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O POETA MANOEL de ANDRADE concede entrevista para a Rádio UNESP FM

oscar dambrosio entrevista manoel de andrade para  o programa PERFIL LITERÁRIO da rádio UNESP FM  (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA).

ESCUTE AQUI.


A CASA QUE CHEIRAVA GOIABA de jairo pereira / quedas do iguaçu.pr

A CASA QUE

CHEIRAVA GOIABA

Minha casa pobre que cheirava

goiaba :goiaba madura:

noite e dia o odor do fruto no ar

& compareciam abelhas vespas &

outros insetos nathivos

compareciam urdiam moradas

nichos ninhos cobriam as janelas

os vãos das portas os armários

minha casa circulada de pássaros

ao cheiro de goiaba madura

minha casa ornada de insetos

& pássaros aninhos minha casa

com cheiro de goiaba freqüentada

por aves & insetos da estação

minha casa com polpa carmim

pelo chão cascas verdes-amarelas dos

frutos carnudos coladas às paredes

casca polpa sementes aderidas

à madeira bruta às telhas portas

janelas

linguagem de odores & cores

na estrutura :minha casa:

casa de goiaba madura do

piso ao teto

a casa que cheirava goiaba.

Queria agora um poema com

o sabor da fruta: goiaba.

ETERNA TARDE de alceu wamosy / uruguaiana.rs

A tarde vai morrer, calma como uma santa,
num êxtase de luz infinito e divino.
Há nas luzes do céu qualquer coisa que canta,
com músicas de cor, a tristeza de um hino.

Tudo, em torno de nós, se esbate e se quebranta.
Em nossos corações, como um dobre de sino,
e esperança agoniza; e a alma, triste, levanta
suas trêmulas mãos para o altar do destino.

Não é somente a tarde, a eterna moribunda,
que vai morrer, e espalha esta mágoa profunda
no nosso olhar, nas nossas mãos, na nossa voz…

É uma outra tarde — que nunca há de ser aurora
como a do céu será amanhã — que morre agora,
triste, dentro de nós…

.

Alceu Wamosy

(Uruguaiana RS, 1895 – Livramento, atual Santana do Livramento RS, 1923)

Publicou seu primeiro livro de poesia, Flâmulas, em 1913. Na época já trabalhava como colaborador no jornal A Cidade, fundado por seu pai, em Alegrete, RS. A partir de 1917 tornou-se proprietário do jornal O Republicano, apoiando o Partido Republicano. Continuou colaborando para diversos periódicos, como os jornais A Notícia, A Federação, O Diário e a revista A Máscara. Publicou as obras poéticas Na Terra Virgem (1914) e Coroa de Sonho (1923). Postumamente foram publicados Poesias Completas (1925) e Poesia Completa (1994). Poeta simbolista, Alceu Wamosy escreveu poemas cheios de desencanto, em uma produção que se destacou no sul do país e é uma das mais significativas do Simbolismo brasileiro.

A NAU de augusto dos anjos / paraíba

Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,
Zarpa. A íngreme cordoalha úmida fica…
Lambe-lhe a quilha a espúmea onda impudica
E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro!

Na glauca artéria equórea ou no estaleiro
Ergue a alta mastreação, que o Éter indica,
E estende os braços da madeira rica
Para as populações do mundo inteiro!

Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda,
Pára e, a amarra agarrada à âncora, sonha!
Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as…

E não haver uma alma que lhe entenda
A angustia transoceânica medonha
No rangido de todas as enxárcias!

ABRI A PORTA COMPANHEIROS de noémia de souza / moçambique

Ai abri-nos a porta,
Abri-a depressa, companheiros,
Que cá fora andam o medo, o frio, a fome,
E há cacimba, há escuridão e nevoeiro…
Somos um exército inteiro,
Todo um exército numeroso,
A pedir-vos compreensão, companheiros!

E continua fechada a porta…

Nossas mãos negras inteiriçadas,
De talho grosseiro
– nossas mãos de desenho rude e ansioso –
já cansam de tanto bater em vão…

ai companheiros,
abandonai por momentos a mansidão
estagnada do vosso comodismo ordeiro
e vinde!
Ou então,
Podeis atirar-nos também,
Mesmo sem vos moverdes,
A chave mágica, que tanto cobiçamos…
Até com humilhação do vosso desdém,
Nós a aceitaremos.

O que importa
É não nos deixarem a morrer,
Miseráveis e gelados,
Aqui fora, na noite fria povoada de psipócués…
“o que importa
é que se abra a porta.”

L. Marques, 23/6/1949

PAVANA PARA UM TREM MORTO – de júlio saraiva / são paulo



o trem
tem
o trem

o trem
é
o trem
sem

o trem
traz
o trem
mas
o trem
sem
o trem
jaz

………………..

na noite
fria
o trem
chacoalha
o trem
sacode
o trem
não pede
o trem
não pode
a lua
coalha
o sol acode
o trem
não para
o trem
não pede
o trem
não pode
o trem
se despe
o trem
despede
o trem
dispara
o trem
explode
o trem
nem pisca
o trem
arrisca
o trem
petisca
o trem
não risca
porque
na busca
o trem
se assusta
o trem
desponta
o trem
aponta
o trem
apronta
o trem
apita
o trem
navega
o trem
divaga
num mar
de ferro
o trem
se afoga
o trem
naufraga
num mar
de ferro
num mar
de ossos
ossos
de ferro
ossos
de aço
cadê o trem?
cadê o trem?
cadê o trem?
a noite
espanta
a noite
despista
a voz
sinistra
da alma
penada
do maquinista
atrás
do trem

TANTO LIMITE… de rosa DeSouza / ilha de santa catarina


Inusitado limite que nada permite.

Dor que nobilita e me devora.

Mamilo doce de terrível fera.

Corro presa a uma corda que me consola.

Terrível minotauro… procuro Teseu.

Do sol tenho tanta sede…

A montanha me atrai e se dissipa.

No mar um veleiro sem bússola nem céu.

No deserto medra uma tulipa sem ar.

Pressinto paz no entorpecimento.

Da escotilha, mão febril cai no mar

Condiciono amor, impetuoso e  paixões…

Ludibrio sentimentos acusando ilusões.

Ariadne em mim lhe dá uma longa linha.

Me confunde com Hermíone.

DEMIAN de marilda confortin / curitiba

Se Demian chegasse
as 3 da manhã
mordesse a maçã do meu rosto
ou a barriga da perna
me levasse ao inferno
ou ao céu de sua boca
me chamasse de louca varrida
ou de vaca profana
me jogasse na cama
e me amasse macio
num cio de silêncio
como se fosse plantar
a semente de um Cristo
em meu ventre…

Se Demian chegasse
as 3 da manhã,
obsceno e mesquinho
invadisse meu sonho, meu ninho,
roubasse meu sono
e deixasse em meu corpo seu filho…

Se Demian entrasse,
me deixasse em transe
transasse comigo
mesmo que já não fosse
as 3 da manhã,
mesmo que já não fosse
de manhã,
mesmo que já não fosse
um Demian de Hesse.
Desde que chegasse e nunca mais se fosse
esse … esse desgraçado que nunca chega!

MÁXIMA FORÇA de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

O sonho e a força máxima.

O sonho é o deus infantil escondido atrás

do racional.

O sonho tece tratores

monta fábricas, compõe andaimes.

O sonho abre um shopping.

O sonho não é ingênuo.

O sonho rouba.

O sonho depreda.

O sonho angustia.

O sonho frusta.

O sonho quer ser eleito.

O sonho quer conhecer a África.

O sonho quer vender a cura de doenças.

O sonho planta quatro mil alqueires

de soja todo o ano.

O sonho quer escravos.

O sonho mata e desmata.

O sonho gerou esta era de desperdício.

O sonho é predador de outros sonhos.

O sonho quer mais.

O sonho mistura, aumenta, encolhe,

cães, gatos, bois e cavalos.

O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.

O sonho.

PARA ALEXANDRE ONEILL – de julio saraiva / são paulo

tenho mal- afamados sonhos com imagens de necrotério

ontem por exemplo vi meu corpo nu

deitado na morgue

troquei a lente dos óculos para certificar-me melhor

a miopia é comum na minha idade

ontem te vi alexandre a beber com vinícius

uma taça de vinho…não..desculpe não era uma taça

era uma garrafa inteira onde os dois se afogavam

num cantar d’amigos

hoje só hoje pela manhã percebi ao olhar-me no espelho

que os meus olhos são tristes como os teus

precisei viver 52 anos entre luas e viagens que inventei

para perceber que sou um homem triste

e trago a morte na saliva como quem diz bom dia ao zelador do prédio

tenho surtos de memória

não me lembro quando foi ontem

o relógio no meu pulso parou e a vida insistiu em me usar

dei-me a ela como se fosse um puta abrindo as pernas

não quero este gozo infernal

tenho mulheres que me tiram a consciência de homem

e me fazem perder o juízo do dia seguinte

(não sei nem se haverá o dia seguinte

eu invento o dia seguinte no balcão de um bar

onde não levanto a minha taça

o balconista passa o pano encardido na mesa

e me empresta o jornal onde leio as notícias que eu mesmo escrevi

penso irremediavelmente que não tenho a fúria dos vinte anos

inevitável é saber que com a última noticia morri

talvez seja breve

sim breve como o meu funeral.

UMA NÊNIA A WILSON BUENO de ivan justen santana / curitiba

Nossa Santa já não pode mais ser Cândida

Nossa vida assassinada e cada vez mais bandida

Facada que vem sem nem falar pra que vinha

.

Mas as frases não acabam no final da linha

Um sangue de poeta grava toda a escrivaninha

EIS O HOMEM – de marco aurélio campos / porto alegre

I

Brotei do ventre da pampa
Que é Pátria na minha terra
Sou resumo de uma guerra
Que ainda tem importância,
E, diante de tal circunstância,
Segui os clarins farroupilhas
E devorando coxilhas,
Me transformei em distância.

II

Sou do tipo que numa estrada
Só existe quando está só.
Sou muito de barro e pó.
Sou tapera, fui morada.
Sou a velha cruz falquejada
Num cerne de curunilha.
Sou raiz, sol farroupilha,
Renascendo estas manhãs,
Sou o grito dos
tahãs
Voejando sobre as coxilhas.

III

Caminho como quem anda
Na direção de si mesmo.
E de tanto andar a esmo,
Fui de uma a outra banda,
E se a inspiração me comanda,
Da trilha logo me afasto
E até sementes de pasto
Replanto pelas vermelhas
Estradas velhas parelhas,
Ao repisar no meu rastro.

IV

Sou a alma cheia e tão longa,
Onde as saudades rebrotam
Como os caminhos que voltam
Substituindo os espinhos,
E a perda de alguns carinhos
Velhos e antigos afrontes,
Surgiram muitos, aos montes,
Nesta minha vida aragana,
Destas andanças veterana,
De ir descampando horizontes.

V

Sou a briga de touros
No gineceu do rodeio.
Improtério em tombo feio,
Quando o índio cai de estouro.
Sou o ruído que o couro faz,
Ao roçar no capim.
Sou o rin-tim-tim da espora
Em aço templado.
E trago o silêncio guardado,
Do pago dentro de mim.

VI

Fazendo vez de oratório,
Sou cacimba destampada,
De boca aberta, calada,
Como a espera do ofertório.
Como vigia em velório,
Que tem um jeito que é tão seu.
Tem muito de terra… é céu,
Que a gente sente ajoelhando,
De mãos postas levantando
O pago inteiro para Deus.

VII

Sou o sono do cusco amigo,
Dormindo sobre o borralho.
Sou vozerio do trabalho,
Na guerra ou na paz – sou perigo.
Sou lápide de jazigo
Perdido nalgum potreiro.
Sou manha de caborteiro,
Sou voz rouca de cordeona,
Cantando triste e chorona,
Um canto chão brasileiro.

VIII

Sou a graxa da picanha
Na bexiga enfumaçada,
Sou cebo de rinhonada.
Me garantindo a façanha.
Sou voz de campanha,
Que nos lançantes se some.
Sou boi-ta-tá – lobisomem.
Sou a santa ignorância.
Sou o índio sem infância,
Que sem querer ficou homem.

IX

Sou Sepé Tiarajú,
Rio Uruguai, rio-mar azul,
Sou o cruzeiro do sul,
A luz guia do índio cru.
Sou galpão, charla, Sou chirú,
de magalhanicas viagens,
Andejei por mil paisagens,
Sem jamais sofrer sogaço.
Cresci juntando pedaços
De brasileiras coragens.

X

Sou enfim, o sabiá que canta,
Alegre, embora sozinho.
Sou gemido do moinho,
Num tom triste que encanta.
Sou pó que se levanta,
Sou raiz, sou sangue, sou verso.
Sou maior que a história grega.
Eu sou Gaúcho, e me chega
P’rá ser feliz no universo.

DEGREDADO – de joão batista do lago / são luis


Meus passos levam-me às esquinas da Ilha

Em todas elas há um cheiro parado no ar

Um gosto de sal e mel soçobra-me nos lábios

Um abraço apertado unge meu corpo

Com o suor que exala dos teus poros

Sinto-te como se minh’alma fora

Dentro de mim desde o início do nada

Sinto-te como o caos que se organiza

Na mundidade da minha prima casa

Organizando todos meus amores silenciados

Sou teu ilhéu…

Ilhado nas esquinas do teu corpo

Túnica sagrada que me reveste

Vou caminhando tuas esquinas (e)

Descobrindo teus segredos

Teus amores…

Sou, pois, teu eterno degredado

Teu criminoso desterrado d’outras terras

Que implora o castigo de te ver em mim amada

DEPOIS DO TERREMOTO E DA CONTRA-ODE À CANALHA – de tonicato miranda / curitiba


para Roberto Prado

Ah minha juventude estacionada

retardando todos meus legumes em flor

O que pode a couve flor contra a buganvília?

A bilha movendo meu carrinho de rolimã já vai longe

A trilha, o cavalo e a cilha transportam hoje um monge

Mãos e rosto ainda não de todo crestados

viajam de lado desviando do capim navalha da palavra

este que a juventude lavra sem perdão

desbastando com rudeza a montanha da emoção

Jovens passarinhos atenção ao meu canto de ferro

Acreditem: ele não será um solitário berro

está vestido de acordes é voz que segue a partitura

mas sua voz é livre, sua juventude tem a carne dura

mas minha pele se cresta, meu cantar já se arrasta

mas não me raspa com a borracha sobre o papel

minha linguagem é menos o sal, muito mais o mel

Convido-o companheiro para eu lhe ouvir poemas

traga aos meus ouvidos suas tralhas

vou também lhe mostrar minhas produções canalhas

vá que alguma encontre em você um abrigo?

Vá que ela seja o ferrolho da porta se abrindo

você um amigo?

a dissecação do poema – de julio saraiva / são paulo


O poema em seu todo

pode às vezes vir da flor

como pode vir do lodo

pode vir do olho do cu

mas também vem do sacrário

vem do vôo do urubu

vem do canto do canário

o poema é brinquedo

é recreio da palavra

o poema vem dos olhos

encovados de quem lavra

o chão  a terra que não tem

está no meio dos escolhos

ou na noite do meu bem

o poema em qualquer parte

pouco importa de onde vem

pode ser de Deus a arte/praga

e a do Diabo também

RECEITA DE POESIA de claudia regina telles / itajaí.sc


Capturar a imagem de alguma insignificância que voa,

um vento que passa,

um corpo que brinca de alegria,

uma agonia de dor,lamentos de amantes,

saudades, solidão.

Caso você não tenha este ingredimentes a sua disposição,

imagine-os, que é a mesma coisa.

Coloque tudo e vá adicionando e  misturando palavras.

Cuidado como exagero;

Servir quente ou fria, tanto faz

Excelente para todas as ocasiões

sempre que sentir vontade

ou que doer o ferimento ou cicatriz;

publicado no livro de conchas e de clarices/ 2007

A ROSA ABSOLUTA de otto nul / palma sola.sc

Rosa que contempla

Nuvens pressagas

Por dentro de luzes

Que ultrapassam

As esquinas siderais

Nos ocos do cosmos

Rosa que se fez rosa

Na abissal beleza

De premissas loucas

Emergentes dos mares

Os céus tumultuados

De argênteos brilhos

Ó, rosa absoluta,

Que a tudo evolve!

POEMA de luiz gustavo pires

a palavra
esta que lavra
o tempo

o pó do tempo
o tempo contém o pó
da alma

tem poema
na alma

A ÁGUA – de manuel maria barbosa du bocage / lisboa

Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colhões
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde cago.

Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz minete
que lava o chibo mesmo da raspa
tira o cheiro a bacalhau rasca
que bebe o homem, que bebe o cão
que lava a cona e o berbigão.

Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a cona e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava putas
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao caralho

Meus senhores aqui está a água
que rega rosas e manjericos
que lava o bidé, que lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber ás fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche e
lava a boca depois de um broche.

AS SEM RAZÕES DO AMOR – de carlos drumonnd de andrade / itabira do mato dentro.mg



Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987

Ó, NOITE FUGAZ de otto nul / palma sola.sc

Ó, noite, vejo-te

Nua e perdida

Como as putas

Nos lupanares baratos

Ó, noite, nenhuma

Lágrima rola

Em meu rosto

Para te celebrar

Ó, noite, exílio

Dos mortos-vivos,

Refúgio de todos

Os cativos do mundo

Ó, noite, sigo teus

Passos nas brenhas

Das estradas e ruelas

Habitadas de fantasmas

Ó, noite fugaz,

A ti me afeiçôo,

És meu sortilégio

E minha paixão

NIILIDADE de joão batista do lago / são luis


Receio a doença do teu espírito,

A raiva que nele se contém como

Breviário dos teus horrores.

Nihil obstat…

Férula que vergasta tua língua na

Insana noite dos teus sonhos de pureza:

Arete não te deu asas!

Niilismo aprazado no obscurantismo,

Regaladamente feito para o próprio nada,

Sustenta tua dose de veneno

Oferecendo a maçã à mulher incautamente

Incapaz de reagir à picada do senso comum:

Nada mais!

Nada mais a priori.

RESPOSTAS e PERGUNTAS certas – de tonicato miranda / curitiba

para Malita (minha mãe)

Escutar “Moon River”

como não chorar?

Na mão uma foto sua

como não olhar?

Cuba Libre ou “Hi-Fi”

como não tomar?

A sandália num canto

como não caminhar?

Passarinho num galho

como não assobiar?

Lágrimas descem na face

como não me molhar?

O frio chega com vento

como não tiritar?

Bolo no forno, café no bule

como não? Vou degustar.

A piada da sua boca

como não gargalhar?

Um dia lindo, mas chove

como me acostumar?

Seu olhar sorrindo lindo

A ele serei bem vindo? Será?

Quando for ao campo canta

rega nossas presenças como a planta

Não será na casa, na janela ou no luar

será no jardim o lugar para lhe adorar

OTTO NUL e sua poesia V / palma sola.sc

NADA ME DIZ

Nada me diz

Nem contradiz

Do que fiz

Ou não fiz

Do aprendiz

Que com um giz

Traçou uma

Bissetriz

Ao longo da raiz

De peça motriz

Aberta a cicatriz

Na ponta do nariz

E por um triz

Escapou a meretriz



.

DOU UM GRITO NO AR

Na esteira dos insubmissos

Dou um grito no ar

É muito se calar

É tarde para fugir

Vai longe o rumor

Dos santos pregadores

Com que fulgor

Apacentam-se carrneirinhos

Às nuvens andarilhas

E em que ilhas?

Durmo em paz

Como me apraz

Dúvida não há

Com que compraza

O torpe entope as ruas

E as mulheres nuas


.

QUERO SER SÓ

(a Greta Garbo)

Quero ser só

Só para andar

Só para pensar

Só para sofrer

Só para viver

Só para fugir

Só para ninguém ver

Só para voar

Só para olhar

Só para falar

Só para chorar

Só para sonhar


(poema feito de uma frase de

Greta Garbo – “I want to be alone”)

Oração ao “Mor” – de Delinar Pedrinho


Ó “Mor”

Espero que não fiques a pensar que meu amor por você sejas um breve acontecimento em meio ao barulho de uma queda d’agua…,.

Pra min…, o amor “Mor” é mais…, bem mais.

Amor é satisfazer a nos dois

Não satisfiz você…,.

Nem a mim…,.

Tenho certeza de que será como assim o desejas

Poderemos gozar da plenitude do amor que espero para nós dois

Assim que deixarmos de sermos dois e passarmos a ser um

Deixarmos de ser Eu e Tu para sermos Nós

Quando num abraço seu e meu, nos tornarmos impossíveis de distinguirmos um do outro…,.

Amém.

não me ame nunca – de jorge barbosa filho / curitiba


não me ame nunca

dizem, sou muito perigoso,

pois se te beijar a nuca

acabo te roendo o osso

da tua doce espinha

falam, é a minha arma,

pra me valer nas esquinas

e chegar ladino em casa.

não me ame nunca

dizem, sou muito pirado,

meus carinhos nas luas

não valem nenhum trocado.

acho que minha fama

não é assim tão pequena,

gritam, que só valho a pena

quando te levo pra cama.

não me ame nunca

dizem, sou muito bandido,

roubo sua alma e chuvas

e depois acabo fugindo.

perca a esperança então

rezam, sou homem e menino,

brinco pelo seu coração

que bate sempre arrependido.

não me ame nunca

dizem, que você me ama

enquanto tudo te espanta

não me ame nunca.

FICA O DITO de otto nul / palma sola.sc

Fica o dito

Sem dizer nada

E o aflito

No conflito

Visceral

Na capital

Sob o estrépito

decrépito

À rua nua

E crua

Sob o avesso

Do direito

Ainda que travesso

Levado a peito

ENEACÓRDIO DA TRISTEZA de tonicato miranda / curitiba


para Jane e Tom Jobim

A tristeza não tem brilho, nem é limpa

ela é como a sujeira das cortinas ao léu

das casas da periferia nos poemas do Gerson Maciel

A tristeza não tem limites ou latitudes

ela está em todos os poros do seu corpo

seja você um manequim ou redondo como um porco

A tristeza o lança à cela e às grades

ela é prisão sem cor nas paredes, não tem janela

onde reina o silêncio e a luz é sempre de vela

A tristeza embora solitária é nascida de outro

é sempre uma mulher deixando-nos em abandono

e nosso coração vadio, cão perdido sem dono

A tristeza é amiga e inimiga

ela é o toque do perigo, o seu próprio irmão

um revólver pode lhe matar por sua outra mão

A tristeza é quando…

nem mais meu eu consciente está por aqui

há muito partiu numa onda para o Havaí

É quando emprestamos um poema da Clarice

juntamos uma rosa roubada com muito apreço

enviando pelo correio ao nosso próprio endereço

É quando viajamos em pensamento a um Cabo Frio

velas e mastros menos navegadores, quase ausentes

quando ficamos a um triz de não estarmos mais dementes

A tristeza é quando o triste

está maior dentro do que fora de mim

quando, mais do que sentimentos, ela pode ser o fim

SEM TÍTULO. de joanna andrade / miami.usa

O  Pingo da chuva

soa como um tiro surdo.

Pára o tempo  nas asas do beija-flor

grita  o vento do Norte

ensimesmado

forte e grave e frio

o passado

-Voilà! diz ele

As gotas do olhar molhado

nas palavras escritas em azul celeste escorrem…..

Um silencio ao tilintar dos sinos

Um coração jogado dentro do peito

Uma era consagrada

Um tempo sustentado

en passant

ORAÇÃO para NOSSA SENHORA dos INSONES – de julio saraiva / são paulo


Ó nossa senhora mãe dos insones

velai por minhas noites em claro

dai-me o sagrado som dos rolling stones

que nessas horas me serve de amparo

livrai-me da farsa do psiquiatra

o diazepan me põe transtornado

minha cabeça vai até sumatra

eu por aqui permaneço acordado

de certas leituras poupai-me também

são bem piores que qualquer remédio

porque na verdade o sono até vem

mas de tão agitado não me faz bem

é sono ruim é sono de tédio

afastai-o de mim para sempre  – amém

Receita de poesia – de claudia regina telles


Capturar a imagem de alguma insignificância que voa,

um vento que passa,

um corpo que brinca de alegria,

uma agonia de dor,lamentos de amantes,

saudades, solidão.

Caso você não tenha este ingredimentes a sua disposição,

imagine-os, que é a mesma coisa.

Coloque tudo e vá adicionando e  misturando palavras.

Cuidado como exagero;

Servir quente ou fria, tanto faz

Excelente para todas as ocasiões

sempre que sentir vontade

ou que doer o ferimento ou cicatriz;

publicado no livro de conchas e de clarices/ 2007

ALGOZES de joão batista do lago / são luis



O tom democrático que deblateras

Saciando tua sede de ditadura

É como a voz dos canalhas: vituperas

Sobre a liberdade de todas as gentes

Que passam a vida como indigentes

Na solitária indução da utópica

Sensação de serem livres

Teu pusilânime discurso

Esconde os horrores de 64

Quantos corpos há [ainda]

Na clandestinidade cemiterial

Escondida nos quintais da dominação?

Dezenas!

Centenas!… Ou milhares?

Os que morreram pela dignidade

São anjos que guiam a paz e a liberdade

Já, vocês, senhores donos do mundo,

Como canalhas e vagabundos

Insistem em esconder os cadáveres:

Produtos do cálice de fel ofertado

Sob a tirania de algozes encomendados

Não findará a vida

Sem que antes seja resgatada

A glória de ver nossos mortos

Enterrados em nossos quintais

Lá, seus ossos produzirão flores e rosas

E nos dirão:

A liberdade é a virtude suprema do ser

MARILDA CONFORTIN e seus POETRIX / curitiba

FINDO PRECONCEITO

No caixão,

Pretos e brancos

Viram cinza

POBREZA DE ESPÍRITO

Quem tem dinheiro

e não tem valores,

é um miserável.

IGUARIAS

Olho no olho

Língua al dente

E o corpo todo ensopado

USUFRUTO

Entrego-te meu corpo

E te asseguro o direito

De gozar plenamente

ARMADILHA

Alheia à teia

O moço almoça

A moça

OUTONO de philomena gebran / curitiba

Sei que o outono

chegou

Não porque o tempo

passou

Não porque a cidade

esfriou

Não porque a chuva

chegou

Não porque o vento

soprou

Não porque a montanha

embrumou.

Sei que o outono

chegou

porque meu flamboaiam

chorou


ENGANO – de tonicato miranda /curitiba

um telefone brota do silêncio balançando meu olhar/trinados no ar concedem cara aos olhos do susto/

borboletas me mordam/quem fala?, diz a voz vomitando da garganta o marrom da surpresa/

distante 1000 km o outro som demora dois micros segundos para se associar à mente receptora/

é a memória imprimindo no HD em contraluz o corpo imagem da voz logo reconhecida/boa noite! e a voz explicita o que não é mais preciso/agonia-me agora que ela se apagou da caixa de metal o seu mutismo/uma cachaça é preciso degustar para a intransigência da notícia/alguém diz que vem/meu corpo mais do que minha vontade não querem ser hospedeiros/levanto-me caio na noite como quem cai de um penhasco/sorte que o despenhadeiro tem apenas metro e meio/torço o tornozelo da arrogância/mendigo uma lástima/ninguém para dá-la/ninguém para aliviar e agora sou mal/talvez assassine alguém naquela esquina/talvez me jogue debaixo de um trem/fuga da fuga, pois aqui não passam estes monstros de ferro e desespero/hoje não é noite de assassinos e suicidas/melhor entrar num cinema e ver um velho filme de Godard/correndo com carros alucinados pela cidade/melhor mais dois goles de cachaça ou um malbec de Mendoza caso sobre algum para isto/para isto vou ligar de volta/enxotar o susto com meus ouvidos completamente tamponados de vozes distantes/desculpe-me; foi engano.

RAPSÓDIA SOBRE A PALAVRA de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

O som crocante da chuva é sua palavra.

O doce da cana é sua palavra

e o rum sua ira.

O urro da onça é sua palavra.

O vôo da borboleta é sua palavra.

A beleza do pavão é sua palavra.

As fotos de Cartier Bresson

é sua palavra,

e seu discurso.

O amargor benigno do boldo

é sua palavra.

Seu nome é sua palavra

mais intima.

Seu nome é seu coração,

sua mão

e o cabelo que cai.

Seu nome tem a mesma cicatriz que você tem

e é seu osso,

e o sexo escolhido.

Seu nome envelhece.

E a ferida no seu corpo

é uma ferida no seu nome.

MARGARIDA de joanna andrade / miami.usa

Bem-me-quer Mal-me-quer bem-me-quer Mal-me quer

OH, ele nao me ama, e agora?

Deixa eu despedaçar outra flor,

Bem-me-quer Mal-me-quer Bem-me-quer Mal-me quer Bem-me-quer

BEM –ME-QUER , que bom!

não é preciso mais nada,

um jardim repleto,

basta!

–  pétalas em pedaços em um tempo seja lá como for…….

Magnífico!

É no contar do mal-me-quer que o vento demora a passar.

-Uma gota sela a pétala ao chão……

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS – de mário de andrade / são paulo

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

.

Em 9 de abril de 2010. (esta postagem na mesma página postada em 23 de março de 2010).

o leitor Helcio J. Tagliolatto, em comentário, alerta o site com relação “a fruta” que consta do texto. que teria sido “trocada” de JABUTICABAS para CEREJAS. fomos pesquisar  e nos deparamos com uma quantidade de “autores” do texto acima O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS. corre na internet como sendo autoria de RUBEM ALVES e de MÁRIO DE ANDRADE e por fim por quem se diz autor do texto cujo nome real seria O TEMPO QUE FOGE de RICARDO GONDIM cuja afirmação publicamos aqui, transcrita de seu blog após um comentário acusando-o de plágio:

Querem roubar e ainda me chamam de ladrão
Ricardo Gondim

Escrevi “O Tempo que Foge”. Alguém o fez circular como de um Autor Anônimo. Depois, disseram que era de Mário de Andrade. Agora, por último, me acusam de tê-lo roubado de Rubem Alves. Insisto, o texto é meu. Eu o escrevi no meu computador, na privacidade de meu ambiente de trabalho e está publicado no meu livro “Creio, mas tenho Dúvidas”, Editora Ultimato.

Recebi um e-mail cobrando explicações. Circulo o conteúdo do mesmo na esperança de que seja feita justiça.

Daisy Almeida
assunto: O texto que o senhor assina é de Rubem Alves
telefone:
mensagem: O texto “tempo que foge” que o senhor assina em seu site é de Rubem Alves. O que ele faz no seu site com sua assinatura embaixo? Como o senhor explicaria isso numa discussão sobre direitos autorais? (tempo que foge)

Prezada Daisy,

Não, Daisy, o texto não é do Rubem Alves. Ele é meu! Eu o escrevi. Está em meu livro “Creio, mas Tenho Dúvidas”, publicado pela Editora Ultimato, com registro no ISBN, consta na página 107.

Portanto, se alguém, inescrupulosamente, atribui o texto a Rubem Alves, está sendo desonesto comigo e com a minha produção intelectual. Inclusive, sugiro que você pergunte diretamente ao Rubem Alves, se é de sua lavra “O Tempo que Foge”. Sendo ele um homem digno, honesto e verdadeiro, certamente, reconhecerá que o texto é meu.

Grato. Como você duvida da minha integridade, lamento, mas o mesmo texto tem sido atribuido a várias pessoas, inclusive a Mário de Andrade.

A única coisa que me resta é esperar que um dia a justiça prevaleça.

Sinceramente,

Ricardo Gondim

para acessar o blog de RICARDO GONDIM clique AQUI

agradecemos o alerta do leitor HELCIO TAGLIOLATTO que terminou por conduzir a duvida além das frutas “trocadas” para  autores “trocados”. lamentalvemente a internet contempla pessoas de má fé. RUBEM ALVES e MÁRIO DE ANDRADE, com absoluta certeza, estão fora dessa lama virtual.

VEREDAS de joão batista do lago / são luis


Meus caminhos são feitos de veredas!

Traço-as, uma a uma, como pegadas de onças:

Atalhos que me conduzem às beiradas dos córregos,

Onde tento beber a água prima,

Para em seguida me enveredar pelas

Trilhas que marcam os tempos de todos os homens.

Minhas veredas são os meus deslocamentos em toda vida.

São clareiras de sentimentos que me fazem debulhador de milhos

Que brotam da terra vergastada;

Que sangra pelas veias rasgadas pelo fogo;

Que queima toda a vegetação vérsica da terra que me habita;

E que grita:

Ó miseráveis! Tomastes a vereda do juízo da incompreensão:

A prisão do ladrão que rouba uma telha, para comprar um pão…

Mas, quem vos prenderá por causar a fome de muitos irmãos?

Possivelmente ninguém vos deterá!

A toga que vos serve de vereda é balança pensa e a

Cega deusa já não mais vereda aretologia.

RUDI BODANESE e seus fotopoemas / florianópolis

.

.

.

SERENIDADE… – de rosa DeSouza / florianópolis

O vento varre sonhos sem tempo,
Desvela certezas com desalento,
Expulsando a torrente do tormento.

O vento dança entontecido
Em rajadas cruéis estarrecido,
Balançando cortinas negras…

O vento cá dentro como fora,
A vaga estilhaça em mil fantasmas
Secando o puro ar, criando asmas…

O vento desatento ao amor,
Pisa e repisa almas – assustador
Recriando a engrenagem do desamor…

Vento, vento sem alma e cego,
Expulso-te e mesmo da brisa abnego,
Minha utópica nuvem branca navego…

Longe de tudo o que lembre agitações,
Ciclones, procelas ou tufões,
Me desacerto no ideal da coerência…

Troco o passo, vôo, corro, salto, escorrego,
para longe desse inferno vem uma vontade pugnaz…
Recolho-me serena na gruta da paz.

SOU MULHER de rita maria medeiros de almeida / porto alegre

Gentil, fiel e pecadora
Na humildade tenho a grandeza
O brilho do sol tenho nos olhos
Nos sonhos tenho o romance das estrelas

No corpo tenho o pecado e a atração
De bondade um olhar infinito
Se durmo sozinha na solidão
No meu coração está o mor mais  bonito.

Sou mulher!
posso ser amante e companheira
Esposa leal, mãe extremosa
Posso ser o anjo benfazejo
Que lhe atende e lhe ama a toda hora.

Posso ser o pecado em uma vida
A desgraça de um homem sem história
Posso estender a mão ao maldito
Posso levantar quem não tem hora

Sou mulher!
Sou anjo em uma vida, diabo em outra
Sou estrela que quia a toda hora
Sou aquela que tira a melancolia
Sou a pessoa que muda a sua história

Sou Mulher!

PELE DE COBRA de tonicato miranda / curitiba


Onde está minha face?

Onde deixei esta cara fujona?

Preciso imediatamente sair,

preciso de um rosto para me vestir.

Cadê a lente para cercar o medo

tapar meu olho esquerdo?

Mas onde ela está?

Em qual nova face foi parar?

Socorro, polícia, sumiu minha cara,

um corpo procura sua identidade.

Quem sabe desceu a ladeira,

pegou o ônibus vermelho e se foi

para além Boqueirão, além dos Pinhais.

Meu São José escute meus ais!

Avisem à polícia costeira:

tem uma cara fugindo do País.

E não é porque não a quis.

Ela foge de vergonha antes que

chegue o Carnaval, antes que a Bahia

nos invada e tudo vire cara de alegria.

Ainda quero minha cara,

mas acho que ela não me quer mais?

Que desastre maior nesta manhã

o espelho não me reflete, que sanha.

Nem me refletirá amanhã nem nunca.

Ai minha nuca, será que o agora é nunca?

Preciso forjar uma nova cara.

Mas que seja amorosa, muito gentil.

Cansei da cara antiga e de suas carrancas.

Preciso acertar a mão, caprichar no sorriso,

uma pinta escura até me cai bem.

Mas será que a nova cara quererá isto também?

Desisto da velha cara, adeus antiga.

Pensando bem você nem mesmo foi amiga.

Fugiu de mim quando mais me precisava.

Agora quero uma cara mais suja, pronta para amar

uma cara para conversar, conhecer e bebericar.

Olá, como vai cara nova? Que tal um café ou beijo na Boca?

CADÊ O POEMA? de otto nul / palma sola.sc

Cadê o poema?

Ora está aqui

Ora ali;

Ora foge

Ora se oculta

Ora silencia;

Ser problemático

Por excelência

Anda às escondidas;

Parece dizer:

– Não perguntes quem sou;

Sou ninguém;

Agora mesmo o tive,

Agora mesmo não o tive;

Evaporou-se como bolha de sabão.

MUDEZ VESTIDA de joanna andrade / miami.usa

Meu corpo inteiro palpita menos o coração

Sangue e’ lagrima corrente

Alma e’ vestido branco

O mundo cheio de pegadas

Eu o caminho zerado

Meu corpo inteiro sente menos a dor

A agulha tatoo  cócegas

Que até o retrato se rasga de rir

Nesta terra de palmeiras  minha sabedoria fica ao chão

Meu corpo inteiro menos da boca para fora reclama

Joga as cartas da manga a paciência  em mudez vestida

As  cifras dos olhos alheios regulam minhas imposições

Os labios se colaram com as bobagens ejaculadas

Meu corpo stainless steel reflete a polidez de uma alma vaga nada mais……………destituo-me.

MARINHA, CAVALO E HAMLET de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

Há três sabores de som

no quadro,

uma marinha cinza,

escolho uma concha

cheia de marulho

e sinto saudades do oceano.

Pego minha chave

parece com uma moeda.

(Nunca antes tinha achado a chave parecida com uma moeda).

Vejo na radica de minha porta

demônios, extraterrestres e sexo.

Tenho medo de minha porta.

Corro pelas escadarias

não quero ser encaixotado pelo elevador.

Sou perseguido por demônios, extraterrestres e sexo

até derrubar o general

e sair cavalgando sobre a estátua eqüestre da praça

cheia de pichação e cheiro de urina.

À beira-mar, o cavalo em bronze

ficou colorido, leve de papel machê.

Respirar a maresia era respirar cores

como um camaleão que respira gramado

e fica verde, respira céu e fica azul.

A cavalgada que era tambor

virou dança sem música na areia.

Após a multidão

um menino solitário me sorri.

Minha angústia rega

suas linhas de expressão, que logo viram

rugas e cresceram em seu rosto como heras,

fazendo dele um velho.

A transformação me vez lembrar de uma menina que vi

pescando anjos com orações.

Perguntei a ela.

-Pode ser qualquer oração?

-Não, só as impregnadas de poesia e um pouco de vinho.

– E os anjos estão no céu ou na terra?

– Os anjos moram nos reflexos.

Depois avisto

um hindu, que reza para

uma escultura de quatro braços.

Falo.

– Não Breton, você não

criou nada, o surrealismo.

nasceu com a religião!

Ao longe

abandonado ao sol

um cadáver na restinga quente.

Uma rosa nasceu de seu umbigo.

Primeiro achei poético, depois lógico

as fezes no intestino alimentavam

as raízes da rosa.

Desço e descanso.

Faço um castelo de areia, cimento e cal.

Vejo saltar um peixe dourado

escamas feitos de dobrões espanhóis.

Quando continuei

encontrei ainda

um pintor chinês que olhava o mar, e com os pincéis

escrevia um poema na tela.

Três deuses

Marte, ele usava brutalidade

para conseguir mel.

Vênus, ela usava mel

para fazer maldades.

E a deusa que dá odor ao mar

lavando sua vulva na água.

Também Hamlet, que erguia a leveza da morte,

era a vida nele que pesa como chumbo.

Concentração é uma venda,

a distração nos faz ver muito mais.

Finalmente fiquei só com o oceano.

Olho sonhador

queria ir morar na distância,

na casa que encontraria na distância

gramada com mar, canteiros com copos-de-leite.

Mas a distância é uma miragem

que se afasta um passo

a cada passo meu.

Retorno, sonhos longos

são tediosos.

Pareço uma flor, querendo

morder o rabo de seu perfume.

EDUARDO HOFFMAN e seus haicais / curitiba

ah minha vizinha

como é bom ouvir um blusão

tirando sua blusinha

=

simplicidade havia

bastava um cotonet

pra se ouvir a cotovia

estudo para sol maior

.

um frio de dar dó

você lá, longe, meu violão

quando nosso sol  ?

AVESSO de otto nul / palma sola.sc

No meu avesso

Está meu todo

No meu direito

Estou eu torto

Movo-me de um lado

E de outro

De avesso e

De direito

No desejo de me encontrar

Mas um é a contra face do outro

Na busca de mim mesmo

Fico sem nunca acabar

CALHAU de joão batista do lago / são luis


Meus caminhares levam-me em direção ao mar

Lentamente vou descortinando o véu que te sempre me segredou

Ou – quem sabe?! – jamais eu ousara ver-te assim desnuda

E de cara ao vento

E de cabelos soltos

E de pés livres

Pisando areias cascalhadas

E enferrujadas

Entre as linhas das redes que servem de passarelas

Para o teu corpo leve desfilar

De repente assusta-me tua atitude:

Pulando entre os calhaus

Furtas carinhosamente das mãos dos pescadores

A rede que lhes produz o peixe da vida

E partes em direção a mim…

Olhas-me fixamente

E sem uma palavra lanças a rede sobre mim

Arrastas-me

Eu nenhum esforço faço para desenlaçar-me

Deixo que me leves para o teu crepúsculo

Que se eterniza num final de tarde

Entre o sol e a lua…

Agora já é madrugada

Somos apenas eu e tu

E a praia…

No dia seguinte

Seremos apenas o cascalho

Que servirá de assoalho para pés

Desnudos e descalços

Fermentarem com seus passos

Nossa história de amantes

O MALA – de marilda confortin /curitiba

Tem mala pesado, sem alça

Mala de ombro, mala tiracolo

Malinha que cabe no bolso

E mala que se carrega no colo.

Mala que fala pelos cotovelos,

E aquele que vive de boca fechada.

Tem mala que bebe feito um camelo

E mala chato que não bebe nada.

Mas o pior mala é o enrustido

Que fica sempre num canto

Falando mal dos amigos

E fazendo pose de santo.

Tem mala que é irmão.

Mala mulher e “mala man”

Mala casado, mala solteirão

E malacompanhado também.

Mala chefe, ninguém merece!

Mala puxa-saco, é covardia!

Peão mala,  é um estresse!

Estagiário mala, afe Maria!

Filho mala, é eterno.

Mãe que agüenta, vai pro céu.

Pai que sustenta, vai pro inferno

E a família toda leva o troféu!

Mas tem mala pior, meu amigo…

Você não perde por esperar:

Cunhado mala! É um castigo!

Só tua santa irmã pra carregar

E pescador mentiroso, então!

Filósofo de boteco, quem gosta?

Mala fanático por religião?

E torcedor de timinho de bosta?

Ex-fumante metido a dar conselho?

E aqueles que se acham gostosões?

Radicais, racistas e outros pentelhos

Quem agüenta seus sermões?

Malas que falam mal de seus pares

E ainda querem saber  tua opinião

Tem que cortar nas preliminares

Pra não se envolver na confusão

Músico que faz cu doce pra tocar

Até na casa de amigos cobra chachê!

E vizinhos que só sabem reclamar

E falar mal dos outros. Ah!Vai se fudê!

Poeta mala então, é um desaforo!

Ai de quem não goste de poesia!

E crítico literário mala,  socorro!

Só vê defeitos, só vive de teoria.

Mala depressivo, mal amado

Óh céus! Oh vida! Oh azar!

Interne numa zona o desgraçado,

Quem sabe pare de incomodar!

Parente mala, é uma merda.

É uma baita falta de sorte

É uma sina que se herda

E se carrega até a morte.

Mala que se preze, não tem sexo:

Tanto faz homem, mulher ou viado.

O que pesa não é o tamanho do anexo,

Mas sim a chatice do desgraçado.

Mas tem mala que não tem preço:

Mala do peito, mala irmão

Mala que se vira do avesso

P´ra não nos deixar na mão.

Quem não tem um mala amigo,

Um malinha de estimação,

Aquele que está sempre contigo

E que mora dentro do coração?

Quem nunca carregou um mala

Não tem histórias pra contar

Pois todo o mala é uma bengala

Prum mala bem maior se apoiar.

Pra terminar essa bobagem,

Eu peço palmas, minha gente:

Muitas vaias em homenagem

A todos os malas aqui presentes.

LESMA – de jairo pereira / quedas do iguaçu.pr

falar :signo: uma coisa

conhecê-lo outra inscrevê-lo no tempo

olhar pra dentro do filho da matéria

língua pensamento

conhecer suas faces escondidas

espelhos nos espelhos

espectros nos espectros

o núcleo da amêndoa doce

:um toque na tépida luz:

significância extensa

voragem de efeitos vertigem

de reflexos no teto

nas paredes os traços finos

ao chão microsemas rúspitos

o signo virado lesma a compor

significados novos o signo de arrasto

túmido de conceitos

virados fala

a vida passa :uma graça de ditos:

o corpo em si dizendo tudo

o corpo é quem faz o dito

o corpo extenso em signos

ser só linguagem

só linguagem-pensamento

como uma lesma em trânsito

ciscos pós esporos

acumulados ao corpo lângue

uma língua muitas linguagens em si

formadas nesse lento trânsito.

BARQUEJANDO ÁGUAS RASAS – de tonicato miranda / curitiba


para a namorada de Cabo Frio

TM, anos 80 do Séc. XX

.

navegar em teu olhar

é balançar curtas distâncias na lagoa

é estar preso à corda e à âncora

sem vontade de aventuras

navegar em teu olhar

é te cheirar maresia

é te observar nas nuvens

passando no azul que vai e volta

em cada luz eclipsando noites

onde passamos a murmurar

a beleza de estrelas

presas no céu

soltas no mar

MARCAS por “o ruminante” / belém.pa


Procuro nos traço de meu semblante

Algo que me mostre novamente

Aquele que outrora um dia eu fui

Não falo simplesmente de lembranças

Mas de alguém que não consigo mais enxergar

No meu semblante vejo as marcas

Marcas que o meu passado deixou

Mas não consigo ver o meu passado

Vejo rugas impiedosas traçadas por toda parte

Avisto o prateado tom de cabelos descolorindo

Se não vejo meu passado em mim

Somente as marcas de quem fui um dia

Não sou mais eu quem está aqui

Por isso não me vejo mais em minhas marcas

Marcado eu fui para não saber mais quem sou

Que outras marcas o futuro me dará?

Será que nestas, afinal, me reconhecerei?

Caso outra vez não me veja

Não reagirei como no presente agi

As marcas da experiência me acalmarão

Porém, caso o futuro me seja um presente

Se as marcas me fizerem lembrar

Do semblante que hoje eu perdi

Mais marcado eu quero ser

Assim, eu jamais esquecerei quem eu sou.

MATADORES DE BORBOLETAS AZUIS de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

Não perdôo, não perdôo os soldados franceses

que colocaram suas línguas ferinas

nos canhões

e destruíram

a estátua eqüestre de Leonardo.

Argila mais bela desde Adão.

Destruíram

a escultura

que era das coisas mortas, a mais viva.

Porque não recolheram os fragmentos amorosamente

ate  a invenção do superbonder?

Os críticos que jogam ausências são filhos e netos destes soldados.

Não perdôo os fascistas, não perdôo

com  fuzis  atiram dentes de leopardo em  Lorca

e a multidão de poemas ainda em casulos

dentro dele

agora são mortalhas.

Matar um poeta é queimar livros antes da publicação.

Não perdôo, não perdôo o vândalo

que destroçou o rosto de Pasolini  como um vaso vermelho.

Dentro deste canopo tinha tantos filmes e poemas viscerais

que foram quebrados antes da descoberta.

Não perdôo Maiakovski, não perdôo,

teu sangue tem cheiro de poemas mortos.

Você também assassinou um poeta

com seu suicídio.

IF ? – de jb vidal / florianópolis

I glance at the Universe

expecting to feel it,

pulse together, be limitless, be complete

be it,

slowly, the image fades away

with no horizon, the retinae cannot remain focused

vision becomes heavy, eyes close, head over heels,

I spin inside myself

sweat rivers of salt,

feel and do not feel,

see everything and nothing

poorest, I  am  great,

great, I am my own Cosmos

look at indeed, look at myself

infinite seconds abducted me

react, return not!

misery not, war not,

starvation not,  plague not,

love not, hate not,

live not, die not,

conscience not!

life, life indeed

If I am, and I do not know where I am

I am what I do not know, where I am not in

==

SE?


lanço um olhar ao cosmos

na expectativa de senti-lo,

pulsar junto, ser infinito, ser todo,

sê-lo,

lentamente a imagem se reduz,

sem horizonte, as retinas não suportam fixar

o olhar se cansa, os olhos se fecham, a cabeça tomba,

giro dentro de mim

transpiro rios de sais,

sinto e não sinto,

vejo tudo e nada,

ínfimo, sou grande,

grande, sou meu próprio cosmos

olhar sim, olhar-me

segundos infinitos me abduziram

reajo, retornar não!

miséria não, guerra não,

fome não, peste não,

amor não, ódio não,

morrer não, consciência não!

vida, vida sim!

se sou e não sei onde sou,

sou o que não sei,  onde não estou

.

translation by joanna andrade

O POETA MANOEL DE ANDRADE é convidado para participar de encontro latinoamericano de literatura

CORRE, CORRE! de otto nul / palma sola.sc

Corre hora

Corre dia

Corre noite

Corre mês

Corre ano

Corre tempo

Corro eu

Corres tu

Aqui, acolá,

Para onde?

Corre João

Corre José

Corre a roda

Corre o carro

Corre a vida

Não adianta segurar

E vai que vai

Aos trancos

E barrancos

Nem quero chegar

SONHO DO SONO ETERNAL de laércio zaramela / são paulo

Me faça um afago na face
E afugente de mim o cansaço
Que insiste em permanecer.

Assim, nas areias molhadas
Das águas salgadas do mar
Eu sonho que adormeço
O sono eternal.

Se tenho a face cansada
Me faça um afago
E me ajude a dormir.

Assim, fielmente prometo
Sonhar o mais lindo dos sonhos
Que um dia eu possa ter
Com você.

QUANDO AS NUVENS FECHAM de jorge barbosa filho – curitiba


quando as nuvens fecham o céu

e meus olhos choram, são chuvas, sempre chuvas

onde você deitou, chorou e escorregou.

em meu peito molhado, ficando carregado

de tantos trovões, com teu amor.

quantos estouros, não sei porque!

queria um beijo que fosse sincero.

não um beijo, mais do que um beijo,

um beijo para ser eterno… e terno.

mesmo no inferno… e mesmo no inferno.

a tempestade do meu ser, acho,

deve te dar algum prazer…

algum prazer! uhunhuhn algum prazer!

o céu está cinza. pra quê tantas chuvas,

se admiro isto distante, distante,

e me molhar no meu amor num instante

apenas por um instante.

apenas por um instante.

os pingos das chuvas me dão o lazer

pra brincar com você, para ser o quer você ser…

o seu ser… as nuvens se fecham,

meus olhos se cerram e as nuvens se fecham

nunca mais verei as luas, as luas…

quando as nuvens se fecham,

e minhas pálprebas também…

ESPERO O VENTO de otto nul / palma sola.sc

Espero o vento

Que vem dos grotões

Ou de onde seja

Para me levar

Espero o vento

Ainda que tardio

Ou vagaroso

Para as distâncias

Espero o vento

Que me conduza

Aos cafundós do mundo

Espero o vento

Embora lento

Na asa de um catavento

VERÃO CAUDALOSO de tonicato miranda / curitiba


para Ticiano Jalos


faz tempo

o ar não andava tão pesado

meu passo não era tão marrom

o sol não era assim causticante

meu corpo não vertia água e som

.

faz tempo

o piano não me emocionava

tu não voltava-me um romance

o ano não era a grande promessa

nem eu era teu sorriso de relance

.

faz tempo

abacaxis não eram assim tão bons

frutas mais adoráveis que bombons

queria muito o gelo refrescando o corpo

adorei tanto as frutas e seus variados tons

.

faz tempo

não fazia calor demasiado assim

águas jorrando do céu em cachoeiras

enchentes no final de tarde, todo calendário

notícias assustando o dia se verdadeiras

.

é bom tempo

para amar até emagrecer a alma

beber bebida gelada, uma limonada

ligar ventilador ir pra baixo de um coqueiro

balançar na rede, balançar e mais nada

.

é bom tempo

para abrir um livro, ficar contigo

raspar a barba cortar todo o cabelo

caminhar no final da tarde e escurecer

teu sorriso guardar como um belo selo

.

é bom tempo

para desconfiar da dor dos homens

acreditar mais na mulher risonha

aquela capaz de te doar sorrisos

fazendo alegre tua cara antes tristonha

.

é bom tempo

para botar porta fora velhas cartas

iniciar um novo amor, ser todo passageiro

embarcar num transporte sem destino certo

ir a Ushuaia lá no sul, gastar todo Fevereiro

Oração pela santificação do sublime – de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

Senhor

das humildes e singelas

estátuas santificadas

que dão fé e milagres ao povo

concedamos pedir graças ao magnífico.

Oh! Virgem Maria sublime de Leonardo da Vinci.

Rogai por nós.

Sagrada Família de Rafael.

Rogai por nós.

Os Profetas de Aleijadinho.

Rogai por nós.

Oh! Cristo que veio do maculado

coração de Caravaggio.

Rogai por nós.

Auto-retrato de Frida Kalo que parece

dolorosa MARIA sem concepção.

Rogai por nós.

RUA 13 – de vera lucia kalaari / portugal

O beco é escuro…

Rua 13…Rua 13…

Bocas que sugam sangue

Olhos que choram sangue

Solidão e miséria.

É noite…

Sinto qu’é noite.

Não porque o sol s’escondesse

Não porque a sombra descesse

Mas porque no meu coração

O brado dessa miséria

Se fundiu, se faz sentir.

É a noite que nos arrasta.

Não é só a noite…

É noite. Uma noite espessa, sem paz.

Sem Deus, sem afagos,

Sem nacos de pão, sem nada.

Uma noite sem distâncias…

Apenas noite.

Mas por trás dos altos montes

A aurora vem surgindo.

Tudo o que à noite perdemos

O dia nos traz novamente.

Surgem  aves chilreantes

Badalar manso de sinos

Cantos suaves do mar.

No alto da Rua 13

Brilha tremendo uma luz.

É o sol…A esperança,

Que um dia aquela rua

De almas sem luz e sem sol

Também veja o alvorecer.

ON and OFF de joanna andrade /miami.usa

Ao sumir das vistas,

vestida  de vermelho a culpa,

em finos saltos altos,

laminosos,

precisos,

incisivos feito caninos,

disfarçada  nas covas dos sorrisos pre-ambulantes,

fugindo da dor e na dor se estendendo em comiseração,

arrasta a própria história em sangue.

Escapatória captiva do ser e seu fantasmagórico cenário

On and Off

OCASO – de eunice arruda / são paulo

Utópica Intuição (VI) – de joão batista do lago / são luis

Há um mundo lá fora…

Bem lá fora, bem distante

Onde aconchego minh’alma

Torturada

Amargurada

Angustiada…

É lá neste mundo que me acalmo

Que me encontro como ser

Que me o vejo jogado na minha prima casa:

Meu corpo

Leve e translúcido como o instante do nascer

E nesta minha casa

Tenho tantos e quantos compartimentos…

Mas onde gosto mesmo de ficar

É na soleira donde posso ver e auscultar

Todas as minhas dores compartimentadas

Todas minhas paixões… todos meus amores…

Todos pendurados no meu umbral

O OLHAR ME SORRIU de tonicato miranda / curitiba


para Ângela, perdida na minha infância

não, não me quero mais assim

cara de infeliz, com lenço e atchim

arranca de dentro a minha carranca

inverta-me a cara e a caveira branca

as bobas pernas em jeans ancoradas

precisam destravar, pedalar caminhos

a camiseta e os cabelos em desalinhos

braços e tronco precisam suar a camisa

construir utilidades, ao corpo dar trabalho

movimentar esta alma, espírito e músculos

mudar para rugosa a pele que jaz muito lisa

preciso me tirar daqui, do meio deste baralho

estou quase concha, fazendo meus moluscos

.

não, não me quero mais assim

preciso criar novas guerras, para isto vim

cinzas no capim e ali, nos verdes da mata

vejo na porta do olhar muita gente de lata

mais do que as nuvens de tempestade no céu

e sou o mais metálico, porém o rasgador do véu

único capaz de abduzir os dois coringas da carta

fazê-los bailar aqui, rindo à beça, bebendo à farta

e eles dançando-me, rodopiando o velho coração

e nossos pés riscam o chão, agulhas na emoção

teu sorriso passou aqui, na cantiga que embalava

te vi criança, e quando tu sorrias tudo se calava

já posso sentir e dizer que me quero bem assim

fecha a cortina já voltei para a vida, este é o fim

A VIDA de joanna andrade / miami.usa

é alegria e dor

é pobre e rica

é ódio e amor

é vazia e cheia

com altos e baixos

de todas as formas

A vida é o Espelho da Morte

sorriso e lágrimas

abraço e saudades

uma colagem

A vida é um suspiro delicado

de almas batidas e doces olhares

– na ponta dos dedos-

-no cheiro das flores-

-no canto das aves-

-num piscar de olhos-

ávida a grosso modo

curta e dura em poucos sentidos

UMA ETERNIDADE!

TELA de charles silva / florianópolis


o que é belo

na paisagem

é só a luz e um pincel suave

o mais precioso

vai na cor da sabotagem

o que é belo

na miragem

é o sabor com que se faz a nave

beijo milagroso

língua cama camuflagem

eu preciso saber

o que muda em todo porto

quando a onda pede bis

eu preciso saber

em que parte do teu corpo

minha boca é mais feliz

A SOBERANIA DO COPO de otto nul / palma sola.sc

Eis o copo

Em cima da mesa

Ali é seu pequeno

E insubstituível reino

Um copo compõe

Bem qualquer lugar

Mas notoriamente

Uma mesa

E independe da mesa

Seja pobre ou rica

Feia ou bonita

Bem ou mal ornamentada

O copo é uma coisa

Meio soberana

O copo é o senhor

Do espaço que ocupa

CHORO de joão batista do lago / são luis

Sonhei-te por toda noite
Vagando esmo entre pensares
Assimétricos, mas escorreitos,
Lânguidos como a tísica doença que
Empoeira os pulmões do mundo.
Oh! Os velhos sinais dos tempos meus,
Que de tão meus prostraram por terra
Os tempos teus vazados pelos poros
Salientes de nossos corpos, dormentes
Nas frias madrugadas curitibanas,
Vão-se longes e distantes da
Ausente presencialidade que
Torpedeia meus caminhares ilháticos nas
Sorumbáticas noites de versos sem poesia.
Meus cantos internos estão tristonhos,
Meus olhares fraternos cansados estão… E
Meus andares sobre os paralelepípedos
Tropeçam nas sarjetas de almas condenadas
Pelo escárnio do senhor de todos os senhores.
Entre todos, São Luis – maior dos ilhéus –, já é morta!
Agora condenada à presencialidade das misérias,
Frutos condecorados no Palácio dos Leões,
Reverbera no caldo da diversidade
Toda cultura da maranhensidade
Prostrada no verbo que não rima um sujeito, mas
Constrói indivíduos que perambulam pela cidade,
Outrora versos praguejados nas cachaças dos abrigos…
Os bondes levaram todos para a eternidade.
Quanto a mim resta-me o choro de todas as saudades!

FOTOPOEMA 146 – de rudi bodanese / florianópolis

O cachorro doido e o dono que perdeu a loucura – de tonicato miranda / curitiba


Este é aquele antigo Mário

Estava antes preso no armário

Vai agora se soltando da casca

Cigarra cantadeira em desatino

Garras fincadas no ipê amarelo

Colore todo cerrado planaltino

Poeta de traço invejado

Arquiteto de perspectivas tais

Um Dalí com o grafite na mão

Corpo do Adônis do Michelangelo

Das coleguinhas arrancando ais

Cabelos de querubim quase anjo

Com calças pijama e cordames

Soltos pelos joelhos se arrastando

Projetava concretos e muitos arames

Surpreendia professores e distraídos

Deitava a prancha no chão e traçava

Catapultas romanas de tempos idos

Tinha um cachorro louro como ele

Corredor de corridas de trinta metros

Dizem bebiam cachaça juntos por aí

Será algum dia tomaram muito álcool

Por vezes sentavam-se no gramado

Juntos bebiam as cores do pôr-do-sol

Ele com uma haste de alpiste à boca

O cachorro mastigando relógios de Dalí

Os dois ali, ao alcance do meu olhar

E nem tinha à frente um mar assim

Era puro delírio, a juventude exposta

A alma deitada, afagos de grama e do capim

Mário saiu do armário derramou o leite

Por vezes voltava ao Piauí, outras a Deus

Mas sempre brincava com seus diabos

De repente sumiu na roda da fortuna

Virou barnabé, esquecendo da sua arte

Matou-a esquartejada, ela virou aluna

Ë bom estar ele malucando por aqui

Entre Valquírias, Marildas e Zuleides

Junto ao nosso maestro dono da whiskeria

Índio bravo que volta para apenas sentar

Comigo e o Manoel, nas cadeiras a balançar

Venha à varanda beber ou simplesmente calar

DE CARA CHEIA de osvaldo wronski / curitiba

Hoje acordei de bem com a vida

de fato foi o efeito da bebida

minha  velha amiga saideira

Cúmplice  a ressaca

fazendo  mais uma vítima

em legítima defesa

Tomado de cólera

arregaço as mangas da casaca

e levanto mais uma taça

Meta fora esta metáfora

melhor viver a vida

a cadáver  tida

Logo a vida toma outro rumo

sigo no sentido da seta

atingir  além da meta

Depois que desmamei

nunca mais achei um peito seguro

pra me liquidar

Vamos ao boteco

em estado  anônimo completo

beber até dar um treco

De virada tomo outro tanto

existem  varias formas

de enxugar o pranto

FLOR DO VENTO de otto nul / palma sola.sc

Colho a flor

E o vento

Numa paisagem

De desalento

No espaço

Em que mora

A flor do ar

Inusitada

A flor do nada

Sob a aurora

Todo o esplendor

Que súbito aflora

A flor do mar

Na fanada hora

MAS COMO? de rosa DeSouza / florianópolis


Quantos olham riachos pensando em mar.

Caminhantes de pedras ásperas, grãos de areia.

Cama turbulenta de jasmim… alergia.

A invejavam tanto. Se inspiravam romanceando.

Mas como? Que mais queria?

Aquilo que fazem no casebre pintado de branco.

Soleira ensolarada de flores silvestres, aquecendo o pé.

Degrau que eleva o chão a um finito sem fim.

Cama perfumada de rosmaninho.

A questão não é ser ou ter, mas dar.

Não há barcos no horizonte. O mar murchou.

Chuva no cimento. Terra inundada de sede.

POEMA PARA O ANO NOVO de philomena gebran / curitiba

E por que…

Ainda há flores

Desabrochando no campo

Ainda há cores

Ardentes no sol poente

Ainda há luas de

Fogo, crescentes

Ainda há crianças

Sorrindo ingenuamente

É que tentamos esquecer

A lama a podridão

A impunidade

Vigentes

As catástrofes nacionais

E internacionais

A crise rolando universal,

A violência global.

Ousando pensar que

Cada Novo Ano

Ainda conseguimos

Mais uma vez

Abrir o coração

Acordar a esperança

E sonhar

Um mundo melhor

Para todos nós

E para a humanidade em geral.

Cansado de Viagens – de tonicato miranda / curitiba


para /Marilda Confortin

o ônibus, o caminhão, a estrada, a paisagem

Milton Santos na minha mão

a fazenda e verdes no meu olhar

nos ouvidos “Round Midnight” e um pistão

Chet Baker vai viajando-me os sentidos

morros e mais morros lá longe, na Terra

a paisagem de uma estradinha campesina

não a da Marilda, mas uma estrada de terra

verdes vão pontilhando meu olhar

um acordeon e argentinos nos ouvidos a castelhanear

mas o rio na minha visão é inteiramente brasileiro

verdes de doer a retina vêm se entregar

quais personagens me habitam?

para onde viajo tanto

singrando a pele do planeta

pra quê? se basta-me um só canto

qualquer dia desses salto no meio do caminho

e vou, como um boi indolente, tal uma rês

com saudades de todos vocês

mas vou, mas vou, e vou…

Tonicato Miranda

Interior de São Paulo

20/10/2009.

WORKSONG de jorge barbosa filho / curitiba


sempre admiro o meu trabalho

o meu sangue e meu suor

para fazer o melhor que posso

e cantar uma worksong.

depois de trabalhar em navios,

algodoais, ou estradas de ferro de mentirinhas.

meus braços suportam,

mas meus olhos baços, não.

quando fui teu escravo

fiz canções para te abarcar

e te abraçar de uma vez.

mas nunca tive vez.

fique sabendo que teu inimigo

é cara do teu espelho!

lamento, me dá um medo…

queria você bem, muito bem,

pra cantar junto comigo

dentro do infinito!

enquanto isto, eu trabalho

posso fazer um atrapalho

em nome de nosso amor.

mas vou cantando,

em nome, em nome não sei do quê!

meu deus…  se existe deus!

a pior coisa do amor

é levar teus pelos, teus cheiros

teus olhos, tua pele, juntos.

assim eu fico perto, de ti.

enquanto canto, canto.

e vou trabalhando.

UM POUCO DE SILÊNCIO de lya luft / porto alegre


Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho,
gostar de sossego é uma excentricidade.

Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar,
ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos
uma infinidade de obrigações.

Muitas desnecessárias, outras impossíveis, algumas
que não combinam conosco nem nos interessam.

Não há perdão nem anistia para os que ficam de fora
da ciranda: os que não se submetem mas questionam,
os que pagam o preço de sua relativa autonomia,
os que não se deixam escravizar, pelo menos sem
alguma resistência.

O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado.

É indispensável circular, estar enturmado.

Quem não corre com a manada praticamente nem existe,
se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho.

Acuados pelo relógio, pelos compromissos, pela opinião
alheia, disparamos sem rumo – ou em trilhas determinadas
feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.

Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença.

Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo, ameaça
quem leva um susto cada vez que examina sua alma.

Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de que
não se arrumou ninguém – como se amizade ou amor se
‘arrumasse’ em loja.

Com relação a homem pode até ser libertário: enfim só,
ninguém pendurado nele controlando, cobrando, chateando.

Enfim, livre!

Mulher, não. Se está só, em nossa mente preconceituosa
é sempre porque está abandonada: ninguém a quer
.

Além do desgosto pela solidão, temos horror à quietude.

Logo pensamos em depressão: quem sabe terapia
e antidepressivo?

Criança que não brinca ou salta nem participa de
atividades frenéticas está com algum problema.

O silêncio nos assusta por retumbar no vazio dentro de nós.

Quando nada se move nem faz barulho, notamos as frestas
pelas quais nos espiam coisas incômodas e mal resolvidas,
ou se enxerga outro ângulo de nós mesmos.

Nos damos conta de que não somos apenas figurinhas
atarantadas correndo entre casa, trabalho e bar,
praia ou campo.

Existe em nós, geralmente nem percebido e nada valorizado,
algo além desse que paga contas, transa, ganha dinheiro,
e come, envelhece, e um dia (mas isso é só para os outros!)
vai morrer.

Quem é esse que afinal sou eu?

Quais seus desejos e medos, seus projetos e sonhos?

No susto que essa idéia provoca, queremos ruído, ruídos.

Chegamos em casa e ligamos a televisão antes
de largar a bolsa ou pasta.

Não é para assistir a um programa: é pela distração.

Mas, se a gente aprende a gostar um pouco de sossego,
descobre – em si e no outro – regiões nem imaginadas,
questões fascinantes e não necessariamente ruins.

Nunca esqueci a experiência de quando alguém botou
a mão no meu ombro de criança e disse:
– Fica quietinha, um momento só, escuta a chuva chegando.

E ela chegou: intensa e lenta, tornando tudo singularmente novo.

A quietude pode ser como essa chuva: nela a gente se refaz
para voltar mais inteiro ao convívio, às tantas frases,
às tarefas, aos amores.

Então, por favor, me dêem isso: um pouco de silêncio bom
para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas lajes,
e tudo o que fala muito além das palavras de todos os textos
e da música de todos os sentimentos.

Silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo
à tona sabe Deus que desconserto nosso.

Com medo de ver quem – ou o que – somos, adia-se
o defrontamento com nossa alma sem máscaras.

Boa Semana, em silêncio sim, por quê não?

REVEILLON de charles silva / florianópolis


qual o artifício desse fogo

o céu já tá queimando

fiz até comício pro teu jogo

fui me declarando

não vou ficar na sacada

ligando as acrobacias

foi muita noite virada

um ano de euforia

vem cá

tatua teu batom

me pega pelo flanco

me dá teu reveillon

me tira desse branco

vem cá

qual é tua opção

o nome do teu santo

me mostra a região

me dá teu entretanto

O HAICAI E SEUS AFLUENTES – por edu hoffmann / curitiba

Haicai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta com muitos praticantes e estudiosos brasileiros. No Japão, e na maioria dos países do mundo, é conhecido como haiku.

Segundo Harold G .Henderson, em Haiku in English, o haikai clássico japonês obedece a quarto regras:

– Consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas.

– Contém alguma referência à natureza (diferente da natureza humana).

– Refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização).

– Apresenta tal evento como “ocorrendo agora”, e não no passado.

O grande mestre desta arte é Matsuo bashô (1644-1694). Ex-samurai, monge praticante do Zen e estudioso das escritas clássicas chinesas e japonesas, dedicou sua vida ao seu aperfeiçoamento espiritual e à escrita. Observações da natureza, impessoalidade, rapidez, síntese e transcendência deram um toque zen a esta forma de poesia.

No Brasil foram feitas algumas traduções de Bashô; no entanto, como o idioma japonês é feito de ideograma, a tradução literal torna-se impossível. Mas a beleza permanece:

“Velha lagoa

o sapo salta

o som da água”

.

“Primavera não nos deixe

pássaros choram lágrimas

no olho do peixe”

(Tradução de Paulo Leminski – Ed.Brasiliense –  Matsuo Bashô – A Lágrima do Peixe – 1983 – Coleção Encantos Radicais )

“A nuvem atenua

o cansaço das pessoas

olharem a lua”

.

“Em cima da neve

o corvo esta manhã

pousou bem de leve”

(Tradução de Millôr Fernandes – Ed.L&PM Pocket – Kai-Kais – 1997)

Quando o haicai começou a ser feito no Brasil, ele tropicalizou-se. A primeira mudança visível foi a rima, não pratica originalmente. Isso já deu um jeitinho mais brasileiro ao poema. E também deixou de existir a necessidade do haikai tratar de observações da natureza e da impessoalidade.

O cartunista Solda cometeu esse haicai que considero genial:

Faltou assunto

fiquei a sós

com o defunto

Millôr Fernandes saiu com esse:

O que me adiantaria

comer Maria

se ninguém saberia ?

No meu livro “Bambus”, bashô o santo em mim:

Blues morcego blues

diabo botando letra

na melodia de Deus

O Baianárabe Waly Salomão criou:

saudade

é uma palavra

o sol da idade

e o sal das lágrimas

Gostei tanto da brincadeira de rebuscar os haicais, que tive a curiosidade de verificar o que tenho em casa de livros de poetas “haikaistas” brasileiros. Verifiquei que, ao tropicalizarmos o zen, brotaram uns haikais bastardinhos bem zenvergonhas, porém deliciosos! Dos livros que tenho, peguei dois poemas de cada. Mergulhe !

Ricardo Silvestrin:

Oswald

pôs o pau

Brasil pra fora

Porta de escola

eu sentado

dentro de mim

Jaques Brand

Muro caiado

Ah meu amor de olvido!

Muro caído

Ah meu amor de enfado!

.

um tigre

dois cisnes

três signos

Edu Hoffmann

memória rã

meu micro

sóft!

.

na lagoa

poeta nua

no moon

da lua

Alice Ruiz

o ai

quando o filho

c

a

i

.

que viagem

ficar aqui

parada

Paulo Leminski

isso aqui

acaso

é lugar

para jogar sombras?

.

coração

pra cima

escrito em baixo

frágil!

.

Mario Flecha

pela manhã

o quarto desarrumado

ainda o sonho das filhas

.

inverno

naquela manhã

eu e vovô

enterramos meu cachorro

.

João Ângelo Salvadori

tudo parece pouco

mal o dia amanhece

quero outro

.

olhos cheios de mar

me estico na cama

e fico boiando

.

Mário Prata

a lua no cio

os elefantes caminham

na beira do rio

.

lençol vermelho

lua branca

no travesseiro

.

Hekena Kolody

persigo um pássaro

e alcanço apenas no muro

a sombra de um vôo

.

de grinalda branca

toda vestida de luar

a pereira sonha

.

Solda

Bashô, Busson e Issa

o resto

é pra encher lingüiça

.

Bashô, meu pai

conceda-me

apenas um haikai

.

Thadeu Wojciechowski

pra pai

até que levo jeito

pra mãe

não tive peito

.

a canção que soa

tem o coração do vento

que me sopra à toa

.

Sérgio Rubens Sosséla

uma andorinha

s o l

faz verão !

.

a esperança

de você viver comigo

dourou um dia inteiro

.

Jack Kerouac

eu, meu fumo

minhas pernas dobradas

.

pra lá de Buda

tem nada lá

só porquê

eu não quero

.

Edu Hoffmann, natural de Jacarezinho-PR. Poeta e jornalista, radicado em Curitiba desde 1974. Autor dos livros Trens, Rasantes, Sete Quedas da Paixão e Bambus.

AUSÊNCIA de joanna andrade / miami.usa

LATE A TEORIA DO CAOS

-OS SENTIDOS FERIDOS  GRITAM MAIS

EQUAÇOES CONSTANTES MINIMAS E CALCULOS VENAIS

-INCONSEQUENCIAS DESMEDIDAS DE UM INERTE QUALQUER.

OLHA A FLOR COMO QUEM NAO QUER VER

– ORQUESTRA AS NOTAS EM UM BANCO DE SANGUE ONDE CHORA A CRIANÇA SEM MAE PELA BALA PERDIDA

NESSA DINAMICA ATÉ O PEIXE PULOU FORA D’AGUA FRIA

-COMO PODEREI VIVER SEM A TUA COMPANHIA ?

(SIC)…LINEARIDADE  DESFIGURADA DENTRO DE UM CONJUNTO DIALOGICO, POIS ENTRE AS FALAS TODAS NAO HOUVE NINGUEM……….

REMISSÃO de josé dagostim / criciuma.sc


Lá,
onde nasce o rio,
alimenta um instante,
transborda em movimento e
alcança o minuto vazado de uma melodia acolhedora.

Livre,
sobrevoa tangendo o encontro de uma vida.
Vida de eternidade,
De lance e
Toque.

Mel.

Canto do Prazer Medonho – de tonicato miranda / curitiba


(para Zuleika dos Reis)

Ai! Baladas da noite

sonatas da tarde, manhãs luminosas

são variações do dia para quem já amou

Como custa passar o que nunca passou

Ah!!! Mas e as viagens além-mar

além fronteiras de mim?

nos mares da minha vizinhança

onde as viagens ali tão perto?

ao mar do Passeio Público

ao meu Éden predileto

.

Ah!!! Quanta falta me faz

um perigo formidável

o peso de cruzes no olhar

postes de luz soltos no céu

sobre oceanos de soja

verdes girando num carrossel

.

Ah!!! Quanta falta me faz

um perigo formidável

o pássaro sobre-mirando

o vôo antes do salto

.

e eu por trás de uma pedra

medrando este mesmo salto

Ah!!! Quanta falta me faz

um perigo formidável

uma louca sobre mim

à porta de um funeral

sem aviso e com porradas

a surpresa causando mal

.

Ah!!! Quanta falta me faz

um perigo formidável

roubar uma fotografia

com um clic surpresa

depois comê-la com sal

com os talheres da mesa

.

Ah!!! Essas malvas na sacada

tão rosas e empertigadas

balançando ventos e perfumes

meu olhar na haste que farfalha

a elas nada interessa além-vidraça

meu eu, nem tampouco De Falla

.

Ontem era ela e a navalha

perigosamente no meu rosto

à mercê de seus dedos e desejos

o corpo emudeceu a voz, a gritaria

fui passear em areias e oásis

muito além da sua barbearia

.

Ai!!! Essas malvas no tapete

tão rosas e carinhosas

emoldurando as pernas

a voz que para ouvir se cala

todos reunidos em três abraços

dois deles a mim, um a De Falla

.

Hoje ela veio com ar fatal

na pochete só um chiclete

além de todo o trivial

uma sobrancelha maquiável

mas no ventre e no olhar trouxe

o sorriso do perigo formidável

.

CWB, 23/02/1989

Retrabalhado em 26/08/2009

TM

NATAL, UMA LIÇÃO DE HISTÓRIA – rosa DeSouza / portugal/florianópolis


O que é o natal?

Lembrança sideral?

Desde a pré-história

povos celebram

da natureza a glória.

Solstício,

sol bem longe do Equador,

fazia duvidar

do tempo benfeitor.

Uma árvore era queimada,

imolada

a algo superior:

Ser que cuidava da agricultura,

fertilidade, sobrevivência,

da arte e da ciência.

Com uma crença tão arraigada,

o Nascimento foi adaptado

ao que não podia ser mudado.

Numa doutrina bem engendrada,

aliou-se o pagão ao sagrado.

Um pinheiro cheio de luz

apagou o clarão da Verdade.

O Bardo morreu,

papai noel nasceu.

A ficção usurpou a realidade.

O consumo destruiu

a mística e a caridade.

Também…

desde a pré-história,

essa que nem temos memória,

a cada ciclo,

grandes Mestres

abrem o Portal,

e, de um modo real e visual,

ajudam, com a luz que deles emana,

o homem a ser mais racional,

a si mesmo leal,

expandindo a consciência humana.

Entre eles veio Manu,

Zoroastro, Buda e Maomé.

Visnu,

Moisés e Lau Tsé.

Na nossa cultura celebramos

Jesus de Nazaré.

Também…

desde a pré-história,

existe uma crença.

Quiçá real – ou ilusória?

De que o símbolo da mirra, incenso e ouro

marcam o vínculo

da potência e do tesouro

de uma esperança infinita,

pelos deuses descrita,

no humano currículo.

Porém, continuamos a teimar,

que a lei da atração

é mais importante do que a da sintonia.

A ciência esmiuça a mística,

mas o homem só quer ganhar,

continuando a tirania

sem logística,

sem responsabilidade,

procurando a quem culpar.

Aos deuses pede a  paz

que teima

em não querer resgatar.

Deliberadamente pequeno,

todos os Mestres contradizendo

o ser humano continua sofrendo.

Odiando em vez de amar,

Desvia suas decisões

para igreja ou tribunal,

transformando o natal

em coloridas superstições

e num vulgar arraial.

Amor e Paz

não é desejo de um só dia,

nem utópica filosofia,

mas um ideal ancestral.

Lutemos

para que todos os momentos

sejam muito mais

do que um simples natal.

MARILDA CONFORTIN convida para tres noites de poesia e música / curitiba

RECADO À MULHER AMADA de manoel de andrade / curitiba

Eu te juro, amor meu

que eu amava o canto das cigarras em dezembro,

o aroma dos bosques e da chuva,

mas o tempo, como uma lança,

fez sangrar minha ternura

e era preciso devolver os golpes cara a cara.

Era preciso partir

e inaugurar a vida novamente.

.

Era preciso partir

eu te asseguro.

Partir de busca em busca até morrer.

Agora…, eis-me  aqui,

entre a poesia e um estandarte;

e contudo, desde o primeiro dia,

tu conheceste esse pedaço de minh’alma.

Tu sabias do meu despojamento

e da minha esperança;

sabias das minhas navegações

e que eu vinha com uma infância de barcos e marinheiros.

.

Sim… é verdade…

por algum tempo tu me fizeste ancorar por tanto amor,

mas eu sempre fui um habitante do vento e da distância

e somente te pude amar com um coração feito caminhos.

Ai amada…

eu nunca aprenderei a regressar…

a vida me ensinou a partir sempre

e a dizer adeus ao que amei.

Meu próprio canto é uma despedida…

é sempre um passo a mais para o combate.

Talvez eu volte quando comece a florescer a rubra messe

quando sentir que cessaram os tambores

e que regresso entre os sulcos de uma aurora.

.

Mas agora… amor

eu sou a voz e o sangue de um guerreiro

e bem quisera incendiar-te com esse sol que trago dentro.

Eu bem quisera

e já quis tanto

que além desta ternura

e da espera,

fosses também a companheira do meu sonho

e uma península do meu punho

e do meu canto.

Cali, setembro de 1970

Do livro POEMAS PARA A LIBERDADE, Editora Escrituras, 2009

DESCONTRUÇÃO de lucas paolo / são paulo


Se eu pensasse hoje

No eu ia feijão

De anteontem tristeza

.

Saudades faixas à mesa

Do não outrora talvez

Minhas tuas pernas contorcidas

.

Ensimesmados olhos teus

Do eterno de quando em quando

Meu remorso esbugalhado

.

Desvirginados cancros

Do chão de nossa torre

Hemoptise de meu marfim

*  *  *

Acultura São Paulo!

De teus ontem bois de agora

À sarjeta: nosso epitáfio

OTTO NUL e sua poesia / palma sola.sc

A LADEIRA

Quando desço a ladeira

Quando a subo

São dois momentos

Que parecem iguais;

É que tanto na descida

Quanto na subida

Há um componente

De significativa beleza;

Há umas árvores

E pássaros na ladeira;

Dir-se-á que isso

Há em toda parte;

Na ladeira, porém,

É diferente – árvores

E pássaros têm

O feitiço da ladeira.


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PREMONIÇÃO

Apanha no ar

Ainda fresca

A idéia luminosa

A sombra indefinida

O resto que sobrou

Ao dia que se foi

A alegria que findou

A tristeza que ficou

A palavra consoladora

Com que se empolgou

A paixão que desvaneceu

Na tarde que esmoreceu

Uma leve premonição

Que tolda o coração

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ERA UMA RUA

Era uma rua

Não tinha nada

Minha amada

Nela morava

Era uma rua

Que dava medo

Que assombrava

Como um degredo

Era uma rua

De pouca luz

Sem quase gente

Com uma cruz

Era uma rua

Sem muita paisagem

Tão sossegada

Parecendo miragem

Era uma rua

Onde te conheci

Em certo tempo

Ali nasci

Era uma rua

De muita flor

Nela se vivia

Com paz e amor

RUDI BODANESE e DRUMMOND DE ANDRADE, fotopoema 143 / florianópolis

RUDI BODANESE - poema&foto143

TONICATO MIRANDA e seus poemas / curitiba

TONICATO MIRANDA - Barquejanto

 

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A Voz da Rã

 

Começo o ano com Janis Joplin

começo o ano com saudades minhas

e da goela dela reverberando no meu peito

nos botões da camisa, nas pregas das linhas

fechando-me o sangue nas veias do coração

 

“Summertime” não é deste mundo

uma lápide de mármore dura e branca

Janis quase não canta, quase se encanta

Negra voz sibilante, em breve castidade

Sussurro rouco, bafejando-nos sua imortalidade

 

Mas todos os sobreviventes

ainda estão por aqui

querendo se despregar da cruz

morrendo no dia-a-dia, na ponta das espadas de luz

sob o sol que teima em furar o cerco das nuvens

 

Os sobreviventes são bandos de mentirosos

Calem-se, calem-se, façam-se mudos

nada mais quero ouvir além da canção

quero da voz de Janis, a sua benção

quero ouvir os porões da minha mente

 

“Summertime” don’t me “cry”

“Summertime” o amor chora-me um ai

porque o amor é uma forma de sofrimento

o corpo perdendo o movimento

quando toda a máscara arrancada da cara, cai

 

“Summertime” escorre em meu peito um verão de saudades

e já não me reconheço no turbilhão de fatos, anos depois

não sou eu chorando por meu passado, mas o retrato do que fui

e fujo como sapo ligeiro, nos charcos dos campos de arroz

fujo da rã cantora agonizando-me a dúvida da sobrevivência

 

“Summertime”

Ahhh! Por que já não me reconheço?

Onde enterrei meu passado?

Ahhh!! Janis!! Ahhh! Janis Jasmim!

Quantas ausências sinto dentro de mim!

 

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O Bicho da Goiaba

às poetas das noites Curitibanas, anos 80

 

Ela quer arrancar do meu coração

as angústias que pastam nos meus relvados

ao calar e sumir serra abaixo, pras bandas de Morretes

no rumo dos rios pedregosos e encachoeirados

 

Ela não sabe dessa dor que rói

traça que depois de mariposa

mastiga as madeiras e até os próprios dentes

comendo a si mesma antes de ser esposa

 

Ela não sabe que as cigarras passam

cinco anos debaixo da terra, raízes a comer

até que brotando do chão cantam e chamam

os companheiros para fornicar e logo morrer

 

Ela não sabe que estou pronto para a morte

mas queria ao menos me deleitar no malho

roupas arrancadas aos urros e nos sussurros

ser o rei, a besta, o coringa, todo o baralho

 

Não sabe ela que estou pronto para o jantar

e não mais importa quem vai comer ou beber quem

se minha boca vai comer ou beber a comida

serve também que ela mesma seja a comida

 

Não sabe ela que comprei um vinho especial

para esta particular folia fora de época, meu carnaval

onde sou o Rei Momo, o Arlequim, o passista

vinho amoroso, para saciar meu lado menos animal

 

Não sabe ela que morro de saudades dela e de mim

eu, tão idiota, que não sei de morros e de morretes

de estradas lamacentas, de marimbondos e goiabas

ela tão airosa, alucinando minhas pontas e aríetes

SINAL DE ETERNO de otto nul / palma sola.sc

 

 

 

Entro no bar sem

Cogitar de eterno

Antes olhei à direita

E à esquerda

Na leve suposição

De encontrá-lo

De um lado uma rua

Infinitamente longa

De outro, o céu

Sem nuvem

Ali, sim, havia

Todos os motivos

Para que, enfim,

O eterno se mostrasse

Um sabiá trinou

Numa árvore

De um certo modo

Era uma canção eterna

Aqui e ali despontava

Algo pretensamente eterno

Mas no fundo de tudo

Havia um sinal de eterno

 

MÁXIMA FORÇA de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

O sonho e a força máxima.

O sonho é o deus infantil escondido atrás

do racional.

O sonho tece tratores

monta fábricas, compõe andaimes.

O sonho abre um shopping.

O sonho não é ingênuo.

O sonho rouba.

O sonho depreda.

O sonho angustia.

O sonho frusta.

O sonho quer ser eleito.

O sonho quer conhecer a África.

O sonho quer vender a cura de doenças.

O sonho planta quatro mil alqueires

de soja todo o ano.

O sonho quer escravos.

O sonho mata e desmata.

O sonho gerou esta era de desperdício.

O sonho é predador de outros sonhos.

O sonho quer mais.

O sonho mistura, aumenta, encolhe,

cães, gatos, bois e cavalos.

O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.

O sonho.

 

 

O PÁSSARO BRANCO de vera lúcia kalahari / portugal


Um pássaro de asas brancas, desdobradas,

Anda a dançar na praia…

Há o rumor de ondas desgrenhadas,

Há espuma fervente e fria

E silêncio de ventos que não existem.

O barco da minha vida

Caravela d’esperança

Naufragou naquela praia,

Sem mar, só com o cantar doce, amargurado,

Do meu pranto.

Esse pássaro que nasceu comigo

Não mora numa gaiola,

Não nasceu nos verdes bosques,

Não é um pássaro de penas.

É um pássaro que canta

Nas longas noites sem luz,

Um canto de risos e prantos,

Um pássaro que agarrei

Com mãos trémulas de criança

E d’esperança.

Larguei para que voasse

E cantasse

Em todas as almas,

Fizesse nelas brotar flores,

Estrelas e amores.

O meu pássaro branco…

Branco como nuvens esvoaçantes,

Como um pássaro tecido de fios de luar…

Fugiu das minhas mãos trémulas de criança

Que se fechavam

E procuravam encurralá-lo

Em qualquer ninho de amor.

É agora um pássaro triste e desolado…

Um pássaro vagabundo

Açoitado por um vento furioso

Que o assusta e o arrasta p’ra solidão.

Um pássaro de asas murchas,

Roxas como lírios macerados,

Como um céu esfarrapado

Sem estrelas, sem luar.

Não houve ninhos que o abrigassem

Nem mãos trémulas d’esperança que o agarrassem.

De nada serviram meus prantos e minhas dores…

O meu pássaro branco, alvo como nuvens esvoaçantes,

Dança na praia que não existe,

A praia da solidão,

Ferido de dor e de morte,

Curvando as asas brancas

Que não são brancas,

Largando às ondas e aos ventos, as suas penas.

MINHA POESIA de julio saraiva / são paulo


minha poesia não foi educada

na escola de bilac

e nunca será convidada para o chá

dos imortais da academia brasileira de letras

minha poesia anda descalça pelas ruas

do centro velho de são paulo

nenhum tradutor francês perderá seu tempo

debruçado sobre ela

nem será lembrada nos saraus familiares

não a dirão nas escolas

nos dias de festas cívicas depois que a

bandeira nacional onde se lê Ordem e Progresso

for hasteada por uma menina loura

minha poesia sai todos os dias

muito cedo da favela de heliópolis

pega ônibus lotado

desce pela porta da frente sem pagar a passagem

e vai vender balas no cruzamento da brasil com

[a rebouças

 

minha poesia é aquela mulher despudorada

que se oferece a qualquer um sem cerimônia

se bobear assalta e é capaz até de matar

minha poesia se alimenta do lixo das palavras

podres proibidas que não cabem na boca

das pessoas de bem e por isso deve ser execrada

de todas as antologias e condenada a trinta anos

[de silêncio

ONDE – de jb vidal / florianópolis

percorro trilhas transpassadas por outras

segues comigo por onde não há sinais

.

sigo sem dor e corro

.

não vens

vacilas e cais

.

esperar-te é não querer

.

temo o veneno do vinho

bebo-o

a mente se abre e explode

.

o instinto é rota

que sigo e não sei

.

sinto-me só, não penso, apenas avanço

o escuro da floresta é o manto protetor

percorro caminhos feitos a noite

.

escravo da decisão

busco o lugar onde deveria estar

na tua desistência, encontrei fôrças

.

há dúvidas que eu chegue

mas haverá trilhas para ti

POJO de joanna andrade / miami.usa

Hipócritas horas extras

Quando o amor beija a boca como nada

Num sorriso podre em face seca deformada ao chão

Corre um fio de baba gorda

– Ao longe, uma lagrima de dor.

FINGIR de rosa DeSouza / portugal / florianópolis


 

Se o poeta é um fingidor,
e finge tão completamente
que chega a fingir ser amor,
o amor que deveras sente…

(desculpas a Fernando Pessoa)

me pergunto, porque nunca consegui…
fingir o que hoje senti.

Se seu ser o sangue me revolve,
como poderei fingir que se dissolve?

Se seu olhar me invade,
como poderei mostrar imunidade?

Se por ele sinto o amor mais profundo,
como poderei criar verso mudo?

Se por ele poderia morrer,
como sem ele poderei viver?

AMIGO – de pablo neruda / chile


  1. Amigo, toma para ti o que quiseres,
    passeia o teu olhar pelos meus recantos,
    e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
    com suas brancas avenidas e canções.

  2. Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
    este inútil e velho desejo de vencer.

    Bebe do meu cântaro se tens sede.

    Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
    este desejo de que todas as roseiras
    me pertençam.

    Amigo,
    se tens fome come do meu pão.

  3. Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
    que sem olhares verás na minha casa vazia:
    tudo isto que sobe pelo muros direitos
    – como o meu coração – sempre buscando altura.

    Sorris-te – amigo. Que importa! Ninguém sabe
    entregar nas mãos o que se esconde dentro,
    mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
    e toda eu ta dou… Menos aquela lembrança…

    … Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
    é uma rosa branca que se abre em silêncio…

Pablo Neruda, in “Crepusculário”
Tradução de Rui Lage