Arquivos Diários: 16 novembro, 2009

PROFESSOR CORUJA – por barbosa lessa / porto alegre

De família bastante pobre, Antônio Álvares Pereira nasceu em Porto Alegre em 1806. Seus pais conseguiram matriculá-lo na escolinha do Padre Tomé – onde os alunos costumavam ganhar um apelido que os diferenciasse dos não-estudantes – e lá chegou o guri, para a primeira aula, vestindo uma casaquinha marrom muito feia, quase horripilante. Estava pedindo para ser chamado de “Coruja”. E assim ganhou um nome que perdurou não só durante o curso, mas para o resto da vida.

Por trás da casaquinha marrom, porém, batia um coração muito forte e, sob a firme orientação do Padre Tomé, o menino foi desenvolvendo uma inteligência incomum. E, ao despedir-se da escola, já decidira: iria ingressar na carreira de professor.

Por essa época, na Corte do Rio de Janeiro, vinha sendo adotado, como novo sistema de ensino, um revolucionário método de Lancaster – destinado a solucionar o problema da escassez de professores. Se, pelo sistema tradicional, o mestre precisava dar atenção individual a cada aluno – atendendo, vamos supor, a uns dez guris – pela nova fórmula ele se fazia assessorar por alguns de seus melhores alunos, então nomeados “decuriões”, e essa prática de ensino mútuo já permitia que se atendessem, vamos supor, a uns quarenta guris. Que genial solução!

Para tirar a limpo se esse tal de “ensino mútuo” realmente funcionava bem, lá se foi para a Corte o jovem Pereira Coruja. E voltou para Porto Alegre aos 21 anos de idade, em 1827, alardeado seu diploma de professor régio. Abriu sua escola, aqui pioneira no método Lancaster, e foi em frente.

A par do magistério, Pereira Coruja passou a desempenhar atividades complementares que logo o projetaram na sociedade sul-riograndense. Em 1831, redator do jornal “Compilador de Porto Alegre”. Pouco depois, lançava seu primeiro livro didático, de ampla repercussão: “Compêndio de Gramática da Língua Nacional”. Em 1835, eleito deputado à Assembléia Provincial. Não escondia sua simpatia para com a grei dos farroupilhas e, em 1836, por ocasião da reação legalista, teve o castigo de ser um dos deputados deportados para a Corte do Rio de Janeiro.

Privado de realizar seus sonhos no Rio Grande do Sul realizou-os, porém, no Rio de Janeiro, com uma eficácia notável. Começou por fundar e dirigir sua própria escola, o Liceu Minerva. Depois, deixou marcos tais como a Sociedade Imperial Amante da Instrução, a Sociedade Literária do Rio de Janeiro e – congregando a colônia gaúcha – a Sociedade Sul-Riograndense. Não tardou a obter o reconhecimento público, atingindo o grau de Comendador da Ordem da Rosa.

Incansável autor de livros didáticos. Além do já citado “Compêndio de Ortografia da Língua Nacional”, “Aritmética para Meninos”, “Lições de História do Brasil” e “Manual dos Estudantes de Latim”. Mas suas obras de mais ampla adoção nacional foram o “Manuscripto”, as “Taboadas” e o “Livro de Leitura”, podendo-se afirmar que, por mais de meio século, as gerações de jovens brasileiros se ampararam, em boa parte, em tais livros. E, quando algum aluno cometia um erro feio, logo comentavam: “Deu uma facada no Conja”.

Embora vivendo afastado do Rio Grande do Sul, jamais esqueceu sua terra natal e enriqueceu-se com notáveis obras de pesquisa e divulgação. Pelas páginas do “Anuário da Província do Rio Grande do Sul”, de Graciano Azambuja, publicou lindos ensaios tais como “Senadores e Deputados da Província”, “As Ruas de Porto Alegre”, “Alcunhas de Porto Alegre”, etc. E alcançou projeção com sua “Coleção de Vocábulos e Frases Usados na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul”, com 1ª edição em Londres (1856) e mais três por aqui mesmo. Ali apareciam, por primeira vez em letra de fôrma, verbos tais como “acolherar”, “amadrinhar”, “abombar”, “apojar”, “bombear”, e por aí afora.

O Comendador Coruja faleceu no Rio de Janeiro em 4 de agosto de 1889.

LÍDERES DE PAÍSES RICOS DESCARTAM ACORDO DEFINITIVO EM COPENHAGUE – por claudia trevisan / são paulo


Metas obrigatórias de redução de emissões devem ficar só para 2010, em uma próxima conferência.

Líderes políticos da região asiática, dos Estados Unidos e da Europa descartaram ontem a possibilidade de assinar um novo tratado climático internacional em Copenhague, no mês que vem. No linguajar diplomático, fala-se agora em um acordo “politicamente vinculante”, em vez de “legalmente vinculante”, o que ficaria para uma próxima conferência, em 2010.

Na prática, isso significa que as metas obrigatórias de redução de emissões de gases do efeito estufa para a segunda fase do Protocolo de Kyoto seriam definidas só no ano que vem.

“Dado o fator de tempo e a situação de alguns países específicos, deveríamos, nas próximas semanas, focar esforços no que é possível fazer, sem nos deixar distrair por aquilo que não é possível”, disse o primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen. Anfitrião do encontro do próximo mês, Rasmussen fez ontem uma viagem não programada a Cingapura, para conversar com os governantes das 21 nações que compõem a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) – grupo que inclui os Estados Unidos e a China, os dois maiores emissores de gases do efeito estufa.

O possível, segundo Rasmussen, seria um acordo político em Copenhague que estabelecesse diretrizes básicas e um novo prazo para negociação de metas específicas de redução de emissões. O impossível seria fechar essas metas já no mês que vem, antes que o projeto de lei sobre mudança climática dos Estados Unidos possa ser votado no Congresso americano.

“Mesmo que não consigamos definir todos os detalhes de um instrumento legalmente vinculante, eu acredito que um acordo político de caráter obrigatório, com compromissos específicos de mitigação e financiamento, fornecerá bases sólidas para ação imediata nos próximos anos”, disse Rasmussen.

Esse documento político, que poderia ter de cinco a oito páginas, criaria mecanismos para o enfrentamento imediato do problema, “antes mesmo que uma nova estrutura legal seja acordada, assinada, ratificada e efetivada”, completou o primeiro-ministro dinamarquês.

A opinião dos governantes que se reuniram sábado e domingo em Cingapura foi transmitida pelo vice-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Mike Froman. “Os líderes avaliaram que seria irrealista esperar um amplo acordo internacional legalmente vinculante entre agora e o início de Copenhagen (no dia 7)”, disse o norte-americano, segundo as agências internacionais.

Na verdade, as negociações começaram há dois anos, após a conferência de Bali, na Indonésia, que estabeleceu 2009 como prazo legal para renovação das metas do Protocolo de Kyoto. Vários países industrializados, porém, condicionam a definição de suas metas à participação dos Estados Unidos – algo que depende da votação da lei americana no Congresso.

A disposição internacional de aprovar metas ambiciosas e obrigatórias de corte de emissões diminuiu depois da crise econômica de 2008. Os países ricos estão preocupados com a situação econômica e resistem a assumir compromissos que possam prejudicar a retomada do crescimento.

O tema está na agenda do presidente americano Barack Obama, que desembarcou ontem em Pequim para um encontro com o presidente chinês, Hu Jintao. Anteontem, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Nicolas Sarkozy, criticaram uma suposta estratégia dos colegas americano e chinês de negociar um acordo climático bilateral, em detrimento de um tratado internacional em Copenhague.

Metade do milho brasileiro pode ser transgênico em 2010 – por herton escobar / são paulo


Consultoria Céleres estima que uso de sementes geneticamente modificadas ultrapassará 50% já no próximo plantio de inverno; agricultores relatam bons resultados na safra 2008-09.

 

O milho que vai brotar no Brasil em 2010 terá algo de diferente. Especialmente para as lagartas. A expectativa é que mais da metade das plantas já serão geneticamente modificadas, com um gene embutido em seu DNA que as tornará resistentes ao ataque desses insetos. A safra de verão, que está sendo plantada agora, deverá ser 30% transgênica e a próxima, de inverno, 53%, segundo estimativas da consultoria Céleres.

Na safra anterior – primeira em que o milho transgênico pôde ser plantado legalmente no Brasil – a taxa de adoção foi de 19%. “A velocidade com que essa tecnologia está sendo adotada é surpreendente”, avalia o economista José Maria da Silveira, professor da Universidade Estadual de Campinas e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, ONG ligada ao agronegócio.

“Quem plantou uma vez vai plantar de novo”, diz o agricultor João Carlos Werlang, presidente institucional da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). Ele mesmo conta que plantou 40 hectares com transgênicos na safra passada, “só para experimentar”. Este ano, vai plantar 250 hectares – a fazenda inteira. “O rendimento foi muito melhor do que com o milho convencional”, afirma Werlang. “E o manejo é muito mais simples. Dá uma tranquilidade danada.”

Onze tipos de milho transgênico já foram aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) desde 2007, mas só um tinha sementes disponíveis no mercado para a safra passada: o MON 810, da empresa Monsanto. Ele traz em seu DNA um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), responsável pela síntese de uma proteína que é tóxica para certos tipos de lagarta que atacam a lavoura – porém inofensiva para o homem e outros animais. Assim, a planta produz seu próprio inseticida orgânico. Quando a larva tenta se alimentar do milho, ela morre, reduzindo a necessidade de pesticidas químicos.

“A semente transgênica é mais cara, mas acaba compensando porque você usa menos inseticida”, diz Werlang, cuja fazenda fica nos arredores de Brasília. A média na região, segundo ele, é de seis a oito aplicações de inseticida por plantio. Com o milho transgênico, ele acha que pode chegar a zero. “No ano passado eu fiz uma aplicação só por desencargo de consciência, mas nem precisava. O transgênico daria conta sozinho.”

Outros dois milhos transgênicos estão disponíveis para esta safra: o Bt 11, da Syngenta, e o Herculex, da DuPont/Dow. Também foi aprovado recentemente o milho Bt11xGA21, da Syngenta, o primeiro que combina dois genes em uma mesma planta: um de resistência a lagartas e outro, de tolerância ao herbicida glifosato. Isso permite que o produto seja aplicado sobre toda a lavoura para o controle de ervas daninhas, sem prejudicar o milho.

Nos Estados Unidos, 85% do milho plantado já é transgênico, com várias combinações de genes. Na Argentina, 60%.

No caso da soja, a previsão da Céleres é de que a porção de transgênicos na produção brasileira aumente de 65% na safra passada para 71%, na safra 2009-10. A soja transgênica é plantada legalmente no País desde 2003 e ilegalmente, desde o fim da década de 90, com sementes inicialmente contrabandeadas da Argentina.

A única tecnologia disponível é a Roundup Ready (RR), da Monsanto, cuja liberação comercial no País foi bloqueada durante cinco anos – entre 1998 e 2003 -, por causa de ações judiciais movidas por organizações ambientalistas e de defesa do consumidor. Outras quatro variedades estão sendo avaliadas pela CTNBio, incluindo uma desenvolvida em parceria pela Embrapa e a Basf.

A soja RR tem o gene de uma bactéria que a torna resistente ao glifosato. No Rio Grande do Sul, onde o problema com ervas daninhas é mais grave, a adesão aos transgênicos é de quase 100%. Já em Mato Grosso, a soja convencional ainda é a mais plantada. A parcela de transgênicos no Estado foi de 42% na safra passada e poderá chegar a 48% neste ano, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).

A preferência deve-se a dois fatores, segundo o diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Marcelo Monteiro. Um é a falta de variedades transgênicas bem adaptadas ao clima do Estado, onde a soja convencional é extremamente produtiva. Outro é a estratégia comercial de algumas empresas de produzir soja convencional para suprir nichos de mercado na Europa.

É o caso do Grupo André Maggi, que “reservou” uma rota de escoamento e uma região inteira no oeste do Estado só para a produção de soja convencional. A empresa faz parte da recém-criada Associação Brasileira dos Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange). “Não somos contra a tecnologia de forma alguma, desde que se respeite o direito do produtor de plantar o que quiser e o do consumidor, de comprar o que quiser”, diz o engenheiro agrônomo Ivan Paghi, diretor técnico da Abrange.

 

“O TEMPO e o ESPAÇO” e “DE REALEZA e de LOUCO…” por raymundo rolim / morretes.pr

O tempo e o espaço

 

A manhã passava depressa apesar do sol radiante. Veloz como uma corrida de bigas. O jardineiro não conseguiu colher mais que uma dúzia de flores (quando a média beirava às dezenas de dúzias). O padeiro conseguiu vender apenas um quinto do pão costumeiro e o homem que ordenhava as vacas não chegou ao final do segundo balde de leite. O relógio andava na mesma balada, mas, algo não estava bem. Era preciso descobrir o que houvera, pois os telefonemas eram interrompidos assim que chamavam. Um físico acusou uma rachadura no tempo que se dividiu em dois: antes e depois. Os que ficaram com o antes, adquiriram a primeira parte da manhã e por lógica simples, a outra parte com os que optaram pelo depois. Não sem muitas e exaustivas negociações, (explica-se): O fato suspeito teve desdobramentos nas relações interpessoais, pois partilhar as manhãs, não era tarefa de pequena monta. Os que tinham mais urgência do tempo compravam-no dos que dele dispunha, e passou-se a comercializar até mesmo semanas futuras de anos bissextos. Alguém teve uma grande e luminosa idéia e convocou os concidadãos a opinarem. Em conseqüência, fizeram relógios que andavam para trás. Assim o dia começava tarde e terminava com todos no berço e no colo do espaço, à medida que o tempo engatinhava rumo ao sol nascente.

 

De realeza e de louco…

 

Por mais que se tentasse extrair do infeliz uma confissão feliz, ele jurava inocência. E dizia sempre a mesma história e tão repetidas vezes e de tal modo nos mesmos detalhes, que a sua versão passou a ser aceita como a mais completa até então. O júri havia se reunido pela décima sétima vez. Fazia-se necessário e urgentemente por um final àquelas sessões infindas. Entrariam num acordo, desde que o sacana não expusesse desta vez como dantes, as suas lágrimas, que a todos comoviam para finalmente entrarem num choro compulsivo e coletivo. Passaram aos autos do processo que se sabia de cor parágrafo a parágrafo, volume a volume, quando o danado teve uma idéia. Mudou o curso de tudo até então dado por certo e definitivo. Disse que desta vez falaria a verdade! Houve tumulto, tentaram adiar a sessão. Juízes eram acometidos por chiliques e cacoetes pessoais. Não havia quem se conformasse! Ninguém queria outra versão por ser a atual de interesse geral – segundo alguns – e particular segundo outros. Além do que, a todos agradava o final que o confesso autor deitava à própria história de um realismo fantástico, cujo fecho de ouro, apontava para uma série de dúvidas que ainda pairava sobre o caso. Absolveram-no por exclusiva falta de provas conclusivas, por mais que ele insistisse em dizer que era uma espécie de mordomo clássico e único culpado pelos deslizes amorosos dos súditos e que se esforçava sempre pelo reino e por todos que estavam presentes naquela sala! Internaram-no com uma certa urgência. O rei delirava!