TONICATO MIRANDA e seus poemas / curitiba
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A Voz da Rã
Começo o ano com Janis Joplin
começo o ano com saudades minhas
e da goela dela reverberando no meu peito
nos botões da camisa, nas pregas das linhas
fechando-me o sangue nas veias do coração
“Summertime” não é deste mundo
uma lápide de mármore dura e branca
Janis quase não canta, quase se encanta
Negra voz sibilante, em breve castidade
Sussurro rouco, bafejando-nos sua imortalidade
Mas todos os sobreviventes
ainda estão por aqui
querendo se despregar da cruz
morrendo no dia-a-dia, na ponta das espadas de luz
sob o sol que teima em furar o cerco das nuvens
Os sobreviventes são bandos de mentirosos
Calem-se, calem-se, façam-se mudos
nada mais quero ouvir além da canção
quero da voz de Janis, a sua benção
quero ouvir os porões da minha mente
“Summertime” don’t me “cry”
“Summertime” o amor chora-me um ai
porque o amor é uma forma de sofrimento
o corpo perdendo o movimento
quando toda a máscara arrancada da cara, cai
“Summertime” escorre em meu peito um verão de saudades
e já não me reconheço no turbilhão de fatos, anos depois
não sou eu chorando por meu passado, mas o retrato do que fui
e fujo como sapo ligeiro, nos charcos dos campos de arroz
fujo da rã cantora agonizando-me a dúvida da sobrevivência
“Summertime”
Ahhh! Por que já não me reconheço?
Onde enterrei meu passado?
Ahhh!! Janis!! Ahhh! Janis Jasmim!
Quantas ausências sinto dentro de mim!
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O Bicho da Goiaba
às poetas das noites Curitibanas, anos 80
Ela quer arrancar do meu coração
as angústias que pastam nos meus relvados
ao calar e sumir serra abaixo, pras bandas de Morretes
no rumo dos rios pedregosos e encachoeirados
Ela não sabe dessa dor que rói
traça que depois de mariposa
mastiga as madeiras e até os próprios dentes
comendo a si mesma antes de ser esposa
Ela não sabe que as cigarras passam
cinco anos debaixo da terra, raízes a comer
até que brotando do chão cantam e chamam
os companheiros para fornicar e logo morrer
Ela não sabe que estou pronto para a morte
mas queria ao menos me deleitar no malho
roupas arrancadas aos urros e nos sussurros
ser o rei, a besta, o coringa, todo o baralho
Não sabe ela que estou pronto para o jantar
e não mais importa quem vai comer ou beber quem
se minha boca vai comer ou beber a comida
serve também que ela mesma seja a comida
Não sabe ela que comprei um vinho especial
para esta particular folia fora de época, meu carnaval
onde sou o Rei Momo, o Arlequim, o passista
vinho amoroso, para saciar meu lado menos animal
Não sabe ela que morro de saudades dela e de mim
eu, tão idiota, que não sei de morros e de morretes
de estradas lamacentas, de marimbondos e goiabas
ela tão airosa, alucinando minhas pontas e aríetes
SINAL DE ETERNO de otto nul / palma sola.sc
Entro no bar sem
Cogitar de eterno
Antes olhei à direita
E à esquerda
Na leve suposição
De encontrá-lo
De um lado uma rua
Infinitamente longa
De outro, o céu
Sem nuvem
Ali, sim, havia
Todos os motivos
Para que, enfim,
O eterno se mostrasse
Um sabiá trinou
Numa árvore
De um certo modo
Era uma canção eterna
Aqui e ali despontava
Algo pretensamente eterno
Mas no fundo de tudo
Havia um sinal de eterno
MÁXIMA FORÇA de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr
O sonho e a força máxima.
O sonho é o deus infantil escondido atrás
do racional.
O sonho tece tratores
monta fábricas, compõe andaimes.
O sonho abre um shopping.
O sonho não é ingênuo.
O sonho rouba.
O sonho depreda.
O sonho angustia.
O sonho frusta.
O sonho quer ser eleito.
O sonho quer conhecer a África.
O sonho quer vender a cura de doenças.
O sonho planta quatro mil alqueires
de soja todo o ano.
O sonho quer escravos.
O sonho mata e desmata.
O sonho gerou esta era de desperdício.
O sonho é predador de outros sonhos.
O sonho quer mais.
O sonho mistura, aumenta, encolhe,
cães, gatos, bois e cavalos.
O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.
O sonho.
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