O PÁSSARO BRANCO de vera lúcia kalahari / portugal
Um pássaro de asas brancas, desdobradas,
Anda a dançar na praia…
Há o rumor de ondas desgrenhadas,
Há espuma fervente e fria
E silêncio de ventos que não existem.
O barco da minha vida
Caravela d’esperança
Naufragou naquela praia,
Sem mar, só com o cantar doce, amargurado,
Do meu pranto.
Esse pássaro que nasceu comigo
Não mora numa gaiola,
Não nasceu nos verdes bosques,
Não é um pássaro de penas.
É um pássaro que canta
Nas longas noites sem luz,
Um canto de risos e prantos,
Um pássaro que agarrei
Com mãos trémulas de criança
E d’esperança.
Larguei para que voasse
E cantasse
Em todas as almas,
Fizesse nelas brotar flores,
Estrelas e amores.
O meu pássaro branco…
Branco como nuvens esvoaçantes,
Como um pássaro tecido de fios de luar…
Fugiu das minhas mãos trémulas de criança
Que se fechavam
E procuravam encurralá-lo
Em qualquer ninho de amor.
É agora um pássaro triste e desolado…
Um pássaro vagabundo
Açoitado por um vento furioso
Que o assusta e o arrasta p’ra solidão.
Um pássaro de asas murchas,
Roxas como lírios macerados,
Como um céu esfarrapado
Sem estrelas, sem luar.
Não houve ninhos que o abrigassem
Nem mãos trémulas d’esperança que o agarrassem.
De nada serviram meus prantos e minhas dores…
O meu pássaro branco, alvo como nuvens esvoaçantes,
Dança na praia que não existe,
A praia da solidão,
Ferido de dor e de morte,
Curvando as asas brancas
Que não são brancas,
Largando às ondas e aos ventos, as suas penas.
DENISE ROMAN no PALACETE DOS LEÕES do BRDE / curitiba
Denise Roman encerra o calendário de exposições no Palacete dos Leões
A última exposição do ano no Espaço Cultural BRDE comemora os 30 anos de carreira de Denise Roman e traz a delicadeza, a imaginação sutil e as perfeições das imagens por ela representadas. Formada em 1984 em Desenho e Pintura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), a artista retrata em “Diário da Varanda”, a rotina dos pássaros que pousam em seu terraço, em um edifício no bairro Batel, em Curitiba.
Denise utiliza a litografia, a gravura em metal, e a técnica escolhida para a exposição, desenho e pintura. A fantasia lírica, que representa sentimentos e percepções, está sempre presente nas obras da artista, e a natureza é essencial para completar o amor que tem pelo desenho. “Fui rendida pela natureza”, completa a virginiana, perfeccionista em tudo o que faz.
A exposição “Diário da Varanda” está na segunda edição. A primeira aconteceu em 2008 no Sesc Água Verde. “Eu gostei tanto daquela exposição que resolvi revivê-la aqui”, comenta. No Palacete dos Leões, Denise traz imagens novas, quase todas diferentes da primeira exposição, mas, que não deixam de retratar a rotina dos pássaros. Ana Itália Paraná Mariano, uma das curadoras da exposição, destaca que Denise, nos últimos dois anos, iniciou uma fase nova. Passou a olhar a varanda e aplicou a arte em desenho e pintura, deixou a gravura e passou a fazer telas. “É uma fase bonita, em que Denise continua com a temática do ‘mundo lúdico’”. Ana Itália destaca ainda que além da mudança, a artista continua fiel à gravura. “É uma das mais importantes gravadoras do estado. Seu trabalho, além de artista, deve ser notado também como orientadora de cursos de gravura, ensinando gerações de bons gravuristas”.
Sobre o trabalho da artista, o texto da curadoria diz: “Seu trabalho tem alma, vida própria e nos propicia interagir como espectadores na busca do que não está evidente à primeira vista… A contemplação estética é transposta para um espaço totalmente preenchido com a ânsia de historiar este mundo lúdico. Denise aguça nossos sentidos, nosso olhar para a contemporaneidade, que pode estar no presente, no passado entrelaçando dimensões de mundos reais ou não perceptíveis, presentes na quase totalidade de sua obra”.
Há 30 anos Denise Roman trabalha no Espaço Cultural Solar do Barão, sendo que nos últimos 22 anos se dedicou a dar aulas de gravura. A alegria e poeticidade, sempre observadas nos trabalhos de Denise Roman são reflexos de um olhar atento a tudo em sua volta, sejam imagens vistas na rua, chamados pela artista de Croqui Urbano, ou seja em uma simples tarde em que após colocar pedacinhos de mamão na varanda, a comilança dos passarinhos vira reflexo em um diário sobre a vida. “Gosto de dar ao meu trabalho um sabor ilustrativo, brinco com papel e nanquim mexendo com figuras e texturas”, complementa a artista que é chamada pelos amigos de Denise Romântica.
azulejo “Diário da Varanda” – Denise Roman
Abertura
12 de novembro às 19hs
Exposição
De 13/11 a 08/12
Segunda a sexta-feira, 12h30 às 18h30
Espaço Cultural BRDE – Palacete dos Leões
Av. João Gualberto, 530/570 (com estacionamento)
Alto da Glória – Curitiba -PR
Informações: (41) 3219-8056
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MINHA POESIA de julio saraiva / são paulo
minha poesia não foi educada
na escola de bilac
e nunca será convidada para o chá
dos imortais da academia brasileira de letras
minha poesia anda descalça pelas ruas
do centro velho de são paulo
nenhum tradutor francês perderá seu tempo
debruçado sobre ela
nem será lembrada nos saraus familiares
não a dirão nas escolas
nos dias de festas cívicas depois que a
bandeira nacional onde se lê Ordem e Progresso
for hasteada por uma menina loura
minha poesia sai todos os dias
muito cedo da favela de heliópolis
pega ônibus lotado
desce pela porta da frente sem pagar a passagem
e vai vender balas no cruzamento da brasil com
[a rebouças
minha poesia é aquela mulher despudorada
que se oferece a qualquer um sem cerimônia
se bobear assalta e é capaz até de matar
minha poesia se alimenta do lixo das palavras
podres proibidas que não cabem na boca
das pessoas de bem e por isso deve ser execrada
de todas as antologias e condenada a trinta anos
[de silêncio
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