Arquivos Diários: 11 novembro, 2009

RUDI BODANESE e DRUMMOND DE ANDRADE, fotopoema 143 / florianópolis

RUDI BODANESE - poema&foto143

TONICATO MIRANDA e seus poemas / curitiba

TONICATO MIRANDA - Barquejanto

 

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A Voz da Rã

 

Começo o ano com Janis Joplin

começo o ano com saudades minhas

e da goela dela reverberando no meu peito

nos botões da camisa, nas pregas das linhas

fechando-me o sangue nas veias do coração

 

“Summertime” não é deste mundo

uma lápide de mármore dura e branca

Janis quase não canta, quase se encanta

Negra voz sibilante, em breve castidade

Sussurro rouco, bafejando-nos sua imortalidade

 

Mas todos os sobreviventes

ainda estão por aqui

querendo se despregar da cruz

morrendo no dia-a-dia, na ponta das espadas de luz

sob o sol que teima em furar o cerco das nuvens

 

Os sobreviventes são bandos de mentirosos

Calem-se, calem-se, façam-se mudos

nada mais quero ouvir além da canção

quero da voz de Janis, a sua benção

quero ouvir os porões da minha mente

 

“Summertime” don’t me “cry”

“Summertime” o amor chora-me um ai

porque o amor é uma forma de sofrimento

o corpo perdendo o movimento

quando toda a máscara arrancada da cara, cai

 

“Summertime” escorre em meu peito um verão de saudades

e já não me reconheço no turbilhão de fatos, anos depois

não sou eu chorando por meu passado, mas o retrato do que fui

e fujo como sapo ligeiro, nos charcos dos campos de arroz

fujo da rã cantora agonizando-me a dúvida da sobrevivência

 

“Summertime”

Ahhh! Por que já não me reconheço?

Onde enterrei meu passado?

Ahhh!! Janis!! Ahhh! Janis Jasmim!

Quantas ausências sinto dentro de mim!

 

-.-

 

O Bicho da Goiaba

às poetas das noites Curitibanas, anos 80

 

Ela quer arrancar do meu coração

as angústias que pastam nos meus relvados

ao calar e sumir serra abaixo, pras bandas de Morretes

no rumo dos rios pedregosos e encachoeirados

 

Ela não sabe dessa dor que rói

traça que depois de mariposa

mastiga as madeiras e até os próprios dentes

comendo a si mesma antes de ser esposa

 

Ela não sabe que as cigarras passam

cinco anos debaixo da terra, raízes a comer

até que brotando do chão cantam e chamam

os companheiros para fornicar e logo morrer

 

Ela não sabe que estou pronto para a morte

mas queria ao menos me deleitar no malho

roupas arrancadas aos urros e nos sussurros

ser o rei, a besta, o coringa, todo o baralho

 

Não sabe ela que estou pronto para o jantar

e não mais importa quem vai comer ou beber quem

se minha boca vai comer ou beber a comida

serve também que ela mesma seja a comida

 

Não sabe ela que comprei um vinho especial

para esta particular folia fora de época, meu carnaval

onde sou o Rei Momo, o Arlequim, o passista

vinho amoroso, para saciar meu lado menos animal

 

Não sabe ela que morro de saudades dela e de mim

eu, tão idiota, que não sei de morros e de morretes

de estradas lamacentas, de marimbondos e goiabas

ela tão airosa, alucinando minhas pontas e aríetes

SINAL DE ETERNO de otto nul / palma sola.sc

 

 

 

Entro no bar sem

Cogitar de eterno

Antes olhei à direita

E à esquerda

Na leve suposição

De encontrá-lo

De um lado uma rua

Infinitamente longa

De outro, o céu

Sem nuvem

Ali, sim, havia

Todos os motivos

Para que, enfim,

O eterno se mostrasse

Um sabiá trinou

Numa árvore

De um certo modo

Era uma canção eterna

Aqui e ali despontava

Algo pretensamente eterno

Mas no fundo de tudo

Havia um sinal de eterno

 

MÁXIMA FORÇA de solivan brugnara / quedas do iguaçu.pr

O sonho e a força máxima.

O sonho é o deus infantil escondido atrás

do racional.

O sonho tece tratores

monta fábricas, compõe andaimes.

O sonho abre um shopping.

O sonho não é ingênuo.

O sonho rouba.

O sonho depreda.

O sonho angustia.

O sonho frusta.

O sonho quer ser eleito.

O sonho quer conhecer a África.

O sonho quer vender a cura de doenças.

O sonho planta quatro mil alqueires

de soja todo o ano.

O sonho quer escravos.

O sonho mata e desmata.

O sonho gerou esta era de desperdício.

O sonho é predador de outros sonhos.

O sonho quer mais.

O sonho mistura, aumenta, encolhe,

cães, gatos, bois e cavalos.

O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.

O sonho.