Arquivos Diários: 23 novembro, 2009

ALEPH NÃO QUER ME DAR O MUNDO – por zuleika dos reis / são paulo

Não sei quantos é Daniel: no mínimo dois. Ao segundo, que identifico, darei o nome de Aleph, nome da primeira letra do alfabeto hebraico, também de um livro e de conto de Jorge Luis Borges, conto no qual o termo Aleph indica o ponto no espaço de onde se podem ver todos os demais pontos do Universo.

Quando vi Daniel pela primeira vez, olhei seu rosto de musgo e neve e não pensei em nenhum profeta bíblico nem no rosto talhado entre os rochedos, nos rochedos do conto de Hawthorne.

O rosto mudo, de pedra, do conto de Hawthorne. Mas este é o rosto de Aleph, não o de Daniel. O rosto mudo de Aleph, ou melhor, a boca muda de Aleph, perdida de algum verbo original.

Não, não é exatamente muda. Dela, um sopro primeiro, leve sopro que vai virando respiração e, dependendo do que lhe digo, o que se tornou respiração vai se alterando muito, quase se transformando num grito, mas não chega a formar uma sílaba, que uma sílaba seria o começo da palavra, e a palavra já é o mundo. Aleph não quer isso, só me ouve como se eu fosse o Demiurgo. Aleph me ouve como se de minha fala lhe pudesse vir o ser, o ser dele mesmo ou o ser de Daniel, Aleph é consciente desta hipótese? Aleph quer que o mundo lhe venha de mim.

Eu tento, tento, mas sei que o que quero é chegar a Daniel, desesperadamente chegar a Daniel, através de Aleph. Chegar a Daniel, que não consegue nunca sonhar plenamente com seu próprio rosto, assim como jamais consigo sonhar plenamente com o meu próprio, coisa que só comecei a compreender de verdade depois da vinda de Daniel.

Qualquer semelhança é e não é mera coincidência. Escrevo tal frase assim como a advertência em um livro ou em novela de TV, para suportar o desespero, esse que me dá vontade de sair gritando pelas ruas ou de gritar a Daniel, pelo telefone, o seu verdadeiro nome, o nome que consta em sua certidão de nascimento, o mesmo pelo qual as pessoas o conhecem. O pavor de ter enlouquecido sozinha ou de ser a presa de uma outra Vontade, em um jogo inimaginavelmente cruel, obriga-me a um quase sobrenatural esforço, a fim de alcançar um mínimo de sensatez, e aí corro para Rubem, para enlouquecer do modo diametralmente oposto, sempre carregando e mantendo a certeza de que o meu pesadelo é maior do que os deles dois, somados. Rubem não sabe de Daniel-Aleph nem Daniel sabe o verdadeiro nome de Rubem e, de mim, cada qual colhe a metade que conhece e que sabe administrar.

O homem chamado Daniel não corre o risco de ser identificado, a não ser pelos seus porta-vozes, esses que ele utiliza para saber se estou aqui, em minha casa, com minha mãe, digamos num sábado à noite. É verdade que jamais descarto completamente a possibilidade de o mundo ter se tornado uma alucinação auditiva, embora tal hipótese seja algo indescritível, à Poe. Ligo todas as possíveis e impossíveis antenas para tentar apreender a verdade e creio que suportaria qualquer uma, qualquer, tendo, no entanto, que me resignar em cada segundo, na eternidade de cada dia, a este suplício inimaginado pelos deuses, até que o homem Daniel se transmute no Anjo da minha vida.

FILHOS, seus medos, meus medos – por marilda confortin / curitiba

Levei anos para convencê-los de que fantasmas não existam e que os barulhos que ouviam eram de seres vivos, inofensivos.

Fiz de tudo para que perdessem o medo do escuro, dormissem sozinhos, seguros.

 

E eles cresceram…

 

Hoje, sou eu quem teme os barulhos da noite.

Sirenes, disparos, gritos, freadas, gemidos, uivos, gargalhadas.

Morro de medo de ficar sozinha e não durmo enquanto não chegam em casa.

Desminto tudo o que eu disse sobre fadas e super-heróis. É pura crendice!

O que existe são homens cruéis, mulheres malvadas, seres invisíveis, drogas, pragas, vírus terríveis, doenças fatais.

O mal existe, meus filhos. E é muito real.

Riem como se meus conselhos fizessem cócegas, os pentelhos!

A menina, fica uma hora na frente do espelho,  diz que o chapeuzinho vermelho não ta com nada, que o lobo mau é um “coisarada”, tudo de bom, um cara legal.

Acha normal usar piersing na orelha, na sobrancelha, na língua, no umbigo, nos lábios (pequenos!), fez uma tatuagem nas costas, gosta de balada, ilha do mel, futebol, cerveja e o escambau. Diz que não é para eu me preocupar porque ela vai casar com um czar e morar num harém. Amém.

O menino, ainda acredita em super-heróis, vampiros, lobisomens, sei lá o quê e continua jogando RPG.

Pensa que aquela ruiva que conheceu na praia é uma sereia de saia.

Tadinho… Ainda não perdeu o medo de dormir sozinho.

Só dorme se for bem agarradinho com aquela cobra que me chama de sogra!

Sereia… Baleia, isso sim! Engoliu o meu filhinho!

Vejam só! Ela me disse que eu vou ser avó de um cardume de peixinhos!

Que hilário: Meus netinhos dentro de um aquário jogando beijinhos…

 

Filhos…  Filhos!

Nunca vêm com nota fiscal nem com manual de instrução.

Não avisam quando crescem e é só piscar, que desaparecem.

Mas uma coisa é certa: Mesmo que partam, quebrem, caiam, ou não saiam bem do jeito que a gente queria, não importa. Amor materno tem validade eterna.

Os filhos, estão sempre na garantia.

O QUE ESTE ARTIGO TEM A VER COM ÉTICA? – por joão batista do lago / são luis.ma

Por um bom tempo pensara o Ex-presidente Fernando Collor de Mello como o introdutor do pós-modernismo de governo no Brasil. Hoje vejo que estava literalmente enganado. Foi sim um Fernando, mas o Henrique Cardoso. Este é o verdadeiro “industrial” desse fenômeno, que, de posse de um capital intelectual de primeira grandeza, soube “estruturar” uma planta de fábrica capaz de produzir em série produtos novos para um mercado atolado na ignorância e na inconsciência de si devido ao seu baixo nível intelectual, cultural e, sobremodo, educacional. Mas também devido ao imobilismo dos produtores industriais-intelectuais nativos – mesmo os independentes – que não foram capazes de combatê-lo ou ficaram subsumidos pelo medo de serem considerados retrógrados.

Podemos dizer que esse capital intelectual de Fernando Henrique Cardoso é uma herança ontogênica. Ele o obtém a partir da corrente sociológica da USP, mais precisamente, da Escola de Sociologia de São Paulo, que tinha por ícone Florestan Fernandes. Foi exatamente aí que Cardoso aprendeu a “pensar o Brasil” dentro de uma matriz pós-moderna, noutras palavras, a considerar que “tudo” que “não” estivesse alinhado aos novos conceitos originados nessa Escola, era arcaico, velho ou, no mínimo, retrógrado e ultrapassado. A influência foi tamanha que engessou outras correntes do pensamento sociológico brasileiro e impactou, de certa maneira, a intelectualidade nacional.

Essa corrente sociológica paulista, ao pensar o Brasil, descobriu que tinha espaço para o fabrico de um produto novo no campo da Política. Era fundamental que, dali, surgisse um candidato que pudesse, efetivamente, conquistar, como novo Príncipe, a mais alta magistratura do Brasil: a Presidência da República (para definitivamente estabelecer um sistema de dominação hegemônico do pensamento paulista, sobre a política dos caciques do nordeste e dos caudilhos do sul).

Mas quem seria esse candidato?

A escolha recaiu sobre Fernando Henrique Cardoso por que, este, tinha (e tem) (sub) ligações com as Forças Armadas, recém apeada do Poder (1985), posto que, era (e é) um belo exemplar descendente de militares revolucionários de 1922 e 1930. Ora, isso, de per se, era um fermento muito saudável para a construção do político FHC, ao mesmo tempo em que se enunciava que a eleição de um metalúrgico, naquela época (1994), ainda não era bem vista pelos milicos de pijama com voz forte na caserna, assim como pela maioria dos generais da ativa.

Aliado a tudo isso, FHC, fora um professor de Sociologia exilado no Chile e na França, sendo posteriormente aposentado compulsoriamente pelo AI-5. Pronto, o “paletó” destinado a vestir o Presidente do Brasil cabia, finalmente, num integrante da corrente sociológica da USP.

 

* * *

 

Eleito Presidente do Brasil por duas vezes (1994 e 1998) FHC tratou de implantar o projeto político que nascera naquela escola sociológica. Ao mesmo tempo introduziu sua marca pessoal. E aos meus olhos o principal carimbo de FHC na sua primeira gestão (1994-98) não se encontrava necessariamente na sua forma de governar, mas na sua intenção de desconstruir quaisquer pensamentos, idéias, ideologias ou conceitos que, de alguma maneira, estivessem relacionadas – por mínimo que fosse – com políticas de tipologias varguistas, janguistas, brizolistas e janistas, por exemplo.

Não é, pois, à-toa que FHC, ao ser eleito declara em alto e bom som: “Esqueçam tudo o que escrevi”. Paradoxalmente essa sua frase desvela duas intenções: (1) admitir que, mesmo o que ele escrevera já era velho, portanto, tudo o mais era arcaico; e (2) que novo deveria ser entendido e compreendido a partir dele, portanto, somente a partir dele era que se deveria pensar no Brasil moderno, mais precisamente, no Brasil pós-moderno.

E como isso ocorre? Aos meus olhos reside aqui um conceito que o infiro como “supra-valia” do capital intelectual de FHC que é, e assim o demonstra, um “Sujeito” concatenado com o seu tempo-espaço, com o novo, com o moderno, com o pós-moderno… E por isso mesmo capaz de produzir novos conceitos, de certa forma intimidatórios, o que vai arrefecer (e muito) a crítica ou o “criticism” acadêmico brasileiro, e conseqüentemente, o político. Então, focado nesse seu “Eu”, FHC, introduz na nação o “self” (Jung), que não é um conceito sociológico de raiz, mas psiquiátrico, e que quer significar a centralidade do Ser-de-si, do Ser-para-si e do Ser-aí, isto é, ele, FHC, constrói-se como o único centro da personalidade do Estado brasileiro. Somente a partir dele o Brasil será resolvido.

Eu vejo nessa postura fernandiana (de então) algo parecido com o Rei Luis XIV, de França: “L’État c’est moi (O Estado sou eu)”. E assim ocorreu por um bom estádio.

É mesmo, até, possível interiorizar, neste artigo, para bem definir o padrão estrutural da personalidade e do caráter do então Presidente FHC, o conceito original do “self” formulado pelo médico psiquiatra suíço Carl Gustav Jung: “O Si-mesmo representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto que vigia para que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha consciência do que acontece, quer não”.

A ideação do “self” em FHC é tão forte que, ainda hoje, o Governo Lula, já no seu segundo mandato, é considerado uma “continuidade” do Governo FHC. Infelizmente, nesse ponto, Lula não consegue desconstruir o fantasma de FHC que o persegue obstinadamente.

Para encerrar este artigo introduzo aqui um fato assistido, visto e ouvido por todos os brasileiros – mas que não foi devidamente levado em conta ou analisado corretamente (segundo o meu pensamento) como o faço aqui e agora.

Após a vitória da primeira eleição do Presiente Lula – entre os meses de outubro (após dia 25), novembro e dezembro -, antes de passar definitivamente a faixa de Presidente, FHC inaugurou mais uma marca do seu “self”, ou seja, fez com que todos os seus ministros dessem declarações destacando que Lula iria receber um país, no mínimo, concatenado com a “nova” filosofia econômica mundial. E isso ficou claro – mas claríssimo mesmo – com as constantes declarações do Ministro Pedro Malan, que inisistiu ardorosamente (até a posse de Lula) na continuidade e na manutenção dos contratos acordados pelo Governo FHC.

Houve momentos, inclusive, em que vários setores da sociedade civil brasileira chegaram a defender a continuidade de Malan à frente do Ministério da Economia… Assim como defenderam a continuidade de Hermínio Fraga como presidente do Banco Central…

O que aconteceu depois? Deixemos para outro artigo pois daí já estaremos falando do Governo Lula.

Mas afinal, “o que este artigo tem a ver com a ética?”. Pense, analise e infira as suas conclusões.

 

 

 

Guerrilha em Curitiba nos anos 80 – de tonicato miranda / curitiba


 

Os trens arrebentaram pessoas ao ar e às paredes

na explosão política e suicida de Madrid às 10h 13 minutos

Na mesma hora arrebentou violentamente em mim

a bomba da saudade mortal por amigos, pelo jazz e por lutos

 

Em qual guerrilha da vida perdi os amigos, as minhas histórias?

Ai, esta dor lancinante ferindo-me a alma, açoitando-me a cara

Ela morde-me com sua boca de espinhos todas as memórias.

É a tristeza instalando-se, invasora, no meu pastel de Santa Clara

 

Guerrilheiros demolem prédios que espetam a bunda do céu

arrebentam tudo em nome da causa e do genuflexório a Maomé.

Nessas horas não há flores, nem pássaros, nem da odalisca o véu

tudo justifica a causa – em nome de Alá se mata, se morde, tudo é fé.

 

Mas nada mata mais do que ter sido perdido na agenda dos amigos

Não sabem onde moro, não sabem como estou morrendo saudoso

por um singelo copo de vinho e um resto de pedaço de queijo antigo

não importa se ele está agora, muito tempo depois um tanto rançoso

 

Os amigos me faltam como o ar, não como o alimento, as carradas,

nada é mais importante, estou nas ilhas da solidão, como Abrolhos.

Como me faz falta um bar, e as caras das mulheres descamadas,

com suas máscaras ossudas e sofridas no espelho dos meus olhos

 

Quando lhe faltam os amigos, faltam também os desatinos

e ninguém consegue sobreviver sem dois quilos de loucura.

Falar mal de si deveria ser ensinado na escola aos pequeninos

para terem tolerância e sobrevida quando doentes no parto da cura

 

Todos querem estar um pouco loucos de quando em vez.

Mas como representar no palco sem platéia a sua própria odisséia?

Como trabalhar o choque do trem de Madrid e ainda assim outra vez

entrar no bar, e pedir: dê-me uma dose de vinho, outra, e meia

 

Precisamos dos amigos como ouvintes, como dial do coração

que nos tombem sobre a cama após o nosso mais vergonhoso porre

para suportarmos as grandes catástrofes humanas de emoção

quando guerrilheiros atacam, explodindo tudo que sonha e corre

 

Sinto falta do Gerson Maciel, Helena, Lulo, Desirée, Nádia, Bia de Luna,

e tantos outros poetas que se explodiram nos trens das noites curitibanas

não esperaram a chegada dos guerrilheiros de Madrid, morreram suas lunas

em noites invernais, tornando-se todos cidadãos ocultos de pijamas

 

Sinto falta dos bares aonde se chegava devagar, como rato de cozinha

mordiscando um queijinho aqui, bebericando um aperitivo ali, sorrindo um riso lá

tudo sobre os olhos atentos da dona do boteco tão desamada e comezinha

quase rompemos a sandice do mar que não tivemos para ir até a Porta de Alcalá

 

 

HAICAIS de EDUARDO HOFFMAN /curitiba

Ao Reinoldo Atem:

 

 

 

tigre de bengala

 

de soslaio na soleira

 

da porta do bar

 

 

 

 

queria carne de onça

 

 

=

 

 

 

habeas coppus

 

 

graças

 

ao som

 

das taças

 

 

=

 

 

o céu

 

refletido na água

 

 

se passar uma peneira

 

 

quantas estrelas !?

 

 

=

 

 

arrimo

 

 

 

 

quanto eu

 

 

quanto in

 

 

quanto ai

 

 

assim murmurava

 

o samurai

 

 

=

 

 

mi Tarzan

 

 

you Jane

 

 

vamos dançar um orangotango ?