Arquivos Diários: 19 março, 2008

MAYTÊ CORREA e seu SAMBA de MESA é hoje no WONKA

mayte-correa-samba-de-mesa-toda-quarta-no-wonka-noname.jpg

…TAPAR os SEXOS e COZINHAR BEM a CARNE! por danielle morreale

Falei com meus botões que os buracos só serviam para prender a elegância. Eu estava certa. Não importa as remendas os retalhos nem o xadrez da roupa. Andar cru e nu é sinal de atropelos na dignidade.
É preciso tapar os sexos e cozinhar bem a carne! O reverso disso é um estado roto. Os preliminares começam no principio da história, como os prefixos, os pontos e também os nascimentos.
Comecei a vida assim, no INdigno ponto da parição. Acordei sem nenhuma veste e minha pele era alvura estatelada nas mãos da genitora. Nasci atropelando o manual de instrução. Fiquei vermelha rápido.

Quando desmamei, aprendi a falar palavrão, não digo palavra grande de baixo escalão, mas de palavras com teor de autenticidade pura. Estava firmando a personalidade fora o mundo de fora.

Criei um parlamento, montei minha comissão. Mas ninguém era suficiente fidedigno com si para levantar bandeira pacífica de uma existência sem vergonha. Eu fui apedrejada desde sempre nas praças da impunidade.

No principio onde tudo era branco fiz logo o cinza-sujo brotar, que era a cor forjada, que escondia das crianças inocentes a verdade pros olhos, que era como um conto de fadas.

Mundo embalado de fumaça. Tive de aprender a ser contorcionista cedo, equilibrando corpos em copos in copa e colossos. Tirando, rasgando, arrancando as embalagens. Sempre com muita sanha.

Em cada desembrulho era um embrulho no estômago. Minhas vertigens começaram aí, ao dar a cara nos lixões, manipulações, doenças desenvolvidas, mentiras e muitas cores escuras.

Quando cresci, pensei que minhas pernas eram grandes para dar rasteira na hipocrisia. Mas não era nada, a hipocrisia é um titã. Difícil, quase impossível, encarar esse duelo.

Depois de alguns tombos e anos, voltei a andar na corda bamba de quando meu corpo ainda pelejava em ser leve. Agora, com peso nas costas, cérebro gelado, cílios resfriados e meus olhos atônitos. Continuo buscando o equilíbrio mesmo zonza.

Ainda, na esperança dos meus músculos sentimentais, de empurrar o peso de uma vida que roda, roda e roda sob um sol aquecido. Persisto. Com minha casca dura e invencível tenho fé dos passos nesse espaço especial.

Abrir as cortinas dessa história milenar, engraçar os prazeres, enganar os desprazeres, encostar-se às gargalhadas e realmente viver sem discriminação na realidade dos desamparados.

Isso pra mim é viver!

PERMUTA DE HÁBITO e AJUDA DE SANTO dois contos de raymundo rolim

Permuta de hábito 

Recebeu o salário magro e entrou no ônibus que passava a umas seis quadras da casa velha e mista – madeira e alvenaria – a qual chamava “seu lar”. Desceu no feio e carcomido ponto, passou no bar costumeiro, pagou um trago aos amigos mais chegados. Falaram sobre futebol, o último jogo da seleção que havia empolgado todo o país. Mastigou qualquer coisa que lhe oferecera um outro e fez uma cara esquisita, pois não havia gostado nada das propriedades impalatáveis daquele diabo daquele negócio. Achou que fosse um rolmops semiconservado Mais por delicadeza que por fome, engoliu, tudo de uma vez, com uma talagada da também intragável cachaça com mentruz, servida contumazmente ao pé do balcão. A ‘branquinha’ funcionou como veículo para que ‘aquilo’ descesse melhor. Sentiu aquele arrepio feio, pensou que fosse adoecer ali mesmo. Pagou ao dono do botequim, despediu-se dos que se achavam mais perto. Aos outros, mais ao fundo, os que jogavam um baralhinho, saudou à distância com a mão agitando o ar e saiu. Um ancião da vizinhança passou cantarolando uma modinha antiga. Animou-se um pouquinho mais com a vida.  Lembrou-se de remoto baile à fantasia e daquela moça de tranças loiras que dançava incrementando o frevo. Somava-se ao fato a graciosidade em que ela se transformava com aquela sombrinha colorida. Um sorriso bobo franziu-lhe os lábios. Rodou a chave no ferrolho da porta. Havia esquecido o rádio ligado desde a manhã quando saíra. “A voz do Brasil” andava a meio caminho. Ouviu ainda o locutor anunciar que no senado da república, um parlamentar do estado de Alagoas acabara de atirar num colega, por engano. Engano! Oras! Como aquela gente podia se enganar tanto se viviam atirando! Gente ruim de mira! Sentou-se à mesa, olhou o jornal do dia anterior que não conseguira ler ainda. Na primeira página estampada estavam os números da mega-qualquer-coisa-lotérica que havia saído para uma única pessoa, e o prêmio era um dos maiores da história, acumulado há várias semanas. Dizia a matéria, que com o dinheiro, daria para comprar apartamentos, um não sei quantos exemplares de aviões, milhares de bicicletas, centenas de carros novos, milhões de vasos sanitários, uma ilha que estava à venda em terras distantes e que sobraria o bastante para não se ter de trabalhar mais em vida. Colocou a mão no bolso interno do paletó. Tirou um papelzinho que guardava já meio amassado, recheado de números e conferiu. Um sorriso grávido afunilou-lhe dessa vez os lábios pensos. Levantou-se da cadeira, foi até o quarto, jogou-se na cama do jeito que estava. Sapatos empoeirados, mãos e dentes por lavar. Fechou os olhos, e antes de adormecer, lembrou-se da primeira coisa que faria pela manhã ao despertar. Iria sim até o velho e insuficiente emprego de contador “do lojinha de Sr. Simon”, o judeu que escapara miraculosamente de um campo de concentração e pediria finalmente a sonhada demissão daquela vida de fastio e ralos prazeres. Começaria por comprar a ilha, e depois um avião, e os apartamentos. Daria de presente para o dono do botequim sujo da esquina e de aluguel escaldante (afeito a baratas que voavam sobre panelas e clientes), aquele prediozinho em que o mesmo morava anos a fio e que nunca lograra êxito como comerciante por estar sempre a beber acompanhando os outros. Aos amigos, permitiria que tomassem lá toda aguardente que pudessem, e também não deixaria que lhes faltasse muita cerveja gelada. E ainda, compraria baralhos novos e os deixaria por debaixo da antiga e pesada porta de aço cheia de dobras e tintas superposta. Desligaria o rádio sobre a pia da cozinha (na eterna ‘Voz do Brasil’ )que já andava a misturar-se com louças empilhadas e talheres por lavar. Logo pela manhã, daria uma grande, grata e justificada banana a Sr. Simon e o mandaria plantar muitas e longas favas na Alsácia! Bocejou e acordou com o sol batendo na vidraça. Ficara-lhe a impressão de um sonho singular, que não sabia mais o que era, e um amargor de algo estragado na boca. E tinha gosto de rolmops mal conservado!   

A ajuda do santo  

Rezou ao padroeiro de devoção uma reza das mais fervorosas desde a primeira e última comunhão. Pediu numa prece sincera que ela voltasse. Afinal, a saudade era já comprida e doída por demais. Jurou várias juras, acendeu velas, curvou-se mais uma vez humilhado ante os pés imóveis da imagem de gesso já meio feiinha e desbotada. Levantou-se meio atordoado. Buscou recuperar-se encostando-se à parede da antiga igrejinha construída por escravos. Assoou o nariz no lenço amarrotado, que já o havia auxiliado no enxugamento de tantas e tão sofridas lágrimas. Prometeu a si mesmo que não mais chegaria tarde e nem se deixaria enredar pelos amores fortuitos das putas de fim de noite, mesmo porque, não havia dinheiro que bastasse. Jurou também que uma vez sanados os problemas mais próximos, desencadearia uma corrente de orações por todos que sofriam de mal de amor. Suas pernas ainda tremiam pelo esforço da genuflexão prolongada em horas contritas. Por fim, se recompôs. Sentiu o coração irrequieto, cheio de nós, de embaraços, de lembranças antigas e sujas. Saiu de perto da pequena capela com uma certeza, um pressentimento de que o seu santo lhe responderia qualquer coisa. Uma sombra de dúvida ainda pairava sobre os seus queixumes interiores e já não sabia ao certo se entendera o recado que lhe fora soprado pela voz tênue e fugidia vinda de dentro do nicho. Talvez proviesse do fundo dos seus pensamentos turvos, embaralhados, confusos, que buscavam a todo e qualquer custo uma solução mágica e adequada para aquele caso que lhe angustiava e trazia inquietações constantes, desmesuradas e que lhe desarrumava eternamente o juízo. Deu alguns passos. Não, não tinha confiança quanto ao rumo a seguir e qualquer um seria bem-vindo. Atravessou a rua, olhou para um e outro lado e já alcançava o meio da pista de rolamento quando pressentiu a frenada forte. Os pneus guincharam; um barulho feio e seco, como de quando um carro bate em algo compacto e mole. A sirene de uma ambulância foi a última coisa que ouviu, bem ao longe, longe, muito longe, cada vez mais distante.  

DAS NUANCES DA LITERATURA e suas MALDIÇÕES por alessandro garcia

Edgar Allan Poe estabelece que a gênese do bom conto deve partir de um efeito único a ser atingido e assim ir acomodando os acontecimentos de forma a satisfazê-lo, insistindo na regularidade e eficiência que deverão manter a atenção do leitor e de um único eixo dramático, não permitindo intervenções, comentários e descrições quando desnecessários. Ele visa a um objetivo único, ímutável, caminha em direção a uma luz sem propósitos de alterações que possam vir a confundir o leitor a respeito da proposta inicial do autor. Poe estabelece uma situação inicial e a partir dela trabalha de forma concentrada situações capazes de criar o suspense no leitor conduzindo-o até o clímax. Para Poe, isto é o necessário para o escritor do conto atingir seus objetivos.

Já Julio Cortázar, no ensaio Alguns aspectos do conto [publicado no livro “Valise de Cronópio”], nos diz que os contos de Tchekov visam apresentar algo que está além do conto em si, tanto antes como depois. Muito além do fato narrado, escondem-se outros fatores que devem ser destrinchados pelo leitor. Utilizando como exemplo o conto “O bilhete de loteria”, onde a tensão está concentrada em Ivan Dmitritchi e sua esposa que imaginam terem ganho o prêmio da loteria. Durante o conto a ação é praticamente nula, apenas com os dois se observando e imaginando o que fazer com o dinheiro, porém quando certificam-se de que não ganharam nada, voltam-se para a realidade. Não há nada além disso se pensarmos de acordo com a teoria de Poe, mas de acordo com o pensamento de Cortázar sobre a obra de Tchekov as coisas se passariam de modo diferente. O que seria, então, esta outra intenção?

Existem subterfúgios diversos, possibilidades mil de se esconder as diversas nuances existentes em um conto. Ou de contá-las da maneira mais fascinante possível, deixando ao leitor o intrincado jogo de revelação sobre o que de fato ele representa. Em uma palestra para escritores cubanos da Revolução, Cortázar discorreu sobre sua maneira de olhar para o conto. Para ele, a função de um conto é quebrar seus próprios limites para ir muito além da pequena história que narra. E neste quesito, a escolha do tema se torna imprescindível como ato de criação. Cortázar defende que o tema deve ser uma condição primordial para o contista esmiuçar sua história de maneira aglutinante e mais vasta que um mero argumento. E para isto, é necessário uma total dedicação e motivação com o assunto a ser retratado, caso contrário, o conto já nasce completamente comprometido. Dedicação, conhecimento – o esmiuçar do tema escolhido, procurando retirar do conto, desde a sua proposta de escrita, todos os diferentes ângulos de análise possível ou apresentar um, deixando para o leitor as possibilidades interpretativas de todos os outros existentes.

E isto vai além de toda a verborragia que perpassa uma produção literária que hoje tem insistido mais nas digressões e no vomitar vazio de palavras, do que no esmiuçar destas diversas possibilidades que Cortázar nos apresenta. A atual safra de contos que tem se apresentado, principalmente através das revistas eletrônicas tão vastas na net, têm apresentado, quase sem novas ousadias, o apego as características dos escritores “malditos”. Não à toa, as suas referência esbarram quase que inevitavelmente em John Fante, Charles Bukowski, Jack Kerouac, Alan Ginsberg, entre outros. Sobre o primeiro, acho peculiar que também sempre esteja inserido no rol da “maldição”. Sua obra prima, Pergunte ao Pó, tão aclamada por Charles Bukowski, apesar de contar com fluxos de memória freqüentes, narração em primeira pessoa e com uma temática comum nestas obras — a busca de sentido pelo personagem título que vaga insone, com pouco dinheiro e intercalando diversas aventuras mundanas pelas noites de alguma grande cidade — a meu ver não pode ser simplesmente comparada com obras como a de seu próprio “discípulo” Bukowski e suas insanas e toscas aventuras repletas de gratuita imersão na quase pornografia e constante embriaguez de seus personagens alter-egos.

Alguns jornalistas e críticos, interessados em fazer um mapa atualizado sobre quem são os escritores da dita nova geração que têm se prestado a perpetuar tal espécime de “categoria literária”, se assim se pode chamar, têm, no entanto, ensacado todos os escritores estreantes como cópias mal disfarçadas uns dos outros.

É notória, no entanto, a constatação de um tipo de literatura atual que, se não totalmente fundamentada nos alicerces da geração dos malditos, têm apresentado elementos que os equiparem em algum ponto a esta literatura evidentemente provocativa de então. Lógico que a literatura como provocação é uma atitude louvável quando não calcada em experimentações já desgastadas e em formas fáceis. O apelo para o estranhamento, como se buscou outrora, deve buscar ao menos o novo para se fazer original e não caricatura de um estilo que, mais do que discriminado como foi na sua primeira geração, hoje tem se convertido em status, grife identificadora. Desta maneira, quem não quer ser maldito?

“POEMAS MAL_DITOS” livro de julio almada – por andréa motta

“Ao ler, eu procuro um respiradouro…Se meu olhar escava entre as palavras, é para tentar discernir o que se esboça a distância, nos espaços que se estendem para além da palavra fim” (Calvino, Ítalo. 1999. Se um viajante numa noite de inverno . Trad. N. Moulin. São Paulo: Companhia das Letras).
 
            O livro Poemas Mal_Ditos, do poeta Julio Almada proporciona efeitos múltiplos. A cada nova poesia, a dualidade dos sentidos aflora, se avoluma e transborda em seus infinitos significados.
            A priori, o leitor mais precipitado, ávido por leituras superficiais, pode achar que o livro é construído em torno de clichês cansados. Mas, não se enganem, é ao contrário, construído com fervor, onde a intertextualidade com seus mestres, encena o jogo das palavras da liberdade e dos signos.
            Em cada verso há um pouco da medula óssea do autor. Suas palavras compõem, decompõem e recompõem sua voz lírica na árdua busca do fazer poético e de si mesmo.  
            A angústia, a dramaticidade e o ar confessional característico de sua poesia, instigam o leitor a uma profunda  e prazerosa inquietude acerca do sentido Vida e Morte na Poesia, sobre seu papel na produção social, enfim sobre a solidão do Poeta.
            Poemas Mal_Ditos, possibilita várias leituras, reflexões e discussões rumo a novas descobertas, exatamente como prevê a epígrafe  de Ítalo Calvino. Trata enfim da necessidade premente de viver Poesia. O mais? Que descubra o leitor!

Andréa Motta  é Poeta, escritora, advogada, membro efetivo do Centro de Letras do Paraná e associada a Academia Paranaense de Poesia.
 
Publicações digitais: Fonte de meus Silêncios mais Profundos, Natureza Íntima e Águas do Inconsciente.
 
Antologias : Antologia Internacional Terra Latina (Projeto Cultural Abrali, Ed.2005), uniVERSOS,  Antologia Poética (Escritores e Poetas – Ed.2005), Pó&Teias (Antologia de Poemas, crônicas e Contos, Ed.2006), Poesia do Brasil, Vol.3 (Proyecto Cultural Sur/Brasil, 2006) e Poesia do Brasil, Vol.5 (Proyecto Cultural Sur/Brasil, 2007) .

poema do livro:

 Um poeta em seu reino dos céus
Tem sempre esse inferno particular:
  Se cortando na sutileza dos véus
Olha no olho do que há para revelar
 
  Vê claro o que claramente oculto
É o mais escondido dos tesouros.
  logo o acusam de estar em surto
ao dançar com a alma dos touros.
 
Chega de promessas do paraíso
  repleto de prazeres artificiais.
Escrevo uma dor ácida e aviso:
  sou o menos morto dos mortais!
 
Vestido com a ousadia nua:
  Como flor de lótus nos funerais.
Quero a tinta que a beleza sua
  E deitar vivo, aonde a vida jaz.