Arquivos Diários: 21 março, 2010

CIDADE SEM “CIVITAS” por sérgio da costa ramos / florianópolis

Será que a velha definição latina de cidade ainda está valendo? Civitas-civitatis. Reunião de cidadãos, nação, pátria, lugar onde se respeita o direito do cidadão. Aglomeração humana de certa importância, localizada em área geográfica circunscrita, com numerosas casas próximas entre si e destinadas à moradia ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e outras não relacionadas com a exploração direta do solo.
Hoje, a “cidade moderna” vai perdendo o seu significado institucional. Avança sobre todos os solos e tornou-se vítima de outras atividades sinistras, como o furto, o roubo, o assassinato.

Eça de Queiróz não gostava das cidades, como deixou claro no seu libelo contra essa “criação antinatural”, em A Cidade e as Serras. Na comparação entre as selvas, a verde e a de pedra, o monóculo do escritor só tinha olhos para a primeira:

Na natureza, nunca se descobriria um contorno feio ou repetido. Nunca duas folhas de hera se assemelharam na verdura ou no recorte. Na cidade, pelo contrário, todos repetem servilmente a mesma casa, todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação.

Dizem os pragmáticos que esse hábito de condenar as cidades e enaltecer a natureza é apenas “uma licença para a poesia”, uma chispa para o gênio criador do homem romântico. A cidade é a “realidade” – que a maioria das pessoas acha “um Inferno”, embora recuse o Paraíso do meio do mato.

As pontes de Floripa foram concebidas para um fluxo de 40 mil veículos/dia. Já recebem mais de 80 mil. Trata-se do próprio Inferno (Ro)Dante…

É o progresso, dizem. E o homem vai atrás, cada vez mais absorvido por esse mundo de gases, óleos, resinas e misturas químicas que envenenam os poros, a alma, a mente.

Sempre que o ser humano aspirou pela paz de espírito procurou um jardim – pois se ressente de um, desde que foi expulso do Éden. Não por acaso os lugares de paz e meditação religiosas se assentam em jardins: o claustro dos mosteiros, os canteiros das casas muçulmanas, as fontes dos jardins hindus, símbolos do Paraíso.

Sempre que se deixou subjugar pela cidade, o homem perdeu o melhor dos seus dons – a capacidade de continuar humano, como lamentou Eça, contemplando as vinhas da Serra da Estrela:

– Os sentimentos mais genuinamente humanos se degeneram nas cidades. Nelas, os rostos humanos nunca se olham.

Muitas vezes, não se olham para não testemunhar a violência. Transita pela internet uma denúncia preocupante. A de que Floripa há muito deixou de ser um jardim de paz. A cada grupo de 100 mil habitantes, nada menos do que 3.926 já teriam sofrido perda patrimonial por furto – números que, proporcionalmente, equivaleriam aos desumanos prontuários do Rio e de São Paulo.

Dou a Floripa o benefício da dúvida, recusando-me a aceitar para a Ilha o mesmo e cruel destino de cidades que lhe são irmãs em beleza natural, como o Rio de Janeiro.

Mas o sinal vermelho está ligado. Assaltos no Sul e no Norte da Ilha. Até na doce Santo Antônio de Lisboa. Recentemente, ladrões aterrorizaram o bucólico “Caminho dos Açores”, para a suprema indignação do pioneiro, major Manoel Manso de Avelar, antigo senhor daquela pacífica freguesia.

É como se a graciosa vila açoriana tivesse perdido a inocência, como no romance de Edith Wharton –The Age of Innocence.

O Manoel Manso ameaça abdicar de sua mansuetude, descer de seu celestial mirante e “justiçar” os que ali perturbam a paz secular.

Um Manso “furioso”, condenando a omissão dos que deveriam zelar pela segurança pública:

– Ai de vós, autoridades inertes, mandatários sem voz de comando!

OTTO NUL e sua poesia III – palma sola.sc

E AGORA?

Que poema compor agora?

Que sede ou fome saciar?

Que mar atravessar

Ou que ventos arrostar?

Que caminhos seguir?

Que vozes ouvir?

Que palavras dizer?

Que pecados confessar?

Quanto hei de amar?

Ou quanto de emudecer?

Que orações ainda rezar?

Que palavras escrever?

Quanto terei que silenciar?

Quanto de esquecer?


.

ESCURO

De repente, fez-se escuro;

Dentro do escuro

Vi o escuro;

Numa linguagem escura

Tudo se tornou obscuro;

O escuro, como o percebi,

Era negro;

Nada poderia sê-lo mais;

Outra sabe-me a vida

Dentro do escuro;

Só no escuro

É que me encontro.



.

TENHO, TENHO…

Tenho, tenho

Pressa de chegar

Tenho, tenho

Ânsia de acabar

Tenho, tenho

Desejo de te encontrar

Tenho, tenho

Força pra resistir

Tenho, tenho

Vontade de fugir

Tenho, tenho

Lerdeza de ir e vir

Tenho, tenho,

Ímpeto de levitar

Tenho, tenho

O caminho sem fim

ESTAMOS EM CACOS por alceu sperança / cascavel.pr

A irresponsabilidade rapineira do sistema tributário nacional machuca todo mundo, mas é pior para os pobres. A regra luliberal é economizar para pagar banqueiro, e assim a União sofre com falta de recursos para a infra-estrutura.

Os Estados não conseguem suprir aquilo que a União abandonou. E os municípios estão quebrados. Ser prefeito, hoje, é fazer menos que o contínuo do gabinete. Limita-se a cumprir convênio com a União e o Estado, zanzar daqui pra lá à toa, mudar a pintura de alguma obra já feita (“revitalização”, dizem). Se sair disso, arrisca-se a ir para a cadeia. Centenas de ex-prefeitos estão sendo processados e os atuais tendem a ser processados em breve.

As prefeituras são os “trabalhadores” da União. Perdem direitos e arcam cada vez com mais responsabilidades e encargos. Sempre que se fala em “reforma da Constituição”, lá está mais um direito sendo garfado dos que trabalham e a União fortalecida.

Uma olhada em nossa periferia mostra gente pobre, sem poder pagar a prestação da casa “do BNH”, como se dizia antigamente, de olho num fundo de vale para levantar o barraco, jogando no bicho o dinheiro do leite da criança.

Mas essa gente pobre é muito rica: paga cerca de 400 milhões de reais por dia por uma dívida que não fez. É a privatização do caraminguá: era dinheiro público, vindo de impostos e taxas, e agora foi para bolsos privados. Simples como bater uma carteira. Aliás, bateram a Vale.

Lula conhece tão pouco o Brasil que, dia desses, cometeu esta barbaridade, ao defender a garfada no nosso bolso: “A verdade é que as pessoas estão pagando mais porque estão ganhando mais. É só ver o lucro dos bancos, ver o lucro das mil maiores empresas brasileiras que vocês vão perceber que as pessoas estão ganhando mais e, portanto, têm que pagar mais”.

Ignora que o peso do tributo para um banco ou uma das mil é apenas um indolor dado contábil, mas para o assalariado quer dizer o couro arrancado. É ele que paga os impostos embutidos na comida que é obrigado a comprar e nos serviços que é forçado a usar.

Não é a empresa de ônibus que paga os impostos: eles são arrancados do usuário do lotação. O banco tira do correntista e assim vai. O cidadão paga tudo, mas suas Prefeituras estão em cacos.

No milagroso PAC lulista, a grana ali reservada para investimento em aeroportos até 2010 (aliás, nenhum centavo para o Aeroporto Regional do Médio-Oeste) equivale ao pagamento de sete dias de juros da dívida que não contraímos.

Não pagar oito dias dava pra tudo aquilo e nosso aeroporto viria de brinde. Há irrefletidos dizendo que o aeroporto é “elitista”. Mas na sociedade justa do futuro, quem é pobre hoje amanhã vai querer viajar de avião, como acontece na China. O china ganha 70 dólares por mês, tem apartamento, plano de saúde, universidade paga para o filho, laptop da hora e viaja de avião, que absurdo! Onde é que este mundo vai parar?! Já tirar dos pobres e dar aos ricos, Robin Hood invertido, não é elitista…

Mas reza a parábola que os últimos serão os primeiros. O biólogo Luc Montagnier, que em 1983 identificou o vírus da Aids, acredita que a multidão de jovens sem trabalho vai derrubar as atuais estruturas sociais e instaurar a total anarquia.

O cara lida com vida o tempo todo e sabe que ela não fica engarrafada sem fermentar. Quem gosta da “ordem” que está aí, trate de arranjar emprego para essa gurizada sem ocupação. Ou tudo vai virar caco.