamente herméticos, que ainda hoje não se conhece o verdadeiro significado. Uns reputam como sendo uma descrição da vida do poeta. Penso que essa interpretação está mais próxima da realidade. O “barco” seria o próprio Rimbaud, em sua difícil trajetória pelo rio em que navega, cheio de empecilhos e obstáculos de toda ordem.

                            Verlaine deixou igualmente sua marca de grande poeta. Seu momento apoteótico foi, sem dúvida, o poema já referido, “Canção de outono”, que, ainda hoje, é dito por inúmeras pessoas em todas as latitudes do mundo e, certamente, foi traduzido para todas as línguas cultas conhecidas.

                            Folheando há dias um livro de ensaios literários, de Milan Kundera, de uma das páginas colhi a seguinte informação: “Verlaine morreu num hotel modesto em Paris”.

                            Talvez tivesse morrido sozinho, sem um companheiro ou companheira (teria se separado da mulher?), com nostalgia de seu grande amigo, Arthur Rimbaud, com quem, afinal de contas, viveu dias marcantes, que passaram à história da literatura, no que ela possui de mais estranho e notável.

                            De quando em quando, para mim mesmo, em circunstâncias as mais imprevistas, recito esses versos de Verlaine:

                            “Les sanglots longs

                              Des violons d,automne

                              Blessent mon coeur

                              D’une langueur monotone”.

 

                              Esta é a primeira estrofe do belíssimo soneto “Chanson  d’automne”.      

 

 

(março/09)

LARGO DA ORDEM – VIDEO CLIP poema de e recitado por marilda confortin

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES. (22/03/09) – por juca (josé zokner)


Constatação I (Medidas não convencionais de tempo).

Por ficar esperando a mulher se aprontar, ele impaciente, sabia quantos passos mediam todas as peças da casa, inclusive os banheiros e quantas baforadas de cachimbo ela demorava.

Constatação II (Ah, esse nosso vernáculo).

Ela fazia fita para iniciar um tratamento fitoterápico: “Reflita, ele conflita com as minhas convicções alopáticas e alopráticas, quero dizer alopradas”.

Constatação III (De conselhos úteis).

Prova documental de entrada e saída de um estacionamento onde o sujeito costuma deixar o carro pode servir de álibi. Isso se a mulher não se der conta e aceitar a ponderação ao ter chegado tarde em casa. Na realidade, tal não prova absolutamente nada. O maridão pode, depois, pegar um táxi e ir pro motel com uma gata. O táxi não deve ser pego no estacionamento e, em nenhuma hipótese, ser aquele com motorista velho conhecido da família. Afinal, ele pode ter vocação para chantagista ainda não revelada. De nada!

Constatação IV (De uma dúvida crucial).

A Justiça tarda, mas não falha?

Constatação V (Quadrinha para ser recitada em festa infantil).

A fada madrinha

É muito boazinha

Ela me traz presente

Quando tô com dor de dente.

Constatação VI (De outra dúvida não necessariamente crucial).

O esporte radical foi inspirado em apresentações circenses?

Constatação VII (Teoria da Relatividade para principiantes).

É muito melhor vestir camisa de força do que pijama de madeira.

Constatação VIII

A vassoura de piaçaba também é um meio de transporte?

Constatação IX

Quando eu era criança eu olhava para o alto e nas nuvens vislumbrava rostos, árvores e animais; agora, com setenta e dois anos, eu só olho para baixo, cuidando para não tropeçar…

Constatação X (Teoria da Relatividade para principiantes).

A Guerra dos Cem Anos, que não levou exatos cem anos parece ser a mais longa da História. Esta como qualquer outra, para os familiares dos soldados levou e leva uma infinidade de anos para acabar. Se é que acaba…

Constatação XI

E como dizia aquele machista: “Mulher não raciocina jamais; ela apenas intui, quando muito”.

Constatação XII

Depois da promessa,

O candidato

Riu a beça:

“Enganei mais um pato”.

Constatação XIII (Mais uma dúvida crucial. Perdão antecipadamente caros leitores).

Dizem que a oportunidade

É careca.

Será que ela tem vontade

De passar na sua oca cabecinha

Alguma loção ou, de galinha,

Meleca?

Constatação XIV

Dizem que errar é humano e perdoar é divino. Data vênia, como diz nossos juristas, mas Rumorejando só acha divino para aquele – e só pra ele – que foi perdoado.

Constatação XV

A junta médica disse que o enfermo tava perdido. Perdidos estavam os médicos da junta. O assim chamado enfermo se curou com chás do tempo da vovó (dele) e, mais, sem o indefectível efeito colateral.

Constatação XVI

O bebê nasceu prematuramente. A sogra* não perdoou: “Também foi concebido prematuramente antes do casamento”.

*Não ficou claro se foi a sogra dele ou dela. Talvez as duas. Rumorejando se compromete a averiguar e tão logo saiba, dará a conhecer aos seus prezados leitores.

Constatação XVII (Crise financeira mundial).

Num banco, que a gente trabalha,

O meu saldo

É nada mais

Que um ínfimo rescaldo,

Uma migalha

Como nos demais.

Constatação XVIII

O pobre do marido

Em tempo assaz periódico

Escuta a peroração dela,

Bastante aborrecido,

Ar acabrunhado,

Prostrado,

Abatido

Que a compra foi uma bagatela

Por um preço módico.

Coitado!

Constatação XIX

Ela me fez seu joguete,

Disse que eu era mixo

E me deixou no lodo

Depois quis me varrer,

Com o rodo,

Para debaixo do tapete

Como ela faz desaparecer

O lixo.

Constatação XX (Quadrinha de onze estrofes (undeciminha?) de dúvida crucial troglodita, digo poliglota).

Quando o meu Paraná perde

Um coitado

De um torcedor francês

Será

Que ficará,

Como eu, insone

E, talvez,

Dirá

Merde,

Ou, se for educado,

Les cinq lettres de Cambronne?

Constatação XXI (E já que falamos no assunto…)

Recado ao Amigo Ernani Buchmann: Faz favor de dar uma mão – ou como se escrevia antigamente, na velha ortografia, u’a mão – ao nosso time Paraná. Tá feia a situação. Obrigado pela atenção.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

 

TEORIA DO CONHECIMENTO poema de joão batista do lago

Se há um indivíduo

Existe um animal;

Se há um sujeito

Existe um sentido;

Se há um sentido;

Existe um pensamento;

Se há um pensamento;

Existe uma idéia;

Se há uma idéia

Existe um discurso;

Se há um discurso

Existe o outro;

Se há o outro

Existe a comunicação;

Se existe a comunicação

Existe a linguagem;

Se existe a linguagem

Existe um signo;

Se existe um signo

Existe o significado;

Se existe o significado

Existe a interpretação;

Se existe a interpretação

Existe o ser;

Se existe o ser

Existe o complexo;

Se existe o complexo

Existe o não-idêntico;

Se existe o não-idêntico

Existe o social;

Se existe o social

Existe a Sociedade

 

[…]

 

Conhecimento!

ARCARROCOBOLIA poema de jairo pereira

 


 

 

 

 

 

Estive presente na instituição

nathural da telúrica língua-açu estive

no gesto inaugural da palavra-vida

e de pouco adiantou meu aprendizado

eis que ainda cometo arcarrocobolia

de verbos

 no cesto trançado da fala.

 

 
 
 
 

 
 
 
 

BACHELARD e JUNG – editoria

Bachelard admirava  a visão de Psicologia Profunda de Carl Gustav Jung denominada por ele “visão junguiana”, à fim de abordar a matéria estruturada pelo trabalho da razão epistemológica sob a perspectiva das imagens míticas, literárias e poéticas que possibilitam a exploração interna da psiquê humana –. preferindo  Jung a Freud  “C.G.Jung disse-nos , com toda a clareza, que o interesse desvia-se da obra de arte para se perder no caos inextricável dos antecedentes psicológicos”., bem como Schopenhauer e Nietzche  ‘a Kant e Edmund Husserl. Vindo de uma formação científica, magistério de físico-química,  escreveu ele “ o coração da filosofia deve ser de francamente estudar o homem literário“ (l´homme littéraire” ,sendo  o homem literário  uma soma do pensamento e da imaginação. 

Bachelard utiliza o termo ‘surracionalismo’ numa alusão ao alargamento filosófico proporcionado, principalmente, pela ciência em desenvolvimento no início do século XX. Para ele, a generalização do pensamento é uma característica desse “novo espírito científico”, em que uma mecânica não-newtoniana surge como generalização (apesar da ruptura) da mecânica newtoniana, podendo-se também falar numa lógica não-aristotélica, numa química não-lavoisiana, ou em geometrias não-euclidianas, no mesmo sentido O real passa a ser um caso particular do possível. Bachelard cunha o termo ‘surracionalismo’ em analogia com o ‘surrealismo’ da arte, permitindo-se uma certa liberdade de pensamento que ilumine sua discussão epistemológica e esclareça, diferenciando-o, esse novo momento da ciência.

 É com base nesse pluralismo de “doutrinas filosóficas” que se funda a noção de perfil epistemológico. Isso porque cada uma delas (do realismo ao surracionalismo) esclareceria apenas uma face de cada conceito particular. Assim sendo, não podemos classificar os indivíduos de “realistas” ou “racionalistas”, mas atribuir aos seus pensamentos coeficientes de realismo, empirismo etc, ou seja, admitir que cada doutrina filosófica encontre um certo “peso relativo” em cada indivíduo, para cada conceito. Desse modo, a noção de perfil epistemológico representa, antes de mais nada, a idéia de que a superação de um conhecimento anterior e o progresso epistemológico não implicam no abandono definitivo daquilo que foi superado.

 O movimento em direção à alma é um movimento de interiorização. Esta interiorização não deve ser entendida como o interior do homem, mas sim o interior das coisas, de todas as coisas. Hillman resgata a antiga idéia da anima-mundi, a alma do mundo, para mostrar que tudo possui alma, que em tudo é possível haver interiorizações.

Cultivar a alma é, portanto, entrar gradualmente em contato com a base poética da mente, expressão utilizada por Hillman para apontar o caráter imagético do psiquismo. Poesia e mito são os meios genuínos de expressão da alma.

Para Hillman, é o “mito fundamental da criatividade psicológica”.

O mito narra o que acontece entre as pessoas e dentro das pessoas.

 Mostra também que o desenvolvimento de Psique não ocorre num mar de rosas. Sofrimento, tortura, depressão, tentativas de suicídio, desânimo são vivências fundamentais de todo o processo.

Eros, o amor, é retratado como um grande torturador e não como um querubim bondoso. É um processo difícil e cheio de obstáculos.

RETTAMOZO, PRYCILA VIEIRA, JULIO COVELLO e ANTENOR BOGEA EXPÕEM SEUS TRABALHOS NA GRÉCIA PELA UNESCO

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Λουίς Κάρλος Αζάλα Ρεταμόζο

 

 

        

 Ο Ρεταμόζο ή Ρέτα θεωρείται ένας από τους σπουδαιότερους καλλιτέχνες της Βραζιλίας. Εκτός από εικαστικός είναι και συγγραφέας, μουσικός, σκηνογράφος και ποιητής. Έχει βραβευθεί για τα έργα του το 1975 και 1978 στην Έκθεση Τέχνης της Πολιτείας του Παρανά και στην 14η Μπιενάλε του Σάο Πάολο. Έχει συμμετάσχει στην Εθνική Έκθεση Τέχνης του Ρίο ντε Τζανέιρο και σε εκθέσεις και θεάματα στον Παρανά, στο Σάο Πάολο, στο Ρίο ντε Τζανέιρο, στην Σάντα Καταρίνα και στο Ρίο Γκράντε ντο Σουλ, καθώς επίσης και σε εκθέσεις στην Ιαπωνία και την Πορτογαλία.

             Ο καλλιτέχνης φιλοτέχνησε την τοιχογραφία ‘Ουρανόςέδαφος’, στην αίθουσα του Κολεγίου ‘Μεντιανέιρα’ και έχει γράψει τα βιβλία ‘Το Κορίτσι Σύννεφο‘ (παιδικό), ‘Για να σκεφτείς κοίταξε στον καθρέφτη‘ (ποιήματα), ‘Μην αρρωστήσεις’ (φαντασίας) και ‘Ρεταμόρφωση’ (τέχνη/διαδικασία). Έχουν κυκλοφορήσει, επίσης, το CD του για παιδιά “Καλή Μουσική για Σκύλους’ και τα θεατρικά του έργα ‘Ο ΆνθρωποςΖώο’ και ‘Το Απόλυτο Βρικολάκιασμα’. Ο Ρέτα, με το αστείρευτο χιούμορ του, δημιουργεί συνεχώς τέχνη και παρασύρει όποιον βρίσκεται δίπλα του να ασχοληθεί κι αυτός με την τέχνη.

O RETRATO OVAL de edgar alan poe

O castelo em que o meu criado se tinha empenhado em entrar pela força, de preferência a deixar-me passar a noite ao relento, gravemente ferido como estava, era um desses edifícios com um misto de soturnidade e de grandeza que durante tanto tempo se ergueram nos Apeninos, não menos na realidade do que na imaginação da senhora Radcliffe. Tudo dava a entender que tinha sido abandonado recentemente. Instalámo-nos num dos compartimentos mais pequenos e menos sumptuosamente mobilados, situado num remoto torreão do edifício. A decoração era rica, porém estragada e vetusta.

Das paredes pendiam colgaduras e diversos e multiformes trofeus heráldicos, misturados com um desusado número de pinturas modernas, muito alegres, em molduras de ricos arabescos doirados. Por esses quadros que pendiam das paredes – não só nas suas superfícies principais como nos muitos recessos que a arquitectura bizarra tornara necessários –  por esses quadros, digo, senti despertar grande interesse, possivelmente por virtude do meu delírio incipiente; de modo que ordenei a Pedro que fechasse os maciços postigos do quarto, pois que já era noite; que acendesse os bicos de um alto candelabro que estava à cabeceira da minha cama e que corresse de par em par as cortinas franjadas de veludo preto que envolviam o leito. Quis que se fizesse tudo isto de modo a que me fosse possível, se não adormecesse, ter a alternativa de contemplar esses quadros e ler um pequeno volume que acháramos sobre a almofada e que os descrevia e criticava.

Por muito, muito tempo estive a ler, e solene e devotamente os contemplei.

Rápidas e magníficas, as horas voavam, e a meia-noite chegou. A posição do candelabro desagradava-me, e estendendo a mão com dificuldade para não perturbar o meu criado que dormia, coloquei-o de modo a que a luz incidisse mais em cheio sobre o livro.

Mas o movimento produziu um efeito completamente inesperado. A luz das numerosas velas (pois eram muitas) incidia agora num recanto do quarto que até então estivera mergulhado em profunda obscuridade por uma das colunas da cama. E assim foi que pude ver, vivamente

iluminado, um retrato que passava despercebido. Era o retrato de uma jovem que começava a ser mulher.

Olhei precipitadamente para a pintura e acto contínuo fechei os olhos. A

principio, eu próprio ignorava por que o fizera. Mas enquanto as minhas

pálpebras assim permaneceram fechadas, revi em espírito a razão por que as fechara. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pensar – para me certificar que a vista não me enganava -, para acalmar e dominar a minha fantasia e conseguir uma observação mais calma e objectiva. Em poucos momentos voltei a contemplar fixamente a pintura.

Que agora via certo, não podia nem queria duvidar, pois que a primeira

incidência da luz das velas sobre a tela parecera dissipar a sonolenta letargia que se apoderara dos meus sentidos, colocando-me de novo na vida desperta.

O retrato, disse-o já, era de uma jovem. Apenas se representavam a cabeça e os ombros, pintados à maneira daquilo que tecnicamente se designa por vinheta – muito no estilo das cabeças favoritas de Sully. Os braços, o peito, e inclusivamente as pontas dos cabelos radiosos, diluíam-se imperceptivelmente na vaga mas profunda sombra que constituía o fundo. A moldura era oval, ricamente doirada e filigranada em arabescos. Como obra de arte, nada podia ser mais admirável que o retrato em si. Mas não pode ter sido nem a execução da obra nem a beleza imortal do rosto o que tão subitamente e com tal veemência me comoveu. Tão-pouco é possível que a minha fantasia, sacudida

da sua meia sonolência, tenha tomado aquela cabeça pela de uma pessoa viva.

Compreendi imediatamente que as particularidades do desenho, do vinhetado e da moldura devem ter dissipado por completo uma tal ideia – devem ter evitado inclusivamente qualquer distracção momentânea. Meditando profundamente nestes pontos, permaneci, talvez uma hora, meio deitado, meio reclinado, de olhar fito no retrato. Por fim, satisfeito por ter encontrado o verdadeiro segredo do seu efeito, deitei-me de costas na cama. Tinha encontrado o feitiço do quadro na sua expressão de absoluta semelhança com a vida, a qual, a princípio, me espantou e finalmente me subverteu e intimidou. Com profundo e reverente temor, voltei a colocar o candelabro na sua posição anterior. Posta assim fora da vista a causa da minha profunda agitação, esquadrinhei ansiosamente o livro que tratava daqueles quadros e das suas respectivas histórias. Procurando o número que designava o retrato oval, pude ler as vagas e singulares palavras que se seguem:

Era uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre. E maldita foi a hora em que viu, amou e casou com o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, austero, tendo já na Arte a sua esposa. Ela, uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre, toda luz e sorrisos, e vivaz como uma jovem corça; amando e acarinhando a todas as coisas; apenas odiando a Arte que era a sua rival; temendo apenas a paleta e os pincéis e outros enfadonhos instrumentos que a privavam da presença do seu amado. Era pois coisa terrível para aquela senhora ouvir o pintor falar do seu desejo de retratar a sua jovem esposa. Mas ela era humilde e obediente e posou docilmente durante muitas semanas na sombria e alta câmara da torre, onde a luz apenas do alto incidia sobre a pálida tela. E o pintor apegou-se à sua obra que progredia hora após

hora, dia após dia. E era um homem apaixonado, veemente e caprichoso, que se perdia em divagações, de modo que não via que a luz que tão sinistramente se derramava naquela torre solitária emurchecia a saúde e o ânimo da sua esposa, que se consumia aos olhos de todos menos aos dele. E ela continuava a sorrir, sorria sempre, sem um queixume, porque via que o pintor (que gozava de grande nomeada) tirava do seu trabalho um fervoroso e ardente prazer e se empenhava dia e noite em pintá-la, a ela que tanto o amava e que dia a dia mais desalentada e mais fraca ia ficando.

E, verdade seja dita, aqueles que contemplaram o retrato falaram da sua

semelhança com palavras ardentes, como de um poderosa maravilha, – prova não só do talento do pintor como do seu profundo amor por aquela que tão maravilhosamente pintara. Mas por fim, à medida que o trabalho se aproximava da sua conclusão, ninguém mais foi autorizado na torre, porque o pintor enlouquecera com o ardor do seu trabalho e raramente desviava os olhos da tela, mesmo para contemplar o rosto da esposa. E não via que as tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces daquela que posava junto a ele. E quando haviam passado muitas semanas e pouco já restava por fazer, salvo uma pincelada na boca e um retoque nos olhos, o espírito da senhora vacilou como a chama de uma lanterna. Assente a pincelada e feito o retoque, por um momento o pintor ficou extasiado perante a obra que completara; mas de seguida, enquanto ainda a estava contemplando, começou a tremer e pôs-se muito pálido, e

apavorado, gritando em voz alta ‘Isto é na verdade a própria vida!’, voltou-se de repente para contemplar a sua amada: – estava morta.

LIVROS ELETRÔNICOS por marilda confortin (11/2008)

 

 

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Nos últimos dias, andei assistindo palestras e debates sobre “Literatura e as novas mídias”. Os escritores que ouvi, Miguel Sanches Neto, Ricardo Corona, Luci Colin, José Castelo, Daniel Pelizari e João Paulo Cuenca, se dividem entre resistentes, desconfiados e entusiastas das novas mídias.

Eu que tenho um pé na tecnologia e outro na literatura, não me preocupo muito com o tipo da mídia, desde que a palavra continue cantada e decantada em verso e prosa para todo o sempre, amém. Estou adorando essa era multimídia.

Os radicais, afirmam que o livro de papel nunca vai acabar. Engraçado… tenho a leve impressão de ter conhecido alguém assim, quando escrevíamos nas paredes das cavernas. E acho que já li uma afirmação parecida com essa num rolo de papiro na biblioteca de Alexandria. Será que esses escritores ainda usam máquina de escrever para datilografar seus livros? Nada contra. Tem gente que gosta de sofrer.

Os desconfiados, dizem que na internet só tem porcaria e que só usam como fonte de pesquisa. Estranho…usam a internet para pesquisar porcaria? Lêem o que os outros escrevem, mas não permitem que ninguém pesquise seus textos? É, tem gente que acha que o papel garante a qualidade do conteúdo.

Um deles, disse que tem uma relação de fetiche com o livro de papel e por isso não acredita na evolução do livro eletrônico. Eu também pensava assim até que um dia fiz um pequeno teste: Coloquei sobre a mesa o livro “O senhor dos anéis” em papel e a lado dele, um desses aparelhinhos para leitura de livros eletrônicos com o mesmo livro carregado. Pedi para meus filhos escolherem. Deu a maior briga. Ambos queriam o ebook. Lembrei das inúmeras pessoas que procuram as bibliotecas públicas ou empresas que reciclam papel para doar bibliotecas inteiras de seus recém falecidos pais… ai meus queridos livros… nosso fim está próximo.

O livro impresso em papel tem menos de 500 anos. Não vai demorar mais que 30 pra mudar de recipiente outra vez. O mercado editorial está se mexendo, assim como aconteceu com o mercado da música, dos vídeos, da telefonia. E quem não se mexer, está com dias contados. As editoras e distribuidoras que não se espertarem vão falir, mas, os escritores e leitores sairão ganhando porque a tendência é que o acesso aos livros eletrônicos e bibliotecas digitais seja completamente patrocinado por grandes instituições, como já está acontecendo com blogs e sites culturais.

Empresas como Yahoo, Microsoft, Google, eBoockCult, Sony, Amazon, Panasonic entre outras,estão investindo pesado no mercado de livros eletrônicos. Além dos bons e não tão velhos PCs e Notebooks, vários dispositivos específicos para leitura de livros eletrônicos estão sendo desenvolvidos e aperfeiçoados. Alguns modelos já estão a venda com apelos significativos como por exemplo: Compre nosso eBook reader e ganhe 100 livros clássicos de graça; Compre um livro e ganhe U$ 50 para gastar com outros livros; Compre nosso eBook e nós lhe damos serviço gratuito de banda larga sem fio e daí pra fora.

Para quem ainda não leu nada sobre esse assunto, vou mostrar algumas imagens e características desses ainda misteriosos e recém-nascidos dispositivos para leitura de livros eletrônicos.

 

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Os eBook Readers pesam em média 250 gramas, medem aproximadamente 17 cm de altura e15 cm de largura (tamanho de um livro normal), são revestidos por uma capa que imita a capa dura de um livro clássico, a tela é de mais ou menos seis polegadas, feita com uma tecnologia que não cansa nem agride os olhos e só consome energia quando você vira a página. Não precisa desligar o equipamento. É só fechar e largar na cabeceira da cama ou dentro da bolsa como se faz com qualquer livro de papel. Em uso, a bateria dura em média 6 horas. Por enquanto, comportam apenas 50 a 500 livros e possuem vários botõezinhos que fazem coisas interessantes, mas os mais utilizados são mesmo os de virar as páginas, o do índice de livros e o de aumentar o tamanho da letra (para quem já tem vista curta como eu, é ótimo).

 

Para aqueles que gostam de dialogar com o livro de papel interrogando-o, torturando-o com riscos e anotações, os eBooks mais modernos possuem uma canetinha mágica que faz tudo isso sem danificar a página e ainda cria marcadores para retornar às anotações e links para aprofundar a leitura.

 

Para quem viaja muito e fica preso em aeroportos, avião ou ônibus é uma beleza.

 

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Imagine tirar férias e ir para a ilha do mel levando todos os seus livros preferidos? Ou ter que morar numa kitinete ou num quarto de hotel. Não seria bom ter uma imensa biblioteca na cabeceira da cama?

E como é que se carrega esse tal de eBook Reader? Com um cabo USB, igual ao que você usa para copiar arquivos para o pendrive ou descarregar a câmera fotográfica. E onde se compra o aparelho e os livros? Por enquanto, cada fabricante tem seu próprio modelo e sua própria editora. Você entra no site, compra o aparelho e os títulos, paga com cartão e baixa o livro como se fosse uma música, uma imagem ou um novo toque de celular. E o acervo? A Sony tem cerca de 20 mil títulos para venda e oferece mais de 100 gratuitamente. A Kindle anunciou que tem 90 mil títulos. O projeto Gutenberg oferece 20 mil livros eletrônicos de domínio público gratuitamente. Você também pode carregar seus próprios textos ou assinar os principais jornais e revistas. No Japão, já tem até um sebo virtual. E dá para emprestar livros também. Ele se auto apaga quando termina o prazo do empréstimo. E se cair, quebrar, molhar, estraga? Estraga. O livro de papel também estraga se molhar. O celular, a televisão, o notebook também. Mas o conteúdo do livro que você comprou, continua lá, no provedor para você fazer um novo donwload.

É claro que ainda tem muito pouco acervo traduzido para o português, que os dispositivos de leitura custam de 350 a 500 dólares, que os títulos custam de um a quinze dólares, que a indústria do papel vai resistir bravamente e que os escritores estão morrendo de medo do plágio e da pirataria. Mas, a revolução do livro eletrônico está só engatinhando. Tem menos de 10 anos de existência. Antes da metade desse século essa tecnologia estará mais segura, confortável e acessível até para nós, brasileiros. Tem quem aposte que o papel eletrônico ainda vai salvar a floresta Amazônica.

Cansado de ler esse artigo? Que tal pegar seu eBook e se distrair com um jogo ou um filme? Ou rever as fotos da família? Ou colocá-lo embaixo do travesseiro e dormir ouvindo uma música bem relaxante?

Se a evolução dos livros de papel para eBooks é uma coisa boa ou ruim, eu ainda não sei. O que sei é que quem gosta mesmo de ler, vai continuar lendo e escrevendo em qualquer dispositivo, em qualquer lugar, em qualquer tempo.

 

 

*marilda confortin é analista de sistemas.

11/2008.

 

A MÁSCARA DO MAL poema de bertolt brecht

Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado.
Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal

JAZZ no WONKA BAR hoje (19/03)

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“Wonka Jazz Project”

A melhor jam session de Curitiba do tradicional ao fusion, com Helinho Brandão saxofone . Fernando Rivabem bateria . JBoldrini baixo acustico . Jeff Sabbag piano.

Entrada R$8

PORQUE NÃO CRONICO crônica de hamilton alves

 

 

 

 

 

 

 

 

                                      Um amigo me encontrou há dias por acaso numa das ruas do centro da cidade. Acostumado de velha data a ver meu nome encabeçando uma crônica nos jornais me perguntou de saída:

                                      – Não tens escrito mais?

                                      – Escrever sempre escrevo; não posso passar sem isso.

                                      – E por que não publicas o que escreves?

                                      – Estou provisoriamente sem jornal.

                                      Aí se referiu a um punhado de cronistas conhecidos, que sempre integraram a galeria dos grandes nomes, que formam em inúmeras antologias,  que, hoje, ainda, são lembrados com saudades.

                                      – Volta a escrever, volta a escrever! – repetiu de certo modo enfático.

                                      Há leitores que de algum modo apreciam minhas ladainhas.

                                      Esse é um deles ou um dos raros freqüentadores de crônicas escritas por mim.

                                      Na verdade, não é que não tenha (ou me falte) jornal. O caso é diferente.  Ao último que me convocou para cronicar impus condições (que não vou dizer quais foram). A editora, velha amiga, não as aceitou, alegando que o jornal não as acolhia por causa de sua linha programática. Tinha que dançar conforme a música estabelecida pelo editor-chefe. Aceitou uma, mas recusou outra. E, por fim, lhe disse:     

                                      – Então, de hoje em diante, não mando mais a crônica.

                                      E assim estamos acertados até hoje,

                                      Disse-me uma série de desaforos, um dos quais foi que eu estava bom mesmo é para voltar a morar nas cavernas, como os homens da pré-história.

                                      Tudo se resumia a uma pequena exigência, que não mudaria em nada a feição do jornal para o qual colaborara já com três ou quatro crônicas. Uma exigência não foi aceita, o dono do jornal sabe o que quer. E por isso achei por bem de pedir meu boné. Ele tem seus direitos, tenho os meus.

                                      Lá estão figurando alguns cronistas que evidentemente não leio nem sei quem são. Nem muito menos quero saber.

                                      Por último, escrevia crônica para um “blog” (volto a outro “blog”, do J. B. Vidal – palavreiros da hora) – que, como se diz, é o último refúgio de um cronista lançado às traças. Ou que a elas se lançou.

                                      Na hora atual é difícil pintar uma crônica dentro da linha clássica conhecida. Ou seja, elaborada com todo os temperos, condimentos ou dentro do melhor figurino, como sabiam fazer os cronistas da velha guarda (daqui e d,além mar).  Cito de passagem um desses, nosso velho cronista ilhéu, Barreiros Filho, um craque no gênero – para não mencionar outros de igual estirpe. Todos conhecem e sabem de quem falo.

                                      Abrem-se os jornais e o que se vê? Ou o que se lê? Tanto em âmbito regional quanto nacional?

                                      O grande time sumiu de campo.

                                      Não há mais ninguém que cultive o belo dom de compor uma crônica no velho e inimitável estilo.

 

 

(março/09)

 

 

 

                                              

RUMOREJANDO (PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.) por josé zokner (juca)

 

Constatação I (Dúvida crucial).

Como é que o estudante que dá, nos calouros, um trote selvagem passou no vestibular já que ele é um perfeito ou imperfeito idiota? Quem souber a resposta, por favor, correio eletrônico para Rumorejando.

Constatação II (Dúvida crucial via pseudo-haicai).

Exemplo de cortina de fumaça

É o cara dissimular que tá no fogo

Por ter tomado muita cachaça?

Constatação III (Dúvida crucial via pseudo-haicai).

É muito desumano

Não importa quem

Entrar pelo cano?

Constatação IV (Dúvida crucial via pseudo-haicai).

É inócuo tentar

A burrice

Otimizar?

Constatação V

A cinquentona*

Na cama virava

Uma irrequieta criança.

Ficava brincalhona

E até se comportava

Com destemperança

*Sem trema, já com a nova ortografia.

Constatação VI (Teoria da Relatividade para principiantes).

É muito melhor, meu caro, ir pro motel no carro da gata do que no carro de um taxista já que sai caro. Dependendo do caso a gata também pode acabar saindo mais caro do que muito carro…

Constatação VII (“Poesia” zoológica).

A caravana seguia

Pelo causticante deserto

No alto, como guia,

Um sol no céu aberto

Os homens e os camelos

Iam calados,

Estes com os pêlos

Que pareciam terciopelos;

Aqueles, ensimesmados.

Pareciam tristes

Mesmo se num oásis parassem

E contassem

Alguns chistes.

Apenas um camelo

Parecia

Ir com desvelo.

Ele sabia

Que a namorada,

Que ele chamava

De Dona Maria,

O esperava

E mergulhado

No seu pensamento

No seu amor devotado

E no compromisso

De um próximo casamento,

Já autorizado pelos pais,

Quase deu uma topada

E também por isso

Ele, ao contrário dos demais,

No coração uma melodia,

Ele sorria

O sorriso da alegria.

Constatação VIII

Não causou perplexidade

A inércia dos governantes

Por sua falta de vontade.

Todos, depois de eleitos,

Com aqueles defeitos

Inclusive pedantes.

Constatação IX (Dúvida crucial. Quem souber, por favor, cartas por correio eletrônico. Obrigado).

O radio ouvinte

E o telespectador

Ouvem propaganda,

Durante a programação

Às vezes vinte

Na maioria balela,

Anda que anda,

Tipo novela

Esta e, às vezes àquela,

Com sofrimento e dor

Até a exaustão.

Esse elo

De ligação

Será flagelo?

Constatação X (Ecos do carnaval que passou).

Resolutamente,

A viúva

Saiu disfarçadamente

E mesmo na chuva

Foi pular o carnaval

Fantasiada

De marsupial

Tão-somente.

Descoitada!

Constatação XI

E como elucubrava aquele sujeito amante do futebol e do carnaval, teorizando: “O carnaval, o futebol e a cerveja sempre ou quase sempre caminham juntos e, indubitavelmente, é uma trinca que faz sucesso. Pelo menos numa excelente combinação de dois a dois. Normalmente, a cerveja participa mais que a outra dupla. Afinal, não é em todo lugar que tem jogo no carnaval. Tenho brasileiramente dito!”

Constatação XII

O nado do alóptero*

Parecia um helicóptero

Ou invés

Do revés?

*Alóptero = que não possui as nadadeiras em posição fixa (diz-se de peixe) (Houaiss).

Constatação XIII

E como dizia aquele herege: “Quem peca vai para o inferno; quem não, vive num”.

Constatação XIV

E como dizia aquele policial: “Perseguir uma idéia é muito mais fácil do que perseguir um facínora”.

Constatação XV (De cenas domiciliares).

O cão,

Sonolento,

Rosnava

De modo insano,

Molestando,

Incomodando

O bichano,

Pachorrento,

Que ronronava

Sob o fogão.

Constatação XVI

Chorava a carpideira,

Derramando tantas lágrimas

Que até parecia uma torneira.

Constatação XVII

Um segredo, na memória, eu lacro,

Mas tem gente que usa de engodo.

De longe, dá pra ver que é simulacro.

Constatação XVIII

“É tão suave a noite”,

Dizia o masoquista,

“Quando ela brande o açoite”.

Constatação XIX

O brilhantismo,

A intensidade do orgasmo

Parecia um paroxismo?

Constatação XX

Sirigaita é o siri que toca acordeom?

Constatação XXI (Ah, esse nosso vernáculo).

Ela por ter soltado a franga no carnaval, cozinhou o galo pra cozinhar a galinha?

Constatação XXII (Dúvida crucial).

Não tem solução é uma frase que somente denota pessimismo ou ela pode ser otimista?

Constatação XXIII

Triângulo escaleno amoroso é quando João ama Maria que ama Pedro que, por sua vez tá de olho no João?

Constatação XXIV

E como concluía o septuagenário: “Broxar é um imoralismo trágico”.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

STALINGRADO CORAÇÃO por bárbara lia

 

 

 

Stalingrado coração – sangue e amputações. Cercas de arame com soldados estirados e fuzis cravados ao lado como cruz-metade. Stalingrado coração, esqueletos de casas, nenhuma flor na paisagem, botas rangendo a neve vermelha, silvos, bombardeios, doces lágrimas de adeus. Stalingrado coração, nenhuma alegoria, nada na mesa, nenhum vinho para coroar a noite de amantes, não há amantes. Stalingrado coração repleto de lenços brancos de despedida, repleto de fardas enlameadas, repleto de ausências que ardem em olhos azuis de meninos russos, repletos de saudades lambendo a noite, que não cessa, nem quando o dia arde na neve, que vai ser vermelha, sempre vermelha. Mais uma batalha, mais uma batalha, mais uma batalha, mais um amor que chega para abalar os alicerces, demolir a casa, atirar fogo aos navios, amputar as pernas, tocar uma melodia de canhões, de fuzis engalanados com uma cor vermelha, suástica canina. Esta imortal sanha de nazi, solidão nazista que me segue. Stalingrado coração resiste, para que a solidão não destrua a barreira última e se instale. Solidão vencida, que alguém me conquiste, que este alguém me conquiste, decepe a sede, arranque os alarmes, remova todos os cadáveres, remova a neve devolva vida aos ossos congelados. Stalingrado coração metralhado, rubro, sangra e resiste, e resiste e se prepara, para mais uma batalha, mais uma batalha…

 

 

VÉSPERA poema de manoel de andrade

 

 

 

Quatorze de março

mil novecentos e sessenta e nove.

É preciso…

é imprescindível denunciar o compasso ameaçador destas horas,

descrever esta porta estreita que atravesso,

esta noite que me escorre numa ampulheta de pressentimentos.

 

Um desespero impessoal e sinistro paira sobre as horas…

O ano se curva sob um tempo que me esmaga

porque esmaga a pátria inteira…

 

Nossas canções silenciadas

nossos sonhos escondidos

nossas vidas patrulhadas

nossos punhos algemados

nossas almas devassadas.

 

Pelos ecos rastreados dos meus versos

chegam os  pretorianos  do regime.

Alguém já foi detido, interrogado,  ameaçado

e por isso é necessário antecipar a madrugada.

 

E eis porque esse canto já nasce amordaçado

porque surge no limiar do pânico.

Meu testemunho é hoje  um grito clandestino

meus versos não conhecem a luz da liberdade

nascem  iluminados pelo archote da esperança

para se esconderem na silenciosa penumbra das gavetas.

 

Escrevo numa página velada pelo tempo

e num distante amanhecer

é que o meu canto irá florescer.

                                                              

Escrevo num horizonte longínquo e libertário

e num tempo a ser anunciado pelo hino dos sobreviventes.

Escrevo para um dia em que os crimes destes anos puderem ser contados

para o dia em que o banco dos réus estiver ocupado pelos torturadores

 

Contudo, nesta hora, neste agora

o tempo se reparte pra quem parte

e um coração se parte nos corações que ficam…

O amanhecer caminha para desterrar os nossos gestos 

para separar  nossas  mãos  e  nossos olhos

e nesta eternidade para pressentir o que me espera

já não há mais tempo para dizer quanto quisera.

 

Tudo é uma amarga despedida nesta longa madrugada

e neste descompassado palpitar,

contemplo meus livros perfilados de tristeza

retratos silenciosos de tantas utopias,

bússolas, faróis, retalhos da beleza.

Aceno a Cervantes, a Lorca, a Maiakovski

mas só Whitman seguirá comigo

nas suas páginas de relva

e no seu canto democrático.

Contemplo ainda os pedaços do meu mundo

nos amigos do penúltimo momento

nas lágrimas de um benquerer

na infância de minha filha

e nesse beijo de adeus em sua inocência adormecida.

 

Nesta agonia…

neste abismo de incertezas…

abre-se o itinerário clandestino dos meus passos.

De todos os caminhos

resta-me uma rota de fuga, outras fronteiras e um destino.

Das trincheiras escavadas e dos meus sonhos,

restou uma bandeira escondida no sacrário da alma

e no coração…

um passaporte  chamado  liberdade.

 

                                           Curitiba, 14 de março de 1969

 

 

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O FATO e o ATO

 

O poema deixou gravada a ansiedade do autor na madrugada de sua fuga do Brasil, em 14 de março de 1969. É o testemunho angustiante de momentos marcados por pressentimentos e pânico. Fala da pátria esmagada pela repressão e pelo intenso patrulhamento político-ideológico que se instalou no país com o Ato Institucional nº. 5, imposto pela ditadura militar em dezembro de 1968. Fala de prisões e interrogatórios e de almas devassadas pela tortura.  Fala de suas canções amordaçadas e, contudo, canta profeticamente para um distante amanhecer em que sua poesia  irá florescer e por isso escreve para um dia em que tantos crimes poderiam ser contados, para  um tempo  anunciado  pelo hino dos sobreviventes. O poema é um doloroso gesto  de despedida  e, ao mesmo tempo,  iluminado pelo brilho da esperança. Dor e esperança ampliadas pela visão e memória dos seus livros perfilados na tristeza, dos amigos dos últimos momentos, nas lágrimas de um benquerer e no beijo de adeus em sua filhinha adormecida. O poeta antecipa poeticamente a madrugada e sai pela porta estreita da incerteza em busca de uma rota de fuga. Leva intactos seus sonhos, uma bandeira escondida na alma e no coração o passaporte da liberdade. Manoel de Andrade deixou o Brasil, alertado da sua prisão iminente pelo conteúdo do seu poema “Saudação a Che Guevara”, escrito em outubro de 1968, e panfletado em universidades e  sindicatos de Curitiba. O poeta deixava o país exatamente numa época em que sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente, divulgada em grandes jornais e publicações como a Revista Civilização Brasileira. O poema Véspera consta de seu livro Poemas para a Liberdade, com quatro edições no exterior, em fase final de editoração pela Escrituras, e a ser lançado, em edição bilíngüe,  no próximo 15 de abril no  Espaço Cultural Alberto Massuda, em Curitiba.

 

 

 

Poeta paranaense José Gaspar Chemin lança tetralogia na Livraria Arte & Letra

O poeta paranaense José Gaspar Chemin lança, no dia 19 de março, às 19 horas, na Livraria Arte & Letra (anexa ao Lucca Cafés Especiais, no Batel) sua tetralogia, que reúne o melhor de sua vasta produção em verso.

 

Acumulados ao longo de mais de quatro décadas – desde que Chemin adotou a prática diária das chamadas “poedras”, poemas escritos em pequenas pedras, com pincel e tinta – os poemas, haicais e trocadilhos foram compilados em quatro volumes temáticos, que agora chegam às mãos dos leitores.

 

Em Quando Amo Versos Tramo, foram reunidos poemas cuja força-motriz é a mesma que levou o poeta a idealizar as “poedras”: o amor. Foi muito apaixonado que, em 1976, Chemin fez das pedras papel pela primeira vez. “Costumo dizer que a poesia vazou de mim para as pedras”, relembra o escritor, hoje com 66 anos.

 

A natureza e as paisagens dos Campos Gerais – região oeste do Paraná, onde é facilmente encontrada a Araucária, árvore-símbolo do estado – é o mote dos poemas reunidos em Tente Ver Vertentes. Os campos limpos, matas de galeria e cachoeiras da região vêm servindo de inspiração para Chemin desde os anos 1960, ocasião em que sua família deixou sua terra natal, Imbituva e passou a residir em Ponta Grossa.

 

Poemínimos Sentimáximos apresenta uma seleção de poemas em que o autor faz ode a sua vasta coleção de referências ideológicas, políticas e literárias – de Rousseau a Carlos Castaneda. Tais conhecimentos deram origem a uma filosofia de vida particular, aqui revelada em versos incisivos.

 

Por fim, o resultado da soma entre poder de síntese, observação, senso de humor e criatividade é a origem de Irreverência ou Morte!, que apresenta uma seleção dos melhores trocadilhos já inventados pela inquieta mente de Chemin.

 

Publicados e distribuídos de forma independente, os exemplares de Quando Amo Versos Tramo, Tentes Ver Vertentes, Poemínimos Sentimáximos e Irreverência ou Morte!, poderão ser adquiridos, a partir de XX de março, nas seguintes livrarias da capital paranaense: Livraria Arte & Letra, anexa ao Lucca Cafés Especiais (R. Pres. Taunay, 40 – Batel), Livrarias Curitiba ; Livraria Solar do Rosário (R. Duque de Caxias, 04)

Em breve, serão anunciadas as datas de lançamento dos livros nas cidades de São Paulo e Brasília. 

 

Sobre o autor: JOSÉ GASPAR CHEMIN nasceu no distrito de Apiaba, Município de Imbituva, Paraná, em 19 de junho de 1942. Escritor antes de leitor, sua primeira obra não-publicada foi o Domingário – diário em que narrava aventuras juvenis de seus dias de folga do trabalho. Aos 34 anos idealiza o uso da pedra como suporte para sua poesia, criando assim a “poedra” – exercício de síntese da palavra, que ele pratica incansavelmente até os dias de hoje. Ao longo dos anos, suas pedras – nunca comercializadas, sempre doadas – espalharam-se pelo mundo, o que o tornou conhecido como “o poeta das pedras”.  

 

Serviço:

Lançamento e noite de autógrafos dos livros Quando Amo Versos Tramo, Tentes Ver Vertentes, Poemínimos Sentimáximos e Irreverência ou Morte!, de José Gaspar Chemin. Dia 19 de março, às 19 horas. Livraria Arte & Letra, anexa ao Lucca Cafés Especiais (R. Pres. Taunay, 40 – Batel), (41) 3039-6895.  

 

SIMONE CARVALHO E VANESSA MUNHOZ ASSESSORIA DE IMPRENSA.