Arquivos Diários: 2 março, 2008

SÓ É ILUSÃO AQUILO QUE NÃO ESQUEÇO. O RESTO FOI REAL conto de luis felipe leprevost

    

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Meu pai Lírio Brenneli olhava a geada sob nossos pés e dizia: Não demora a derreter. E antes do meio-dia a fina camada branca já havia desaparecido. Mesmo assim não basta vestir um pulôver. O frio não se desmancha. A geada se infiltra no sangue. E sangue não derrete.
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Sei que sou meu pai pelo tambor de seu passo dentro dos meus pés, entrando no azulejo da cozinha. E pela maneira abrupta com que minhas mãos fecham as portas da casa fazendo os trincos sofrer. Sei que sou minha mãe Giovana Brenneli pela música de minha voz tão feminina quando comovida, às vezes estridente, às vezes violeta. Sou minha mãe pelo alarme de incêndio que há em mim e pela cantiga de água que meu corpo dança. Sou meu irmão Luppi pela maneira e horário em que me sirvo de água no filtro, e quando antes do primeiro gole minha voz produz duas tossidinhas. Sou o outro irmão, Silval, o mais novo, pois dissimulo um acordar cantante já antevendo alguma bronca do velho. E sei que sou um outro irmão ainda, de nome Sussí, quando quero perpetuar minha presença na casa, mesmo já estando morando fora. Um dia faremos o remanejamento. Sinval o mais novo passará a morar em meu quarto, embora sem conseguir jamais decifrar as medidas exatas com as quais me substituir. Sei também que sou meu tio-avô Breno chegando aos sábados por volta do meio dia com uma voz de trovão e um jeitão de galã do interior. Sei que sou minha avó Beatriz porque compreendo esse profundo silêncio alargado no ar, chegado como se não houvesse vindo, tão isento e íntegro nos clarins da saudade. Só não sei quem sou, eu, Jassei Brenelli, o que serei?

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Aqui em frente há esse objeto. Nutro a esperança de ver o pássaro de madeira sair voando quando badalar a próxima hora. É um cuco que meus pais Lírio e Gica trouxeram de sua viagem à Buenos Aires. Olho fixo para o relógio, este objeto deslocado de meus dias digitais, antigo sobrevivente. Respiro fundo e minha respiração voa o passado. O relógio enruga as sobrancelhas. Em comunhão com o seu tempo franzido rememoro minha infância. É como se eu contemplasse a paisagem daqueles anos ainda intacta em algum lugar. Lá estão meus irmãos Luppi e Sussí descendo uma ladeira com seus carrinhos de rolamento. A corrida deles não aponta perdedores nem vitoriosos, os rolamentos trepidam asfalto abaixo. O Tempo é igual aquelas rodas de aço, gira em torno de si mesmo, renova-se pois não se gasta. Para crianças em carrinhos de rolimã não há o destino, apenas a necessidade de frear em algum momento. Para crianças as tardes não estremecem entre bússolas.
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Se éramos puros de origem, PO, como diz até hoje o velho Breno, então precisávamos adquirir marcas, feridas. Precisávamos ir às ruas conquistá-las. E fomos. Alguns vira-latas tornaram-se grandes amigos nossos, e nós nos tornamos um tanto vagabundos sarnentos. Outros tentaram nos morder, e nós tínhamos que nos virar. O melhor foram as gurias que nos fizeram ir até a Rua de Baixo perfumados. O bairro de Santa Felicidade foi nosso melhor professor.
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Não aprendi dizer a verdade flagrada pelos olhos do outro, fitando-os como me ensinou meu pai Lírio. Nem sempre os olhos são o melhor lugar para a verdade. Assim como sucede aos oceanos a verdade independe da cor e profundidade da água. Creio apenas em olhos que pedem afogamento. Não canso de nadar como quem voa em céus com abismo.

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Dezembro de 2007, presencio o entusiasmo de Lírio Brenneli por haver conseguido vender a casa em que passei minha infância. Embora ainda tenha fresco na memória sua autoridade de quando lidava com as lenhas no fundo do quintal, de quando negociava com a grama para que não virasse mato, de quando ia buscar frango no Bar do Frango para o almoço de sábado, Dezembro de 2007 foi o começo de um outro esquecimento.
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Meu pai Lírio, meus irmãos Luppi, Sussí e Sinval, esse menino ainda persegue vocês pelo corredor da casa, pelas ruas de Gélida, com o olhar transgredido em silenciosa perplexidade. Esse menino vai aonde vai a charrete dos anos contabilizando em seu coração aquela época em que a vida não era maior que nosso quintal, quando o sono badalava feito um pássaro preso em céu aberto, e a nossa pele junto praticava o entardecer.
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Primeiro em casa não tínhamos luz. Eu tremia de medo. Gica minha mãe dizia que as lâmpadas eram os olhos dela. E eu me sentia iluminado por dentro. Anos depois dormíamos com as portas dos quartos abertas. Dávamos boa noite e a luz do corredor ficava acesa. Caíamos no sono protegidos por esse vão branco. Depois passamos a apagar a luz do corredor. Então já não nos desejávamos boa noite. Agora as portas dos quartos ficam fechadas, com a gente dentro. Temos a solidão em alerta. Fingimos dormir.

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Sim, eu, Jassei Brenneli, fui eterno. Até o dia em que flertei com a memória de não ter havido. Até descobrir que desde protozoários até dinossauros, todos são da minha família. Só é ilusão aquilo que não esqueço. O resto foi real.
 

UM CORPO BEM ENXAGUADO PERDE METADE da SUJEIRA por josé zokner

 RUMOREJANDO:

Constatação I

Dialoga,
Através de posições,
O professor
De ioga
No seu labor
Nas suas lições
Face o aumento
De transgressões
Do aluno birrento
Que merece uma soga.
Que tormento!
Que droga!

Constatação II (Esperando que Rumorejando não fique com a reputação arranhada com esse jogo de palavras).

Na vida, como no futebol,
Se perde, ou se ganha,
Também se pode empatar.
Perdendo, se esconde num aranhol*;
Ganhando, neca em papos-de-aranha**;
Empatando, pode o andamento aranhar***.
*Aranhol = “1. Lugar onde há teias de aranha, onde as aranhas se recolhem”.
**Em papos-de-aranha = “Em estado de grande preocupação e/ou pressa; em situação difícil, embaraçosa”. (Aurelião).
***Aranhar = “1. Andar vagarosamente, como a aranha. 2. Tardar, remanchar****, na execução de um serviço”.
****Remanchar = “1. Tardar, demorar-se”.

Constatação III

Rica tem malemolência; pobre, rebola.

Constatação IV

Não se pode confundir estrita com escrita, até porque, nem sempre a palavra escrita em lei, documentos oficiais, contratos pode merecer, incondicionalmente, a confiança estrita, uma vez que haverá quem dirá: “Não é bem assim”. “Depende de melhor análise”. “Há um furo na lei”. “Não ficou bem claro”. “O texto induz a dupla interpretação”. “A redação é dúbia” e coisas desse jaez. A recíproca, para esses casos ortográficos-jurídicos convictos, firmes, seguros de ordem legal, ou não, pode ser verdadeira, desde que não haja, também embutido, algum furo, falha, mau-caratismo e por aí afora…

Constatação V

Rico tem foro privilegiado; pobre, tem teto de zinco.

Constatação VI (De transcendental importância para o futuro da Humanidade).

Deu na mídia: “Príncipe Charles quer que Camila seja rainha”. Donde se conclui que: Nobre, que vai ser rei, quer que plebéia seja rainha; plebeu, se contenta que a mulher seja, apenas, não mais que apenas, rainha…do seu lar.

Constatação VII

Quando se constata tanta assim chamada autoridade sendo acusada de participar em esquemas de alguns tipos como anões, mensalões, sanguessuga, hurricane, Operação Navalha e as negaceadas e negativas dos acusados, as dúvidas levantadas pelos assim chamados protetores e defensores chega-se, mais uma vez, a conclusão de que, em certos países, os corruptos são sempre os outros…

Constatação VIII (De uma dúvida crucial. Quem souber a resposta, por favor, cartas à redação. Obrigado).

Quando Sylvester Stallone, o Rambo
Ganha uma guerra praticamente sozinho
Trata-se de empulhação, de um ditirambo*
Ou, talvez, nos querem fazer de anjinho?
*Ditirambo = “exaltação exagerada (de um fato, das qualidades de alguém); bajulação, lisonja”. (Houaiss)

Constatação IX

Não se pode confundir placebo, que o dicionário Houaiss dá como “preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos, ministrada em substituição de um medicamento, com a finalidade de suscitar ou controlar as reações, geralmente de natureza psicológica, que acompanham tal procedimento terapêutico”, com mancebo, que o mesmo dicionário dá, como uma de suas definições, “que ou aquele que está na juventude; jovem, moço, muito embora haja muito mancebo que, diante de uma gata ansiosamente carente, se comporta como um placebo… A recíproca é como é e tá acabado. Tenho democrática e peremptoriamente dito!

Constatação X

As eternas e infindáveis juras de amor
São como promessas de candidato
Com ambas deve-se ser um acautelador
Para depois não ficar com ar estupefato.

Constatação XI (Princípio do meu grande Amigo Engº. Renato Emilio Coimbra, baseado no de Arquimedes).

“Todo corpo bem enxaguado e imerso em um líquido perde pelo menos metade da sujeira”.
E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br