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CARNIFICENTE poema de joão batista do lago

Vem!

Rasga meu peito sem medo

Toma em tuas mãos meu coração (e)

Bebe todo o sangue…

Sangue que sangra como rio

Sangue que dá vida ao corpo frio (e)

Que se faz larva do fogo da paixão

Deixa-o correr por entre veias

Vazias.

Deixa-o lavar o esgoto

Deixa-o penetrar as profundezas

Do teu corpo-mar

Deixa-o, enfim, embriagar…

Até – (quem sabe!?) – que o doce tédio dos teus lábios

Alcance a sarjeta do verdugo (e)

Beije silenciosamente a terra que te é pó (mas)

Que nunca se dera como palavra – nem verbo!

E quando sóbrio te encontrares

Com o gosto do sangue à boca

Verás que tens por alimento

A desdita de ser o que nunca fostes

Sendo o que jamais serás

Na eternidade dos tempos – e das almas sem espírito:

Deus maldito que professo fogo

Planta fome (e)

Mergulha no mar de lama

Onde almas sem ser dançam a valsa apocalíptica num

Balé de águas que se vão e que se vêem

Sem jamais serem passageiras da mesma viagem

 

BRASILIA 48 ANOS poema de josias de souza

JK

Céu

Ermo

Sonho

Cerrado

Alvoroço

Niemeyer

Dá, não dá

Lúcio Costa

Modernidade

Mexe, remexe

Risca e rabisca

Ah! Plano Piloto

Ou vai ou racha!

Lobbies, trejeitos

Jeitinhos, arranjos

‘Quanto levo nisso?’

Início do novo Brasil

O público privatizado

Desbravamento moral

Canteiro de obras: lama

Máquinas e tratores: lama

Movimentos pesados: lama

Uma cleptocracia emergente

País de inocentes e cúmplices

De repente, o cerrado vira mar

Mar de gente; humilde e ingente

Gente punjente; daqui, dali, d’acolá

Cimento, tijolo, ferro, aço e vidro

Suor, lágrima, ‘concreto amado’

Grita, sussurra, bate e levanta

Horizonte largo, tempo curto

Correria, pressão, algaravia

Avenidas, prédios, euforia

Munumentos curvilíneos

Teatro, eixos, Catedral

Supremo e Congresso

O Palácio do Planalto

Praça dos ‘poderes’

Lá se vão 48 anos

A cidade é duas

A modernidade

A Idade Média

Absenteísmo

Clientelismo

Espertezas

Culpados?

Ora, nós!

O voto

Vesgo

Torto

Cego

Oco

CLIMA poema de jorge barbosa filho

nu vejo

 

nu vais

 

nu vem

 

nu vemos

 

nu vinde

 

nu vão

 

NADA SERÁ COMO HOJE, AMANHÃ por maria lucia victor barbosa

 

Nada dura para sempre, tudo está em constante mudança, mesmo assim, nossa sede de infinito dá aquela falsa sensação de que viveremos indefinidamente. Os moços não cogitam da velhice que lhes parece remota. Os velhos não pensam na morte que se aproxima. Os que estão no poder não imaginam que mais dia menos dia perderão seu domínio e seus privilégios.

Se não há mal que dure para sempre o bem também não dura. Aliás, o bem traduzido em termos de felicidade dura menos que o mal que é o locatário do mundo. Basta observar que a história mundial registra mais déspotas do que governantes benfazejos, mais tiranias do que democracias.

Ao mesmo tempo, isso parece demonstrar que, apesar da instabilidade das formas ilusórias da existência há uma essência que traduz a única coisa imutável da natureza humana: a ignorância com seu séqüito de desgraças tais como o desamor, a inveja, a ganância, o culto da mentira, o egoísmo, o hedonismo, a ambição desmedida, enfim, essas características do animal mais evoluído e mais cruel do planeta: o homem.

Em determinadas épocas os traços negativos da humanidade se acentuam em determinadas sociedades e, em alguns casos, contaminam o mundo. Esse tipo de pestilência tem como núcleo certas formas de poder. No século passado, por exemplo, o mal esteve por excelência não tanto nas duas guerras mundiais, mas nos totalitarismos representados pelo nazismo e pelo comunismo.

Terminada, porém, a Guerra fria, derrubado o Muro de Berlim, o mal continuou a despontar aqui e ali com outras formas. Na América Latina, que parecia expurgada de seu histórico autoritarismo, emergiram populistas sedentos de poder que pensam durar para sempre no comando arbitrário de seus povos.

Em Cuba, pequenas mudanças já são perceptíveis na medida em que Fidel Castro se encontra praticamente mumificado. Se isso é bom para os cubanos, não se pense que o sucessor de Fidel no cenário latino-americano é seu irmão Raúl Castro. O herdeiro do tirano da Ilha atende pelo nome de Hugo Chávez e este tem seguidores na Bolívia, no Equador, na Nicarágua, agora no Paraguai e, porque não, na Argentina e no Brasil. E quanto mais sobe o petróleo, mais Chávez, o bem armado, amplia sua influência sobre seus comandados e sobre os muy amigos.

Gira o mundo e sinais de mau agouro se desenham no horizonte das transformações. Em termos políticos, nos Estados Unidos a vitória de Barack Obama, tido por muitos como anti-semita, mulçumano e de esquerda traria conseqüências imprevisíveis para o planeta globalizado.

Na economia fala-se em fome mundial, especialmente para os mais pobres, ressuscitando-se, em pleno século 21, a tese de Malthus segundo a qual o crescimento populacional seria maior do que a produção de alimentos. Sobe absurdamente o barril de petróleo. A crise da economia americana turva o céu de brigadeiro que possibilitou a calmaria, inclusive, dos países subdesenvolvidos.

No Brasil algo começa a mudar na economia, como não poderia deixar de ser. Um velho filme de terror está sendo reprisado e tem como título a volta da inflação, que o Plano Real havia eliminado. Inútil se torna a costumeira manipulação de dados pelo governo, pois o povo já percebe a subida do preço dos alimentos, sendo que já há previsão de alta da gasolina. Reivindicações do Paraguai relativas à Itaipu, que possivelmente serão atendidas pelo governo brasileiro, elevarão ainda mais o preço da energia. E torçamos para que Evo Morales não resolva fechar de vez a torneira do gás, pois as conseqüências para nós seriam as piores possíveis.

Para além da economia, outras coisas vão mudando no Brasil, e para melhor. Significativa e importante foi a opinião do Comandante da Amazônia, general-de-exército Augusto Heleno Pereira, que durante palestra no Clube Militar do Rio de Janeiro se declarou contra a demarcação de imensas terras indígenas na fronteira, portanto, contra a reserva Raposa Serra do Sol, “uma ameaça a soberania nacional”. O general criticou também a política indigenista que considera lamentável e caótica, e ainda ousou afirmar, muito apropriadamente, que o “Exército serve ao Estado e não a governos”. Sua voz ecoou na mídia e se destacou do coro dos medíocres, dos estultos e dos acovardados que pululam nas diversas instituições do País.

Também a posse do ministro Gilmar Ferreira Mendes na presidência do STF ressuscitou a esperança de se encontrar na Justiça a verdadeira e legitima autoridade, aquela que se faz respeitar ao respeitar as leis. O ministro criticou o “modelo de edições de medidas provisórias” que paralisa o Congresso, a ação de movimentos sociais, a idéia do terceiro mandato e ainda defendeu o papel do Judiciário na consolidação da democracia.

Alguma coisa está, portanto, mudando. Afinal, “nada será como hoje amanhã”.

 

 

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga

1968, A SEXTA-FEIRA SANGRENTA – por manoel de andrade

esta é a 1ª das 4 partes da matéria onde o poeta manoel de andrade relata, 40 anos depois, os fatos mais relevantes de 1968, no Brasil e no mundo. na época, estudante de história, e com sua poesia sendo reconhecida nacionalmente, ele foi um observador atento dos graves acontecimentos que marcaram todo aquele ano, e que terminou, em 13 de dezembro, com a edição do sinistro AI-5, oficializando o pânico e a brutal repressão política, lotando as prisões do regime  e obrigando milhares de brasileiros a entrar na clandestinidade ou a fugir do país, como ele mesmo teve que fazer, em conseqüência da panfletagem dos seus poemas contra a ditadura.

 

o editor.

 

1968- Uma revisão

 

1ª/4ª parte: A sexta-feira sangrenta

 

          O ano chegava ao seu último quartel respirando o pressentimento de uma surda e sinistra ameaça por trás dos biombos do poder. O País, desde o golpe militar de 64, seguia sua trajetória nebulosa e imprevisível. Sentiam-se os  agudos sintomas sociais de uma crise potencial que, dia a dia, ia cavando suas imperceptíveis  trincheiras e radicalizando suas posições para o enfrentamento. As palavras, no plano político, haviam perdido a sua opção pelo diálogo e os atos e os fatos iam desfigurando sempre mais a face institucional da Nação. Sob o pano de fundo deste cenário inquietante, um fenômeno social surge desafiante na ribalta nacional. O movimento estudantil que a partir de 1964 fora sistematicamente reprimido, com a própria sede da União Nacional dos Estudantes saqueada e incendiada no mesmo dia do golpe, retoma gradativamente o seu espaço político.

          A UNE, a partir de 1966, desafiando proibições e ameaças, passa a realizar clandestinamente seus congressos e, a partir de 1968,  integrando-se a uma onda mundial de protestos estudantis, ocupa no Brasil o principal papel no palco das grandes manifestações populares contra a Ditadura Militar.

     O ano de 1968 foi um marco indelével em minha vida e creio que na vida de qualquer cidadão consciente, no Brasil e no Mundo. Eu terminara o curso de Direito em 66 e cursava o segundo ano de História na Universidade Federal do Paraná. Nosso calendário estudantil iniciara o ano letivo marcado pelo luto nacional. Ele tinha apenas 17 anos e seu sangue de infante tingiu, indelevelmente, nossas vidas. Edson Luis de Lima Souto foi morto em março, no Rio de Janeiro, marcando o início de uma movimentação estudantil que envolveria, ao longo do ano, toda a vida nacional e que culminaria com a invasão e ocupação militar da Universidade de Brasília, em setembro e, em outubro, com a prisão de 920 estudantes no Congresso da UNE, em Ibiúna.

          Na sexta-feira, 29 de março a cerimônia do seu sepultamento  partiu da Cinelândia  com um acompanhamento calculado em 50 mil pessoas. A vanguarda do cortejo ostentava uma faixa onde se lia: “Os velhos no poder, os jovens no caixão”.O país estava perplexo. Como que acordava de um longo pesadelo. Parecia que aquela revolta, por tudo o que estava acontecendo no Brasil desde 64, fora preguiçosamente protelada, que cochilara por quatro anos e que agora finalmente despertava.                                                

          No dia 4 de abril, muitos de nós, estudantes e intelectuais, aqui em Curitiba, aguardávamos, apreensivos, o desfecho do que seria a tão anunciada missa de sétimo dia pela alma de Edson Luiz, na Igreja da Candelária.. Às 18 horas, a Praça  Pio X estava totalmente tomada pelos cavalarianos  da P.M. e por fuzileiros navais, somando cerca de 2.000 soldados e mais os agentes do DOPS, todos em volta da Igreja sitiada.

          A celebração começou tranqüila com um estudante lendo o segundo versículo do capítulo 12, da Carta de Paulo de Tarso aos Romanos:

 

E não vos conformeis com este tempo, mas transformai-vos moralmente, renovando     vosso espírito para compreender a vontade de Deus, que é boa, agradável e perfeita.

 

          Se estas recomendações evangélicas  tiveram alguma importância para um ateu como Otto Maria Carpeaux, para um trotskista como  Mário Pedrosa, para um comunista como Oscar Niemeyer ou para os incrédulos, agnósticos, e esquerdistas de tantas dissidências ali presentes, é apenas uma singela ilação e, por isso mesmo, sem nenhuma relevância. Contudo é relevante afirmar que todos estavam ali reunidos num gesto grandioso de solidariedade, acima de qualquer confissão religiosa ou ideologia política. Ali entraram, arriscando a própria pele, para prestar a última homenagem ao primeiro jovem mártir da Ditadura que, uma semana atrás,  lutando contra o fechamento do restaurante Calabouço, tombara com o peito perfurado pela bala de um PM.

          Dentro da igreja se comprimiam 600 pessoas amedrontadas, divididas entre as que confiavam no amparo divino, no bom senso da polícia ou magnetizadas por maus pressentimentos. Quando a missa chegava ao fim, os ruídos dos cascos dos cavalos e o ronco de um avião se ouviam entre as altas naves do templo, como  se ouvia também um surdo murmúrio  prenunciando o angustiante calvário da saída. Na cabeça de muitos ali presentes, pairava a lembrança da missa daquela mesma manhã, encomendada pela Assembléia Legislativa em memória de Edson Luis, e cuja saída, calmamente iniciada, foi subitamente cercada pela Cavalaria, numa sinistra e calculada operação de encurralamento ante as portas já fechadas da Igreja. Foi uma pancadaria ou um massacre, segundo os jornais da época.

          Agora, ao anoitecer, se redesenhava uma nova via crucis. Os portões da igreja são novamente bloqueados pela Cavalaria da Polícia Militar. Na saída o bispo auxiliar da cidade pede calma e os quinze padres  de mãos dadas, formam dois cordões  por onde a multidão começa a sair espremida.  As pessoas deixam a igreja com os olhares fixos nos cavalos e nos cavaleiros. Há em toda praça uma tensão insuportável, alimentada pelo  pânico das “vítimas” e a impaciência dos “algozes”. E eis que surge o impasse, uma fronteira intransponível. Um limite para todos os passos. Ouve-se a ordem:

          Desembainhar! 

          Em seguida os gritos ordenam:

          Recuem, recuem…! Aqui ninguém passa…!

          Diante da massa humana acuada, os padres, num gesto de imensa coragem, levantaram os braços e, em nome de Deus, se dirigem ao major dizendo que aquela manifestação não era uma passeata, que todos queriam apenas voltar para suas casas. Foram minutos intermináveis entre virtuais ofensores e ofendidos. Ninguém mais ousou intermediar o diálogo. Havia ali dezenas de intelectuais ilustres, políticos, líderes estudantis, professores universitários. Todos estavam paralisados. Finalmente, ante a iminência de um massacre, ouviu-se uma frase que soou como uma graça recebida, como uma resposta a tantas preces, explícitas ou inconfessáveis, mas que por certo foram  ali silenciosamente pronunciadas, no imperscrutável sacrário da alma:

          Dispersar, dispersar… A ordem é dispersar.

          Os sacerdotes, como que assistidos por uma força invisível, coordenaram a saída disciplinada e silenciosa pela calçada. Postados num cruzamento da Avenida Rio Branco,  todos paramentados, ali permaneceram até que passassem, sãos e salvos, todos os “sobreviventes” do ato religioso. Por certo, em suas orações, daquela esquina pra frente entregavam a sorte daqueles rapazes e moças, nas próprias mãos de Deus, sem imaginar que mais adiante muitos deles seriam brutalmente espancados e presos.

            

          A classe estudantil em 68, simbolizava o mais belo estandarte de luta que se empunhava contra a Ditadura Militar. No embalo dos acontecimentos de maio, em Paris, que acendeu o pavio da revolta estudantil no mundo inteiro, aqui também tivemos, em junho daquele ano, no Rio de Janeiro, as nossas barricadas de Nanterre, levantadas na  Avenida Rio Branco e nas ruas México e Graça Aranha.

           Os protestos contra a repressão começaram no dia 19, e chegaram ao auge do enfretamento no dia 21, que ficou conhecido como a “sexta-feira sangrenta”.

          Logo depois das 13 horas os fatos se precipitaram num desesperante torvelinho de violência. Os ânimos, sobrecarregados pela repressão oficial de três dias, uniram populares e estudantes que avançaram contra os batalhões da polícia. O centro do Rio se transformou num original cenário de batalha, com gente correndo em todas as direções. Em dado momento surge a Cavalaria e depois os batalhões de choque que, que pari passo, vão ocupando a Avenida Rio Branco até encontrar as barricadas.  A polícia, sob a chuva dos mais variados objetos atirados do alto dos edifícios, avança abrindo fogo e ultrapassa a primeira barricada. Os agentes do DOPS chegam atirando contra os manifestantes, em disparada pela rua, e contra os que se postam nas janelas dos prédios. Zuenir Ventura, numa das mais dramáticas referências que se escreveu sobre aquele ano, ao registrar a memória daquele dia, no seu livro “1968 – O ANO QUE NÃO TERMINOU”, relata que:

 

Ao contrário do movimento francês, não se lutava no Brasil contra abstrações como    a

“sociedade de opulência ou a “unidimensionalidade da sociedade burguesa”, mas contra uma ditadura de carne, osso e muita disposição para reagir. As barricadas de Paris talvez não tenham causado  tantos feridos quanto a “sexta-feira sangrenta” do Rio, para citar apenas um dia de uma semana que ainda teve uma quinta e uma quarta quase tão violentas.(…)  Durante quase dez horas, o povo lutou contra a polícia nas ruas, com paus e pedras, e do alto dos edifícios, jogando garrafas, cinzeiros, cadeiras, vasos de flores e até uma maquina de escrever.

 

          O saldo doloroso dos fatos ocorridos na “sexta-feira sangrenta” deixou uma declarada indignação entre estudantes,  intelectuais e  em muitas categorias profissionais da população carioca. Como conter tanta revolta? Aquilo não poderia ficar por isso mesmo. Artistas, jornalistas, escritores, professores começaram a articular alguma forma de manifestação que lavasse a alma de tantos ofendidos. Naquela mesma noite algumas reuniões paralelas foram feitas e nelas protagonizaram as idéias de Ferreira Gullar, Gláuber Rocha, Arnaldo Jabor, Hélio Pellegrino, Cacá Diegues, Luís Carlos Barreto, Ziraldo  e outros.

          Na manhã seguinte, no Salão Nobre do Palácio Guanabara, o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino, a frente de 300 intelectuais, entre os quais Oscar  Niemeyer, Clarice Lispector, Paulo Autran, Tônia Carrero, Milton Nascimento, Nara Leão, etc., solicitava ao Governador Negrão de Lima a autorização oficial para realizar uma passeata pacífica, no centro do Rio, sem a presença dos policiais na rua. Depois de uma longa e difícil negociação, em que foi exigida, também, a libertação de presos políticos  — numa referência ao diretor de teatro Flávio Rangel e ao arquiteto Bernardo Figueiredo – o Governador, esmagado pela argumentação  de Pellegrino, concordou em liberar a passeata. Na quarta-feira, 26 de junho de 1968, depois de três dias de tensas negociações com  autoridades municipais e federais pela segurança do trajeto, o Rio de Janeiro iria assistir  uma das maiores, senão a maior, manifestação popular de sua história: A Passeata dos Cem Mil.  ( Segue na segunda parte a ser publicada).

 

estudantes velam o corpo de EDSON LUIS SOUTO. foto sem crédito. ilustração do site.

 

2ª/4ª parte: A Passeata dos Cem Mil – publicada aqui:  

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/05/1968-a-passeata-dos-cem-mil-por-manoel-de-andrade/

 

3ª/4ª parte:  Partidão versus Foquismo

https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/12/1968-partidao-versus-foquismo-por-manoel-de-andrade/

 

1968: Uma Revisão  – 4ª Parte:

 

 

 

 https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/05/29/as-barricadas-que-abalaram-o-mundo-por-manoel-de-andrade/

A VERGONHA por eugenio mussak

Eu tenho um filho já adulto, engenheiro. É homem feito, mas vai morrer de vergonha ao ler este texto (desculpe, filhão, mas não encontrei história melhor para ilustrar este artigo). Quando ele tinha uns 3 anos de idade, seu pediatra, o doutor Nelson, recomendou que o menino fizesse uma postectomia – uma rápida cirurgia para retirar o excesso de pele que envolve a glande peniana, procedimento que facilita a higiene. E lá foi o pequeno.

 

Como costuma acontecer com as crianças, sua recuperação foi rapidíssima e, alguns dias depois, ele estava totalmente bem e feliz com seu “novo pipi”. Foi quando encontramos o doutor Nelson numa festa de aniversário. Ao vê-lo, o menino correu em sua direção, abraçou-o e, sem a menor cerimônia, baixou as calças e mostrou seu troféu, todo orgulhoso, provocando espanto e riso entre as pessoas, encantadas com a maravilhosa espontaneidade infantil.

 

Então – não poderia faltar –, um adulto qualquer, provavelmente uma avó, lhe disse: “Menino, você não tem vergonha?” Não, ele não tinha vergonha. Ele estava feliz com sua conquista, satisfeito com seu corpinho perfeito, alegre com os amiguinhos da festa, seguro com a companhia de sua família. Ele estava vivendo intensamente, e ninguém, ninguém mesmo, deve envergonhar-se de viver e ser feliz. Mas o mundo que construímos, infelizmente, não é bem assim. Sempre tem alguém nos perguntando se não temos vergonha de alguma coisa, nem que seja de sermos nós mesmos.

A expressão “força de ego” é bastante utilizada em psicologia. Referese a uma noção freudiana clássica em que o bom funcionamento psicológico das pessoas pode ser avaliado de acordo com a maneira como elas lidam com o conjunto de fatores controladores do meio onde vivem – os códigos sociais e culturais, as regras sociais. Controles sempre existem, e é bom que existam, pois o equilíbrio das relações depende, em grande parte, deles. Se cada um fizesse o que lhe dá na telha, viveríamos em anarquia, o que contraria o princípio da civilização.

 

Até aí, tudo bem. Eu preciso entender meus limites e respeitar os ditames do bom convívio com os demais. Caso contrário, posso ser acusado de ser anti- social, egoísta, desagradável. Um verdadeiro sem-vergonha. Por isso, na educação de uma criança, faz parte ensinar- lhe os limites, até onde se pode avançar sem ferir o espaço dos outros, seja o espaço físico, seja o moral.
A noção da força do ego está atrelada ao equilíbrio entre o primitivismo dos desejos humanos e a sofisticação das regras sociais. Só que esse equilíbrio é o que, em física, poderia ser chamado de equilíbrio instável. Qualquer esforço ligeiramente maior, de um lado ou do outro, gera o desequilíbrio, a ruptura psicológica, o sofrimento emocional.

 

A espontaneidade de um menino que mostra seu “pipi” para o médico em uma festa pode se transformar em um trauma com repercussões sexuais se ele for severamente repreendido. E, se não o for, pode colaborar para um comportamento irresponsável no futuro. Mas há outra possibilidade.

Um fato como esse também pode ser utilizado como um momento pedagógico sobre normas de conduta, desde que a comunicação usada pela pessoa em que a criança confia seja natural e clara, como a educação em geral deve ser.


O psicólogo alemão Erik Erikson, uma referência quando o tema é infância, adolescência e os reflexos dessas fases na idade adulta, dizia: “Na vida social, a pessoa está completamente exposta e está consciente de que está sendo vista. A vergonha surge quando a pessoa ainda não se sente pronta para ser vista”. Como a cobrança social é cada vez maior – em termos de sucesso, realização, estética e posses –, é muito difícil alguém se considerar totalmente pronto para ser visto. E dálhe vergonha. Por outro lado, se alguém não demonstra vergonha jamais, pode ser acusado de ser alienado.


Não há vergonha em sentir vergonha. A questão central não é essa, pois a vergonha é normal. O importante é a análise da relação entre a vergonha que sentimos e o motivo que a fez aparecer. Às vezes, a vergonha é desproporcional e pode provocar traumas. O menino que mostra o “pipi” e é repreendido ou humilhado não entende o que há de errado em seu ato. E, pior, poderá envergonhar- se de seu corpo para sempre.

Se um garoto sente vergonha de fazer uma pergunta ao professor durante a aula, pois tem medo da violência do controle do meio – no caso, as gozações dos colegas –, pode ser um sinal de que ele se sente inadequado no meio em que está inserido. Ele não se sente pronto para ser visto. Por outro lado, o garoto que desrespeita o professor e os colegas com atitudes de indisciplina constante pode estar no extremo oposto. É arrogante porque nega o controle social e faz questão de explicitar sua revolta com a autoridade. Ele poderia ser chamado, facilmente, de sem-vergonha. Mais uma vez, estamos lidando com o equilíbrio instável da força do ego.

 

O tema da vergonha normalmente é analisando sob a ótica da psicologia ou da sociologia, entretanto ele também pode ser visto por outras lentes, como a da biologia. Em seu livro ‘A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais’, Charles Darwin afirma: “Enrubescer é a mais especial e a mais humana de todas as emoções”. E conclui dizendo que sua causa, a vergonha, é a peça-chave para a vida em sociedade.

 

Enquanto as sociedades de animais são regidas pelos instintos, a sociedade humana é regida por regras construídas intencionalmente. Darwin explica que o rubor é uma conseqüência fisiológica causada pela preocupação com o que os outros pensam de nós mesmos. A função do rubor é embaraçar quem ruboresce e constranger quem observa. E, assim, seguimos na vida, dançando a valsa da humanidade em um salão decorado com as regras da sociedade.


Em seu estado natural, o homem não se envergonha de nada, mas ele só está nesse estado na infância. Na própria infância da humanidade, metaforicamente descrita nas escrituras bíblicas, o homem não se envergonhava de andar nu. Foi só quando se viu expulso do paraíso que ele tratou de esconder seus genitais, “suas vergonhas”. Talvez isso seja apenas um símbolo da vergonha de ter traído a confiança do criador e comido o fruto proibido. A partir de então, teve início a humanidade controlada pela vergonha. Hoje, as religiões e o Estado valem-se do sentimento da vergonha para controlar as pessoas e manter o mínimo de equilíbrio social.

 

Portanto, a vergonha tem lá sua importância. Está ligada ao equilíbrio social e ao convívio humano. Sendo assim, estamos falando de algo humano, tanto do ponto de vista psicológico, quanto social e até biológico, como vimos. O problema está na vergonha desproporcional, tóxica, descabida, paralisante. Esta pode precisar de apoio profissional, mas pode também ser controlada à medida que o ego vai ganhando força, encontrando seus alicerces na maturidade, no autoconhecimento, na auto-aceitação.


Eu, por exemplo, que sou professor, perdi a conta das vezes que senti vergonha diante de meus alunos. Hoje, me parece ridículo, mas, no início da carreira, a insegurança era o precursor de fatos que me envergonhavam. Meu grande medo era que um aluno me fizesse uma pergunta para a qual eu não tivesse resposta. Já pensou na vergonha? Para controlar isso, eu falava sem parar, praticamente eliminando a chance de os alunos se manifestarem. Terminava a aula e saía quase correndo em direção ao porto seguro da sala dos professores.


Com o tempo, veio a segurança. Com ela, desapareceu o temor das perguntas e, mais, o temor de não ter uma resposta. Entendi que dizer que eu não sabia, mas que iria pesquisar e responderia na próxima aula, só aumentava a confiança que meus alunos tinham em mim. A vergonha sumiu. Foi substituída pela auto-suficiência.

 

Talvez você não acredite, mas devo ao fato de sentir vergonha de uma possível falha a qualidade pedagógica que desenvolvi e que me transformou em bom professor. Se eu não estivesse nem aí para a opinião de meus alunos e colegas, provavelmente não teria buscado o aprimoramento e a superação. A vergonha me salvou. Hoje eu me envergonharia de ter construído uma carreira sem compromisso, sem responsabilidade, sem excelência.

Que bom seria se a vergonha se fizesse mais presente em algumas esferas de nossa sociedade. Teríamos políticos mais responsáveis, profissionais mais ciosos, pais mais cuidadosos, cidadãos mais respeitadores. Quando assisto constrangido a um ato de vandalismo – como lixo jogado na rua, muros pichados, motoristas inconseqüentes e autoridades displicentes –, lembro-me de Rui Barbosa, que alegou, ironicamente, sentir vergonha de ser honesto, por tanto ver triunfar as nulidades, crescer a injustiça e prosperar a desonra.


Vamos concordar que a vida tem de ser vivida intensamente, mas não irresponsavelmente. Tentar ser feliz não é vergonha, a não ser que com sua felicidade você provoque a infelicidade de alguém mais. Mas isso, acredite, não é necessário, absolutamente.


Lembremos nosso grande Gonzaguinha, que cantou “Viver, e não ter a vergonha de ser feliz/ Cantar e cantar e cantar/ A beleza de ser um eterno aprendiz/ Ah, meu Deus, eu sei, eu sei/ Que a vida devia ser bem melhor e será/ Mas isso não impede que eu repita/ é bonita, é bonita e é bonita”.

 

O MAL-ESTAR no VISUAL por flávia albuquerque

Na atual sociedade em que vivemos, com o subentendido lema de ‘seja belo e consuma’, o corpo se insere no mercado primordialmente como capacidade de consumir e ser consumido. Vivemos em um crítico momento em que vigora a padronização de comportamentos onde o corpo se encontra como máquina de dor e prazer para responder à exigência maciça de permanecer jovem e belo.Tal promessa de juventude eterna acaba por nos reduzir aos quilos de nossos corpos e às curvas de nossas silhuetas. Os que não respondem ao modelo atual ‘sarado’, seios siliconados, ‘barriga tábua’, quilos abaixo da média estão desabrigados na ‘sociedade do espetáculo’ em que só desfilam os que ostentam imagem de sucesso.

A televisão é um desfile de corpos ditos perfeitos com peças de roupas ditadas pela moda tendo um apelo estético fora do alcance dos pobres mortais: meninas cada vez mais jovens nos afrontam com sua magreza indecente desafiando a morte. O que se consegue, por exemplo, ao ler uma revista de beleza é sentir-se feio, tamanha a diversidade de propostas de mudança corporal que ali se encontram. Em virtude desse ideal estético, muitos se submetem a inúmeras plásticas, cirurgias de redução de estômago, se entregam às anfetaminas ou desencadeiam distúrbios alimentares causando uma verdadeira mutilação no próprio corpo, tornando-os masoquistas por imposição. Tamanha maratona tem um único objetivo: ser aceito por uma sociedade atual, portadora de olhares exigentes, que vive no engodo excessivo, para além da ilusão fundamental que uma imagem qualquer já transmite.

É notória a ‘conspiração’ da indústria da beleza aliada aos meios de comunicação de massa em busca de cifras a serem gastas com cosméticos, plásticas, vestuário e academias de ginástica. A mídia banalizou valores e sexualidade usando imagens ideativas alimentando um falso ideal de completude num verdadeiro culto ao corpo. Essa reivindicação normativa oferece uma crença, uma ilusão de uma felicidade inexistente transformando o homem de hoje no contrário de um sujeito. Quanto mais a sociedade se encerra na lógica narcísica, em que transforma os homens em objeto, mais foge da idéia de subjetividade. Afinal, em que momento o desejo poderá emergir no meio de tanto tempo gasto para satisfazer a demanda alheia deveras exigente?

Como um simples objeto de consumo na sociedade contemporânea, o sujeito é visto apenas como um corpo que existe somente para consumir e ser consumido. Afinal, o voyeur é também um exibicionista, como bem especificou Freud: na satisfação que se tem de olhar, ele também se colocará na posição de ser olhado.

Muitas vezes o sujeito reconhece sua alimentação incorreta e vive num ciclo vicioso de culpa, raiva e depressão. Não é à toa que uma bulimia consiste em comer o que se tem vontade e depois eliminar tudo o que foi ingerido, experimentando uma verdadeira ressaca moral.

A maior doença do ser humano é querer ser amado, o que, no contexto social em que vivemos, infelizmente significa, para muitas pessoas, aderir a padrões de beleza utópicos. Essa necessidade de ser aceito faz com que o sujeito coloque seu ideal acima do respeito a si mesmo, ao seu próprio corpo, sob o risco de ser condenado a sentir-se deficiente ou deformado. Quanto mais a sociedade apregoa a padronização, a igualdade de todos, mais ela acentua as diferenças. Condenado ao esgotamento pela falta de uma aceitação, o sujeito busca no ‘culto ao corpo’ o ideal de uma felicidade impossível.

As anfetaminas não fazem nada além de suspender sintomas de obesidade ou sedentarismo. Elas fabricam um novo homem que coloca de lado seus desejos, se sente envergonhado por não corresponder ao ideal imposto e passa a viver alienado à cura da própria essência da condição humana. Quanto mais se objetiva o fim do sofrimento psíquico através da ingestão de remédios, mais o sujeito decepcionado com as ‘soluções’ apenas momentâneas, volta-se para os consultórios analíticos.

Se hoje a psicanálise concorre com essas promessas de ideal é porque os próprios pacientes percebem que o orgânico é, muitas vezes, causado pelos sintomas psíquicos e passam a preferir falar de seus sofrimentos a se entregar a tal exigência de padronização sem se questionar o que está em jogo. Verbalizam o sofrimento para, ao menos, procurar saber de sua origem.

O que não faltam são orientações de médicos e especialistas na área nutricional e esportiva a respeito de uma melhor qualidade de vida em termos de saúde. Mas não há regra para melhor qualidade de vida psíquica. E ignorar que a saúde mental tenha interferência na saúde corporal é, no mínimo, preocupante. Hoje em dia, viver o melhor possível, significa sobreviver o menos pior possível. A psicanálise, após mais de 1 século de sua invenção, permanece em vigor, numa insistência de que o sujeito viva num constante questionamento contra uma alienação devastadora. 

 

 Flávia Albuquerque é Psicanalista, pós-graduada em Teorias da Clínica Psicanalítica. (21) 9792-8326 fmaa@uol.com.br

NOVAS CASAS-GRANDES e novas SENZALAS por paulo alexandre filho

No Recife há certa louvação ao aristocrático Gilberto Freyre, que escreveu Casa-Grande & Senzala e achava até que havia certa harmonia entre os senhores e os que não eram nada. Nem vou discutir aqui sobre as percepções sobre a sociedade brasileira ou sobre as relações raciais na obra de Freyre, pois não é este meu propósito, mas acho que ele, mesmo considerando todas as críticas sobre sua obra (e eu mesmo tenho muitas), foi um notável escriba e é justificável sua influência. Só me detive a tratar de Freyre porque em função de sua influência aqui no Recife, “Casa-Grande” e “Senzala” são nomes que acabam batizando um monte de coisas na cidade, desde restaurantes a motéis. No tradicional e elitista bairro de Apipucos, local onde viveu o escritor, há vários estabelecimentos ou logradouros que receberam nomes que fazem alguma referência a Freyre e sua obra. Na mesma rua onde ele morou há o Motel Senzala, que, pelo que ouvi falar, é um dos bons estabelecimentos de sua categoria na cidade, embora quem o batizou não leve em consideração que nas senzalas os escravos passavam horrores (a menos que o tal motel seja especializado em atender a praticantes de sado-masoquismo).Alguns dos edifícios sofisticados onde residem os bem vividos da cidade não deixam de prestar suas homenagens ao autor, pois há aqui e ali algum chamado Casa-Grande, Casa-Grande “Disso” ou Casa-Grande “Daquilo”, enfim, estes edifícios incorporaram bem a nova dimensão de casa-grande como espaço destinado à elite. Curioso para mim foi encontrar mais uma pérola em matéria nomes para edifícios residências: achei no bairro de Boa Viagem, freguesia típica de casas-grandes, um edifício luxuosíssimo chamado Senzala dos Suassunas.

Claro que acabei parando para dar uma olhadinha nesta senzala cercada por grades e vigiado ostensivamente por seguranças de alguma empresa privada que presta serviços de vigilância privada e patrimonial. Tudo ali parecia ser ciosa típica de casa-grande e nada lembrava senzala, apesar do nome do edifício. Casa-grande e senzala eram dois ambientes grotescamente antagônicos e dois símbolos no Nordeste canavieiro de um regime social regido pela cana-de-açúcar plantada nas posses de senhores de terras e de gente, sobretudo gente escravizada. Senzala era o local onde viviam os escravos e era o ambiente que fazia o contraponto com a casa-grande, local onde viviam os senhores – proprietários dos moradores das senzalas. A casa-grande e a senzala (posteriormente o sobrado e o mocambo) simbolizavam exatamente as diferenças tão drásticas entre pólos que fazem de nós uma das sociedades mais assinaladas por diferenças.

Vi que na Senzala dos Suassunas não vivem somente senhores, pois percebi que lá existem muitos serviçais que habitam umas pequenas senzalas – uns cubículos, na verdade – que recebem uma denominação que procura desmontar um pouco do tom pesado e desqualificativo de cativeiros de serviçais: chamam estes espaços de dependências de empregadas. Nestas senzalinhas vivem ou alojam-se (eis um termo mais apropriado) as empregadas domésticas em meio a um ambiente totalmente impessoal, com mobílias que não lhes pertencem e outras bugigangas que são guardadas nestes espaços para não se empilharem nas áreas “sociais”, isto é, dos senhores (empregados não ocupam espaços “sociais”, não usam elevadores “sociais”, nem acessam as entradas “sociais” dos edifícios). Os objetos depositados nas dependências das empregadas não prejudicam a decoração e não entopem com sua inutilidade as gavetas e armários dos senhores, fica exatamente no cubículo próximo a área de serviço – no quartinho da empregada. As empregadas da Senzala dos Suassunas usam uniformes para que se deixe bem claro que quem anda uniformizada não é a senhora ou a sinhazinha – é a empregada. As empregadas costumam entrar e sair da Senzala dos Suassunas pelo acesso de serviço (local por onde costuma também ser deslocado p lixo dos apartamentos dos senhores) e elas ainda passam o dia inteiro dedicando-se ao conforto alheio e não ao seu próprio conforto, oferecem aos senhores aquilo que não podem ter para si mesmas e servem mesas com iguarias que faltam nas refeições de suas famílias.

A Senzala dos Suassunas tem um importante valor como síntese bizarra de uma sociedade que não se vê tão distante da sociedade das casas-grandes e senzalas escravistas sobre as quais escreveu Gilberto Freyre. A Senzala dos Suassunas é didática e é patética, um micro-cosmo quase perfeito de uma sociedade que vê natural e cruelmente que há um fosso abissal entre castas de bem-aventurados e miseráveis, um fosso que é contemplado por uns, aprofundado por outros e vivido por muitos. As favelas não são nada se não uma expressão disso: são senzalas potencializadas, que cercam as casas-grandes e são suas vizinhas, mas ainda continuam a distâncias sociais incalculáveis.

Casas-grandes e senzalas ainda existem nas formas do novo binômio da injustiça: condomínio e favela.

 

PALESTRA: “ALOE VERA CURA CÂNCER” por frei romano zago

Autor de dois livros publicados pela Editora Vozes, um deles em sua 27ª edição, Frei Romano Zago vem a Curitiba no próximo dia 29 (terça-feira) abril de 2008, às 19h, na Biblioteca Pública do Paraná, a convite da revista Bem Público, para falar sobre as propriedades curativas do Aloe Vera, a popular babosa, uma planta milenar utilizada por imperadores, faraós, conquistadores e, na atualidade, pela indústria de cosméticos e pelo conhecimento tradicional. Segundo o frei, a babosa pode curar até mesmo o câncer e reduzir em muito as despesas dos sistemas públicos de saúde. As inscrições para a palestra são gratuitas, mas limitadas e devem ser feitas através do telefone (41) 3332-7580 ou e-mail bempublico@bempublico.com.br. para mais informações entre em contato pelo mesmo email.
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A RECEITA DO FREI ROMANO ZAGO: postada em 25 de maio de 2009.
Ingredientes:
– Folhas grandes de babosa com pelo menos 5 anos de idade. As folhas devem medir um metro se colocadas em fila indiana. Este é o ingrediente ativo da receita.
– 50 ml de bebida destilada (cachaça, vodka, whisky, conhaque, etc)
– 1 / 2 quilo de puro mel de abelhas
– 1 garrafa de vidro escuro com capacidade para um litro (para armazenar)

Antes de Preparar
Colher a babosa no escuro, após 5 dias sem chuva. Não colher com orvalho. Preparar no escuro e logo depois de colhida. Depois de feito o remédio, guardar em vidro escuro na geladeira. Tomar o remédio no escuro. O motivo de se evitar a claridade é que na babosa a substância que age contra o câncer perde seu efeito ao entrar em contato com a luz.

Como Preparar
Tire os espinhos das folhas de babosa e limpe-as com um pano úmido em álcool. Corte-as e coloque no liqüidificador juntamente com a bebida destilada e o mel.

Como tomar
Para curar o câncer – tomar duas colheres de sopa três vezes ao dia, durante 10 dias; parar por 10 dias e tomar mais 10 dias, assim sucessivamente até se obter a cura total.
Observação: a cura do câncer será obtida com êxito quando ele estiver na fase inicial, pois quanto mais velho, mais difícil será a cura.

Contra-indicações
O Dicionário das Plantas Úteis do Brasil, obra do botânico Pio Corrêa, editado pelo Ministério da Agricultura, diz que a babosa é contra-indicada durante a gravidez, para pessoas com propensão a hemorragias, para aquelas com menstruação excessiva ou com debilidades da bexiga. Tais limitações são decorrentes da grande ativação renal resultante do amplo espectro depurativo do remédio, ao filtrar milimetricamente o sangue. (Fonte – Frei Romano Zago)

ONDE ENCONTRAR O PRODUTO PRONTO:

Av. Presidente Franklin Roosevelt, 1241 loja 3

Porto Alegre/RS – CEP: 90230-002

Fone/Fax:  xx 51 3395.3569

Email: proaloe@proaloe.com.br

S.A.C: xx.51. 3395.1978

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O primeiro caso de cura registrado por frei Romano Zago foi o de um homem com câncer de próstata, já em fase terminal, segundo os médicos. “Tão desesperador era seu caso que os filhos já haviam providenciado os papéis assinados para evitar o inventário dos bens”, conta o frei.

O cidadão freqüentava a paróquia dos franciscanos, razão pela qual frei Zago foi chamado para ministrar os sacramentos da igreja para quem está à beira da morte.

Além dos sacramentos, o frei deu-lhe também o remédio. “Hoje o homem está com mais de 80 anos de idade, completamente curado”, conta emocionado o frei. Geraldito, um garoto argentino de cinco anos, chegou à Espanha acompanhado dos pais e do irmão na esperança de encontrar no transplante de medula a cura para o seu mal: a leucemia. A cirurgia não funcionou; a doença voltou. Desenganados pelos médicos espanhóis e abandonados ao destino, acabaram na Terra Santa, em busca de um milagre. Em Belém, na Gruta da Natividade, enquanto derramavam lágrimas, encontraram um padre que os aconselhou a procurar o “frade brasileiro”, no Convento da Natividade, ali mesmo em Belém. O frade era frei Romano Zago, a serviço da Congregação Franciscana na terra de Jesus Cristo.

O ESTUPRO por zuleika dos reis

                                          Paisagens de um pós-ser, de um vir-a-pó, de comércio entre ambos. Signos de vidro, papéis e passos perdidos. Signos de espelhos vislumbrados sempre de passagem. As arestas das mesas. As partilhas impossíveis. As paredes. Os segredos. Os presentes passados futuros virtuais. As baratas e o pó. A ferrugem. Os brilhos repentinos e inúteis. As cirandas sem saída. Mover-se por ele até amá-lo, que amar não é coisa espontânea tal o mar ou uma nuvem. Andar como turista por seus esconderijos percorridos à exaustão. Percorrê-lo como espiã de si mesma. Assaltá-lo sem estardalhaço para que os vizinhos não percebam, invadir-lhe as entranhas, encharcar-se de gozo, sair de dentro dele, erguer-se, vestir-se rápido, abrir a porta do apartamento cheio de digitais em cada canto, as marcas de outros assassinatos cometidos por descuido. Andar pelos corredores em silêncio carregando, na bolsa, as nódoas das feridas dele. Atingir a rua onde a aguarda a primeira punhalada da manhã.

MAGNÍFICO poema de solivan brugnara

Magnífico, é o milho que a pomba come.

O milho, essa forma simples, quase mineral,

mas que dentro do corpo da pomba é miraculoso,

transforma-se em penas, olhos, que vira vôo.

 

Magníficas são as cores primárias,

a sua miraculosa multiplicação.

E as sete notas que formam as sinfonias

e tudo que tem sempre em si o múltiplo.

 

Magnífica é a velocidade

que dá fluidez ao metal, o deixa incorpóreo.

A bala de tão rápida, invisível

e quanto mais rápida e portanto

mais fluida, mais sólida, mais fere.

 

Magnífico!

É o suicida poeta que

antes de atirar em sua cabeça,

achou o gatilho parecido com a lua minguante.

 

Magnífico é o corpo humano.

A rigidez dos músculos masculinos,

o viril suor, seu doce membro,

a nobreza de seu envelhecimento.

E a forma suave do corpo feminino

a elegante linha da gravidez

e a maciez de seu sexo.

 

Magníficos são os veículos,

seus intestinos de aço, o perfeito encaixe das peças

dos motores, a sede prazerosa de combustível.

Os carros retorcidos como papel amassado nos acidentes.

A magnética beleza dos acidentes automobilísticos

atraem homens, que olham detalhes

e discutem sobre o certo e o errado, sobre

o destino, sobre o tempo e a morte.

 

 

 

POESIAS AMENAS por manoel antonio bonfim

Palavras dispersas
Falando de encanto…
O encanto do olhar
Um olhar sobre a vida
Uma vida pra amar
De maneiras diversas
 
São tantos olhares
Fitando o amor
Tantos amores
Dispersos na vida
Rodeados de flores
E de belos cantares
 
Diversos poemas
De sabores diversos
De doces sabores
Sabores de vida
Vidas cheias de amores
E de poesias amenas

PRECONCEITO LINGUÍSTICO por leonardo meimes

 

Sabemos que hoje, se repudia qualquer tipo de preconceito como sendo uma atitude imoral e desumana. As comunidades, etnias, culturas, religiões têm sua liberdade acima de tudo. Agora é a hora de colocar mais um preconceito em cheque. Você já ouviu falar sobre o PRECONCEITO LINGÜÍSTICO?

Quantas vezes você foi já foi corrigido enquanto falava ou corrigiu a fala de alguém? Pois saiba que na maioria dos contextos corrigir a fala de uma pessoa e julga-la por este “erro” pode ser considerado um preconceito. A língua portuguesa, como todas as línguas, é heterogênea e intrinsecamente variável. Isso quer dizer que nenhuma língua é estática, pelo simples fato de que ela é um “organismo em constante evolução”. Os conceitos de variação, variante e mudança, foram introduzidos pela lingüística para abarcar as diferentes formas de se dizer uma mesma coisa, formas que ocorrem em todos os idiomas existentes e que são sim uma grande qualidade das línguas. Se as línguas não se adaptassem constantemente se tornariam inúteis a cada instante que algo fosse criado ou modificado no mundo social ou real. Para diferentes realidades existem diferentes formas de se comunicar e isto fica evidente se pensarmos na extensão do Brasil e na quantidade de dialetos regionais que temos. Mesmo assim dentro destes dialetos existem variações, nem todo gaúcho diz “Bá”. Então devemos pensar muitas vezes antes de corrigir a fala de alguém, pois ela pode estar apenas usando uma variedade não padrão da língua, ou até mesmo uma variedade padrão com um nível de formalidade diferente. O que é importante frisar e destacar é:

 

NENHUMA VARIEDADE, OU LÍNGUA, É MELHOR, MAIS CORRETA, MAIS BONITA OU MAIS RICA, DO QUE AS OUTRAS

 

A noção de “ERRO” está sendo revista pela lingüística à algum tempo. Dizer que uma pessoa está errada quando fala algo como “bicicreta” e “os home”, prevê uma noção de língua sendo empregada (no caso a noção de língua como código), e só se faz este julgamento quando se considera uma das variedades como sendo “melhor’ ou mais “correta”. É o que acontece quanto se coloca a gramática normativa como a única variedade certa do português. Esta variedade foi, por fatos econômicos e históricos, escolhida para ser a base comum do ensino de língua em nosso país, isto não quer dizer que ela está certa (podem-se encontrar inúmeras incoerências em suas definições) e as outras erradas. Elevar a gramática a este estatus de “correta” cria vários problemas de ordem social que poderiam ser evitados se fosse explanado dês do começo do ensino da língua que existem variedades e que elas coexistem e são todas apropriadas para seu contexto. Um “erro” na verdade pode não passar de uma inadequação de estilo ou gênero, ou apenas de uma variação de dialeto falado pelo interlocutor. Se um interlocutor diz “os home”, não se considera um erro, pois na comunidade em que ele vive esta é a gramática internalizada dos moradores e a variedade comum, não adianta você impor sua variedade que ele vai voltar a anterior quando entrar em contato com um parente, por exemplo.

A gramática normativa já não é mais a única sendo estudada atualmente, existem pelo menos três gramáticas em uso em nosso país. A normativa ou padrão, que é subjetiva e arbitrária (pois tenta congelar o sistema lingüístico e em uma variedade que não existe mais em uso); a gramática descritiva, que não prescreve nem normatiza, apenas descreve o que é visto na língua; a última e mais difícil de ser estudada é a gramática internalizada, a que cada falante tem em seu cérebro e que nos permite adquirir a língua antes mesmo de ter aulas sobre ela. A gramática normativa (norma padrão) é a mais distante da realidade, pois congelou no tempo uma variedade, como dito, inexistente e passada, que não corresponde as necessidades de hoje. Ela ainda tenta fazer o que os filósofos tentaram ao criar uma gramática para o latim, congelar a língua, porém como vimos o latim evoluiu para as línguas românticas (português, italiano, francês, etc.) e agora não passa de uma língua morta.

 

A GRAMÀTICA NORMATIVA ESTÀ EM PRINCÍPIO ERRADA, POIS TENTA CRIAR REGRAS PARA UM SISTEMA QUE MUDA CONSTANTEMENTE

 

Sendo assim, deixemos de lado nossas diferenças lingüísticas, todos nós brasileiros falamos português, certo e rico, e “arretado” de bonito, não existe diferença entre nós ao que cabe a língua, pois todos a usamos da melhor forma, respeitando as necessidades de nossa realidade e adaptando-a ao que é necessário. Se você entendeu o que o outro falou, estão falando a mesma língua, ninguém é melhor do que ninguém, nem mais “burro” por falar diferente. Deixe este preconceito desaparecer, como todos os outros.


IMA GIQUÁRIO poema de jasmin druffner

IMA GIQUÁRIO 

“Ímpar.
Meu coração bate,
Sem enfarte.
Bate descolor,
Sem amor.
Apar.  

Suspiro e fecho os olhos.
Assim me refugio,
Assim te vigio.
Nos únicos momentos
Nem um pouco cinzentos,
Por sussurros amamo-nos.  

Você dança uma canção,
A palpites meus,
Que também já são seus.
Música no meu cérebro,
Mas te digo que desconsidere-o,
Era apenas minha imaginação.”

XALE por jorge lescano

É sempre longe em minha alma,

 porque estás como ausente y mi voz no te toca

 Este es un puerto: aqui te amo

– escreveu no xale de Maryeva e assinou:

 Fernando Pablo Pessoa Neruda

 

 

a moça ocupava na mesa o mesmo lugar que ocupavas há exatamente duas semanas, e ignorava a leitura que eu fazia do seu xale

 

 na rua, ininterrupta, continua a chuva oblíqua

 

como naquele anoitecer de há duas semanas, cheguei com os cabelos úmidos, as calças coladas às pernas, nos olhos uma distância turva

 

sentei-me no fundo do salão. Sabes que aqui me escondo quando espero que não venhas. Cá ninguém pode ficar às minhas costas como eu estou em relação à desconhecida do xale cinza, em cuja simétrica urdidura vou descobrindo a tua ausência

 

corpo de mulher que amo: país de ásperos perfumes

 

no porto silencioso onde eu só faço sentido para mim, como se este canto existisse apenas para a espera – minha – de quem não chegará até a figura solitária à beira do cais, pois nada a mim te prende

 

no desenho regular de vaga geometria esboçava escorços de tua figura  

 

quando ávida a minha língua busca a vida em tuas entranhas

 

na penumbra do motel não esperávamos nenhum trem para partirmos juntos rumo a destinos diferentes, embora, nos momentos do descanso necessário em nosso  encontro, eu fosse  passageiro ocasional de uma estação ferroviária inominável

 

mulher minha passageira do trem invisível que de mim te afasta e não deixa que te entregues ao furor do vento que por dentro te sacode

 

do outro lado da névoa, além das vagas, fico a ver-te, pequena, surgindo da espessura da neblina, teu sorriso vindo para mim como vinhas a este, meu acanhado porto, e tua voz, deste lado, não me aquece

 

e a espera é minha apenas, pois que a mim nada te prende

 

naquele fim de tarde em que te lembro, assim deverias ter ficado para um outro que não eu, a quem esperavas com o sorriso ainda no estojo dos teus dentes

 

os lábios vermelhos destacam o negrume dos teus olhos quando o sorriso aflora para envolver meus ombros

 

menina, se  te escondes fechando os olhos para não ser vista brincando de mulher

 

não sei se é a postura da cabeça, uma sutil inclinação do busto, o livro nas mãos, abandonado, ou o irrequieto diagrama do xale o que me diz que a moça agasalhada em brumas

 

de tremores de urgências genitais e gemidos e sussurros e gritos presos

 

 

 espera alguém, como naquele anoitecer chuvoso me esperavas

 

tua voz me chama

 

no curto espaço entre as duas mesas, flutuavas na indecisa luz do quarto invadido pelo dia vagaroso fundindo em sépia tuas fronteiras

 

vou ao encontro ansioso e breve

 

no outro lado do planeta reconheces a floresta que guarda a tua casa, e as palavras, não mais estranhas: teus ouvidos já não sentem a neve do outro idioma

 

teu sorriso acende minhas veias

 

um suave movimento desloca o friso de diagonais quebradas sobre o espaldar da cadeira e o calor de tua nudez, a maciez das coxas, o morno aroma do teu hálito e o penetrante perfume do pescoço, a brisa do teu silêncio, o sotaque de distância – parada obrigatória ou fim do itinerário daquele trem que não deixo de esperar-, são a urdidura do xale

 

e tua voz é mais uma no coral de vozes que não ouço

 

         teus olhos decoraram paisagens onde nunca estive – assim, não estou em tuas lembranças quando delas lembras -, paisagens que nunca virei a ver/?

 

Não rodeia a doce curva dos teus ombros e no entanto minhas mãos náufragas se abrem para sentirem as tuas, que não mais estão onde as deixara naquele oblíquo fim de tarde. Além da cadeira que comigo se defronta, as pregas assimétricas agasalham um perfume que permanecerá secreto, porém, eu sei, não provocaria lembranças de ribeiros, nem de selvas penumbrosas, nem de flores negras, tampouco risos abafados ou murmúrios antes da fúria genital e do cansaço      que   fecha teus   olhos   e faz  com  que reclines a cabeça e abandones teu perfil ao meu olhar; mergulhas com placidez na urdidura do sonho, libertando entre os lábios um som indefinido que ilumina teus dentes e que eu, para meu prazer enquanto dormes, quero interpretar como algo próximo à felicidade, como aquilo que poderias sentir se eu te presenteasse com um xale

 

anoitece em teu país de sombras, dispões o jantar na mesa, uma criança fala em torno de tua saia. Ignoro se ainda está nevando em tua cidade – minúscula, automática – ou se um raio deste  sol que a mim me cega, aquece alguma aresta de tua sala ou brilha tenuemente sobre tuas mãos de cobre antigo

 

do meu refúgio brinco de adivinhar o nome. Embaralho possibilidades. Ensaio nomes para fugir do teu – Fairuz? Kelly? Sebastiana? Quem eras naquele entardecer? -; talvez seja tão somente Maria, como o tango 

 

como em nossa primeira noite, antes  que os passos no corredor – mensageiros de uma culpa? – fixassem teu olhar no espaço e fizessem teu corpo congelar minhas carícias

 

sorris ao ler meu xale, ou recolhes a mirada pensativa para me enxergar melhor em  tua lembrança?

 

O PEQUENO ANJO pela editoria

Kenadie Jourdin-Bromley, conhecida ao redor do mundo como “o pequeno anjo”, nasceu em fevereiro de 2003, pesando pouco mais de um quilograma e com 22 centímetros. À época, os médicos consideraram que ela não passaria da primeira noite. Não foi o que aconteceu.

Ela continuou desafiando a medicina e a todas as expectativas e à idade de 8 meses, Kenadie foi finalmente diagnosticada como com nanismo primitivo, uma condição genética que crê-se que afeta a somente 100 pessoas em todo o mundo.

 

Não se espera que ela cresça mais que 70 centímetros ou que tenha mais que 5 quilos. O estado de Kenadie inspira cuidados constantes e da presença atuante e carinhosa dos pais Brianne Jourdin e Tribunal Bromley agora que está completando 4 anos.

Ela adora passeios, corridas e começa a falar as suas primeiras palavras. Dizem que o mais impressionante é que pessoas que de uma forma ou outra estiveram em contato com a menina, tem a sua vida radicalmente mudada por acreditarem que foram tocadas por um pequeno anjo com um enorme coração.

 

AS ORIGENS DA ESPANHA MODERNA por luiz parellada ruiz

 

 

 

A Península Ibérica, por sua localização geográfica e clima ameno em relação ao norte da Europa, foi habitada desde o início da ocupação deste continente pelo gênero Homo. O fóssil humano mais antigo da Europa, com datação de 800.000 anos, foi encontrado recentemente no norte da Espanha e classificado como Homo antecessor.

Avançando no tempo chegamos ao Homo sapiens e ao período glacial quando é possível que populações centro-européias tenham migrado para o sul em busca de melhor clima. Na região banhada pelo mar Cantábrico povos caçadores Cro-Magnon nos deixaram as maravilhosas pinturas rupestres da arte franco-cantábrica que na Espanha atingem seu ápice na gruta de Altamira e na França na de Lascaux. Autores bascos afirmam  baseados na língua da região, sem muita relação com os idiomas atuais, que os bascos modernos seriam os descendentes desses povos.

No Neolítico o clima melhora, os homens se tornam agricultores sedentários e isto se reflete num incremento da população. A laboriosidade destes povos vai originar a grande riqueza de restos arqueológicos que fazem a alegria dos estudiosos modernos, hoje que felizmente há dinheiro para custear estas pesquisas. Há túmulos megalíticos que lembram a arquitetura do Egeu, mas muito anteriores a estes; há indícios de atividades que indicam um alto grau de organização social, como a mineração em túneis; há enterramentos luxuosos com jóias sofisticadas, e há uma grande variedade de culturas relacionadas à técnica de fundição do bronze. Estes povos, muito numerosos, são chamados iberos.

No início do primeiro milênio AC tribos indo-européias (celtas) entram na península e em parte se integram aos iberos dando origem aos celtiberos. Quase imediatamente chegam por mar os comerciantes fenícios fundando colônias principalmente na atual Andaluzia. Traziam produtos manufaturados que trocavam por minérios. Introduziram o alfabeto e a tecnologia do ferro. Possivelmente são eles que dão origem ao nome Hispânia, que significaria “costa de coelhos”.

No séc. VI AC os gregos fundam colônias no litoral norte, na atual Catalunha. A mais importante, Emporion, serviu mais tarde de ponto de desembarque para as legiões romanas.

Cartago, uma colônia fenícia no norte da África (atual Tunis), se transforma na potência comercial do Mediterrâneo ocidental e entra em choque com Roma na ilha de Sicília. Ao fim de três guerras Cartago será destruída. É na Segunda Guerra Púnica, em 218 AC que os romanos desembarcam na península ibérica onde os cartagineses tinham criado fortes raízes e dispunham dum excelente porto chamado Cartago Nova (atual Cartagena). A romanização da Hispânia, como passou a ser chamada a península, leva dois séculos, mas é completa. O nome Espanha, como passaremos a chamá-la agora, compreende toda a península, inclusive a Lusitânia, atual Portugal e, posteriormente, uma parte do atual Marrocos. Grandes imperadores: Trajano, Adriano e Teodósio o Grande, filósofos, como Sêneca, e literatos, como Lucano, nascem na Espanha. E o latim será a base para o desenvolvimento de línguas importantíssimas.

 

 

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A partir do séc. III povos germânicos invadem o Império e no séc. V os visigodos se instalam no território tentando revitalizar a Espanha romana após o chefe godo Ataulfo ter-se casado com Gala Placídia, irmã do imperador Honório. Os visigodos fazem de Toledo sua capital e durante dois séculos a cultura romana é mantida na península. O rei Recaredo se converte ao catolicismo, a Igreja se torna muito poderosa e o latim absorve e modifica a língua germânica dos invasores, prenunciando as futuras línguas peninsulares.

Em 711 guerreiros norte-africanos, os mouros como serão denominados, são convidados por nobres visigodos descontentes e sob liderança árabe derrotam o rei Roderic ou Rodrigo. A seguir conquistam toda a península, que eles denominam Al Andalus, e invadem o sul da França até serem contidos por Carlos Martell na batalha de Poitiers. Os invasores, apesar de contar com uma arma poderosíssima, o cavalo árabe, tinham deixado sua linha de apoio vulnerável demais e desistem de expandir seu território.

A Reconquista cristã começa imediatamente no norte da península a partir dos mesmos grupos montanheses que anteriormente tinham criado problemas para os romanos, e ao leste, no Mediterrâneo, com a criação da Marca Hispânica, atual Catalunha, por Carlomagno. Muitos casamentos, traições e lutas serão necessários até a completa expulsão dos mouros da região carolíngia, que se transformará num foco de cultura cristã. A piedosa crença de que o apóstolo Santiago estaria enterrado na Galiza leva milhares de peregrinos, principalmente da França, a cruzarem o norte da Espanha de leste a oeste seguindo a Via Láctea, espalhando seus conhecimentos e sua língua que vai influenciar o galaico-português. (Hoje, graças ao Paulo Coelho, milhares de turistas brasileiros alegram o Caminho de Santiago.) Mais tarde os frades cistercienses encheriam a Catalunha de mosteiros góticos sem saber que estavam gestando um outro roteiro turístico, que eu pessoalmente recomendo.

De novo, casamentos, traições e batalhas moldam a nova geografia peninsular. Todo o mundo quer conseguir um pedaço de terreno e ser nobre ou, melhor ainda, rei. O rei das Astúrias funda o Condado Portucalense, mais tarde o seu reino desaparecerá e Portugal se transformará em reino. Catalunha se funde com Aragão e se transforma no estado mais poderoso do Mediterrâneo, dominando as principais ilhas deste mar, o leste da península ibérica, Nápoles e parte da Grécia. Castela vai crescendo e brigando com Portugal. E todos aproveitam as horas vagas para guerrear os infiéis e ganhar o céu.

Os mouros no séc. X representavam a máxima expressão cultural da Europa. Córdoba era um modelo de higiene, civilização e arquitetura avançada. Matemáticos, médicos, filósofos e poetas se movimentavam numa cidade que tinha calçamento e iluminação pública. As mulheres tinham bastante liberdade. Os judeus e os árabes se davam muito bem. O palácio do Califa deslumbrava os embaixadores estrangeiros. Os nobres cristãos acostumados a partilhar seus aposentos com o cavalo, enviavam os filhos para que apreendessem boas maneiras naquela corte de sonho, onde o titular tinha um harém que podia acolher seis mil mulheres. Súditos invejosos, inimigos mais invejosos ainda e clérigos raivosos colaboraram para volatilizar tudo isso, e no séc. XV o domínio árabe tinha se reduzido ao pequeno reino de Granada, pequeno, mas organizado, produtivo, e lindo como podem verificar hoje os visitantes da “La Alhambra”.

 

 

 

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Chegamos assim aos Reis Católicos: Fernando, rei de Aragão e Isabel, rainha de Castela. Fernando estadista, diplomata e guerreiro, muito admirado por Maquiavel; Isabel, bondosa e amável com todos, mas dura e cruel para combater a heresia. O título de Reis Católicos, dado pelo papa espanhol Alexandre VI, vai marcar o futuro do país que eles estão querendo fundar. Seu casamento junta as duas maiores forças políticas da península. Fora de suas mãos está Granada que eles conquistam em 1492, o mesmo ano em que Colombo sob suas ordens chega a América; Navarra, que Fernando invade e anexa ao novo reino, e Portugal que deveria ser incorporado por vias matrimoniais – projeto que a prematura morte dos futuros nubentes frustra. O objetivo era a unidade peninsular, ou seja, a Espanha do tempo dos romanos.

Para o pensamento dos Reis a unidade inclui uma só religião e em 1478 é restaurada a Inquisição na Espanha. Logo mais, um fanático sincero e incorruptível, Tomás de Torquemada assume sua chefia e deixa um rastro de sofrimento humano como poucas vezes se viu na história da humanidade. Os judeus são expulsos em 1492 e os mouros não convertidos em 1499.

Possivelmente como fruto de séculos de lutas contra os mouros, cada cidade tinha um conselho e todas eram muito ciosas de seus privilégios. Poderíamos falar de um verdadeiro “patriotismo municipal” – anos antes da Carta Magna inglesa, cidades da península já tinham documentos semelhantes. Todos os privilégios vão se perdendo durante consecutivos reinados absolutistas, resultando num centralismo castelhano extremado – até a hierarquia eclesiástica os reis controlam, e produzindo mágoas profundas presentes até hoje.

Por enquanto Portugal tinha ficado fora da unificação, mas os Reis Católicos mudam o foco e passam a intervir na política européia. Começam pela Itália, onde Fernando tinha interesses em Nápoles e Sicília, e casam a filha Joana com Felipe de Habsburgo, cujo filho Carlos será Imperador do Sacro Império Romano Germânico.

Para o historiador francês Fernand Braudel, que na década de 1930 foi professor na USP, a intervenção na política européia foi um grande erro. Para ele Espanha deveria ter-se voltado para a África. O desinteresse dos Reis Católicos pela África cria por primeira vez na história uma fronteira no Estreito de Gibraltar. Dom Sebastião tentará consertar isto.

Como resumo deste período podemos citar as palavras do historiador e filósofo americano Will Durant: ”A Espanha perdeu um tesouro incalculável com o êxodo dos comerciantes, artesãos, sábios, médicos e cientistas judeus e muçulmanos, e as nações que os receberam lucraram econômica e intelectualmente. Conhecendo dali em diante apenas uma religião, o povo espanhol submeteu-se completamente ao seu clero, e desistiu de todo o direito de pensar a não ser dentro dos limites da fé tradicional. Com ou sem razão, a Espanha resolveu permanecer medieval, enquanto a Europa, pelas revoluções comercial, tipográfica, intelectual e protestante, corria para a modernidade.” Resta saber se foi evitada uma outra Bósnia no século XX.

Mas a Espanha está crescendo e o neto dos Reis Católicos, Felipe II, será o homem mais poderoso de seu tempo. Simultaneamente estão lançadas as sementes da decadência e dos problemas, fanatismo, perseguições, centralismo e exploração, que criando ódios seculares impedirão aos futuros espanhóis se integrarem na unidade almejada.

 

 

 

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Carlos V da Alemanha e I da Espanha foi um homem esmagado por seu tempo. Ele teve que enfrentar a Reforma, o papado, os turcos e Francisco I da França. Os recursos humanos e materiais necessários eram demais para a Espanha. Já no início de seu reinado enfrentou uma guerra de classes, a Revolta dos ”Comuneros”, ou seja, dos membros das comunas. Estes plebeus, como habitualmente acontece, foram esmagados pelos nobres e pelas dissensões entre eles, com o resultado de que ambas as partes, nobres e plebeus, ficaram enfraquecidas, o que aumentou o poder real e diminuiu ainda  mais o poder dos municípios.

Carlos V conseguiu devastar a Itália, instalar um feudalismo anacrônico na Alemanha, reforçar a Inquisição na Espanha e enfraquecer o Sacro Império. Morreu retirado num mosteiro na Espanha, não sem antes confirmar a pena capital para uns protestantes espanhóis dizendo que os arrependidos deviam ser decapitados e os que não se mostrassem arrependidos, queimados.

Felipe II filho do Imperador e de Isabel de Portugal realizou o sonho da unidade peninsular. D. Sebastião pediu sua ajuda para conquistar o Marrocos; ele lhe fez ver que Espanha já tinha muitos problemas para resolver e Portugal não dispunha de recursos suficientes. Como D. Sebastião insistisse, Felipe declarou ao seu Conselho: “Se ele ganhar teremos um bom genro; se perder teremos um bom reino”. Perdeu e Felipe se transformou num dos homens mais poderosos de todos os tempos. No centro geográfico da Península existia uma vila chamada Madri, Felipe a fez capital do reino por fim unificado. Fernand Braudel considera isto um erro estratégico, pois Lisboa era a cidade mais importante da Península e deveria ter sido escolhida para capital. Isto diminuiria o espírito separatista português, sempre estimulado pela Inglaterra.

Felipe, avesso a luxos cortesãos e a multidões, edifica perto de Madri o “Mosteiro do Escorial”, onde passa a ocupar o quarto mais modesto do edifício, tão pobre como a cela de um ermitão. Segundo Will Durant o edifício, majestoso – sua fachada tem 226 m, simbolizava o poder de Felipe; o quarto exprimia seu caráter. Para governar o mundo desde seu retiro desenvolveu uma burocracia que até hoje nos atormenta.

Embora respeitando a Igreja, mantinha a religião sujeita ao Estado espanhol. Achava a unidade religiosa fundamental e dizia preferir não governar a ser príncipe de hereges.

Assim proibiu todos os costumes mouriscos, o uso da língua árabe e a posse de livros nesse idioma. Isto originou muitas revoltas e atrocidades de ambas as partes. Seu sucessor, Felipe III, por solicitação do arcebispo de Valência, expulsou os mouriscos cristianizados do leste da Espanha, repetindo as cenas desumanas de um século antes.

No reinado de Felipe IV seu competente ministro conde-duque de Olivares trava uma luta de titãs com o não menos competente cardeal Richelieu, ministro de Luis XIII da França. Ganha Richelieu; se completa a destruição da marinha espanhola pelos ingleses e holandeses; acaba a invencibilidade dos exércitos espanhóis que, mantendo frentes em uma dúzia de lugares diferentes da Europa, consumiam mais ouro do que chegava de América; Portugal declara sua independência e no mesmo ano (1640) também Catalunha se separa e durante 19 anos, ajudada, primeiro pela França e depois pela Inglaterra, fica guerreando com Castela.

Carlos II, doentio filho de Felipe IV, morre sem sucessor e dá origem à Guerra de Sucessão Espanhola, na realidade guerra européia, pois durante dez anos a Europa se envolve num morticínio exemplar. Ganha a parada o neto de Luis XIV, que inaugura a

 

 

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dinastia Bourbon na Espanha como Felipe V, mas a Espanha perde suas possessões européias e, vergonha das vergonhas, o rochedo de Gibraltar. O empobrecimento do país continua. O novo rei ocupa a Catalunha e proíbe o uso oficial do catalão.

Um dado curioso: Charles Castel, abade de Saint Pierre, da delegação francesa que negocia a paz de Utrecht (1713), para pôr fim à Guerra de Sucessão, apresenta um “Projeto para perpetuar a paz” que recomenda que os países da Europa se unam numa “Liga de Nações” com um congresso de representantes permanente, uma força militar combinada, e medidas e moedas uniformes para toda Europa. Os congressistas devem ter disfarçado o riso, mas a bomba atômica  conseguirá tudo isto no séc. XX.

Os monarcas subseqüentes continuam o centralismo exacerbado e aí chegam as guerras napoleônicas. Em 1808 Napoleão decreta uma nova constituição para a Espanha, a Inquisição é abolida, o poder da Igreja é cortado drasticamente e as alfândegas interprovinciais são suprimidas. Num gesto simpático à Catalunha, em 1810 lhe concede autonomia e dá caráter oficial à língua catalã. Na queda de Napoleão torna a monarquia absoluta e volta tudo ao normal, ou seja, o atraso e a intolerância continuam.

O séc. XIX é marcado por brigas sucessórias, as Guerras Carlistas, e revoltas de toda ordem que espelham o tripé da tragédia espanhola: conflitos de classe, autoritarismo versus liberdade e centralismo contra regionalismo.

A Espanha, num clima de corrupção e de injustiça social incrível, perde suas últimas colônias numa guerra com os Estados Unidos no fim do séc. XIX e se envolve junto com a França numa intervenção no Marrocos, no início do séc. XX. Esta intervenção vai produzir alguns desastres militares com graves repercussões internas.

Em 1931 se instala a II República. É um período de grande agitação social. São discutidas as autonomias de diversas regiões, mas a demora nas discussões e a brevidade da República, onde parece que ninguém se entende, farão que nada seja resolvido. O assassinato do líder da oposição, o monarquista Calvo Sotelo, por forças de segurança fornece o pretexto para o início da Guerra Civil de 1936, na verdade o clímax de um século e meio de guerra civil não declarada.

O que era para ser um golpe militar, por falta de organização, excesso de otimismo, ou sinistros interesses externos, se transforma numa guerra de três anos e um milhão de mortos, muitos assassinados na retaguarda e outros no pós-guerra – parece que todo o ódio acumulado por séculos vem à tona. É uma guerra civil com grande intervenção estrangeira, principalmente da Alemanha, Itália, França e Rússia. É um conflito onde são testadas armas e estratégias para uso na briga de grandes proporções que será travada a seguir. Ganha a parte que apresenta maior organização e coesão das forças que a compõem. Perde a República, fragmentada em numerosas correntes políticas aparentemente incompatíveis e fragilizada pela perseguição dos estalinistas (donos das armas) a troksquistas, anarquistas e voluntários internacionais idealistas, entre eles intelectuais como Saint Exupéry e George Orwell, visionários que queriam ajudar a Espanha a sair de seu marasmo medieval.

O líder dos vencedores, general Francisco Franco, adota a postura de católico fervoroso, e retoma o ideal dos Reis Católicos: a Espanha só pode ter uma religião e uma língua e deverá ser uma monarquia. Mesmo sendo galego abraça o centralismo castelhano com o maior entusiasmo e como qualquer monarca absoluto não abre mão de nomear os bispos nem de punir exemplarmente qualquer ameaça à sua autoridade.

Mas desta vez a Espanha tem sorte: a guerra fria a transforma numa peça essencial na

 

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política dos Estados Unidos, que cedem a todas as exigências do General; a Europa Ocidental tem uma recuperação acelerada e a Alemanha absorve levas de humildes trabalhadores espanhóis transformando-os em consumidores; o país  é pacificado após séculos de conflitos; são criadas leis trabalhistas que valorizam o trabalho – tão desprezado pelas classes altas espanholas; a alfabetização dá um pulo significativo, assim como a higiene; ministros competentes – diziam que a metade dos ministros de Franco eram de botas (militares) e a outra metade “devotos” (da Opus Dei), criam uma base energética que fará possível a industrialização e preparam o caminho que transformará a Espanha numa potência turística. Isto último me parece ser a porta que fez entrar a Espanha no mundo moderno.

Em 1975 morre o ditador. Dois anos depois 17 regiões espanholas são declaradas autônomas, cada uma podendo falar a língua que quiser. A boa sorte do país, que está numa situação difícil, continua: a Europa cresce a pesar da primeira crise do petróleo; a democracia se afirma: o rei Juan Carlos em quem poucos faziam fé é um bastião da monarquia parlamentarista; em 1986 Espanha e Portugal entram na Comunidade Econômica Européia (incrível! Parece que Portugal e Espanha por fim estão em paz); governos excelentes fazem da Espanha um país rico com índices de desenvolvimento humano similares aos da Suécia; as vias romanas se transformam em autopistas e trens excelentes, e a Espanha é o segundo país do mundo que mais recebe turistas, com o intercambio de idéias que isto representa.

Tentei mostrar os principais surtos de fanatismo e intolerância que, querendo conseguir a unidade, transformaram-na num sonho irrealizável. Ao contrário, 30 anos de tolerância e compreensão – o exemplo são os “Pactos de La Moncloa”, criaram uma nova sociedade aberta para o mundo.

A história poderia ser diferente? Com certeza. Seria melhor? Não podemos saber, mas qualquer mudança seria desagradável para nós, pois não teríamos nascido. Assim, devemos ser compreensivos com nossos ancestrais.

Mas nem tudo são rosas: há problemas nas duas regiões mais industrializadas do país: no País Basco, uma minoria radical que despertou simpatias apelando ao terrorismo para lutar pela liberdade no tempo da ditadura, o continua usando, sem nenhuma explicação, para tentar impor o desejo de independência de uma minoria; a Catalunha também quer ser independente, mas usando meios políticos. O comportamento diferente dos separatismos basco e catalão os geógrafos o explicariam por serem os bascos montanheses e os catalães habitantes da planície; os etnógrafos, pelo isolamento dos bascos e a miscigenação dos catalães com todos os povos que por ali passaram, criando uma base cultural completamente diferente. Hoje, na era das autonomias e da União Européia, separatismos são difíceis de entender. Por que sair de uma sociedade que garante inequívocas vantagens? Por que deixar de usar uma língua falada por apreciável parte da humanidade? O “patriotismo municipal” é indomável? Ou a desconfiança do centralismo castelhano, decorrente de séculos de opressão é poderosa demais? A última hipótese me parece muito forte.

Saí da Espanha há 50 anos, deixando um país pobre onde a vida do indivíduo parecia ter sentido somente se sua crença fosse a única verdadeira. Hoje as pessoas respeitam e defendem as idéias diferentes dos vizinhos e consideram isso mais importante que a riqueza material que conseguiram. Essa mudança me deixa otimista: se aconteceu lá pode suceder em outros lugares. Afinal, todos nós vivemos sob as mesmas estrelas, por que não admirá-las juntos?

 

NOSSO FÓSFORO poema de julio almada

Sequestrar tua pupila
É a pira do meu olhar.
Só tua boca tranquila
Pode a minha acalmar.

Eu gosto é de conter
Fogo com gasolina.
Apagar e derreter
O céu desde a retina.

Tempestade de areia e deserto
Lua brilhante em tua mão
Dor no gozo ao certo

Cada carícia: maldição
Nada vejo estando perto
Afio as asas na prisão.

TEATRO e SILÊNCIO – poemas de eliane accioly fonseca

 

 

 

teatro

os personagens

apresentam-se

na flor da carne

 

 

 

 

silêncio

as faces
côncavas
de seu olho,

espelhos
negros micro-
firmamentos

piscinas de estrelas
e peixes abissais:
cegos videntes

 

 

VIVER poema de edu hoffman

 

seria cósmico

se não fosse prático

 

 

seria cômico

se nao fosse frágil

DAS RAÍZES DA FALA por darlan cunha

Energia intelectual e introvisão: eis os atributos da consciência do leitor solitário que mais se desenvolvem através da leitura.
HAROLD BLOOM. Por que ler.

 
Leio porque me enrijece e dana com mil vazões de sono e vigília e, mais ainda, leio pelo fato de que a união com a minha maior fonte de erros e acertos não é a mão do guarda nem a da tua mãe, nem aqueloutra figura arquetípica que, lá no fundo tu quiseste ter e não a tiveste. Saibas que eu sei de ti, que percebo quase tudo, pelo que podem os atos da leitura e da escritura me dar.

Escrevo porque são danações inequívocas, e é preciso pô-las ou superpô-las nalgum lugar ao sol ou nas brasas de algum acampamento, num breu de toca ou numa oca tão gritante quanto uma camisa do tipo habanera, e coisas mais que me fazem escrever (não corrigir) sobre manias & endemias – todas elas matéria de escrita, como se em palpos de aranhas, sobre ovos e vidros eu não andasse. Ora, escrevo para me danar, achar e espalhar mais danações.

CANTIGA do HERÓI RASGADO poema de altair de oliveira

 

Quis ter teu rosto num quadro

depois do estrago do drama

quis ler o rastro da chama

que um dia ardeu-te no esforço

de estar num meio adequado

pra mudar regras do jogo

mas vi somente o desgosto

do teu retrato irritado

por dor de todos os lados:

enfado, aborto de gozo…

 

 

Trouxeste traços de crenças,

de buscas e desistências…

ou eram meras esperas,

      ocultas por aparências,

das horas que se demoram

    rodando a rude existência?

 

Colho do pouco que foste

forçando a história no corpo

colo teus tristes pedaços

olho os teus frutos tão poucos

e sofro certo embaraço

pois deste um morto tão moço!

 

Penso nos loucos que às vezes

atiram pérolas aos porcos

ou lutam contra moinhos

ou matam morte dos outros…

…os que querem com tanta força

e fazem até que desfazem-se

e morrem sempre sozinhos

jazem inimigos do povo.

 

Altair de Oliveira – In: O Embebedário Diverso

 

CADA vez mais ANCIANO e melhores dias ANSIANDO – por josé zokner (juca)

RUMOREJANDO:

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Mirem-se no exemplo das mulheres de Atenas (de uma canção do Chico Buarque de Holanda). Mirem-se, senhores deputados e senadores, no exemplo de alguns jogadores de futebol que estão fazendo algo por crianças carentes.

Constatação II

Rico assiste ao jogo do seu time nas cadeiras numeradas; pobre, dependendo do preço, na geral e em pé, fazendo parte da torcida (des)organizada.

Constatação III

Rico empurra com a barriga suas dívidas de curto prazo pra longo, melhorando o respectivo perfil; pobre vai pro Seproc.

Constatação IV

Quando o obcecado convencido leu na mídia:Um escândalo sexual abalou um hospital em Sarajevo depois que uma enfermeira entregou ao diretor da instituição de saúde uma lista com os nomes de 20 médicos, citando-os como potenciais pais de seu filho”, cuspiu para o lado, estufou o peito e concluiu do alto da sua inabalável convicção e presumida competência: “Pelo jeito o caso dela não foi possível resolver com a terapia recomendada por cada um dos 20 médicos – desculpem o cacófato, meus prezados. Manda ela pra cá que a gente dá um jeito de atendê-la nas suas compreensíveis sublimes ansiedades. Quanto ao filho, o exame de DNA resolve com relação à paternidade”.                                                                                            

Constatação V (Teoria da relatividade para principiantes).

É muito melhor escutar, por exemplo, Delicado e Brasileirinho, do saudoso Valdir Azevedo, do que rock pauleira, heavy metal e coisas desse jaez.

Constatação VI

Os buracos negros são o fim das estrelas; os namorados, de mão dada no banco da praça, olhando para o céu, são a glória delas.

Constatação VII (Poeminha nem um pouco atemporal).

Tem gente que toma uma bebedeira

Toda sexta-feira.

E tem gente que faz bandalheira

A semana inteira.

Constatação VIII (De uma dúvida crucial).

Foi o claudiense* Cláudio que claudicou com a Claudia?**

* Relativo a Cláudio MG ou o que é seu natural ou habitante (Houaiss).

 **Não ficou claro qual e/ou que tipo de claudicada. Quem souber, por favor, cartas à coluna. Obrigado.

Constatação IX (De outra dúvida crucial).

Pior do que uma endoscopia é engolir sapo? Ou uma colonoscopia?

Constatação X

Rico tem brilho próprio; pobre só dá na vista.

Constatação XI (Quadrinha para ser recitada em chás beneficentes das ricaças vaidosas pra quem dinheiro é de somenos importância para elas).

Não é possível!

Ela fica impassível

E não implica

Quando o preço triplica.

Constatação XII

Quando o obcecado leu na mídia que uma pesquisa realizada na Inglaterra concluiu que “programas de abstinência sexual não funcionam”, declarou do alto da sua sapiência: “E quem é que não sabe disso. A pesquisa é pura picaretagem de alguma empresa para faturar algum. E eu que pensei que só em nosso país existe desses trabalhos, cujos resultados são, a priori, óbvios”.

Constatação XIII

A gente só gosta de ser chamado(a) de querido(a), quando o chamamento não é comercial e, evidentemente, depende de quem nos chama. Elementar!

Constatação XIV

Foi a bromélia

Que disse pro bromelio:

“Me trate com amabilidade.

Pare de cheirar o epitélio

Da nossa vizinha camélia

E deixar que ela faça exame

No teu estame.

Respeite minha sensibilidade.

Eu não sou nenhuma Amélia,

A tal que era a mulher de verdade”

Constatação XV (Dúvida crucial via pseudo-haicai).

Foi o provérbio

Que disse: “Tenha modos!”

Para o advérbio?

Constatação XVI

Não se pode confundir franqueza com fraqueza, até porque até quem fala franco demonstra exatamente o contrário de fraqueza. A recíproca não é verdadeira porque uma sogra é franca até demais o que revela certa fraqueza em querer impor os seus eternamente equivocados argumentos…

Constatação XVII (Esclarecimento).

E não esqueça, prezado leitor, que quem toma cerveja em excesso não quer dizer que fica robusto. Quer dizer que fica barrigudo, pançudo e/ou coisas desse nada esbelto jaez.

Constatação XVIII

A perfeita correção

Nos pagamentos

Do nosso exigível

Necessariamente

É obrigação

Tão-somente.

Já o realizável

De quem nos deve

Há momentos,

Alegados,

Não ser possível

Pagar breve.

O que nos deixa

Desesperados

Com muita queixa

E com a sensação

Que fomos ludibriados,

Engabelados

Por um grosseirão.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

A MEDIUNIDADE e a PSICANÁLISE entrevista com sérgio felipe de oliveira

Fenomenologia orgânica e psíquica da mediunidade

Há quase um século se estuda os fenômenos orgânicos e psíquicos da mediunidade. No Brasil um dos mais importantes estudiosos nesta área é o neuropsiquiatra Sérgio Felipe de Oliveira, mestrado em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor da Clínica Pineal Mind de São Paulo.

Nesta entrevista para a revista “Saúde e Espiritualidade” (“Health and Spirituality”), Dr. Sérgio nos conta um pouco de seus estudos e investigações sobre a glândula pineal e a mediunidade.

A Ciência reconhece o tema da “mediunidade”?

O Código Internacional de Enfermidades (CID) N°10 (F44.3) de certa forma o reconhece; do mesmo modo que o tratado de Psiquiatria de Kaplane e Sadock, no capítulo sobre as teorias da Personalidade, quando se refere ao estado de transe e de possessão pelos espíritos. Carl Gustav Jung, fez um estudo com uma médium possuída por espíritos. Enfim, já é uma abertura para discutir o tema do ponto de vista científico.

No seu curso, como o senhor orienta as pessoas para o estudo da mediunidade?

De início, é necessário apresentar os conceitos de Universos Paralelos e a Teoria das Supercordas, porque essas hipóteses científicas buscam a unificação de todas as forças físicas conhecidas e pressupõem a existência de 11 dimensões, coincidindo com a revelação espírita sobre os diversos planos da vida espiritual. Temos que estudar também outros temas científicos importantes, tal como a energia flutuante quântica do vácuo, prevista por Einstein e desenvolvida por Paul Dirac, o teorema de Gödel e discutir um pouco sobre o tipo de matéria que participam da construção dos corpos sutis do espírito, além da dinâmica da Psicologia Transpessoal. Com isso entenderemos melhor como se dá a comunicação entre os espíritos, quer estejam encarnados ou desencarnados.



Que seria realmente a mediunidade?

A mediunidade é uma faculdade da percepção sensorial. Como qualquer faculdade deste tipo, para ser exercida, a mediunidade necessita de um órgão que capte e o outro que interprete. A nossa hipótese é que a glândula pineal é o órgão sensorial da mediunidade, como um telefone celular, que capta as ondas do aspecto eletromagnético, que vêm da dimensão espiritual, e o lóbulo frontal faz o juízo crítico da mensagem, auxiliado pelas demais áreas encefálicas.


Mas a glândula pineal não se calcifica depois dos 10 anos de idade?

De fato, ocorre o processo bio-mineral da glândula e ela se calcifica. Em minha tese de mestrado na USP, investiguei os cristais da glândula pineal mediante a difração dos raios X.

Eu usei também a tomografia computadorizada e a resonância magnética. Tive a oportunidade de observar nos cristais uma micro circulação sangüínea que os mantinha metabolicamente ativos e vivos.

Acredito que sejam estruturas diamagnéticas que repelem ligeiramente o campo magnético, cujas ondas se deixam ser recocheteadas de um cristal a outro. Isso é como um seqüestro dos campos magnéticos pela glândula. Quanto mais cristais uma pessoa tem, mais possibilidades terá de captar as ondas eletromagnéticas. Os Médiums ostensivos têm mais cristais.

Quais são os sintomas da mediunidade?

Variam dependendo do tipo da mediunidade. Nos fenômenos espíritas, como é o caso da psicofonia, da psicografia, da possessão, etc, há captação pelos cristais da glândula pineal e sua ativação adenergética, quero dizer que pode ocorrer ataque cardíaco, aumento do fluxo renal, circulação periférica diminuída, etc. Nos fenômenos psíquicos, em que a alma do encarnado se afasta do corpo, como em estado de desdobramento, os sintomas são outros: podemos ter distúrbios de sono, sonambulismo, terror noturno, ranger de dentes, angústia, fobia, etc. Encaixam-se aqui também os fenômenos de cura e ectoplasma. Nos psíquicos, ocorrem mais fenômenos colienergéticos: expansão das atividades do aparelho digestivo, diminuição da pressão arterial, etc.


Quer dizer que a mediunidade não se manifesta sempre como fenômeno paranormal?

Correto. Uma boa parte das vezes, se expressa mediante alterações do comportamento psicobiológico. A explicação é a seguinte: a glândula pineal, um órgão sensorial, capta as ondas magnéticas dos universos paralelos; a percepção seria enviada ao lóbulo frontal que a interpretaria. Para isso é necessário se ter um certo treino e, antes de mais nada, a transcendência, do contrário não há desenvolvimento nessa área.

E no caso de a pessoa não conseguir essa trascendência?

Nesse caso as ondas magnéticas vão influir diretamente sobre as áreas do hipotálamo e as estruturas ao seu redor, sem passar pelo juízo crítico do lóbulo frontal e sem receber seu comando. Conseqüentemente a pessoa perde o controle do comportamento psicobiológico e orgânico. É o que acontece em muitos casos de obesidade, quando a pessoa come sem fome ou nos casos de dificuldades nas relações sexuais.

Se o efeito se produz na área da agressividade, haverá talvez um aumento da auto-agressividade (desencadeando depressão e fobia) ou da hetero-agressividade (com violência contra outras pessoas). Se o sistema reticular ascendente é ativado (esse sistema é responsavel pelos estados de sono e vigilia) podem ocorrer distúrbios nessa área. Nos casos citados ocorrem sintomas sem desenvolvimento da mediunidade, com alterações hormonais, psiquiátricas ou orgânicas. Se não há o controle do lóbulo frontal, as áreas mais primitivas predominam. A pessoa não usa a capacidade de transcendência. Essas são hipóteses que acumulei durante as investigações e nos casos clínicos.


Se um paciente lhe perguntasse se o seu problema é espiritual ou orgânico, qual seria a sua resposta?

Não existe uma coisa separada da outra. Eu parto da hipótese de que a pessoa é um espírito. Por isso a influência espiritual tem repercursão biológica e os comportamentos psico-orgânicos têm influência sobre o espírito.

Qual e o caminho para a integração da ciência e da espiritualidade?

O cérebro está, como um embrião, ligado ao coração. Não existe raciocínio sem emoção. Somente a capacidade de amar constrói a verdadeira identidade das pessoas. Somente após a união definitiva entre a Ciência e a Espiritualidade, a humanidade poderá encontrar a paz e o amor.

o entrevistado,Sérgio Felipe de Oliveira, é neuropsiquiatra com mestrado em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor da Clínica Pineal Mind de São Paulo.

revista Saúde e Espiritualidade da Associação Médico Espírita.

ilustração do site.

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o judiciário e você: é lamentável

é de arrepiar os cabelos, é de ir ao encontro do limite da paciência, é inacreditável! e nós assistindo tudo isso como se não nos dissesse respeito.

 

enquanto escovava os dentes, ouvi através do jornal HOJE (25/04/08 as 13:30) a seguinte notícia:

 

“pessoas portadoras de HIV, CÂNCER e ALZEIMHER, terão seus processos, de qualquer origem, julgados mais rapidamente pelo judiciário brasileiro.”

 

logo pensei “então temos agora mais alguns privilegiados, na rapidez de julgamentos enquanto autores.”

 

mordi a escova com tal força que estraçalhei as cerdas, mais um prejuízo!

enseguida imaginei “vai ter gente procurando parceiro com AIDS, transando até se esfolar para se contaminar, fazer o exame de sangue, entrar com pedido de juntada naquele processo que já rola há 10, 20, 30 ou mais anos no judiciário deste gigante que se nega a acordar.”

fiz o seguinte cálculo: o cara entrou com um processo aos 40 anos, já se passaram 20, ele agora está com 60, se contrair HIV e com os tratamentos de hoje ele vive mais 15! excelente! na mosca! o processo dele será julgado “imediatamente” e ele poderá, então, curtir a sua vitória que só viria caso não se contaminasse daqui mais 20 ou 30 anos, ou seja, estaria com 80 ou 90 anos, se vivo. recebendo agora com 60 tem mais 15 para aproveitar o ganho!

 

os advogados passarão a atender com luvas cirurgicas!

 

aviso “quem não estiver com uma dessas doenças, que deixe responsáveis para pagamento das custas e advogados antes de morrer!”

 

ridículo! simplesmente ridículo. mas a triste e cruel verdade.

 

a justiça que era cega, coisa que nunca acreditei, agora passa a espiar por baixo da venda e com isso eleger privilégios, ainda que com discurso “humanitário” assumindo, assim, que milhares de pessoas com processos nas diversas instâncias MORREM antes do julgamento final!

 

o privilégio, senhores do judiciário, deve ser de todo cidadão brasileiro que, com grande sacrifício paga “o custo Brasil,” os senhores inclusos, bate às portas em busca de uma decisão isenta e rápida, óbvio, antes da morte natural. 

 

sinto-me um “cidadão de segunda classe” como afirmava meu grande e bom amigo Darcy Ribeiro.

 

JB VIDAL

CARTA a um amigo que sofre de “GOTA” por marilda confortin

Ao saber que sofrias de gota, procurei o Aurélio
para saber quão sério era teu problema.
Ele me respondeu de um jeito feio,
que Gota era um avião alemão usado para bombardeio.

Fiquei deveras preocupada…
Um avião do século passado caindo em cima do dedão

do meu amigo do coração?

Que estrago! 

A princípio achei meio ridícula aquela explicação e resolvi então

ler mais um pouquinho.
Mais abaixo estava escrito que gota também podia ser

“uma partícula de líquido em forma de esfera ou pêra”.

Pêra? Péra aí! 

Todo esse tititi por causa de uma gotícula minúscula

Que caiu no dedão do teu pé? qualé? 

O que é uma gota para um oceano?
Isso não pode causar tanto dano!

Os homens são mesmo fracos.
(vai vê que é por isso que Deus lhes deu saco).
Aurélio já perdendo a paciência me disse que gota dolorida

 é outra história, bem mais comprida:
Uma forma hereditária de artrite caracterizada por hiperuricemia e recidivas paroxísticas agudas que ocorre numa articulação periférica.”  

Tem dó, dotô!
Eu sô só uma caipira, pira, porra!

Pelos palavrões que ele me disse, essa tal de gota,

deve dar uma dor da gota serena!
Fiquei com pena de você, gotoso.

Perguntei na internet qual era a causa do castigo que caiu sobre meu amigo:

“Elevação do ácido úrico no sangue com depósito de cristais de monourato de sódio”

Ai cacete! Minotauro não mija, não?
Tem que mijá mais, home.     
E guardar cristais, pra quê? que mania de acumular riqueza! 
Gaste tudo em cerveja que você vive mais. 

“A crise inicial dura 3 a 10 dias e desaparece completamente. O paciente volta a levar vida normal. Fica sem tratamento porque não foi orientado ou porque não optou pelo que foi prescrito”

Que bonito isso. Igualzinho à dor de amor.  

Quando a dor passa, o vivente esquece, até que acontece tudo de novo

e o infeliz entra num círculo vicioso.

“Usar um antiinflamatório não-esteróide  intramuscular ou endovenoso. Quando a dor diminuir, passar para via oral”

Ta aí uma boa notícia: O gotoso pode usar a boca.

Por ora, desejo melhoras desse mal,

mas se precisar de ajuda na fase oral, tô dentro.  

NÓS por friedrich nietzsche

Nós só sentimos agrado para com os semelhantes – ou seja pelas imagens de nós próprios – quando sentimos comprazimento conosco.

 

E quanto mais estamos contentes conosco, mais detestamos o que nos é estranho: a aversão pelo que nos é estranho está na proporção da estima que temos por nós.

 

É em consequência dessa aversão que nós destruímos tudo o que é estranho, ao qual assim mostramos o nosso distanciamento. Mas o menosprezo por nós próprios pode levar-nos a uma compaixão geral para com a humanidade e pode ser utilizado, intencionalmente, para uma aproximação com os demais.

 

Temos necessidade do próximo para nos esquecermos de nós mesmos: o que leva à sociabilidade com muita gente. Somos dados a supor que também os outros têm desgosto com o que são; quando isto se verifica, então receberemos uma grande alegria: afinal, estamos na mesma situação. E, tal qual nos vemos forçados a suportar-nos, apesar do desgosto que temos com aquilo que somos, assim nos habituamos a suportar os nossos semelhantes. Assim, nós deixamos de desprezar os outros; a aversão para com eles diminui, e dá-se a reaproximação.

 

Eis porque, em virtude da doutrina do pecado e da condenação universal, o homem se aproxima de si mesmo. E até aqueles que detêm efetivamente o poder são de considerar, agora como dantes, sob este mesmo aspecto: é que, «no fundo, são uns pobres homens».

AMNÉSIA poema de jb vidal

saio

carros em velocidade

 

freadas atropelos

salto para trás

 

sinal amarelo

e tudo passa

verde e tudo passa

tudo passa no vermelho

 

merda

 

a guerra está declarada

homens e máquinas

em estranhos carinhos

 

trombadas

carnes e ferros retorcidos

num abraço inseparável

entre emoções e o nada

 

nas calçadas

passa a multidão

e não me vê

 

 

 

atiram-me

de um lado para outro

me equilibro e sigo

vacilante

 

com mais ou menos

oito anos de idade

uma fome corre

mãos ágeis

levam minha passagem da volta

 

as lágrimas brotam

de raiva e poluição

chaminés malditas

conjuntivite crônica

pulmões pretos

ar  ar

onde estás

 

a praça

sim na praça

talvez eu possa

repousar este corpo

ferido na alma

 

seringas quebradas

latas vazias

restos humanos

jogados nos bancos

o chão

cheira mijo e merda seca

o sol escaldante

faz ferver o asfalto

fumaça óleo queimado

suor

asfixia

 

as árvores

pedem sombra

procuro com os olhos

encontro o inferno

 

mudaram tudo

 

a praça

já não é mais

 

haja alma

ali

com os pensamentos

reagindo às marteladas

do bate-estacas

a noite

me abraça

 

atento perscruto

famintos pixotes

prostitutas

homicidas

cafetões

bêbados

drogas

mendigos

 

por todo lado

o éter exala forte

 

 

sirenas

corre-corre

gritos

estampidos

junto à mim

um corpo cai

 

seguramente terá

as homenagens das manchetes

 

 

entro num bar

sento à um canto

 

não bebo

 

a fome de oito anos

levou a passagem

que poderia transformar-se

num gole ardente e cremoso

 

observo que ali estão

cantadores violeiros poetas

 

vou sorvendo

um pouco da vida

de cada um

me animo

questiono

reflito

sorrio

percebo que na arte

a vida sofre, suavemente

 

 

saõ paulo 1976.

DOS DEUSES NATHIVOS poema de jairo pereira

o deus menor faz pássaros cantar à força

o deus crescido derruba árvores na floresta dos nossos sonhos

o deus supervivido banha-se no rio de águas limpas

antropomística minha veia artística

antropocênica autoral e desmedida

cresci com os entes iletrados da mata dancei a dança dos ventos sofri as marcas do tempo tangi sons diferenciados nos poemas pendurados nos galhos

sou eu que amo este verde este cheiro de seiva fresca sou eu no interior das madeiras podres

cresço com os deuses de       barro enfibrados de cipós silentes nas tocas escuras.

 

 

 

O FIM DO HOMEM poema de joão batista do lago

 

Finda o Homem!

E finda na sua essencialidade

Quando atinge a capacidade

Do excesso…

E quando atinge a incapacidade

Da falta…

Finda pois, assim,

O Homem.

Nada mais há por Ser

Já que tudo existe no não-Ser.

 

ESSE TREM LOCO poema de gustavo soares de lima

eu zarpei de banda
fui indo, pezando pesado sujo
zoro de tanto espicha
mas que vida tosca essa
que me enrosca pros lados de lá
de tanto guspir forte pro céu
que um dia eu ei de pegá
esse trem loco
buzina um som estranhio
que pega a xente e entrépi os dedo
os dedo que nem tenho mais
perdi na máquina de fazer fóvora
só pra vós me oiár.

 

A ROSA DESMORONADA por bárbara lia

Escrito após assistir ao documentário – Escritores sem fronteira

 

“Potência não é direito”  (Breyten Breytenbach)

“A Palestina é uma zona de linguagem desmoronada”
(José Saramago)

 

As luzes marcam os caminhos que levam à Jerusalém, do alto de um monte em Ramallah, Mahmoud Darwish aponta Jerusalém, e meio a escuridão uma estrada de luzes separa Palestina e Israel.

O poeta ouve as palavras de sol dos amigos que romperam distâncias para abraçá-lo em Ramallah.

Saramago coloca em um mural, na universidade de Bir Zeit, o seu recado. Um a um os escritores deixam uma mensagem ao povo, registro de sua passagem. Escritores de oito paises foram abraçar Mahmoud Darwish, que não pode deixar sua terra para encontrá-los. Todos com o mesmo assombro diante de um país desmoronado. Esta é a palavra, e o mundo só sabe de explosões de homens bombas. Não sabem dos tratados que tornam o dia a dia inviável. Não sabem das pressões, das máculas que impõem a um povo como decisão sem volta, um rastrear sem fim de um território, uma posse sem direito, um ultraje. Saramago desenha uma flor, escreve abaixo o nome Palestina e a frase “Falta água a esta flor”. Falta água, falta abrigo, falta até mesmo o olhar de Deus para secar o pranto do homem que chora, enquanto o soldado de Israel com uma serra elétrica nas mãos corta as oliveiras, uma a uma, com uma tenacidade fria. Entre arbustos tudo chora. O outro soldado vem e encobre a lente que mostra o que ninguém no mundo vê – a dominação que chega e tira a humanidade de um povo.

Saramago, em uma cena do documentário, fala para a câmera dentro de um ônibus. Ele tenta explicar o significado de suas palavras, que correram o mundo, quando, no início dessa viagem, comparou campos de refugiados palestinos com Auschwitz. Saramago diz que não poderia calar sobre o que viu, e o desespero do escritor ao saber que sua declaração poderia gerar um ataque à Ramallah.


Em outra cena, o escritor chinês Bei Dao conta que, quando se apresentou ao consulado israelense, em San Francisco, onde mora, para pedir um visto para viajar para a Palestina, o funcionário disse com um ar “blasé”: “Esse país não existe”.


Dois deles ganharam o prêmio máximo da literatura – Saramago e o nigeriano Wole Soyinko. Os outros são Cristian Salmon, da França, o sul-africano Breyten Breytenbach, o chinês Bei Dao, o norte-americano Russell Banks,o italiano Vincenzo Consolo e o espanhol Juan Goytisolo.

Sabreen é a palavra que ele aprendeu, diz o francês à platéia de um teatro “sabreen – paciência” A primeira palavra que ele aprendeu enfrentando algumas das 763 barreiras que existem na Palestina. O teatro demolido por tanques, dois dias depois de ter recebido os intelectuais do mundo que vieram abraçar Darwish.

Dois escritores à beira do Mediterrâneo e a frase de perplexidade:

– Temos mais de cinqüenta anos de experiências, percorremos todos os paises do mundo. A África, a América Latina, e nunca nos deparamos com um ultraje tão grande contra um povo.

Água de um azul belíssimo, ondas de um branco resoluto, cabelos brancos poucos, as vozes que tentam entender e articular o que nem a palavra, arte tão bem manejada, lapidada, esculpida, consegue. Atordoados diante deste mundo de casas desmoronadas, de estradas esburacadas, dois universos contidos em um espaço, um de caminhos de poeira, pedra e angústia; outro de estradas asfaltadas, de soldados com olhar de pedra. E diante da retaliação, opressão, demolição, e toda ofensa contra um povo inteiro, eles criam kamikazes, e depois apenas os kamikazes surgem como notícia de fogo e explosão e morte. Ninguém mostra a criança morta antes de chegar ao hospital barrada em um posto por militares. Ninguém vê os estudantes que precisam percorrer a pé quilômetros para contornar o muro e chegar à escola, as mães que vendem batata nas feiras para criar os filhos, o homem que trabalhou a terra a vida inteira e vê chegar o exército e derrubar suas oliveiras, símbolo de sua pátria. Ninguém vê um bairro inteiro com as paredes formando um túnel que um tanque ultrapassou lado a lado, tornando impossível a privacidade entre os que ali vivem, e ninguém vê que quando matam um homem bomba, matam também quinze vizinhos de cada lado, e demolem bairros, cidades, escolas…

ANDORINHAS – por zé beto (o do blog)

Elas voavam naquela parede amarela da área. Sempre. Pregadas, mas voavam. Três. Do mesmo tamanho. Simétricas. Vôo em direção ao teto de madeira, pintado de verde. Eu olhava sempre porque achava que um dia furariam aquele teto, o telhado e se juntariam às companheiras que, às vezes, em revoada, transitavam naquele espaço de céu na vila suburbana. Passou pela cabeça um dia bater palmas e pedir para a vizinha de rua para tocá-las. Mas tão misterioso quanto aquele vôo dos três pássaros eram aqueles vizinhos. Sempre tem gente assim nas ruas onde só existem casas. Naquele tempo, nos 60, então… Rua de terra, terrenos descampados que eram imensos parques de diversão para nossa turma, a da Maria do Carmo, e também campos de batalha para os inimigos da “Central’. Até que a gente soube que ali chegou a segunda televisão do pedaço. A primeira foi do doutor Milton, que não era dentista, mas um protético que veio da Bahia e abriu consultório onde se especializou em arrancar qualquer dor com o boticão que era o pavor de todo o bairro. Nunca falou em escovação. Seria o fim do ganha-pão para a família. Mas aquela casa das andorinhas na parede da área recebeu uma televisão e ali não seria tão fácil entrar como na sala do “dentista”, que ficava ao lado do consultório e onde um dia todo mundo viu o Santos bater o Milan duas vezes no Maracanã e se sagrar campeão mundial de clubes. Neste dia o doutor ficou tão doido que explodiu um despertador no teto. O mistério da outra casa era tão grande quanto o daquelas andorinhas a voar eternamente no mesmo lugar. Num 31 de dezembro roubamos uma garrafa de vinho e fizemos uma competição para quem bebia mais e mais rápido. Logo depois a vontade de ver a corrida da São Silvestre na televisão tomou conta do meu mundo bêbado. E só havia a casa misteriosa disponível, pois o protético tinha viajado para sua Bahia. Foram  lá e pediram. Entrei cambaleando e antes de atravessar a soleira da porta vi que os pássaros eram de louça e bem encaixados presos à parede amarela. Vi a largada da corrida. Vomitei no meio da sala. Os donos da casa eram pacientes e atenciosos. Colocaram-me para dormir numa cama deliciosa, depois que me limparam e passaram perfume. No quarto, pintado de rosa, havia andorinhas na parede. Eu achei que as de fora tinham entrado ali para me proteger dos males do mundo.

 

http://jornale.com.br/zebeto/

A LIBIDO por ricardo sehnem

A libido é um conceito muito trabalhado pela psicanálise que se constitui numa carga energética que tem origem na sexualidade. É importante ressaltar que a sexualidade não se localiza apenas no aparelho genital.A libido é uma energia humana que faz os indivíduos buscarem a realização de suas necessidades básicas, como a fome, por exemplo, e também as prazeirosas.

Parte da libido é reprimida a partir do complexo de Édipo, parte é deslocada para outros atos humanos como estudar, fazer arte, trabalhar e outras atividades que temos ao longo de nossas vidas, e uma última parte fica disponível para o prazer sexual.

A libido é a energia que move o homem a se relacionar com os objetos. Se não fosse pela libido o homem não iniciaria sua relação com o mundo. É esta energia que garante que as crianças comecem a brincar, locomoverem-se e explorar a realidade à sua volta.

A capacidade de canalizar a libido para o mundo exterior é fundamental para o equilíbrio do ser humano. Problemas nesta canalização podem ocasionar falhas na socialização, como o autismo, auto-agressão, masturbação compulsiva e outros distúrbios de comportamento. Na linguagem comum, a libido pode ser entendida como “vontade” e para entender melhor este conceito podemos nos remeter a nossas expressões quotidianas: “não estou com vontade”; “sem vontade não há solução”.

Estas formas de expressão sinalizam a importância da libido em todas as nossas ações. Libido é um termo que significa vontade e desejo. De um ponto de vista qualitativo, Freud definiu que a libido é irredutível a uma energia mental não especificada como propunha Jung. Para Freud a libido afirma-se sempre mais como um processo quantitativo, permitindo medir os processos e as transformações no domínio da excitação sexual.

 

 

SUSSURROS (da novela ULSISCOR) de walmor marcellino

 

 

Não desejo, não insisto que façam sempre silêncio; tantas vezes alteei a voz. Até gostaria que as artes e seu convencimento inundassem o universo. Iremos ao afogamento!

Todavia, há uma voz estrênua à distância, um canto esplendente, uma melodia estreme, que constituem nossa razão última, depois da qual nenhuma invocação ou grito deve perturbar. Viva-se essa acalmia enquanto se preparam os combates.

Se não conseguimos olho a olho, a voz semente, ouvido atento, na confabulação das pessoas provadamente reais, tudo o que nos afasta é ruído, é turvação do espírito, alienação do ser. Silêncio, por favor!

Por assim, eu imploro muito silêncio; para que se oiça esse monocórdio; para que se assuma a inquietação sem choros nem clangores. Para ouvir-se o sopro do espírito, a possível comunhão sincrônica, onde dissolvem as vontades desorientadas.

Porque eu sou materialista da antimatéria, atemporal na cronicidade estuante; um objeto circundado de elementos; que somente contradiz nas pulsões.

Tem um filho da puta tocando um disco enrolado na pélvis; tem uma fêmea clamando aos solavancos no celular: “ninguém compra minha bainha!”; tem uma televisão avisando o apocalipse de outrem; tem uma pessoa que me convida a esquecer que não vamos a parte alguma. Como já é sabido, as pessoas com seu eu.

Eles querem, na verdade exigem que você se suicide; porque à falta de notícia, a sensibilidade lhes vai esmaecendo para coisas triviais… Então, não lhes facilite a miserável existência. Grite bem alto: façam silêncio!”

Ficção não é alegria; é uma tristeza suspensa. Mas ficção é a porta de saída do inferno de nossas vidas. Bastaria bater a porta e dar por cerrada, nunca mais, a pugna sedenta; porém as sombras nos acompanham, começam onde inicia o eu, e se bifurcam profusas.

Daí a ficção ser profusa inelutavelmente. Portudo, ficção não se aliena delevelmente; é uma tentativa de liberdade em alguma direção inadvertida. O sujeito vai trocado, é verdade, como fosse um complemento; e o leitor, o prescindível agente, o abjeto figurante é desprezado como um comparsa da aventura possível. Sem os mistérios criados.

Você que é “temporão” como se fala para atenuar seus débitos; ou você “decadente” para acentuar-lhe o passado; ou simplesmente “peregrino” para caracterizar que expatriado não tem sombra, precisa convencer-se de que o rebanho precisa ser nutrido, curado, tosado e disposto. E desde então exsurge o livre arbítrio que o deus da fortuna lhe reserva. Pode escolher a sua vez!


ENTREMUNDOS DA CIA. de DANÇA por raíssa machado

O vazio pode ser como a palavra que se aprende.

Os sons que a gente escuta, a ferocidade das pessoas, as letras unificadas ainda mesmo quando pequenos, ou ainda nem nascidos.

O vazio deve ser mais explícito nos desejos, sonhos, ternura familiar e particular na vida de um escritor. A pessoa que escreve não tem outro recurso, a não ser o de criar com a beleza das suas palavras, o seu mundo, a sua história, ter as suas invenções, a sua fé, o seu estado de humor, de lógica, de simplicidade, de humanidade e de um pouco de inocência quando for falar da verdade na linguagem.

O homem que escreve precisa ser fiel aos caminhos da palavra, falo de não desistir, e de poder escrever coisas boas. De poder descrever os fatos com intensidade e não falsidade que faz os seus leitores não lerem mais, e não agradarem da leitura e da escrita e da não compreensão de uma opinião tão severa e sólida, sem nexo para o universo de escrever, ouvir e falar na existência e batalha atual.

O vazio tem suas especialidades com as pessoas, se você observar a vida de uma dona de casa, de classe média, o seu vazio é de um tipo, com um artista gravador, o seu vazio é outro, o do engraxate, do aposentado de conversa no “Café Nice”, do estudante, da professora, de uma dançarina… Enfim, cada sujeito tem as suas tendências em vista por uma cidade grande e inibida como Belo Horizonte.

Um crítico que diz que um trabalho de dança, que é um processo cristalizado na arte, foi como resultado “um passo para trás”, o que a arte deve fazer com este cenário então? Poluído, frio, deserto, incompreensível e alimentado.

A vida é imagem, transparência, corriqueira aos olhos do que é certo e errado bom e ruim.

A vida não é escrita, ainda… E talvez só as pessoas que se desenvolverem emocionalmente; venham ter capacidades de adquirir o mundo e a bela vista!

 

 

 

 

PARTO PREMATURO conto de otaciel de oliveira melo

 

Encontrava-me na casa de um amigo, no Recife, preparando-me para retornar na madrugada do dia seguinte para Fortaleza. Na noite da véspera da viagem ligo para uma cooperativa de taxistas e, à mulher que me atende, explico que preciso de um táxi por volta das três e meia da manhã, para me levar ao aeroporto dos Guararapes. Confirmo a corrida ao me acordar naquela madrugada, como ficou acertado, e trinta minutos depois me encontro defronte ao prédio da Rua da Hora, Espinheiro, onde me hospedara.

                    Aproxima-se um táxi, um Gol bege, dirigido por uma mulher, que pára e me pergunta:“Senhor Jaciel?”. Meu nome na realidade é OTACIEL, mas como ninguém nunca compreende este nome à primeira vez que o pronuncio, eu respondi “sim”.

                    Acomodei-me no banco traseiro com minha bagagem de mão e, a pedido da motorista, tracei o percurso a ser percorrido: “Estrada dos Remédios, Afogados, Avenida da Imbiribeira, Aeroporto”.

                    Mal tínhamos alcançado a Estrada dos Remédios quando a motorista virou-se para mim e disse que estava passando muito mal. Foi nesse momento que observei que ela estava com uma barriga enorme, e imediatamente perguntei:

– A senhora esta grávida?

– Sim, estou.

– De quantos meses?

– De oito, se não me falha a memória.

        Diante daquela declaração inesperada de aparente sofrimento, conjecturei que aquilo poderia ser um assalto programado e que a qualquer momento ela frearia o carro e apareceria um sujeito com uma arma apontada para minha cabeça, exigindo a entrega de todos os meus pertences, e me deixando, na melhor das hipóteses, numa esquina qualquer daquela estrada, sem remédio. Imediatamente ordenei àquela mulher que parasse o táxi, que me entregasse as chaves do carro e que passasse para o banco dianteiro de passageiros. Ela me obedeceu sem comentários, e seguiu-se o diálogo:

– E por que a senhora, grávida, dirige um táxi numa cidade violenta como Recife, e logo de madrugada?

– Porque o meu marido teve um AVC, está com o braço esquerdo imobilizado, e a única fonte de renda que temos é esse táxi, que é alugado durante o dia para outro motorista, conhecido nosso, por R$ 50,00 a diária; mas como as despesas de manutenção são por nossa conta (pneus, amortecedores, troca de óleo, etc.), sobra muito pouco e eu tenho que me virar à noite.

– Mas por que então a senhora não dirige durante o dia, que é mais seguro?

– Bem, o problema é o calor, já que este carro não tem ar-condicionado, e, além disso, eu NÃO tenho carteira de motorista. Depois das 22 horas é muito mais difícil ser parada por uma blitz.

– A senhora não tem carteira de motorista?

– Não, não tenho.

– E quem lhe ensinou a dirigir?

– A necessidade de sobrevivência.

– Eu nunca ouvi falar dessa auto-escola. Onde a senhora mora?

– Eu me escondo em Prazeres, numa rua que fica aproximadamente a 4 km depois do aeroporto. Não foi à toa que eu peguei esta corrida para um local bem perto da minha casa. Eu já estava me sentindo mal desde uma hora da manhã, mas me agüentei por causa desta corrida.

– Este é o seu primeiro filho?

– É. Apesar de já ter 32 anos, este é o meu primeiro filho.

– Já sabe o sexo da criança?

– Menino.

– E o que a senhora está exatamente sentindo, agora?

– Sinto que vou parir a qualquer momento, e por isso eu peço ao senhor que me deixe ligar do meu celular para o da minha cunhada, para ela colocar numa sacola plástica as coisas que eu preciso pra ficar um ou dois dias na maternidade, que fica próxima da minha residência.

        Ao ouvir tal frase eu fiquei tão nervoso que mal conseguia manter o pé fixo no acelerador do veículo, de maneira a desenvolver uma velocidade aproximadamente constante. Meus pés tremiam mais do que um martelete desses de quebrar asfalto, eu suava mais do que um tirador de espírito (hoje chamado eufemisticamente de exorcista), e, com um misto de pavor e humor, me escapou o seguinte comentário:

– Minha senhora, pelo amor de Deus, não dê à luz esta criança dentro desta viatura. Eu juro pela hóstia consagrada que eu nunca fiz um parto em toda a minha vida. Olhe, eu não tenho nesta bolsa de viagem sequer um cortador de unhas. Como eu poderei então cortar o cordão umbilical? Com os dentes?

        Rindo, ela entrou em contato com a cunhada, esclarecendo a situação. Continuei a dirigir o táxi até Prazeres, e naquele bairro do município de Jaboatão dos Guararapes, depois de circularmos por um labirinto de ruas e vielas apertadas, chegamos finalmente à casa da taxista: uma residência simples, em construção, com tijolos desnudos e piso de barro batido. Cunhada e marido estavam a postos e era notória a dificuldade de mobilização do braço esquerdo deste último.

        Os dois irmãos entraram no carro e eu continuei dirigindo até a maternidade. Lá chegando, eu perguntei quanto era a corrida. Eles não queriam cobrar nada e só depois de explicar que aquele era o meu

primeiro presente para o garoto que nasceria em alguns minutos, resolveram receber os R$ 35,00 registrados no taxímetro. Solicitei à cunhada o número do seu celular e prometi telefonar na tarde daquele mesmo dia, quando chegasse a Fortaleza, para saber das novidades. Peguei um táxi, dos que estavam parados defronte à maternidade, desta vez observando melhor quem o dirigia, e solicitei ao motorista pressa em direção ao aeroporto. Ali cheguei por volta das 4:30 h, mas como carregava apenas uma bagagem de mão, consegui embarcar no vôo programado.

       Na tarde daquele mesmo dia telefono para a cunhada da “minha passageira”:

– E então: como está a nossa mamãe?

– Deu tudo certo: o parto foi prematuro, porém mãe e filho estão passando bem. O menino pesa 3 quilos e seiscentos gramas e tem a cara do pai. A propósito, ela quer saber o seu nome para colocar no garoto.

– Sério?

– É mesmo.

– Meu nome é Otaciel.

– Como?

– O-ta-ci-el.

– Vote (ô), é muito feio! Acho que ela não vai colocar esse nome no meu sobrinho, não.

 

 

 

O DIA DO OUTRO por darlan cunha

Hoje não é dia de se comemorar nada com o Outro, mas farei com que seja, embora não me apeteça agradar por agradar, ou agarrar oportunidades reais e fictícias que me atravessem o caminho. Vivo de mim, e não longe de mim vive o mundo com a sua cabala, seus meandros, suas roupas de baixo.

Fui a um circo, onde fiquei mais tempo do que pode sugerir a simples ida a um divertimento; mas é que em tudo há mais de uma face (ou disfarce), e então entrei de naquele ambiente, arriscando-me talvez a pegar a alegria de algum animal, ou de levar uma mordida, mas

é torrando farinha que se aprende o pão; é fuçando nas latas de lixo que a gente começa a entender de luxo e luxúria, não é mesmo ?

O dia do Outro talvez não se mantenha como uma data a ser repetida por mim, mas não vejo porque não possa fazê-lo quem queira experimentar, e então sair dele com algum novo sestro, nova visão da Vida, do Outro.

 

PALÁCIO VENÂNCIO LÓPEZ por ewaldo schleder

Achei na Internet o Asunción Palace Hotel, na capital paraguaia. A idéia era ficar ali hospedado uma semana. Escolha em função da localização, do preço e da pitoresca história do Palace. Porém, a hospitalidade da casa e o fascínio das horas seguintes me fizeram ficar, prazerosamente, por mais alguns dias nessa caliente cidade.

 

Pouco distante no tempo, há 10 anos, lá mesmo em Assunção conheci outro palácio; também hotel, luxuoso, com seus cristais, pratas e gesso polido. Ali morou madama Linch – a bela irlandesa que Francisco Solano López, apaixonado, trouxe de Paris. Uma grã-fina do Sena para rivalizar, mais tarde, com a nativa Pancha Garmendia, sua outra paixão. Sem dúvida, um duro teste para aquele coração napoleônico.         

 

De volta às surpreendentes colunatas dóricas e coríntias do Asunción Palace. A curiosidade é que na agonia da Guerra Grande (Guerra do Paraguai ou da Tríplice Aliança, 1864-1870) o palacete teve a bandeira brasileira hasteada em suas cumeeiras. Na ocasião, o imponente palácio serviu de hospital aos feridos das tropas de Osório. Nos dias de hoje, a memória se fragmenta pelos corredores do hotel; nos quadros das paredes, na luz, na sombra, nos detalhes de um passado comum.

 

Construída pelos idos do governo (1844-1854) de Carlos Antonio López, a majestosa casa seria a morada do seu filho mais novo, Venâncio López. Carlos Antonio presidiu o Paraguai no auge do seu desenvolvimento, entre dois históricos ditadores: José Gaspar de Francia, el supremo, e seu outro filho, Francisco Solano, el generalito. A obra foi encomendada ao arquiteto italiano Alessandro Ravizza, que já assinara outras importantes construções na pujante Assunção daqueles anos – meados do século 19, antes da guerra.

 

A esperada inauguração foi em 1858, com um grande baile. O ritmo em voga era a polka, novidade musical recém-chegada da Europa. No aprazível local, em companhia de amigos – e amigas – Venâncio promovia o festejado happy-hour. Sentados na varanda que dá para a avenida Colón, os privilegiados comensais tagarelavam, se divertiam, estouravam champagne français e, extasiados, ficavam a admirar o pôr-do-sol no rio Paraguai, até chegar la noche tíbia.

 

De um palacete na esquina da Colón com Estrella, em Assunção, reminiscências românticas velam o drama da guerra. Ali já foi o Hotel Argentino e foi o Cosmos. Nesse local, em 1928, foi apresentada pela primeira vez em público – a um povo entristecido, desacostumado a espetáculos de tal natureza – a tradicional guarânia Jejui, na presença do então presidente da República, o liberal Eligio Ayala.

 

Em 1943, o Palácio Venancio López vem tornar-se o atual Asunción Palace Hotel. Parte viva do cenário urbano da Bacia do Prata. A estética do prédio revela o esplendor da arquitetura de um Paraguai que anseia renascer. O registro do inestimável patrimônio como Bien Cultural de la Nación vem garantir a sua preservação. Sua fachada: símbolo de resistência cultural da cidade e sua sofrida história. A dar boas-vindas aos visitantes de todas as partes. Para ser apreciada, em tempos da paz que se consagra.

 

 

DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS BRANCOS por ives gandra da silva martins

Hoje, tenho eu a impressão de que o ‘cidadão comum e branco’ é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se auto-declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.

Assim é que, se um branco, um índio ou um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles. Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.

Os índios, que pela Constituição (Art. 231) só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros – não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também – passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 183 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele. Nesta exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não índios foram discriminados.

Aos ‘quilombolas’, que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.

Os homossexuais obtiveram, do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef, o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências, algo que um cidadão comum jamais conseguiria.

Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem este ‘privilégio’, porque cumpre a lei.

Desertores e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para ‘ressarcir’ àqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.

E são tantas as discriminações, que é de se perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º da Lei Suprema?

Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios.

“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”.
(Rousseau).

 

 

MÁRIO QUINTANA por mário quintana

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas… Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.
Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não astava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos.

Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.

PÉS: estes órgãos íntimos – por jorge barbosa filho

 

Já pegaram no teu pé? Não? Que tal o seu chefe? O seu amigo? O time ou grupo onde você atua? “Pegar no pé” é uma atitude de reprimenda quando você vacila, falha ou comete algum erro. “Pegar no pé” exige alguma relação próxima de amizade, de trabalho ou íntima. Você não pegaria (declaradamente) no pé de quem você não conhece. Pegaria? Improvável…

Em nossas relações de amizade, amor e intimidade temos acesso a esse ato que a locução “pegar no pé” propõe, mas pegar no pé de alguém, literalmente, ou seja, meter a mão no pé de alguém ou passar a mão no pé de alguém, exige muita intimidade, com exceção dos médicos, podólogos e manicures. Já imaginou um estranho ou uma pessoa com a qual não tenhamos muita intimidade, passar a mão nos pés de nossos filho(a)s, namorado(a)s maridos e esposas? Imaginou? Qual seria a sua reação? No mínimo levantaria alguma preocupação e estranheza, concorda?

Sua reação de estranheza e preocupação não é infundada, pois os pés sãos os meridianos de todos os órgãos. Daí, podemos dizer que os pés são sensíveis, sensuais e sexuais. É a promessa de nudez representada pela carne à mostra. Os pés são os caminhos da tão almejada realização sexual.

Por que as mulheres têm tara por sapatos, ou adornam seus pés com anéis e correntinhas? E os pezinhos das gueixas? Todas sabem que os pés atraem, haja vista que em uma pesquisa 70% dos homens e 30% das mulheres têm atração sensual pelos pés.

Na arte e vida sensualidade e sexualidade “dão pé” e se misturam. Henfil usou Fradim para confessar que gostava de pés; Glauco Matoso, o poeta e andropodólatra gostava de chupar pés. No cinema várias cenas: Bridget Fonda em “Jackie Brown”, Salma Hayek em “Um drink no Inferno”, “Pulp Fiction” também há..Todos de Quentin Taratino confesso amante de pés. E não para por aí, os devotos dos pés estão na pintura e ilustação dos italianos Franco Sandelli e Roberto Baldazzini, do japonês Hajime Sorayama, na poesia de Pablo Neruda (“os teus pés” e “o inseto”) e vai por aí. Pés não faltam pra “deixar o bicho de pé”.

Na minha modesta opinião, pés sempre foram vulvas, seios e bundas. Há cartesianos com pouca imaginação que contestam. É compreensível pois nunca fizeram um “consolo” em forma de pé.

Depois de todo o exposto, leitor(a) você deixaria alguém pegar no pé do(a) seu parceiro(a)?

A MORTE COMO ESPETÁCULO PARA UM PÚBLICO CATIVO – ESTE É O “SISTEMA GLOBO DE CULTURA” DA TV GLOBO

Mal saímos de um programa “cultural” de triste conteúdo, o famigerado BBB 8, e encontramos todo o “sistema da rede globo” empenhado em transformar uma tragédia familiar, o “CASO ISABELLA,” como ela denomina, em um espetáculo com características de novela, anunciando os próximos capítulos da locomoção dos pais, familiares, polícia, aparato de segurança e pior a própria TV indicando os locais de residência dos familiares para o público, que na maioria das vezes, está empenhado em esquecer mais este fato que envergonha o ser humano, indicando assim, para onde os desocupados e “parceiros” da Globo devam se dirigir afim de dar “vida” ao espetáculo.

 

Não se respeita a morte da pequena Isabella e nem a dor e sofrimento porque passam os familiares do casal. Já não podem sair das suas casas, pais, sobrinhos, tios, primos, NINGUÉM, sob pena de serem agredidos pelos “parceiros” em fúria estimulados pela rede. A tragédia e a comoção estão instaladas naquelas famílias, não bastasse isso, a imprensa insufla a população contra elas.

 

Primeiro o espetáculo. Primeiro o IBOPE. Primeiro o dinheiro.

 E, diga-se, em todas as redes de TV o mesmo primado.

 

Notícia sim, óbvio, é preciso informar, ainda que seja um fato brutal como esse. Daí transformá-lo em doses diárias de uma “mini série” angustiante para todos, inclusive para aqueles que, como eu, não estão sedentos de ver a desgraça humana para justificar sua estável existência, é simplesmente um abuso para com o telespectador de boa fé. 

 

Não há programa que não venha o anúncio “veja aqui em instantes, através dos nossos repórteres que já estão no local, as últimas informações do caso Isabella” inclusive em programas de culinária como o da Ana Maria Braga.

 

São simplesmente nojentas, desprezíveis essas atitudes tendenciosas da “democracia da informação.”

 

“Senhor anunciante, diante do alto índice de audiência em razão do “caso Isabella” nossa planilha de preços sofreu modificação.” Provavelmente a “brilhante ordem” do departamento comercial.

 

JB VIDAL

 

 

 NOTA DO EDITOR: o texto acima foi postado as 09:30 do dia 22/04/08.

 

AGORA são 23:00 do dia 22/04/08 e acabamos de receber esta notícia, que ilustra muito bem o que abordamos acima:

 

AGENCIA ESTADO.

 Isabella: detidos 2 por tentar invadir prédio de família

A Polícia Militar (PM) deteve hoje dois homens acusados de tentar invadir o prédio onde vivem os pais de Anna Carolina Jatobá, madrasta da menina Isabella Nardoni. A dupla tentou entrar no edifício em Guarulhos, na Grande São Paulo, por volta das 15h30, quando um carro deixava o imóvel. De acordo com a Rádio CBN, cerca de 40 manifestantes estavam no local no momento da confusão. Eles pediam justiça. Acusados de desacato, os dois homens foram encaminhados ao 2º Distrito Policial da cidade.

 

 

AURORA poema de manoel de andrade

Não direi que me encantas mais do que o silêncio

porque é assim que despertas as aves e os caminhos.

Meus olhos também nascem pelo parto da esperança

porque vivo na imortalidade

renascendo em cada dia.

 

Deixa-me rever em prece tua face ressurgida

porque tua luz é sempre uma catarse.

Teu olhar estende as linhas do horizonte

e toda a paisagem é  então uma ventura

e já não és mais nada

porque desfaleces no seio da beleza.

 

Repara como sou pequeno diante do teu rosto amanhecido

mas como é grande o que em mim te contempla.

Para renascer basta-me apenas teu momento

tua humilde majestade

tuas pétalas de fogo

e essa corola ardente

porque não  peço nada mais que a tua luz

inaugurando o mundo em cada alvorecer

e que nunca me encontres cego ou vencido.

 

                                                         Curitiba, abril de 2004

 

Extraído do livro “CANTARES”, publicado por ESCRITURAS

 

 

 

A POESIA e o POETA poema de manoel antonio bomfim

A poesia é um alimento
Que me nutre noite e dia
Enriquece meus sentimentos
Alaga os meus pensamentos
E me enche de alegria
 
É o melhor passatempo
Com ela eu chego ao céu
Dou cambalhota no tempo
Afasto qualquer tormento
Fico sorrindo ao léu 

Perdoem-me a pretensão
De achar que sou poeta
Escrevo com a emoção
Que vem do meu coração
De uma forma discreta 

O poeta é um sonhador
Grávido de esperança
Um peito cheio de amor
Que se afoga na dor
De uma simples criança 

É uma figura eterna
Uma mala de anseios
De atitude materna
Que até na seca hiberna
Escreve com ou sem rodeios 

O poeta vive de porre
Com tudo se embriaga
Nunca mata e nem morre
A todos ele socorre
Sua fé nunca se apaga

OBSERVANDO – I poema de eunice arruda

sim

as horas de trégua

Quando se afiam
               as facas

 

TRAPEZISTA poema de cecília meirelles

 

 

De que maneira chegaremos
às brancas portas da Via-láctea?

Será com asas ou com remos?
Será com os músculos com que saltas?

Leva-me agarrada aos teus ombros
como um cendal para agasalhar-te!

Seremos pássaros ou anjos
atravessando a sombra da tarde!

Deixaremos a terra juntos
e justapostos como metades,

sem o triste pó dos defuntos,
sem qualquer bruma que enlute os ares!

Sem nada de humanos assuntos:
muito mais puros, muito mais graves!

 

 

NOVOS PALAVREIROS NO SITE! É FESTA! pela editoria

este site a cada dia que passa avança a passos largos em direção aos seus objetivos que são divulgar a arte, a literatura, a poesia e os seus autores.
hoje estamos novamente em festa, as poetas MARILDA CONFORTIN, DEBORAH O’LINS DE BARROS, a escritora HELENA SUT e o poeta e pesquisador EDU HOFFMAN, compreederam o espírito público do site e aceitaram o  convite para se tornarem PALAVREIROS DA HORA, porque natos palavreiros são, e assim, divulgar suas obras por este meio ofertando mais opções aos nossos leitores. de grande valor estes novos âncoras que vem somar aos que já trabalham com os mesmos objetivos. os amigos PALAVREIROS lhes dão as boas vindas.
 

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MARILDA CONFORTIN

 

 

 

GOSTOSA!

 

Bela cantata!

Me allegro,

ma non treppo.

 

2.

A  outra

 

Hoje, uva

Amanhã, passa.

Eu, vinha.

 

 

3.

Bagagem literária

 

Nesta viagem

Leve um coração leve

e sobre tudo, um olhar de veludo.

 

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DEBORAH O’LINS DE BARROS

 

 

 Às vezes tenho certeza

Quase absolutamente,

De que sou meio louca,
Verdadeiramente.
Pois não tenho necessidade
De ácido lisérgico
E nem de lítio.
Mas quando vem reminiscências
De determinados fatos
Há muito ocorridos,
Me vem uma vontade insana

De ausência.

Ausência de pensamentos,

Mas não de sentimentos.

Há uma necessidade

De estar só.

Inclusive a minha própria presença

Me incomoda,

Quando essas reminiscências

Me recordam que

I miss the comfort in being sad.

 

Acho que relembrar

As mazelas do ontem

É como folhear

Um álbum de fotos onde

A trilha sonora escolhida

É a responsável por virar as páginas.

E agora resta a dúvida:

Será que remexer lembranças

É como lembrar da dívida

Que tenho comigo mesma?

Isso, na verdade,

Não importa.

Pois se o Corvo diz Nunca Mais,

Não há portas

Que abram para eu voltar.

E, pensando bem, parece hilário

Pois forjar tristeza

Se tornou, nada mais

Que recurso literário.

A saudade existe para provar

Que o passado não mata

E as reminiscências são só um mote

Para entender que o que não mata

Nos torna mais fortes.

 

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HELENA SUT

 

 

 

 

 

 

 

CAMELO, LEÃO E CRIANÇA

“Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança.”

                                                                                                                          Friedrich Nietzsche

 

            Um crime contra a esperança! Sinto a exclamação permear os atos como se fosse incapaz de abrir uma nova janela para o futuro. Sem possibilidade de esquecimento, acumulo vivências afetivas, profissionais, sociais e políticas, recortando e colando os traumas junto às realizações e tentando suportar a longa travessia no deserto.

            Busco em vão os porquês, mas me surpreendo com as ambigüidades que encontro ou com as certezas que perco. Ora me acoberto com leituras para suportar as madrugadas frias, acordar sob o sol escaldante e permanecer viva na aridez do território, ora me escondo na própria releitura e reincido em narrativas que não surpreendem e que pesam excessivamente sobre a possibilidade de ser.

            O espírito sobrecarregado se projeta num corpo rendido ao descampado…

            Assim falou Zaratustra. A obra de Nietzsche me afasta do cotidiano. Transporto-me no tempo sem me importar muito com o espaço e vejo quando Zaratustra desce a montanha rumo às profundas inquietações de todos os seres. As transformações enunciadas em seu primeiro discurso me convencem da necessária metamorfose a que devemos nos submeter para vivermos de forma mais criativa, com mais desejo e força e sem tanta submissão aos “deveres” ou às verdades que não ousamos profanar com indagações.

            O espírito amadurecido percorre o deserto com o peso do seu estar no mundo. A perfeita representação do camelo – ruminante e decadente. Carregado de vivências e sem anseios de mudanças, o espírito permanece submisso à sua representação na sociedade. Um ser cansado e solitário num caminho desértico. Resignação e obediência.

            Tu deves…

            A existência do camelo possibilita a transformação em leão. O impulso e a coragem, expressos no querer pessoal em confronto com o dever coletivo, são características fundamentais para o novo espírito. Ser livre para apropriar-se do próprio deserto. A ferocidade do leão rasga o existente e com ímpeto rompe com os vínculos, mas não tem o poder da criação e se limita aos conhecidos desertos cotidianos.

            Eu quero…

            O espírito seria abatido pelo próprio desejo caso não se transformasse em criança. Eis a terceira metamorfose. O leão, após se libertar e apropriar da vida, torna-se uma criança e, com a inocência e o esquecimento, assume o jogo da recriação. Completo o ciclo de metamorfoses, o espírito livre é “uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação”.

            Eu sou…

            Apóio o livro na cabeceira enquanto aterrizo na realidade repleta de obrigações e noticiários. Novas metáforas brilham como perspectivas renovadas de céu sobre o deserto. Ainda não iniciei as metamorfoses necessárias a fim de compreender o eterno retorno e a necessidade de recomeçar com criatividade. Busco-me ainda leão…

 

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EDU HOFFMAN

 

 

 Araçás

 

 

 O sol se põe

no horizonte azul

do teu olhar

 

         recolho araçás

         no canto dos teus lábios

 

nem junho é

porém te vejo

em meus balões coloridos

 

          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E SE FALTAR ÁGUA? por gil portugal

Todos nós nos lembramos bem do sufoco por que passamos quando a energia elétrica ficou escassa e tivemos que “na marra” deixar de lado uma série de confortos aos quais estávamos acostumados.

Será que, de repente, poderíamos passar por outro sufoco se a água nossa de cada dia ficasse escassa?

Em particular, na nossa região, vocês já notaram os bancos de areia no Rio Paraíba do Sul onde pescadores caminham? Isso significa que o rio está vazio e é dele que os serviços de água retiram a água para tratá-la e colocá-la em nossas torneiras.

Essa água é cara, mas muitos nem ligam para isso. Ela contém cloro e flúor, importantes aditivos para matar bactérias nocivas e servir à dentição de nossas crianças.

Todavia, ela vai esgoto abaixo em abundância na lavagem de carros e calçadas, naqueles banhos demorados e na escovação de dentes com a torneira aberta, nas descargas prolongadas dos vasos sanitários e na rega de jardins. É muito luxo e desperdício.

Se pudéssemos usar água menos nobre para essas finalidades sobraria água para consumo nobre: matar a sede, nossos banhos, para cozinhar, para lavar a louça e a roupa etc.

E onde estaria essa água para consumo menos nobre? Diretamente nos rios ou nos poços, só que com qualidade duvidosa.

Mas existe outra água disponível? Eu diria que sim e muita e ela está em volta da gente, dissolvida no ar e prestes a cair em forma de chuva.

Em toda atmosfera de nosso Planeta se encontra “disfarçada” uma quantidade incrível de água que significa 13.000 km3 (treze mil quilômetros cúbicos) que traduzidos em litros são 13 bilhões, com o particular de que essa quantidade se renova (ou se repõe) a cada oito dias pela evaporação de todas as águas dos corpos d´água (rios, lagos, mares), solos e vegetais.

Para utilização dessa água é só saber como captar e armazenar águas de chuva. No caso das cidades se tivermos um telhado com calhas que conduzam essas águas para uma cisterna, um bombeamento as levará para uma caixa d´água que abastecerá todas as necessidades de uso menos nobres.

Em Volta Redonda temos exemplo disso funcionando no Instituto de Cultura Técnica e deve haver muitos outros.

Como se vê, além de conservar as matas e nascentes de rios, não desperdiçar água nobre, reaproveitar de alguma forma águas servidas e buscar fontes renováveis (água de chuva) são idéias que merecem ser pensadas se não quisermos passar pelo dissabor de ficarmos sem água.

 

 

 

 

ATÉ ONDE A VIOLÊNCIA CONTINUARÁ IMPERANDO, SE PERGUNTADO por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

 

Constatação I

Não se pode confundir vórtice, que o Aurelião dá, entre outros, como redemoinho com vértice, até porque redemoinho forma círculos concêntricos, tipo espiral, e o vértice, em geometria, é o ponto comum a duas ou mais retas. Elementar, minha gente!

 

Constatação II (Ah, esse nosso vernáculo).

Ele ficou de chifre virado porque seu time perdeu de virada.

 

Constatação III (Quadrinha para ser recitada para quem de direito, a fim de mostrar decepção ou satisfação, dependendo do gosto do freguês).

Fui a um concerto

De música clássica.

O repertório, um enxerto

Daquela era jurássica.

 

Constatação IV

Não se pode confundir confusão com contusão, muito embora numa confusão tenha muita gente que sai com contusão. A recíproca é, por vezes, verdadeira. Mormente no futebol, quando um jogador só dá entrada faltosa nos adversários e há reação de quem sofreu a agressão e/ou dos seus companheiros. Ou nos bailes como naquela música antológica: “Na gafieira segue o baile calmamente…”

 

Constatação V

E não se pode confundir conjectura com conjuntura, até porque toda conjectura favorável que se faça em determinados países, sempre entrarão algumas variáveis – a maior ainda é a corrupção – que afetará a conjuntura. Aliás, a palavra já esteve muito na moda, principalmente numa época em que se utilizava a expressão “Brasil é o país do futuro”, como está implícito na constatação anterior e tudo leva a crer que continuará sendo “per saecula saeculorum”.

 

Constatação VI

Não se pode confundir futura com fartura, até porque a gente tá cansado de ouvir, eternamente, em nosso país, que numa era futura teremos fartura de maneira tal que poderemos dividir um quase abstrato bolo que só é visto e usufruído por muitos poucos e a dita cuja fartura nunca se faz presente, nunca chega. A recíproca é como é e tá acabado. Tenho democraticamente dito!

 

Constatação VII

Rico convoca; pobre, convida

 

Constatação VIII (De uma obviedade).

Flor é feminino! E não poderia ser diferente. Seria possível imaginar “o flor”?

 

Constatação IX

Rico tem imaginação; pobre, é mentiroso.

 

Constatação X (Definição aparentemente repetitiva).

Na Câmara e no Senado de certos países se constata um balaio de gatos*, onde se verifica outro balaio-de-gatos** e gatos corporativos sem balaio-de-gatos.

*Conflito entre muitas pessoas; rolo, confusão.

**Local onde reina a desordem.

 

Constatação XI (Quadrinha para ser recitada para quem estiver disposto a ouvir).

Remei contra a corrente

E quase virei o barco

Quando vi que, num repente,

Estava remando num charco.

 

Constatação XII (Ah, esse nosso vernáculo).

O papudo quando bate-papo sobre a visita do Papa não tem papas na língua.

 

Constatação XIII

E como elucubrava o obcecado: “Não é que a gente queira morrer, mas viver um dia sem sexo indubitavelmente não é viver”.

 

Constatação XIV (De uma dúvida crucial via pseudo-haicai).

A pornografia

É um erotismo

Em demasia?

 

Constatação XV (De outra dúvida crucia, via pseudo-haicai).

Ninguém providencia

Que os médicos

Melhorem a caligrafia?

 

Constatação XVI

E ninguém providencia

Que se legalize de vez

A disfarçada poligamia?

 

Constatação XVII (Outra espécie de dúvida crucial).

Quando após a confissão,

O padre passava um sabão

E incontinente dizia:

“Reze um padre-nosso

E uma ave-maria”,

Você se perguntava

Se questionava

Será que eu posso?

Será que é o que eu queria?

E protelava indefinidamente

A oração,

Tão-somente,

Ainda que pensando,

Matutando,

Ponderando,

Não muito preocupado

Será que essa transferência

Não é pecado

Não é uma insolência?

 

Constatação XVIII (Mais uma dúvida crucial).

Será que algum dia

Haverá a primazia

De que seja abolida,

Na volta e na ida,

A patifaria?

 

Constatação XIX

E será que algum dia,

Com toda essa mordomia

Tu, a conta, te darias

Que, com o salário mínimo

Que é mais do que semínimo

Só dá pra quinquilharias?

 

Constatação XX (Quadrinha de seis [sextinha?] para ser recitada numa roda de chimarrão quando se conta causos e mentiras, principalmente de pescarias).

Tomei um chimarrão

Com erva-mate orgânica.

Ele estava tão bom

Que resolvi me aprofundar

No estudo da botânica

E o resultado a todos divulgar.

 

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

 

A ESQUERDA QUE VIROU DIREITA VIA O POPULISMO por thiago de aragão


Existem algumas coisas que só ocorrem na América Latina. A terminologia “esquerda” e “direita” que insistem em utilizar no continente está cada vez mais confusa e defasada.Como latino-americanos, nunca soubemos definir propriamente os termos “esquerdista” e “direitista”. São termos que eram simplesmente atribuídos a um grupo e esse grupo o assumia ou não. Nunca houve a necessidade de se compreender o que os termos realmente significam.

Um caso bastante interessante é o caso do Partido Aprista Peruano, ou simplesmente A.P.R.A. Desde sua fundação por Haya de la Torre, o partido foi considerado um bastião da esquerda, não só peruana, mas latino-americana. Tido muitas vezes como o partido esquerdista mais bem estruturado da América Latina, o Apra serviu de exemplo para a formação do Partido dos Trabalhadores no Brasil e até do Movimiento al Socialismo na Venezuela e na Bolívia. No entanto, os tempos mudaram. Hoje o Apra é o partido do presidente peruano Alan Garcia, grande aliado continental de Álvaro Uribe, presidente colombiano. Seu modelo de governar (se é que há) é visto como opositor ao modo chavista de governar. Hugo Chávez, enxerga em Uribe um súdito do imperialismo americano na América do Sul. Sendo Garcia aliado de Uribe, a matemática é fácil.

Em outros tempos, Hugo Chávez e o Apra andariam de mãos dadas pela região. O que houve para que o principal partido esquerdista da América do Sul se tornasse o abrigo do “direitista” Alan Garcia?

Quando Alan Garcia foi presidente do Peru, entre 1985 e 1990, o seu governo foi caracterizado pelo fracasso econômico e pelo populismo latente.

Em seu retorno à presidência, o populismo permanece e a postura econômica ainda não pode ser avaliada. No entanto, hoje ele é visto como de direita, no entanto, em 1985, ele era visto como de esquerda.

Hoje, ele reconhece a necessidade de realizar um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, algo inconcebível para um esquerdista. Além disso, surgiu uma figura no país que representa fielmente o novo esquerdismo a lá Chávez no continente, o candidato derrotado na eleição peruana, Ollanta Humala.

Como Hugo Chávez é quem dá as cartas no continente, aqueles que são a seu favor tornaram-se “esquerdistas”. Logo, os que são contra são neoliberais de direita. Alan Garcia é um populista que não concorda com Chávez, assim ele se tornou um líder neoliberal no mais clássico partido de esquerda da América Latina.

Não demorará muito tempo para que alguém considere um líder vestido de militar, falando de nacionalismo e com medidas econômicas descabidas como sendo de direita. No fundo, o continente se divide entre o populismo e o não populismo.

 

O COLÉGIO e O GATO dois contos de raymundo rolim

O colégio

 

 

 

Um mais um, dois. Dois mais dois quatro. Quatro mais quatro dezesseis. A conta não fechava! Seria preciso papel e lápis, a cabeça não ajudava. Depois de muitos riscos e rabiscos, idas e vindas, raízes quadradas e equações de primeiro e segundo graus, descobriu pela primeira vez que também a questão não era essa! A conta dava certo, mas a conta não tinha razão! Não era um problema matemático, era de ordem semântica, talvez romântica, onde nem sempre a matemática ajuda. Teria de descobrir quando e onde é que a matemática fica muda e não conta de jeito nenhum! Uma nuvem carregada mais uma nuvem carregada não poderiam dar duas nuvens! Seria muita água!!! Aí estava um dos limites desta e doutras operações que não remetiam de maneira nenhuma aos números! Quantas células formavam o fígado? Oras, pra que diabos saber disso? Que ele, o fígado, agüentasse o rum, a feijoada, os amigos mal humorados e coisas do gênero, que já estava bom demais! A mochila pesava-lhe nas costas. Livros, canetas, cadernos, lápis coloridos; agenda cheia para aquela manhã de primeira aula no colégio emaranhado de corredores e salas. Guiou-se pelas setas numeradas e finalmente achou a sala. Olhou para a porta entreaberta, na tentativa de localizar um rabo de saia qualquer. Pronto, agora não tinha mais volta! Ali estava ele, e lá, na primeira fila, depois da mesa do professor, ela! Sentada, mãos repousadas sobre a carteira, distante dos livros e dos exercícios apostos no quadro negro. Uma única certeza: de que entraria por aquela porta e no momento seguinte a escola os uniria para o resto de suas vidas.

 

                 

 

O gato

 

Já eram horas de ir embora. A festa principiava aos finalmente. Os músicos haviam guardado os instrumentos. Um ou outro arrancava ainda umas poucas e tristes notas dos metais para “desligar” o instrumento. O álcool dentro de umas poucas garrafas esquecidas pela metade sobre as mesas. Ah! O maestro! Este não bebia mesmo! Os garçons tratavam de organizar o semicaos que normalmente se instala no avançado das horas. Vozes em tons altos, sonolentas, ébrias, se entremeavam no ar enfumaçado entre risos e risinhos de aconchego e sedução. A moça de cintura fina e mangas largas, abotoava-se ao homenzarrão feio e semiburro de juízo alterado, que empurrava a mesa a fim de alargar o espaço para tornar as bolinações um tanto mais acessíveis. Um outro magro e alto, com bigode e pele transparentes, olhava com insistência para aquela que já passara da idade e que certamente não pariria os filhos que o mesmo tanto queria, nem mais bordaria pacientemente os panos do enxoval. Ainda assim, e apesar do alto teor etílico do qual era possuído, procurava fixá-la com a dificuldade de um olho só, na esperança última do famoso – “vai tu mesma que já estás aí e certamente que não és u’moutra” -. O homem do primeiro trombone enxugava o rosto com um lenço de linho impecável, branquíssimo, que tirara do bolso do smoking cor de vinho, enquanto aguardava ordens para passar no caixa. O senhor que tocava violino, alisava com a flanela as quatro cordas, enquanto seu queixo duro e pontudo mexia-se impaciente contrastando com seus olhos brilhantes e redondos. O casal que ainda embalado pelos últimos acordes retidos em algum lugar das suas almas e que dançava mais pelo instinto de acasalamento que pela música, mantinha-se e conservava os olhos fechados pela emoção que necessitava sentir. No prato em cima da mesa oposta, um sanduíche apenas mordiscado era devorado às escondidas pelo gato que morava num dos cantos do telhado e que habituara-se a arranjar comida no local, quando percebia a música cessar ou diminuir de intensidade; ou então, guiava-se pela escuta das vozes e luzes que se iam dissipando uma a uma até sumirem por completo para novamente tudo voltar ao regaço do silêncio. Era essa a hora de se alimentar para as rondas noturnas, e ele, o gato, sabia disso muito bem. Nada estabelecido pensava o gato, nada estabelecido. É assim mesmo, é assim mesmo pensava o gato!

 

O CHEIRO DO RALO por flávia albuquerque

 

 

 

Algo em Lourenço falta dilaceradamente. Aliás, tudo em Lourenço é falta. Ele é o próprio resto. E por ser resto, sabe que todo objeto é de troca. Tudo tem valor de coisa… descartável. Ele sabe disso, sofre disso, goza com isso e, sobretudo, goza horrorizando o outro ao revelar esta falta constitutiva e destrutiva. Mas ele recusa saber. Ao oferecer maior valor para objetos que nada valem e recusar cada centavo para os objetos que estão erotizados pelos donos, ele demonstra a crueldade subentendida na relação interpessoal: um é sempre e necessariamente objeto na mão do outro. Reduz o valor dos objetinhos à miséria da sustentação dos vícios de cada um.

A transgressão maior fica em evidência quando, em ato de recusa desse saber da falta – se não pela falta do pai, mas mesmo assim falta veiculada pelo pai (que a estrutura perversa denuncia), elege uma parte de um todo – A bunda de um corpo qualquer – como objeto de fetiche. Algo que só faz ser possível gozar diante dele. E diante de quê o perverso goza se não da própria falta? Um objeto eleito como substituto expôe a própria falta do objeto substituido.

O olho é também uma parte de um todo e, solto, escancara o desnudamento de um sujeito que se vê olhado sem pudor. Este olho é o olho do ‘outro’, como bem declara Lourenço. E o que falta ao olho é exatamente o outro enquanto contorno e engodo do que ali é revelado sob as vestes de um horror. Lourenço faz uso deste olho para revelar o que o outro faz do que vê: um objeto de gozo puro. E cumprindo o par de opostos, o olho vira objeto de cena também, encenando o verdadeiro horror de se coisificar o ser humano.

A bunda ele poderia vê-la e tê-la de graça como a dona o confidenciou, mas isso não servia. Ele precisava pagar para reduzir a dona daquela bunda em puta, em mulher baixa… em resto, em sobra, porque só servia A bunda.

Lourenço ‘coleciona’ restos de histórias dos outros para garantir que a falta compareça principalmente do outro lado. Para que isso se sustente, ele paga um valor mais alto que o do dinheiro: vive numa espelunca, cheia de velharia, mofo, veste um casaco com cara de guardado com naftalina e come uma comida péssima só para poder estar diante do objeto de seu fetiche. Mas isso não o tira do lugar faltoso, de resto, de lixo, da própria merda que o cheiro do ralo o convoca a relembrar.

Uma coisa é certa: assistir ao Cheiro do Ralo é verdeiramente desconcertante. O personagem consegue atingir o objetivo no qual o perverso se engaja: revelar a nossa falta.

 

 

Flávia Albuquerque é psicanalista, pós-graduada em Clínica Psicanalítica.  (21) 9792-8326 fmaa@uol.com.br

 

 

 

 

 

 

A GLOBALIZAÇÃO DAS MOSCAS-BRANCAS por maria regina vilarinho de oliveira

 

A sociedade moderna nunca teve tantas informações e tecnologias, facilidades e possibilidades como agora. O fluxo de pessoas e mercadorias, no mundo, aumentou tremendamente. Envolvidos nesses processos, os meios de comunicação, transporte e comércio tiveram o papel fundamental de ligar todos os recônditos deste planeta, transformando-o numa aldeia global.

Nesse cenário, um grupo de organismos, às vezes bastante discretos, contudo, bem sucedidos, tem sido caroneiro eficientes na disputa por melhores condições de sobrevivência: as moscas-brancas. Esses insetos passaram a ocupar posição de destaque. O fato estaria relacionado à movimentação do homem? Quais as influências dos novos rumos da sociedade humana nesses organismos? Existe alguma conexão entre moscas-brancas e os rumos agrícolas dados pelo homem? Podem esses indivíduos também estar tirando proveito dos reflexos da globalização mundial da economia?

As moscas-brancas, por serem insetos muito pequenos, a maioria com menos de 2 mm no tamanho, e por possuírem o hábito de permanecer em locais sombreados – debaixo das folhas das plantas – têm sido facilmente transportadas em plantas ornamentais para todas as regiões do planeta.

Recentemente, uma dessas espécies, a mosca-branca da batata-doce, do fumo e do algodão, Bemisia tabaci, mostrou à comunidade científica mundial e à sociedade em geral, como um inseto tão minúsculo pode acompanhar e adaptar-se facilmente às mudanças de hábito do homem. As práticas agrícolas e as tendências de mercado desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento de um complexo de populações dentro dessa espécie.

Podemos entender por práticas agrícolas aquelas que transformaram a agricultura de sobrevivência do passado em um engendrado mecanismo de sofisticação no presente, produzindo alimentos em abundância para uma população de aproximadamente seis bilhões de pessoas.

A mosca-branca, por sua vez, também desenvolveu um processo dinâmico de sobrevivência e reprodução da espécie por meio da transformação de açúcares alcóois, sorbitol para frutose e vice-versa, permitindo a sua ocupação em todos os nichos da Terra, com exceção da Antártida e dos ambientes salinos. A ocupação de diferentes nichos ecológicos associado à facilidade com que o inseto se adapta à alimentação de diferentes plantas hospedeiras, incorporando nos dias de hoje mais de 700 espécies de plantas em seu cardápio, transformou-a num dos insetos de maior impacto na entomologia agrícola, levando-a a ser chamada de a “praga do século XX”.

Nesta altura dos relatos, o leitor então pergunta – e daí? Será que isto não é mais uma estória de ficção científica? Infelizmente, a verdade é que, essa praga, ao desenvolver diferentes mecanismos de sobrevivência, formou até o momento, em diferentes regiões do mundo, mais de 20 biótipos distribuídos dentro dos seis grupos. O que seria um biótipo (ou uma raça)? São populações com potenciais de maximizar seus papéis e melhorar sua capacidade de virulência mais rápido que a capacidade das plantas hospedeiras de melhorarem seus sistemas de defesa, levando, de certo modo, a pequenas mutações entre os indivíduos, diferenciando-os e muitas vezes isolando-os geograficamente.

A expressão econômica dos diferentes biótipos de B. tabaci, frente a este quadro, vai desde uma extrema eficiência na transmissão de vírus de plantas (vetor – modo indireto de danos), até diretamente, no papel de praga, através da injeção de toxinas durante a alimentação (modo direto de danos).

Da metade da década de 1980 em diante, alguns países se defrontaram com nuvens do inseto em áreas agrícolas e grandes perdas em culturas do sistema produtivo. Nos Estados Unidos, apenas para citar um exemplo, as perdas causadas pelo inseto chegaram a cerca de US$ 500 milhões/ano. Esse impacto foi atribuído ao biótipo B de B. tabaci. Este mesmo biótipo entrou no Brasil por volta de 1991, também através de plantas ornamentais e já provocou perdas superiores a R$ 10 bilhões, em todo o país, tanto pela praga quanto pelo vetor. Sem contar os prejuízos causados na Ásia e Mediterrâneo.

O que chamou a atenção da comunidade científica internacional é o fato de que apenas um único biótipo desta espécie provocou a maioria dos danos relatados no mundo. Fez-se então a seguinte pergunta: se até o momento já foram detectados cerca de 20 biótipos desta espécie, o que esperar de alguns dos outros que possuem o hábito de polifagia (alimentação de muitas espécies de plantas de diferentes famílias)?

Como surgiu o biótipo B e por que ele passou a provocar danos extensivos a várias culturas, não se sabe ao certo, há apenas suposições. Também não se conhece ainda a origem e a relação entre os diferentes biótipos de Bemisia e qual o grau de risco que eles representam frente a novas introduções em diferentes áreas no mundo. Contudo, sabe-se que B. tabaci é termofílica, isto é, se adapta muito bem às regiões tropicais.

Dentro desta perspectiva, recentemente, um dos biótipos chamado de Q, até então inexpressivo, na região do Oriente Médio, passou a desempenhar um papel mais agressivo em países do Mediterrâneo, como Israel, Espanha, Itália, Portugal e Marrocos. Esse biótipo tem demonstrado ser mais eficiente (1) na transmissão de vírus, especialmente o “tomato yellow leaf curl vírus” (TYLCV) (vírus exótico para o Brasil), (2) durante a reprodução, (3) na alimentação e (4) no desenvolvimento de resistência aos inseticidas. As perdas provocadas por ele até o momento têm sido maiores que as do biótipo B, em algumas das regiões onde já foi introduzido, principalmente como vetor do TYLCV. Pelo que se sabe até o momento, a sua preferência alimentar recai sobre o melão, seguido pelo tomate.

Pelo próprio comportamento dos indivíduos deste biótipo, será uma questão de tempo, a sua presença ser detectada em outras regiões do mundo corroborado pela eficiência dos sistemas de transporte e de comércio. Por meio de plantas ornamentais, este biótipo foi introduzido, recentemente, nas casas-de-vegetação da Noruega, onde demonstrou o desenvolvimento de resistência a alguns inseticidas utilizados para o seu controle.

Dentro da complexidade desta espécie, outros biótipos também agressivos e exóticos ao Brasil, transmissores de viroses, devem ser vistos com cautela. São eles: o J, que é polífago, ocorre na Nigéria e é transmissor do vírus TYLCV, raça do Iêmem; o da mandioca, ocorre na Costa do Marfim, se alimenta de mandioca e berinjela e é transmissor do “african cassava mosaic vírus” (ACMV), entre vários outros biótipos.

O ACMV já provocou perdas superiores a US$ 2 bilhões e queda de 50% da produção da mandioca no continente africano. O principal país afetado é Uganda, porém, no momento o vírus se dispersa para vários outros países daquele continente. O vírus, exótico para a América Latina, foi eficientemente interceptado em um aeroporto brasileiro, proveniente do continente africano, em manivas de mandioca trazidas por um turista.

Outras culturas também têm sofrido perdas de produção, como o algodão, o tomate, o feijão, por causa de algum dos biótipos da mosca-branca. Vários países asiáticos têm sofrido profundos reveses na produção de algodão, pela transmissão de vírus por B. tabaci, nesta cultura. O TYLCV que afeta profundamente a cultura do tomate é facilmente adquirido pelo inseto, levando apenas dez minutos para ser adquirido durante a alimentação, contudo persistindo por toda a vida no organismo do inseto. O vírus apresenta também, por sua vez, várias raças.

Ficam então as seguintes perguntas: será que no Brasil a comunidade científica já está preparada para conviver com mais esta praga ou com outras que estão na iminência de ser introduzidas, ou ainda com a complexidade dos insetos? E o sistema de defesa agrícola, já se movimenta para adotar medidas fitossanitárias preventivas? Muito se cobra dos órgãos oficiais no sentido de tomar decisões de proteção fitossanitária, contudo, a sociedade civil, que tem papel fundamental nesse processo, como pode contribuir?

Nesse último caso, uma questão lógica de cooperação e de grande eficácia é não introduzir ou controlar o trânsito no país, de plantas ornamentais ou plântulas de culturas que podem ser hospedeiras do biótipo Q de Bemisia tabaci ou de outras pragas exóticas. Traçando um paralelo entre a área animal e vegetal, observamos que a aftosa desempenha o mesmo papel que a mosca-branca. O vírus da doença que afeta o rebanho bovino apresenta sete raças e sub-raças, em diversas regiões do globo, obrigando o desenvolvimento de vacinas específicas para cada uma delas. O consumo de carne bovina está ameaçado em praticamente todos os países, já que muitas sociedades não consomem a carne proveniente de rebanho vacinado. O mal da vaca-louca é outro problema grave, que se tornou intercontinental, a ser resolvido pelos órgãos sanitários internacionais.

Frente a esses desafios, o que nos reserva o futuro? Será que vamos passar novamente por problemas semelhantes ao que tivemos com o Canadá?

Outras espécies e complexos de espécies de moscas-brancas e/ou de outros organismos-pragas também poderão colocar em perigo a soberania agrícola do país. Portanto, é necessário adotar políticas públicas eficientes para que a agricultura se torne competitiva, de qualidade, mudando a “imagem Brasil”.

(*) Maria Regina Vilarinhos de Oliveira é Biológa,
Doutora, Pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos
e Biotecnologia (Cenargen), C.P. 02372, CEP 70.849-970,
Brasília, DF.

 

 

CADA GORILA TEM O EINSTEN QUE MERECE por paulo giardullo

Artigo sobre o livro “O Macaco e a Essência” de Aldous Huxley

O escritor inglês Aldous Huxley escreveu o romance O Macaco e a Essência em 1948, mesmo ano que a obra-prima de George Orwell, 1984. Huxley fez uma previsão sombria de um hipotético futuro da humanidade, em que a Terra estaria arrasada por explosões de bombas atômicas após a temida Terceira Guerra Mundial. Os sobreviventes teriam formado uma civilização vivendo em situação precária, entre os efeitos colaterais da radiação nos organismos que produziam deformações assustadoras e uma espécie de primitivismo urbano, nos escombros daquilo que teria sobrado do mundo civilizado. O nome do Demo seria mencionado e até referenciado freqüentemente por estes miseráveis semi-mutantes, numa alusão do autor ao fato de que O Mal presente na história da humanidade através das guerras, havia triunfado com o apocalipse atômico.

Pois, para fazer a abertura desse seu romance, o autor se utilizou de uma alegoria interessante: dois gorilas-chefes comandam cada, um grupo de milhares de gorilas em fileiras padronizadas. Um grupo com uniforme cáqui e o outro de verde oliva. Com os dois grupos posicionados frente a frente, os líderes bradavam gritos de guerra com teor étnico-nacionalista-religioso e eram acompanhados em coro pelos gorilas subordinados. Todos rangiam os dentes e expressavam ferocidade. Um detalhe importante: cada líder segurava um velho nu, de quatro como um cão, preso por uma coleira. Cada líder parecia ameaçar o outro com seu velho, querendo demonstrar ser o seu mais feroz que o do outro, como se fossem dois jovens musculosos que poriam seus cães Pit Bull para brigar. O velho parecia assustado e arrependido no meio daquela confusão. Ele parecia dizer: “Olha! Parem com isto, vocês não sabem que bobagem estão fazendo”. Mas, recuar nunca faria parte do vocabulário daqueles gorilas-chefes, cada um querendo o melhor para sua comunidade de obstinados gorilas. Depois houve uma grande explosão e na cena seguinte, o romance já retratava o planeta devastado.

Talvez seja uma alegoria meio surrealista e complicada de se entender. Mas, o que eu entendi foi que os dois exércitos de gorilas com os ânimos inflamados de guerreiros são uma representação de como os humanos perdem seu lado “civilizado” durante o clamor da guerra e deixam latente seu lado mais cruelmente animal e primitivo. Os gritos de ordem étnico-nacionalista-religiosos são os mecanismos de manipulação que levam grandes massas de humanos a se separarem em grupos com estas motivações particularizadas e se esquecerem do óbvio da sua essência comum, ou seja, que fazem parte de uma grande unidade humana e planetária. O velho que cada líder segura pela coleira, de modo ameaçador, representa Einsten, o criador das bases que tornaram possível a bomba atômica. Ou seja, cada líder ostenta o fruto da inteligência do velho cientista e ameaça com ele desequilibrar o conflito entre os dois grupos de gorilas e “aniquilar” o inimigo num passe de mágica. Mas se esquecem de que serão destruídos juntos.

Um dia, vi pela TV, a imagem de dois sentinelas, um da Índia e outro do Paquistão, em uma ponte na fronteira entre os dois países, que estão em clima de “quase” guerra. Esta imagem se encaixava muito na alegoria dos gorilas de Huxley. Ao assumir o posto do seu lado, ambos marchavam solenemente, pisando duro, até ficarem frente a frente e encaravam o outro, bem de perto, com um olhar feroz. Eles quase rosnavam num ritual sinistro. Depois se separavam e iam assumir tranqüilamente seus postos. Vale lembrar que ambos países possuem bomba atômica e estão em acirrada disputa… étnico-nacionalista-religiosa. Acho a alegoria de Huxley muito coerente e atual, mas questiono uma coisa: será que seres humanos com gestos e atitudes da mais estúpida barbárie lembram mesmo os gorilas com seu instinto animal ou pelo contrário, são atitudes exclusivamente humanas, mesmo? O mesmo Huxley nos dá a resposta em outra obra sua, em que diz que só o homem é capaz de maldades como a Inquisição ou o Holocausto Nazista, porque só ele possui o dom da palavra e é através dela que o mal toma forma, assim como as grandiosas realizações da humanidade.

ELOGIO DO LOUCO-BOM poema de jairo pereira

 

 

um louco brilhante é de ser sempre convicto firme nas intenções de aproveitamento semiótico fotóptico alterado

altivo no porte grandioso no gesto megalômano realizador na fúria da criação um louco um louco-bom crescer a voz no tempo no vento alardear significação às coisas mais desprestigiadas um louco

um louco-bom investir dinheiro na imaginação dar sempre bom dia ao bom-bugre um louco um louco-bom acreditar no inacreditável

não acredito na loucura dessacralizada na loucura que não espalha mudas frutíferas pelos quintais fermentos pólens flores polímeros hígidos grãos semeados em áridos terrenos um louco um louco-bom é de ser superior a tudo no entre-homens trocar carícias com as árvores-assassinadas da floresta acender luzes fluorescentes no interior das cavernas pescar com os dedos os peixes velozes fingir viver muitas vidas numa só :vida: um louco um louco-bom ter paixão por cavalos voar com os pássaros migratórios um louco-aéreo espantar as vespas límias do baixo-astral marcar a nathura que habita com seus passos gestos asas olhares de mil caminhos um louco um louco-bom legislar em causa própria mentir pra seu governo um louco um louco-bom alquimista prodigioso  misturar elementos contrários ao bel prazer adornar a caça abatida com os restos de suas próprias vestes um louco um louco-bom afirmativo anárquico em ato forjar mundos novos nas pupilas insones & ganhar a vida.

 

COMO SE ESTIVESSE APAIXONADO poema de fernando tavares rodrigues

Para quem não sabe como é
(como se escreve um poema de amor)
eu vou dizer.

Como se estivesse apaixonado
Falar desse teu corpo exagerado
Que apenas aos meus olhos ganha cor,
De um coração em mim ante estreado
Num palco onde jurei fazer-te amor.
Esculpir esses cabelos impossíveis
Que nunca mãos algumas alisaram,


Desflorar esses vales inacessíveis
Onde os outros de vésperas naufragaram.
Contar como se ardesse de desejo
As pernas de cetim que tu me abriste
E a boca que se derreteu num beijo,
Soluço de sorriso que desiste.


Dizer, porquê? Se todo o mundo sabe
Que quando se ama não se escreve
E que, então, o tempo todo cabe
Naquele instante breve que se teve.

Contar o resto seria apenas feio,
Sentir o que não foi, deselegante.
Falar do que te disse pelo meio
Só se não fosse homem, nem amante

 

 

 

SAUDADE poema de gilka machado

De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

 

 

De quem é esta saudade,
de quem?
 

 

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo…
 

 

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo…
 

 

De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?

 

 

SE VOCÊ QUER SER UM GUITARRISTA DO IRON MAIDEN por luiz felipe leprevost

 

 

 

Extravagâncias, amantes, dívidas,

separações, alegações de incesto,

morte por febre,

se você quer ser um guitarrista do Iron Maiden

tem que carregar consigo um Lord Byron.

Tem que ser antigo como são antigas a bactéria,

a chaga de Cristo

e tudo o mais que a medicina não deu cabo.

De teu motor valvulado, corrosivo e perecível

você tem que extirpar cadeados de lamentos,

cruz e sacrifícios.

Você tem que ser teu próprio pronto socorro,

da selvageria que é a vida,

do osso quando arrebentam

pancadarias na arquibancada,

uma taça feita de crânio, as perfurações,

as úlceras, as lesões, as ofensas,

as injurias, os agravos.

Você tem que saber que não é invulnerável,

que vão te fazer a corte e os cortes,

nunca as suturas.

Você é antigo na dor,

faz de sangrias coaguladas o teu pranto.

Você colocou a mão esquerda na labareda,

deu-a de bandeja à palmatória.

Com a outra você cometeu haraquiri.

E o show ainda nem chegou na metade.

 

 

O MERCADO DO CRISTIANISMO por márcio salgues

 

 

Domingo é dia de marketing e proselitismo. Só em uma avenida próxima de onde moro há doze igrejas, entre católicas e evangélicas nas suas mais diversas ramificações, eu mesmo contei. Em outra das maiores avenidas do Recife há uma quantidade ainda maior de templos cristãos.

As faixas de pedestres se tornaram num palco ao ar livre a cada sinal vermelho, onde crianças carentes que fazem malabarismos com pedaços de cabos de vassouras – as mais experientes acendem as pontas desses paus fazendo as manobras com tochas – disputam espaço com religiosos imbuídos da tarefa de propagar o cristianismo. Em vários semáforos, duas pessoas estendem faixas com versículos bíblicos ou mensagens apocalípticas diante dos carros parados, enquanto o restante do grupelho segue distribuindo folhetos entre os motoristas e pessoas às janelas dos ônibus.O que não deixa de ser curioso sob a própria ótica cristã… Enquanto uns pedem comida, outros distribuem panfletos e lançam palavras ao vento, deixando de enxergar os mais necessitados bem ali ao seu lado.

A idéia básica é que todos pregam a mesma coisa: a salvação por meio de Jesus Cristo. Mas a prática mostra justamente, que predominam, em qualquer situação, as mesmas regras do neoliberalismo e da livre concorrência de mercado – no caso, o mercado de almas e contribuintes em potencial. Para tanto, qualquer diferencial é válido a fim de maximizar os benefícios oferecidos e minimizar as deficiências. Afinal, para que tantas denominações diferentes a poucos metros de distância se todos pregam a mesma coisa e tem o mesmo objetivo teoricamente?

Em um certo ponto existem três igrejas diferentes vizinhas. O “cliente-alma perdida” passa na frente, verifica as ofertas que variam de “loja” para “loja” – da simples hóstia aos mais mirabolantes milagres – é convidado a entrar, como numa grande feira livre, e seduzido – quando não induzido – a filiar-se àquela instituição. Algo como você entrar numa loja e o vendedor tentar lhe vender o produto a todo custo. Faz lembrar também a enorme campanha que o PT tem feito em busca de novos filiados, com bonitos outdoors, onde jovens exibem seu cartãozinho plástico do partido. O PT nasceu de pessoas que sofreram a repressão militar na própria pele. Hoje ser petista é moda; O PT virou uma mais uma grife para “patricinhas” e “mauricinhos”. Outros partidos, também tentando angariar neófitos, têm dado mostras de “indignação” com o governo na TV, como se com eles a coisa fosse diferente de “tudo isso que ainda continua aí”. Mas, voltando ao assunto, na disputa por neófitos cristãos, padres e pastores mais instruídos, aliás, fazem uso de técnicas de oratória e de persuasão impressionantes.

Até o Pop Marcelo Rossi… Digo, Padre Marcelo Rossi tem tido apoio da CNBB na sua megacruzada marqueteira cinematográfica em busca dos fiéis que debandaram para outros apriscos. No cristianismo como na política, está valendo de tudo. Na política já existem tucanos vermelhos e petistas com bico de tucano. Na igreja valem de danças aeróbicas a entrevistas com entidades espirituais umbandistas como uma certa “Pomba-gira” ou o um tal de “Tranca-rua”. Por que não tem nenhuma entidade com nome de “John” ou “Hans”? Como se não bastassem as mazelas deixadas por nossa colonização escravocrata, será que até as mazelas espirituais tem que vir dos cultos afro-brasileiros?

O cristianismo se dividiu tanto que se tornou um grande emaranhado de ramificações saídas da mesma raiz, a seita judaica formada pelos seguidores de Jesus após sua morte. Todas essas ramificações surgiram da “boa intenção” de seguir fielmente os ensinamentos de Jesus. Essa ânsia fervorosa foi tal que, deixou um rastro de sangue de milhões de vidas na nossa história, e ainda hoje alguns milhares de pessoas continuam morrendo brutalmente em nome do cristianismo. Basta dar um volta pelo mundo para ver. É um alívio ver que, pelo menos no Brasil e em boa parte do Ocidente a Igreja é um movimento pop e não provoca a morte de ninguém, exceto quando surge algum louco fanático.

O mundo seria muito melhor se não houvessem surgido as tantas religiões, clamando ser portadoras da verdade, que temos hoje, e fosse regido tão somente pela razão e por uma ética universal. É lógico que isso é um delírio assim como a “Utopia” de Thomas Morus, pois o homem se diversifica culturalmente de forma constante. No livro “Deus e os homens”, Voltaire, um dos maiores expoentes do iluminismo francês, nos diz que não houve idéia melhor que pudesse por um freio aos homens a fim de julgar seus sentimentos mais ocultos, do que a idéia de um deus que pune ou recompensa a cada indivíduo conforme seus atos.

Enquanto o cristianismo brasileiro se limitar à disputa por fiéis por meio do uso das técnicas de marketing e das Leis de Mercado tudo bem. Afinal o Mercado é quem dita as regras em tudo mesmo. Todavia, um trabalho que focasse mais os problemas sociais por parte das igrejas seria bem vindo, para que os nossos indigentes tivessem um pouco mais de dignidade humana no resto de existência que lhes sobra, e chegassem no céu um pouco mais nutridos.

“Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem! ”

 

 

1964 – ENTREVISTA COM DOM PAULO EVARISTO ARNS – efeitos ainda persistem

Para o cardeal Arns, regime tornou o Estado mais esbanjador e incapaz de distribuir riquezas

O cardeal Paulo Evaristo Arns, que esteve à frente da Arquidiocese de São Paulo entre 1970 e 1998, foi uma das pessoas que mais se destacaram na denúncia e no combate às violações de direitos humanos durante a ditadura. Tornou-se uma espécie de emblema na defesa dos direitos humanos, segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma curiosidade da biografia desse frade franciscano é que em 1964 ele apoiou o golpe militar – assim como a maioria do clero brasileiro – com medo do comunismo. Após ser nomeado bispo, seria uma peça fundamental na virada da Igreja que, de aliada, passou a figurar entre os principais inimigos do regime. Nesta entrevista, o cardeal, aposentado, conta como mudou de posição e avalia que os brasileiros ainda sofrem os efeitos da ditadura, que tornou o Estado mais pesado e menos capaz de distribuir as riquezas.

Estado – A Igreja apoiou o golpe, mas depois rompeu com o regime. O senhor poderia sinalizar o momento dessa inflexão?

D. Paulo – Minha mudança ocorreu com a cassação dos antigos presidentes. Quando cassaram o Juscelino Kubitschek, o Jânio Quadros e um grupo de pessoas de importância política, embora se possa discutir seus valores, minha simpatia acabou. As pessoas eram cassadas, sem julgamento, por ordem superior, como se fosse questão administrativa. Outro fator importante: ao ser nomeado bispo-auxiliar de São Paulo, em 1966, fui trabalhar na zona norte, onde fica a maioria dos presídios. Ao visitá-los, descobri a tortura. Em 1970, num sábado à tarde, quando sabia que os delegados saíam para passear, vesti minha indumentária de cardeal e arrisquei: fui ao Dops tentar ver os presos torturados. Quando tentaram me barrar, ergui a voz, disse que era o arcebispo de São Paulo e que a Constituição me assegurava o direito de visitar os religiosos. Entrei e conheci as pessoas torturadas. Eram tantas. Saí de lá dizendo: “Não é possível conviver com um regime que tortura.”

Estado – Apesar das divergências, a Igreja e o regime sempre tentaram manter o diálogo. O senhor teve bom relacionamento com os militares?

D. Paulo – Os militares nunca fecharam totalmente a possibilidade de diálogo. Em São Paulo houve só uma exceção, o general Humberto Souza e Mello, um gordo, cujo apelido era Jumbo. Apesar de todas as minhas tentativas, ele nunca quis dialogar e certa vez chegou a pensar em me confinar na sede da arquidiocese. Mas foi desautorizado pelo ministro do Exército, Orlando Geisel. O sucessor dele, o Ednardo D’Ávila Mello, deposto da chefia do 2.º Exército pelo Ernesto Geisel, após as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, nas mãos da polícia, foi um choque para mim. Parecia elegante e educado, mas logo descobri que não respeitava nem a ética nem a religião.

Estado – E quanto ao sucessor dele, o general Dilermando Gomes Monteiro?

D. Paulo – Ele se tornou meu amigo. Chegamos a conversar até três vezes por dia. Falávamos de tudo, abertamente. Só uma coisa ele não me concedeu: licença para visitar as câmaras de tortura, que todos sabíamos que existiam, na Rua Tutóia. Respondeu que podia até perder o cargo se atendesse ao meu pedido. Ele era uma voz discordante no governo.

Estado – Mas ele era o comandante do 2.º Exército em 1977, quando a PM, sob o comando do coronel Erasmo Dias, invadiu e depredou a PUC.

D. Paulo – O Erasmo tinha poder absoluto em São Paulo. Mandava mais que o governador Paulo Egydio.

Estado – O senhor foi submetido a algum tipo de humilhação pelas autoridades militares?

D. Paulo – Existe um protocolo, entre o governo brasileiro e o Vaticano, no qual o cardeal tem a mesma posição de um vice-presidente. Eles observaram isso até o fim. Só me lembro de uma grosseria, quando telefonei para um general e perguntei se poderia me responder. Ele perguntou: “É d. Paulo Evaristo?” Respondi que sim. Ele desligou. Também passei por um episódio desagradável com o Médici. Fui reclamar das injustiças praticadas em São Paulo e ele respondeu que eu estava defendendo bandidos e que meu lugar era na sacristia. Praticamente me expulsou da sala, quando levantou e disse “muito obrigado”. Na despedida, me desculpei por tê-lo desagradado, mas insisti que era tudo verdade.

Estado – Qual foi o pior momento que enfrentou?

D. Paulo – Lembro particularmente de três deles. O primeiro foi o assassinato, na Rua Tutóia, do estudante Alexandre Vanucchi Leme, que estudava na USP. Eles o mataram e depois disseram que havia se matado na prisão. Na celebração que fizemos em memória dele, a catedral ficou cheia de estudantes. O segundo momento foi a morte de Vladimir Herzog, da TV Cultura, que eu admirava como homem e como jornalista. Telefonei para o general Golbery, com quem eu me dava muito bem, e contei o ocorrido. Ouvi ele bater na mesa, enquanto dizia: “Isso é uma traição!” No culto ecumênico que fizemos na Sé em homenagem a Vlado, eu lembrei o mandamento “Não matarás”, dizendo que é maldito quem mancha suas mãos com o sangue de seu irmão. O terceiro momento de grande dificuldade foi a invasão da PUC.

Estado – Como recebeu a informação, dada por Elio Gaspari, de que o presidente Ernesto Geisel considerava a tortura inevitável?

D. Paulo – Fiquei surpreso. O general Golbery sempre assegurou que o Geisel não aceitava a tortura e lutava contra ela, desde o governo do Castello Branco. Agora soube que ele apoiava a tortura como forma de obter informações que não seriam conseguidas de outra maneira. Um chefe de polícia de São Paulo, chamado Bauer, já havia me dito isso certa vez e eu respondi: “Quem aceita isso, não é cristão. Trata-se de um atentado gravíssimo contra a dignidade da pessoa.”

Estado – Como vê João Goulart?

D. Paulo – Conversei várias vezes com ele. Era um homem bom, mas fraco. Não foi feito para governar. Se tivesse aceitado a idéia do parlamentarismo e nomeado um primeiro ministro forte, dando-lhe apoio, talvez tivesse salvado o País dessa transição para o regime militar.

Estado – Passados 40 anos do golpe, que balanço o senhor faz?

D. Paulo – Os militares se meteram numa coisa para a qual não estavam preparados. Se um civil tivesse assumido a Presidência, a história seria totalmente diferente. Cada militar que assumia o poder era mais duro que o outro, com exceção do Geisel, que teve de ser mais aberto, pois a revolução ameaçava explodir em sangue. Na minha opinião, os efeitos da revolução ainda não acabaram. Foram herdadas dela, entre outras coisas, as relações que hoje temos com os operários e com as forças armadas. A revolução também agravou o problema da distribuição de renda. Como disse o próprio general Médici, o Brasil ficou mais rico, mas o povo se tornou mais pobre. A revolução empobreceu o povo e o Estado, que se tornou mais esbanjador e menos capaz de distribuir as riquezas.

POR ROLDÃO ARRUDA – O ESTADO 

 

LEMBRANÇAS poema de silvia schmidt

Quantos amores já por mim passaram!
Em quantas camas – Deus! – eu já dormi!
Em quantos braços não permaneci,
E quantos lábios (quantos!) me beijaram!

Quantas dezenas de homens conheci!
E quantos deles já por mim choraram!
De quantos braços eles se afastaram
Para viver comigo o que vivi!

 

Ando brincando com essas lembranças,
Brinco de roda como sãs crianças,
Como se nunca houvesse eu pecado.

Um dia, por certo, antes do esquecimento,
Livre de culpas, dor ou sofrimento,
Eu farei versos, rindo do passado.

SENHORES poema de sergio bitencourt

 

TOMEMOS FÔLEGO,

PARA ENCHERMOS NOSSOS CLARINS,

TUBAS,CLARINETES E TRUMPETES.

 

A VIDA É TAMBÉM,

UM “HOMEM”

EM QUE SINGULARES
SOMOS
CELULARES.

 

DELÍRIO poema de olavo bilac

Nua, mas para o amor
não cabe o pejo
Na minha a sua boca
eu comprimia.
E, em frêmitos
carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu
bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência
bruta do meu desejo
Fremente, a minha
boca obedecia,
E os seus seios,
tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar
em doce arpejo.

Em suspiros de
gozos infinitos
Disse-me ela, ainda
quase em grito:
– Mais abaixo, meu
bem! – num frenesi.

No seu ventre
pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu
bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci…

ADEUS AMOR poema de jorge barbosa filho

com uma mijada

escrevi seu nome

enquanto caminhava.

 

a lua tola lia

minha distante

caligrafia.

 

madrugada escorria

pela rua, nem lembrava

como mesmo se chamava?

O ANTICRISTO E O BRASIL por fabrício alves


“…eu sou, em grego, e não apenas em grego, o Anticristo…” – assim se autodefiniu Friedrich Nietzsche em Ecce Homo (De como a gente se torna o que a gente é), um dos mais conhecidos filósofos alemães da história, um crítico voraz de toda a espécie humana, da religião, da moral, e principalmente, dos alemães.Para Nietzsche, os Alemães arrancaram da Europa as conquistas e o sentido da última grande época, a época da Renascença, eram culpados da irracionalidade anticultural, do nacionalismo, da política caseira… criticou também Lutero por ter restabelecido a igreja, e assim, ter ajudado indiretamente a sucumbida Igreja Católica voltar com toda a força, trazendo de volta todos os seus valores morais e cristãos…

O asco de Nietzsche chegava ao extremo de, mesmo sendo filho de alemães, alegava ser judeu, apenas para se distanciar ainda mais do povo alemão, que valorizava menos suas obras literárias que os povos vizinhos. Mesmo com essa pouca influência em sua própria pátria, a maior parte da classe operária da Alemanha na época já havia lido algum livro de Nietzsche, a população tinha um nível cultural alto, destacavam-se ainda nessa época compositores, pintores e artistas respeitados em todo o mundo, como por exemplo o compositor Wagner, inicialmente um dos ídolos e posteriormente mais um objeto de críticas de Nietzsche, devido ao seu xonofobismo.

Nietzsche odiava a Alemanha.
Nietzsche nunca conheceu o Brasil.

Nietzsche provavelmente não teria conseguido reunir em um só livro todas suas críticas humanas, culturais e religiosas, caso tivesse nascido ao final do século 20, no Brasil. Faltaria espaço para descrever séculos de desvalorização da cultura, da falta de criatividade de nossos pintores, escritores, escultores, músicos, salvo meia-dúzia destes. Precisaria também de um livro especial para descrever como o brasileiro se tornou aquilo que ele realmente é: “humano, demasiado humano.”

O filósofo alemão poderia também procurar as origens dessa “Transvaloração de todos os valores” em nosso povo. Seriam os governantes os culpados? Mas não somos nós que os elegemos? Ou seria a mídia? Os veículos de comunicação através da história teriam alguma influência sobre a mente de todos nós? Ou eles apenas foram adequados a transmitir aquilo que temos capacidade de compreender?

Poderia ser ainda a falta de nacionalismo de nosso povo… Bom, se isto resolvesse algo, a Alemanha teria progredido culturalmente de uma maneira incrível durante o período do nazismo, algo que a queima de livros, a cegueira da população diante do sistema e a caça aos artistas “decadentes” não permitiram.

Onde estaria então o problema?

Nietzsche morreu após sérios problemas mentais, que o atingiram fortemente durante os seus últimos anos de vida. Talvez o “excesso” de problemas com os alemães e a sociedade da época tivesse causado isto.

Quanto tempo será que o filósofo mais crítico de toda a história sobreviveria vivendo no Brasil, e como ele aprenderia a sobreviver nessa sociedade deteriorada, violenta e aculturada?

O Brasil precisa urgentemente de um Nietzsche, não só para criticar e cobrar todas essas coisas, que já são corriqueiras, mas também para acrescentar algo realmente útil à nossa literatura, a nossa cultura e ao nosso desenvolvimento humano, nem que para isto, precise “bater” duramente em todos os pontos fracos de nosso sistema.

 

 

EFEITOS COLATERAIS DE UMA LEITURA por helena sut

 

“O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons.”
Nicolau Maquiavel

Cedo aos conselhos do jornalista e escritor Claudio Ribeiro e me lanço à leitura do livro “As 48 leis do poder” para amadurecer minhas percepções nas relações sociais e políticas. A compreensão de algumas intrigas que cercam os ambientes cotidianos pode ser uma forma de dissipar o conflito interior marcado por silêncios e frustrações.

Apesar de já ter lido O Príncipe de Maquiavel e A arte de Prudência de Baltasar Grácian e de não me considerar tão ingênua ou “boazinha”, os ensinamentos com exemplos das leis observadas e suas interpretações do livro de Robert Greene me assombram. Um universo de desonestidades, dissimulações e ingratidões se descortina em cada mandamento ultrapassado. Manipulações desnudam a virtude como uma palavra morta, um verbete sem significado.

Infelizmente os fatos reunidos pelo autor, que sustentam as leis hostis, são reais e revelam personagens conhecidos da história desde os tempos mais remotos. Os exemplos não se limitam aos cenários políticos, expandem-se nas relações mais íntimas e regem o amor, a doação, enfim, todas as ações humanas.

Os jogos do poder estão distantes das brincadeiras comportadas dos infantes. Tantas regras norteiam os primeiros ensinamentos para depois de alguns anos se tornarem fragilidades a serem superadas num mundo de astúcia e malícia. As relações do poder não são marcadas por sentimentos nobres, mas por razões definidas que quando bem articuladas culminam no poder…

Seduzida pela curiosidade e pela coerência na organização das idéias, leio as primeiras vinte e cinco leis de uma só vez. A narrativa me alcança como uma leitora incauta entregue à ficção e me desperta para os fatos históricos transcritos com a seriedade de um manual de comportamento a ser respeitado. Perco o fôlego ao perceber a gratidão como um peso muito forte a ser suportado e a infelicidade vista como um motivo seguro de afastamento, rendo-me exausta, sem forças para prosseguir.

Não se deixar contagiar pelo fracasso alheio, não recorrer ao sentido de gratidão ou misericórdia, apelar sempre para o egoísmo do outro a fim de conseguir seus objetivos… Não há como ficar à margem observando o curso dos rios, a violência das águas devasta a orla e carrega os vitoriosos e afogados.

Desisto. Demoro a dormir, a cabeça lateja com tantos males. Será? Quando me liberto do turbilhão de maus pensamentos, o inconsciente me trai. Sonhos… Estou sozinha e tensa, aquartelada num castelo. Além da porta, ouço os passos de minha pequena filha. Os ensinamentos do livro alertam: não confie em quem conhece as suas fragilidades, os seus amigos mais próximos serão os primeiros a lhe traírem… Sinto medo, dissimulo minha presença numa ausência cruel… Paranóia. Anoitece e permaneço observando o vasto oceano num turvado horizonte. Aproximo-me do mar, mergulho na tentativa de me lavar dos maus presságios e de me libertar da culpa, mas a água está cheia de sargaços fétidos, que se fixam em meu corpo e me prendem num fundo lamacento.

Acordo assustada. Quase sinto o contato das pardas algas. Tento me desvencilhar das cobertas e derrubo o volume entreaberto na cabeceira. Um estrondo seco. Aparentemente inofensivo, o livro pode ser uma arma fatal a destruir a inocência que fortalece os poemas de amor e o olhar empático com o próximo. Sinto o vazio de me sentir desvirginada num estupro consentido.

Guardo o livro com o marcador bem no centro, como um umbigo cicatrizado, a prova de minha coragem em enfrentar os primeiros mandamentos, os vestígios de minha covardia em abandonar a leitura para não me perder num oceano corrompido sem os portos seguros dos sentimentos enraizados na gratidão, solidariedade, esperança e compaixão.

 

A POETA MARILDA CONFORTIN TEM SUA POESIA PERENIZADA EM PARQUE DA CIDADE.

 

a poeta ao lado do seu poema no parque.

 

Ah! Esse meu pensamento… entra por caminhos que nem sei. Viaja sozinho, me abandona, deixando meus olhos vazios.
Quando volta, me traz pequenas lembranças:

– Estive na infância e lembrei-me de ti…

 

 

Pois é… eu e mais 12 escritores curitibanos, recebemos hoje esse belo presente. Trechos de nossas obras foram eternizadas em painéis espalhados ao longo da Trilha do Conhecimento, um caminho que adentra o Bosque Irmã Clementina, inaugurado hoje, dia 30 de março de 2008, em comemoração ao trecentésimo décimo quinto aniversário de Curitiba.

 

“ posso morrer em paz recebi uma homenagem em vida.

Minha poesia foi morar no meio de um bosque, em frente a um lago, num paraíso.”

O Bosque Irmã Clementina fica no Bairro Alto e área foi doada pelas freiras do Colégio Madalena Sofia. A infra-estrutura foi executada pela Prefeitura e contou com o apoio de instituições privadas.

Merecida homenagem Marilda, por tudo que você já fez pela poesia no Paraná, no Brasil e fora dele. Os PALAVREIROS DA HORA e o site PALAVRAS, TODAS PALAVRAS sentem-se orgulhosos de ter você como amiga e colaboradora. Não é todo dia que se prestigia e homenageia um poeta vivo.

MADRUGADA poema de manoel de andrade

Vens dos baluartes do silêncio

e de silêncio em silêncio tu caminhas

apalpando as horas

como uma esfinge acuada pela noite.

 

Véspera de todos os destinos

chegas vestida pela aragem e a penumbra

pelo farol das constelações e a figuração dos signos

pois só  os astros conhecem teus segredos

e eis porque são inconfessáveis os teus vultos

gestos sem ribalta num teatro de amantes

e de conspiradores.

 

És o remanso da criatura

o  repouso das palavras

o murmúrio dos elementos

um felino que caminha sobre a relva

um pio solitário

um latido na distância. 

 

Marchas pelo ventre da noite

na cadência inexorável do tempo

passo a passo rumo ao alvorecer

e é tão sutil tua chegada

porque caminhas na melodia mágica do silêncio

no rastro e no sigilo dos teus passos…

Uma telúrica canção és tu

um surdo cantochão

uma elegia que a luz ofuscará.

 

Teu corpo de orvalho e de enigmas

é uma vestal sagrada

aceso santuário

ungindo a luz e o movimento.

Negros são teus olhos

clareando lentamente sobre a relva

e sobre as águas.

                                                                

Colhida no noturno imenso

és imensa ao ressurgir raiada

das abissais aldeias da sombra e do mistério.

Chegas enfim para morrer na aurora palpitante

taça de luz

cântaro de fogo

arquétipo planetário da esperança

no esplendor de todo amanhecer.

 

                                                          Curitiba, abril de 2004

 

 

Extraído do  livro “Cantares”, editado por Escrituras.

 

FUGA PICTÓRICA OPUS 2002-3 poema de tonicato miranda

 

 

 

                                                         

para Luiz Alceu Beltrão Molento (Lulo)

17 de Março de 2002

 

 

 

 

Monet e Debussy se encontram no pontilhismo parisiense

Utrillo também está presente em uma sacada de Montmartre

La Mer vai se derramando em notas musicais e sais

violinos sobem e descem em vagas e vagalhões colosssais

o mar percebido é longe de Paris e também longe está destarte

dos acordes espraiando-se nesta luminosa manhã Curitibana

 

 

há uma falsa quietude no ar excessivamente quente

passa uma sirene louca agitando o ar, os ouvidos e a arte

La Mer prossegue em meio à paisagem Ondina de Monet

as vitórias régias inabaláveis colocam flores no centro, de pé

no meio de um manso lago de pinceladas à parte

onde o perfil de Debussy parece exigir ao cabelo um pente

 

 

seu ar irreverente, a postura às vezes um tanto displicente

revelam um compositor descontente com o seu tempo

igualmente como nós aqui, descontentes com o nosso tempo

La Mer, Debussy e Curitiba seguem seus ciclos lunares

fluxo e refluxo de Sol e vento elevando as ondas aos ares

à música, à cidade e até a Monet que nos dá última pincelada

 

 

La Mer, o vento e as ondas são arautos repentinos

nos trinos, nos fraseados, vão todos enovelando o ar

Monet parece não pintar tudo de uma só vez

capta do rosto apenas a luz e não o todo da tez

na construção de Debussy, a força de um mar, devagar

chega a praia com conchas e ansiedades ultramarinas.

ADEUS LÊNIN! poema de deborah o. lins de barros

 

A minha geração idolatra o Che Guevara

E depois acende outro Marlboro

Enquanto calça o All Star,

Ouvindo, triste e pacivamente, um pop-rock farofa.

 

Para a gente, Cavaleiro é coisa de Idade Média

E o Cavaleiro da Esperança, coitado,

Cheira a “Senhor dos Anéis”.

 

Católicos fazem procissão, enriquecendo – sem saber – ao Rei da Vela.

Para a gente, Clint Eastwood só é caubói no “De volta para o futuro”

E o Morgan Freemann é o eterno presidente da América.

 

Cada um tem o John Lennon que merece.

E eu vou ter que me contentar com o suicida de Seattle.

Vida longa ao ídolo morto.

 

Lênin morreu. Viva Lênin!

Agora me dá mais uma Coca-Cola.

Sou punk, viva o anarquismo. Sou comunista, estou na moda.

 

Mas que bela porcaria de geração que me foi dada…

Que acha que a Olga é a Camila Morgado

E que o Thiago Lacerda é o Garibaldi…

 

– Me dá um trago dessa pôrra,

– Não prende muito, que dá aneurisma!

Mas não vou tragar essa geração medíocre.

 

Gostaria de me revoltar, mas não tenho objetivos.

Não há mais barreiras, não há mais muros…

Tomo um gole de vodka e assisto ao Big Brother.

Lênin morreu. Adeus, Lênin!

 

JULIANA PAES E A CERVEJA por josé zokner (juca)

RUMOREJANDO

Constatação I

Quando o obcecado leu na mídia quenos primórdios da vida, havia muito sexo e nada de predadores” comentou: “Hoje em dia é completamente o revés. Ainda bem que pessoas como eu, que não são predadores, se ocupam da manutenção de que a outra parte continue em diligente vigência”.

Constatação II

Deu na mídia: “Yahoo! diz que oferta da Microsoft de US$ 44,6 bilhões subestima a empresa”. Data vênia, como diriam nossos juristas, mas Rumorejando acha que os valores em discussão subestimam a América Latina, o Caribe, a Asia e a África pelo número de pobres que os povos desses países possuem. É muito dinheiro na mão de poucos…Como sempre…

Constatação III (Teoria da Relatividade para principiantes),

É muito melhor tomar uma cerveja gelada, oferecida pela Juliana Paes, do que, na Inglaterra, uma quente, ofertada por rainhas, princesas, príncipes ou alguém de sangue vermelho mesmo.

Constatação IV

É um pesadelo escutar, todos os dias, em muitos decibéis o carro apregoando seus sonhos…

Constatação V

Em certos setores de certos países, a corrupção é endêmica.

Constatação VI

Rico compila; pobre, copia.

Constatação VII

Jurista rico usa a expressão “Data vênia”; jurista pobre, “Salvo melhor juízo”.

Constatação VIII (Dúvida crucial).

Jurista pobre?

Constatação IX

Rico toma champanhe; pobre, escuta da polícia: “Me acompanhe”.

Constatação X

Rico ultrapassa. Apenas, ultrapassa; pobre ultrapassa dos limites.

Constatação XI

Deu na mídia: “Políticos japoneses fazem dieta para conscientizar população”. Será que os políticos brasileiros não poderiam, pelo menos, deixar de dar maus exemplos? Quem souber a resposta, por favor, cartas à redação. Obrigado.

Constatação XII

Cachorro. Além de se comunicar latindo, também o faz no idioma rabês, isto é, se expressando com o rabo.

Constatação XIII Colaboração do Amigo Alcy Xavier).

Ouvi de um cliente de um bar na Chinatown curitibana: “rico é deficiente químico, pobre é pinguço”.

Constatação XIV

Quando o convencido leu na revista Isto É as declarações da atriz Thaila Ayalla: “Eu sou viciada em sexo, e se fico uma semana sem, viro mulher-aranha. Seria bom se eu tivesse sete namorados à minha disposição”, estufou o peito, cuspiu para o lado e, do alto da sua empáfia, proferiu grndiloqüente: “Se ela me tivesse como seu namorado, ela dispensaria os outros seis almejados. Não é à-toa que eu sou como certas hipotecas: única – no caso, único –, intransferível e especial”.

Constatação XV

Quem vai pagar os prejuízos dos passageiros, do caos aéreo, com táxi, refeições, hospedagem, etc. sem falar nas perdas por não chegar a tempo para fechar negócios e coisas desse jaez? Não seria o caso, para evitar muita burocracia, que os prejuízos sejam abatidos do imposto de renda? Fica aqui a sugestão de Rumorejando.

Constatação XVI

Ganhei uma medalha de ouro

Quando a gatona me disse:

“Você é meu maior tesouro”.

Eu, modesto: “Não diga asnice”.

 

“Não é tolice o que eu falei

Tampouco é sandice

Eu sempre te amei

Mesmo com a tua estultice”.

 

Diante de tanta convicção

Mesmo sem saber o significado

Daquela nova expressão

Eu fiquei lisonjeado.

 

Quando olhei no dicionário

Que pode ser estupidez

Não achei nada extraordinário

E não foi a primeira vez…

Constatação XVII

E como poetava o obcecado, nada a ver com o outro da outra constatação acima:

“Resisto a um assédio

Quando ela não me interessa

Mas aceito quando é remédio

Na base do que vá, vamos nessa

Pra melhorar o meu já alto promédio

Mesmo que a gata não seja uma peça.

Constatação XVIII

Acho muita graça

Quando, ela, toda rebolativa,

Toda empafiada

Por mim passa

Com um ar de altiva,

Recitando Cora Coralina

A poetisa goiana tão viva,

Tão doce e tão prendada

E tão ferina,

Querendo a atenção chamar

Talvez, quem sabe, me impressionar

Sem conta se dar

Que a simplicidade

Da grande autora

Tava distante da vaidade

E sem dúvida em versejar

Uma senhora doutora.

Malemolente menina

Não esqueça

Que a arrogância,

O pedantismo,

A jactância,

O pernosticismo

Não levam a nada.

E para que ninguém te abomine

Não faça que este, digamos, assim

Escriba termine,

Como costuma sempre no fim,

Empregando a palavra “Coitada!”

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

 

 

 

 

De LABYATHA a LAGOA da CANOA passando por TACARATU – crônica de josé alexandre saraiva

                                               -uma geografia cultural do Nordeste-

 

Era para ser só uma brincadeira. Mas o “era” fez jus ao significado e ficou para trás!

 

A idéia inicial se resumia tão-somente a despretensiosa gravação de duas músicas. Homenagem surpresa a Hermeto Pascoal e a Sebastião Tapajós, amigos de casa.

 

Artur Cigano e seu filho Marcelinho do Acordeon – este de vertiginosa habilidade no dedilhar –, excepcionais músicos e parceiros desde o impulso primeiro, deram o melhor de si na concepção de arranjos para ambas as composições. Exemplificando, na música De Labyatha a Lagoa da Canoa, passando por Tacaratu, Arthur, em vôo livre, faz o ouvinte-viajante repousar em surpreendente oásis no deserto. Marcelinho, além de admirável performance nessas duas faixas, dá vigor coreográfico de acordes ciganos nas músicas Preito a Beslan – Colos Desertos (1ª versão) e na sua tradução de Olhos Negros.

 

Mais tocante ainda: o amiguinho Winícius, filho do Marcelinho, com apenas cinco anos, foi marcante incentivo à parte. Nos intervalos das gravações, e até por telefone, ele cantarolava para mim as músicas compostas para o Hermeto e o Tião.

 

Outros músicos de nomeada aderiram ao projeto embrionário da produção e, como não poderia ser diferente, surgiram novas faixas no cd. Novos amigos, novos acordes: Derinho Santos, Cesar Matoso, Fábio Hess, Vinícius Chamorro, Raymundo Rolim, Eliane Bastos, Gedaias Rangel, Maurílio Ribeiro, Marcinho Cavaco, Ricardo Cabral, Raule, Belém, Selpa, Tarzan, Tampinha, Alê Maceió, Gerson Bientinez, Zezinho do Pandeiro, Chiquinho do Nordeste, Cícero José e até o canto do uirapuru para o mais conhecido dos amazônicos, Sebastião Tapajós.

 

 

Assim, rascunhos melódicos ganharam adornos e o resultado foi gratificante.

 

Amigo, como diz o Áureo, a gente não classifica. É milagre apócrifo comprovado em vida pelo Criador. Isso, todavia, não tira a tristeza de não poder ressaltar aqui, em tão breve espaço, os valores desses músicos talentosos, alguns com experiência além-mar. O mesmo se diga da frustração por não poder contar a história de cada música do cd. Nenhuma nasceu do acaso.

 

Uma dessas histórias inspiradoras, todavia, impõe-se ser contada desde logo. A motivação, como as coisas mais tocantes da vida, foi casual. Partiu de genuínas dicas rodoviárias por mim obtidas. Poderão, quiçá, servir de explicação para o título da composição De Labyatha a Lagoa da Canoa, passando por Tacaratu (faixa 01).

 

À história.

 

Em tarde de confraternização com amigos na minha casa em Curitiba, quando tive a honra de receber a primeira visita de Hermeto Pascoal, alagoano de Lagoa da Canoa, fiz consulta, movido por curiosidade, ao bem andado acordeonista Derinho Santos, meu conterrâneo.

 

Perguntei se seria possível chegar à terra natal de Hermeto, partindo de Labyatha (o nome oficial é Panelas, mas há controvérsias), no agreste pernambucano, com escala em Tacaratu, no vale de Itaparica. Ali próximo está Jatobá, reduto de João Pernambuco.

 

Em Tacaratu nasceu Derinho, sanfoneiro arretado de bom e dado às letras, com destacada presença nos melhores estúdios de São Paulo e no meio artístico do Paraná. Reparem na faixa 2 do cd Veredas Musicais a tamanha criatividade dele ao imitar na sanfona os pulos do tamanduá. A perfeição é digna de nota.

exemplificar

Disse-lhe ter saído de Labyahta muito cedo, na adolescência, sem noção da malha rodoviária de Pernambuco.

 

Sem titubear, ele soltou esta:

 

–– Oxente, e não é não? Simples demais, homem!

 

De plano, detalhou o roteiro da viagem, em minúcias cartográficas, geográficas, históricas e culturais. E haja sanfoneiros, poetas, cantadores, literatos, riachos, sítios e estórias, inclusive do cangaço!

 

Antes, avisou: o mapa seria traçado de forma objetiva, porém sem preocupação com a lonjura do itinerário e sem deixar de apontar importantes opções no roteiro. Afinal, já tinha puxado o fole em quase todas as cidades do agreste e do sertão, conhecendo pessoalmente seus atalhos.

 

                                                           MAPA 01

 

–– Você está mais ou menos no km 115 da BR-104 – disse ele –, em pleno sopé das serras da Bica, dos Timóteos e do Boqueirão. É a fronteira da zona da mata com o agreste. Saia pela direita, sentido norte. Logo cruzará o rio Feijão correndo para a direita da rodovia. À frente, está o rio Panelas, já irmanado com o Feijão. Ele segue sedento para a esquerda, em inquietante ziguezague, tragando riachos e córregos.

 

Adiante, no Patrimônio, retiro do seu tio Izi, passará pela segunda vez o Panelas, agora serpenteando para a direita. Na seqüência, deixará, à esquerda, o povoado de Pau Ferro e, mais ao fundo, o riacho do Mel e o riachão do Sambaqüin. Em seguida, pela terceira vez, cruzará o rio da sua terra, agora passando para o lado esquerdo.

 

Ao descer a serra da Viúva, estará em Cupira – onde poderá comprar frutas-de-conde com o Zé da Pinha para comer na viagem. Não é tão longa. Prossiga. Cruzará pela quarta vez, em apenas dez quilômetros, o rio Panelas. Desta feita, ele vai caudaloso para a direita, pros lados de Catende. Naquelas bandas, alia-se ao Pirangi, depois ao Una. Juntos, vão repousar na praia de São José da Coroa Grande.

 

Em seguida – continuou –, cruzará o riachão do Veríssimo, subirá a serra Verde, descerá a serra do Saquinho e passará pelo distrito de Santa Tereza (capital do chocalho). Por aí, à  direita, está Gravatá-açu, do polêmico “padre” Coco. Cruzará, então, o rio Chata, depois o Una, futuro parceiro do Panelas, e o riacho Cantinho.

 

MAPA 02

 

Um pouco mais e deixará à direita o caminho das praias, via Palmares, onde morou o cantador cearense Santanna. Essa cidade localiza-se nas proximidades de Escada, torrão natal de Samuel Campelo, de Severino Borges e do internacionalmente festejado pintor Cícero Dias. Por ali estão também o Cabo de Manezinho Araújo (Cuma é o nome dele?É Mané Fuloriano…) e a Ipojuca do Nando Cordel (Estou de volta pro meu aconchego, trazendo na mala bastante saudade…), com sua encantadora praia do Porto de Galinhas. Em Palmares, terra de poetas, nasceram Hermilo Borba Filho (Eu não concilio. Estou em guerra.), Aníbal Bruno (Os últimos lampejos vitais de um moribundo devem ser respeitados), Claudionor e Ascenso Ferreira (Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? – Pernas pro ar!  Ninguém é de ferro…).

 

MAPA 03      

 

 

Depois dessa entrada para o litoral, você já estará sob os embalos da mazurca de Agrestina, antiga Bebedouro. No passado, os almocreves ali faziam parada para comer baião-de-dois e saciar a sede em famoso barreiro.

 

Na saída de Agrestina, deixará à esquerda o acesso para Altinho e Ibirajuba. Continue na 104, agora ladeada de bonitas chácaras. Subirá a serra da Quitéria, passará por Maria Preta, sítio Macambira e Terra Vermelha. Depois da serra dos Mendes, logo chegará a um viaduto. Nesse momento, estará na entrada da cidade do maior e melhor São João do Mundo e da maior e mais famosa feira: Caruaru.

 

E foi falando: Caruaru, buliçosa Capital do Agreste, é o santuário do Mestre Vitalino, da Banda de Pífano, do Coronel Ludugero e Otrope. Esse vibrante caldeirão poético e musical é berço igualmente do maestro Rildo Hora, de Camarão, de Azulão, de Bau dos Oito Baixos, Beninho do Acordeon, de Clóvis Pereira dos Santos, de Austregésilo de Athayde, dos irmãos Condé, embaixadores do “país de Caruaru”, de Álvaro Lins, Lourival Vilanova, Aurélio de Limeira, Nelson Barbalho, dos bairros Vassoral e Petrópolis, do Alto do Moura, do morro Bom Jesus, do Mestre Osvaldo da Madeira e de Newton Thaumathurgo.

 

A Princesa do Agreste é cenário ainda dos alagoanos Ivan Bulhões, Jacinto Silva e Eliezer Setton. Nas páginas douradas de sua história, também se vê o nome do poeta Diniz Vitorino, nascido na inesgotável Paraíba de Zé do Norte, Canhoto, Zé Katimba, Sivuca, Glorinha (Fumo de rolo arreio de cangalha eu tenho pra vender, quem quer comprar….), Luiz Ramalho (Foi Deus quem fez o céu, o rancho das estrelas, fez também o seresteiro para conversar com elas…), Porfírio Costa, Zé Laurentino, Chico César, Geraldo Vandré (Caminhando e cantando e seguindo a canção…), Severo, Vó Mera e de Sua Majestade Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo (Eu fui dançar um baile na casa da Gabriela. Nunca vi coisa tão boa, foi na base da chinela. O sujeito ia chegando, tirava logo o sapato, se tivesse de botina, sola grossa, bico chato, entrava pra dançar no baile da Gabriela, tirando meia e sapato calçando um par de chinela…). Estamos falando da mesma Paraíba de Zito Borborema, Flávio José, Gustavo Rabay, Marinês, Abdias, Roberta Miranda, Zé Paraíba, Vital Farias (Não se admire se um dia um beija-flor invadir a porta da sua casa, lhe der um beijo e partir…), Herbet Vianna, Elba e Zé Ramalho (Lá fora faz um tempo confortável, a vigilância cuida do normal… ).

 

Caruaru, da pensão da dona Alice, onde Hermeto Pascoal se hospedava no início da carreira, do Petrúcio Amorim (… Minha morena me beijando feito abelha e a lua, malandrinha,  pela brechinha da telha, fotografando meu cenário de amor….), de Zé Bicudo, Juarez Santiago (Na emenda, amarre a corda direito… quero ver o povo brasileiro brincando de emendar…), de Ivanildo Vila Nova, do Luiz Vieira (… No calor do teu carinho, sou menino-passarinho…; Não demores muito, não demores nada, venhas ligeirinho, sejas camarada…) e Onildo Almeida ( A feira de Caruaru faz gosto a gente ver…).

 

MAPA 04

 

 

Derinho convidou-me a uma mesa de canto e continuou esmiuçando:

 

                                                          

–– Na entrada de Caruaru, no viaduto, saia da 104 e entre na Rodovia Luiz Gonzaga (BR-232), pela esquerda. Ao fazer isso, deixará para outra oportunidade a chance de conhecer a Campina Grande de Genival Lacerda, de Amazan, da Cátia de França, de Jessié Quirino, de Zé Calixto, de Bráulio Tavares, da Ceceu ( Bate, bate, bate coração dentro desse velho peito…) e do Forró de Zé Lagoa (…Às oito horas Zé do Beco, sanfoneiro, acende o candeeiro, dá as ordens a Juvenal…).

Adiante de Caruaru e Campina Grande, está a terra do sal, o Rio Grande do Norte do folclorista Câmara Cascudo, da Ademilde Fonseca, Rainha do Choro, de Zé Praxédi, K-Ximbinho, Terezinha de Jesus, de Elino Julião, de Enok Figueiredo, Kelvis Duran, de Geraldo do Norte, de Aldair Soares, Galvão Filho, de Gilliard, de Nazareno, de Reinaldo Bessa, das dunas e do maior cajueiro do mundo.

 

Se permanecesse mais um bocadinho na 104, teria acesso, logo após Caruaru, ao Brejo da Madre de Deus, com seu sítio arqueológico e o maior teatro ao ar livre – Nova Jerusalém – no distrito Fazenda Nova. Ali, todo ano, na Semana Santa, é encenado o mundialmente consagrado Drama da Paixão de Cristo.

 

                                                           MAPA 05

 

Como estava dizendo, em Caruaru pegue a rodovia Luiz Gonzaga pela esquerda do viaduto. Pela direita, você igualmente teria acesso à mesma BR-232 caso fosse para Olinda de Nassau, do Bacalhau do Batata, do Pitombeiras, do Homem da Meia-Noite, do Elefante, do Erasto Vasconcelos, de Clidio Nigro, João Câmara, Eduin, Edna Morais, Yara Nóbrega, da Bia da Tapioca e do Alto da Sé – onde repousa o cearense Dom Hélder Câmara (É graça divina começar bem. Graça  maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca).

 

Essa mesma rodovia, pela direita, levaria você ao Recife, Capital do Frevo, em cujo trajeto está a serra das Russas, repleta de túneis e barracas de frutas típicas. Você passaria por Bezerros, da xilogravura do J. Borges, do Givanildo e dos papangus. Adiante está Gravatá, dos morangos, do clima ameno e da arquitetura européia. Aqui, doando um pouquinho de seu tempo, poderia sair da 232 pela direita e, como não é tão longe, visitar Bonito, do Nelson Ferreira e de belas cachoeiras. Depois de Gravatá, vem Pombos, onde todo ano tem o concurso Garota Abacaxi. Logo em seguida, está Vitória de Santo Antão, da Selma do Coco, do monte das Tabocas, de Osman Lins, dos Nordestinos do Forró e da Pitu.  Depois, mais à direita, vêm Moreno, do Vavá, e Jaboatão – Berço da Pátria.

 

   Chegaria, então, à Veneza Brasileira, dos rios Capibaribe e Beberibe, de Olegário Mariano (Num recanto de parque onde a melancolia da tarde estende um véu de saudade e de dor, uma água morta jaz, na última luz do dia, imota e triste, em seu perpétuo dissabor…), de Carneiro Leão, de Manuel Bandeira (Entra, Irene. Você não precisa pedir licença…) e de Gilberto Freyre (… o costume nos engenhos foi fazerem os meninos os estudos em casa, com o capelão. As casas-grandes tiveram quase sempre salas de aula, e muitas até cafuas para o menino vadio…).

 

Recife do paraibano Suassuna (Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.). O ilustre filho adotivo, autor do Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, é conterrâneo de Zé Limeira, poeta do absurdo, de Inácio de Souza Rolim, de Ricardo Anísio, de José Nêumanne, de Pedro Américo, José Américo de Almeida, Augusto dos Anjos, José Lins do Rego, Chico Pedrosa, Celso Furtado, Paulo Benevides, Jordão, Chiquinho do Nordeste, Assis Chateaubriand, Pinto do Monteiro, Pinto do Acordeon e também de Aurélio Lira.

 

Recife de Robertinho, de Carlos Pena Filho, dos mercados São José e Madalena, de Beto Hortiz, do Naná Vasconcelos, João Santiago, de Guio de Morais (Quando eu vim do sertão, seu moço, do meu Bodocó, a malota era um saco e o cadeado era um nó…). Recife, dos papafigos, de Siba, de Edgar Ferreira (Eu fui pra Limoeiro e gostei do forró de lá…), da Diná de Oliveira, de Bezerra da Silva, Luís Bandeira, Beto Brito e de José Tobias, cantor cuja voz singularmente grave, potente e afinadíssima consagrou sucessos como Marina, Só Louco, Se Eu Soubesse, Acauã, Chora Carrinho, Boi-Bumbá, e A Uma Dama Transitória.

 

Recife das pontes perenes, de Claudionor Germano, José Meneses, Raul Morais, Valdemar de Oliveira, de Bruno Garcia,de Nelson Rodrigues (É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.).

 

Recife, do Galo da Madrugada, do cartunista Péricles (criador do Amigo da Onça),de Alfredo Gama, Artur Orlando, Janduhy Finizola, de Antonio Nóbrega, Guel Arraes, Marambá, Abreu de Lima, Dulcinéia de Oliveira, Marcelo Gomes, dos irmãos Valença (O teu cabelo não nega…), Mário Moraes, de Venâncio e Corumba (A vida aqui só é ruim quando não chove no chão, mas se chover dá de tudo, fartura tem de montão…), de Siba, de Sullivan, de Lenine, de Marco Nanini, Cristovam Buarque, Novelli, André Valli, de Chico Science, de Pedro Ernesto – primeiro prefeito eleito do Rio de Janeiro – e de Antonio Maria, autor de Ninguém me Ama.

 

Infelizmente – lamentou –, sua viagem também não irá nessa direção.

 

 De Caruaru, seguirá pela 232 até São Caetano, conhecida como São Caetano da Raposa, quando pegará a 423, na direção de Garanhuns. Antes, como fazia o saudoso Mersinho, coma uma boa carne-de-sol com macaxeira, feijão-de-corda verde e manteiga do sertão. Se preferir, relaxe um pouco, saboreando tradicional coxinha com suco de cajá.

 

                                                          

Em São Caetano, você deverá deixar à direita a Luiz Gonzaga, BR considerada espinha dorsal de Pernambuco. Ela levaria você a Serra Talhada, onde nasceu Lampião (Lá vem Sabino, mais Lampião, chapéu de couro, fuzil na mão…). O nome da cidade decorre de acentuados talhos esculpidos pela Natureza em serra ali existente.

 

MAPA 06

 

Um pulinho a mais, pela direita, chegaria à Carnaíba do médico Zédantas, criador de Acauã e Forró em Caruaru (No forró de sinhá Joaninha em Caruaru, cumpade Mané Bento, só faltava tu…). São ainda de sua autoria outros clássicos do repertório nordestino, quase sempre em parceria com Gonzagão, como Xote das Meninas (Ela só quer, só pensa em namorar…De manhã cedo, já tá pintada, só vive suspirando, sonhando acordada…), Riacho do Navio (… corre pro Pajeú, o rio Pajeú vai despejar no São Francisco, o rio São Francisco vai bater no meio do mar…), A Volta da Asa Branca, Vozes da Seca, Forró de Mané Vito (Seu delegado, digo a vossa senhoria…),  Sabiá (A todo mundo eu dou psiu, psiu, psiu, perguntando por meu bem…), além dos sucessos  São João na Roça, ABC do Sertão, Vem Morena e Cintura Fina (Minha morena, venha pra cá, pra dançar xote, se deite em meu cangote e pode cochilar…).

 

Serra Talhada, de Rui Grude, de Carlinhos Nogueira, sanfoneiro pai-d’égua, também foi morada do paraibano de Sumé, Zé Marcolino, autor de Serrote Agudo e Numa Sala de Reboco (Todo tempo quanto houver pra mim é pouco, pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco…).

 

 

 MAPA 07

 

Quando estivesse ali, no sertão do Pajeú, facilmente chegaria a Afogados da Ingazeira, do valente Antonio Silvino, da atleta Yanes Marques  e de Walter dos Afogados. Depois, a São José do Egito, dos irmãos Louro, Dimas e Otacílio Batista (Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor…).

 

Não irá seguir a Rodovia Luiz Gonzaga em virtude de a opção da viagem ser pelo agreste e não pelo sertão. Uma pena. Para seu conhecimento, antes de Serra Talhada, onde também nasceram o Adelmo Arcoverde e o Batoré, este neto de cangaceiro, passaria pela musical Belo Jardim, Sanharó – nome oriundo de um cortiço de abelha negra –, e pela doce Pesqueira, de Paulo Diniz e dos índios Xukurus. Ao lado, está Poção, da renda de renascença. Após Pesqueira, passaria por Arcoverde – do doido Catrevagem, do Alto do Cruzeiro, do Cordel do Fogo Encantado, de João Silva, de Cícero José, de Rivaldo Cabral e de Lua Calixto – por Cruzeiro do Nordeste, onde foi filmado Central do Brasil, e Custódia.

 

MAPA 08

 

Depois de Serra Talhada, à direita está o acesso para São José do Monte, com sua Pedra do Reino e, à esquerda, a entrada para Mirandiba, rainha do forró, onde nasceu o Miran. Depois,  vem Salgueiro, do craque de futsal Manoel Tobias, da Terezinha do Acordeon e do Targino Gondim (Por isso, eu vou na casa dela, falar do meu amor pra ela…). Em seguida, a cidade do Trio Virgulino, Parnamirim, onde termina a 232. A essas alturas, já teria cumprido obrigatória visita a Serrita, do eterno Raimundo Jacó e da Missa do Vaqueiro. Depois de Parnamirim vem Ouricuri, com seus bambas no coco e, mais na frente, Araripina, terra do gesso e do Cacá Lopes.

 

MAPA 09

 

Em Ouricuri, deixando à esquerda o caminho da Petrolina do Geraldo Azevedo e de outros frutos preciosos, pegaria à direita rodovia batizada com o nome do hino nordestino, Asa Branca.

 

A imortal música foi composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Aclamado o maior compositor nacional nos idos de 1950 a 1952, Humberto é conterrâneo de José de Alencar, da Iracema dos lábios de mel, de Clóvis Beviláqua, Gustavo Barroso, Araripe Júnior, Antonio Conselheiro, dos cegos Aderaldo e Oliveira, do Padre Cícero, Patativa do Assaré (…Sem chuva na terra, descamba janero, depois fevereo, e o mesmo verão. Entonce o nortista, pensando consigo, diz isso é castigo, não chove mais não…), de Catulo de Paiva, Heráclito Graça, Seu Lunga, Lauro Maia, Zé Menezes, Geraldo Mourão, Manassés, Ednardo, Fausto Nilo, José Wilker, Fagner, Evaldo Gouveia,  Chico Anísio, Tom Cavalcanti, Renato Aragão, Belchior, Rachel de Queiroz, Amelinha, Florinda Bolkan, Silvia Helena de Alencar Felismino, Jéter Abrantes, Falcão e do Waldonys.

 

No mesmo patamar de genialidade do pernambucano Zédantas, o advogado Humberto Teixeira, cearense de Iguatu, escreveu indeléveis páginas do vastíssimo universo musical nordestino em parceria com Gonzagão ( quando oiei a terra ardendo, qual fogueira de São João, eu preguntei a Deus do céu…). É ainda da lavra de ambos: Tudo em volta é só beleza, sol de abril e a mata em flor, mas assum preto, cego dois óio, num vendo a luz, ai, canta de dor…Assum preto veve solto, mas num pode avoar…; Juazeiro, juazeiro, me arresponda por favor, juazeiro, velho amigo, onde anda meu amor…Juazeiro, não te alembra, quando o nosso amor nasceu, toda tarde à tua sombra conversava ela e eu…; Quando a lama virou pedra e mandacaru secou, quando ribaçã de sede bateu asa e voou…;  Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião e quem quiser aprender é favor prestar atenção. Morena chegue pra cá, bem junto ao meu coração. Agora é só me seguir, pois eu vou dançar o baião…;  Quando eu voltei lá no sertão eu quis mangar de Januário…; Se a gente lembra só por lembrar…).

 

Se você seguisse a Rodovia Asa Branca, passaria por Bodocó, da mimada Pedra Claranã, onde cintilam os primeiros raios solares. É a cidade do Flávio Leandro, do Leninho e do Ademário.

 

Lá na frente, antes da serra do Araripe, está a decantada Exu do nosso Luiz Gonzaga, Rei do Baião, o maior de todos os intérpretes das belezas e das agruras do Nordeste. Cantou e exaltou nossas raízes, a esperança e a penação do sertanejo na estiagem, as léguas tiranas (…Quando o sol tostou as foia e bebeu o riachão, fui inté o Juazeiro pra fazê minha oração…), as vaquejadas, o gibão, o chapéu de couro, as brincadeiras de roda em volta à fogueira de São João, com balão multicor subindo para o céu, o balanço da peneira e das paia do coqueiro quando o vento dá, o resfulego da sanfona no arrastapé, a pontualidade suíça do jumento ao anunciar as horas, a saudade quando é doce ou amarga feito jiló, o caboclo andando a pé no sertão de Canindé ou viajando de pau-de-arara para o Sul, até os cafezais do Paraná, levando com o sonho apenas a coragem e a cara. Viajou por todo o país (…pra ver se um dia descanso feliz…).Fez confidências no acalento da sombra do Juazeiro, amigo silencioso e acolhedor (Juazeiro, meu destino, tá ligado junto ao teu, no teu tronco tem dois nomes, ela mesma é quem escreveu…). Criou e ensinou como se dança o baião (Morena, chegue pra cá, bem junto ao meu coração, agora é só me seguir, pois eu vou dançar o baião…). Denunciou o assistencialismo no sertão e o perigo da esmola para o homem são, capaz de matar de vergonha ou viciar o cidadão. Decifrou o canto dos pássaros, o aboio dos vaqueiros e o zoar das cachoeiras.  E não deixou de enaltecer a honra ferida do caboclo (Cumpade Ludugero o caso é muito sero, seu fio Delotero deu um cheiro em minha fia. Por esse atrevimento eu fiz um juramento: ou sai o casamento ou morre toda famia…) e divulgou o alfabeto matuto (O jota é ji, o ele é lê, o esse é si,mas o erre tem nome de rê…). Tudo isso e muito mais sem perder o respeito ao velho Januário, seu pai e mestre do fole:

Quando eu voltei lá no sertão

Eu quis mangar de Januário

Com meu fole prateado

Só de baixo, cento e vinte

Botão preto bem juntinho

Como nego empareado

Mas antes de fazê bonito

De passagem por Granito

Foram logo me dizendo:

De Itaboca à Rancharia

De Salgueiro a Bodocó

Januário é o maior…

                                  

                                  

                                  

 

MAPA 10

 

 

Contudo, seu trajeto, como já esclarecido, é outro. Se a primeira etapa da viagem, com parada em Tacaratu, fosse feita ao menos por um pedacinho do sertão – hipótese perfeitamente viável –, quando estivesse em Cruzeiro do Nordeste era só pegar a estrada à esquerda, passando por Ibimirim.

 

Aí, seguiria em frente, mantendo-se à esquerda. Floresta do Navio fica no lado direito. Chegaria a Inajá, deixando à sua frente a ponte sentido Mata Grande, Alagoas. Seguiria à direita, pela Ribeira do Moxotó, em terras pernambucanas. Passaria no sítio Traíra, do velho Henrique, depois Tiririca de Zé de Beija, onde é servida boa bicada, e Olho D’água do Bruni. Lá, na venda de Saturnino Basílio, não resistiria ao cheiro das rapaduras. Ao passar o Salgadinho de Tonheiro Brito e Laje, chegaria ao meu Pindobal, alcançando em seguida a Vila de Caraibeiras, município de Tacaratu.

 

Para não complicar, voltemos ao fio da meada, vamos deixar essas sugestões de lado. Irão aparecer outras.

 

MAPA 11

 

Continue na 423, a partir de São Caetano. Pela segunda vez, cruzará o rio Una, ao passar por Cachoeirinha – paraíso do queijo, do mel de uruçu e da manteiga de garrafa. É terra do couro e do aço. Possui forte mercado de celas e arreios para cavalos, exportando para os quatro cantos do mundo.

 

Em seguida, chegará a Lajedo, terra da legendária égua Dondoca. Nascida para vencer, nunca perdeu corrida e fez estremecer o propalado acavalo Pagão. Lajedo, dos Bárbaros da Bossa, do famoso vaqueiro Cordeiro Weloso, de Heleno dos 8 Baixos, do médico mais antigo de Pernambuco, o querido dr. Dourado, de Guilhermino Paulo, avô de Marco Vinícius Vilaça, nascido em Nazaré da Mata, Naldo Costa, Wilson Weloso e do Lajeforró.

 

À sua frente, à esquerda, verá frondoso tambor. À sombra dessa centenária e opulenta árvore, o devoto Sinézio descansava com romeiros a caminho dos milagres de Santa Quitéria.

 

Após a boa de festa Jupi e a charmosa Neves (Calçado, do boi preto e patas brancas, fica à direita), está – cercada de colinas –, a Cidade das Flores, a Garanhuns de Dominguinhos, de Zé da Onça, das vaquejadas, do frio, dos cafezais do padre, dos festivais de inverno e do Castelo de João Capão.

 

Mais adiante, passará por Iati – onde poderá comer um bode assado no Maria Piroca – e Águas Belas. Em Águas Belas, há muitos anos vivem os índios Funiôs, também conhecidos como Carnijós ou Carijós. Eles se comunicam bem no português, principalmente os mais jovens.

 

MAPA 12

 

Na seqüência, vem o Capiá, depois Ouro Branco, à esquerda, com seus currais de gado. Surgirão três entroncamentos. Fique atento nesse trecho das Alagoas de Zumbi (nascido na capitania de Pernambuco), dos marechais, de Corisco, Tenório Cavalcanti, da jogadora Marta, de Jararaca, de Zagalo, Djavan (Meu bem querer é segredo, é sagrado, está sacramentado em meu coração…), Pontes de Miranda, Guimarães Passos, Lêdo Ivo, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Xameguinho do Acordeon, do Mestre Benon e do Kara Veia (Eu sou um filho sem sorte…). Primeiro é o do Carié. À direita, encontra-se Canapi e à esquerda, Santana do Ipanema. Depois, vem o trevo Leobino, com Inhapi à direita. O terceiro entroncamento é o Maria Bode. Aqui, ao empardecer, todo cuidado é pouco.

 

No Maria Bode – atenção –, entre à direita. Em seguida, no primeiro trevo – chamado Marcação –, siga à esquerda, para Pariconha, do meu amigo e parceiro musical Moreno Souza. Antes de Pariconha, tem a Várzea do Pico – onde, acredite, é proibido assoviar – e o povoado Quixabeira. Água Branca você deixa à direita.Vão surgir os sítios Figueiredo e Ouricuri dos Caboclos, depois, um rio. Esse rio deverá ser vencido obrigatoriamente. É o Moxotó.

 

Ao atravessar o Moxotó, se aprochegue na Ilha Grande, procure meu amigo sanfoneiro Dário Joaquim e saboreie um bom sarapatel. A sobremesa será de doce de mamão com coco ralado e mel de cana, acompanhado de licor de jenipapo. Afinal, já estará de volta a Paranã-Puca, onde o mar se arrebenta nos paredões de recifes de coral. É o nosso Leão do Norte, solo sagrado de Frei Joaquim do Amor Divino, o Frei Caneca, de Felipe Camarão, do abolicionista Joaquim Nabuco, de Adolfo Lamenha Lins, Paulo Freire (O autoritarismo é uma das características centrais da educação no Brasil, do primeiro grau à universidade.), de Francisco Julião, do coroné Chico Heráclito, do cearense de Araripe Miguel Arraes de Alencar (Pela cidade, se conhece o homem que trabalha, a voz de Deus é a voz do Povo, Miguel Arraes vai governar de novo), de Capiba, Luperce Miranda, Moacir Santos, Mestre Salu, Mestre Ambrósio, Quinteto Violado, Maciel Melo, Gláucio Costa, Severino Araújo, criador do choro Espinha de Bacalhau, Zé Bodega, Arlindo dos 8 Baixos, Pinga, do Maracatu da Coroa Imperial, Barbosa Lima Sobrinho, Mauro Mota, João Cabral de Melo Neto (Ao redor da vida do homem, há certas caixas de vidro, dentro das quais, como em jaula, se houve palpitar um bicho…) e Rosil Cavalcanti (Convidei a comadre Sebastiana pra cantar e xaxar lá na Paraíba…Faz força, Zé, para melhorar, o homem não vai sem trabalhar…; Cabo Tenório é o maior inspetor de quarteirão. O cabo era bamba, disposto, o danado, bem considerado no seu batalhão. Amigo do praça, do subtenente, de toda patente…).

 

Pernambuco, das Batalhas dos Guararapes, único estado brasileiro cujas dez letras do nome não se repetem, é também o torrão sagrado de Frei Damião, nascido em Bozzano, de Medeiros e Albuquerque, Laurentino Vitorino, Dantas Barreto, Aguinaldo Silva, Evanildo Bechara, José Júlio da Silva Ramos, Oliveira Lima, José Souto Maior Borges, Mário Schenberg, Lia de Itamaracá (Essa ciranda quem me deu foi Lia…), de Zumba, Sebastião, Mario Melo, Pedro Salgado, Felinto, Fenelon, Raul de Morais, Formiga, Caju e Castanha, maestro Duda, Zabé da Loca, Sebastião do Rojão, Marlos Nobre, Medeiros e Albuquerque, Odacy de Brito Silva, Luiz Queiroz, Luiz Queiroga, Odorico Tavares, Demétrio Ferreira, Peregrino da Silva, João Limoeiro, Nadia Maria, Ivan Ferraz, Assisão, Gildo Moreno, de Levino Ferreira, Fernando Lobo, Evanildo Bechara, Anastácia, Severino Januário, de Zé Gonzaga (Tartaruga deu um baile, a bicharada toda foi, o leão se embriagou e todo mundo provocou…), Accioly Neto, Múcio Leão, Hilário Jovino, Demétrio Ferreira, Silvério Pessoa, Duda da Passira, de Galego Aboiador, de Vavá Peito de Aço, Ademir de Menezes, Bodinho, Manga, Orlando Pingo de Ouro, Givanildo, Ricardo Rocha, Rivaldo, Juninho, da Arlete Sales, Patrícia França, Pedro Malta, de Zé Rico, de Reginaldo Rossi, do Chacrinha e do Pedro de Lara.

 

MAPA 13

 

 

Agora, é só seguir até a vila Caraibeiras. Aí visite sua deslumbrante feira, toda sexta. Depois, à direita, chegará ao sítio onde eu nasci, Pindobal. Você ainda não está na cidade de Tacaratu, mas muito próximo. Para chegar lá, retorne a Caraibeiras – a vila mais importante de Tacaratu. É conhecida nacionalmente pela excelência na manufatura de redes de balanço e artesanatos em geral. Indo em frente, chegará à serra do Mata Burro. Na descida dessa serra, avistará, entre outras belezas da natureza, à direita, a esplendorosa serra do Giz. Em frente, está Tacaratu, com seus mangueirais, bananais, coqueirais e cajazeiras.

 

Ainda na descida da serra do Mata Burro, ficará maravilhado com as matas do Pai João e seus sagüis travessos. Seguindo em frente, passará por Lagoa e Fonte Grande, uma mina cobiçada por multinacionais. Jorra água mineral por entre as pedras da serra do Giz.

 

Apenas uma subidinha e verá a igreja Nossa Senhora da Saúde, nossa padroeira. A cidade respira não apenas esperança e fraternidade, mas também acordes indeléveis de João Pernambuco, compostos antes mesmo de sua partida, aos 19 anos, para o Rio de Janeiro, onde foi servente na prefeitura e ferreiro em fundição.

 

João Pernambuco é o criador de Sons de Carrilhões e da melodia de Luar do Sertão (Não há,oh gente, não, luar como este do sertão…), esta em parceria com Catulo da Paixão Cearense, nascido no Maranhão do Bumba-meu-boi, do João do Vale (Carcará pega, mata e come, carcará nunca vai morrer de fome…), do Gonçalves Dias, Coelho Neto, Raimundo Correia, Artur de Azevedo, José Pereira da Graça Aranha, Odilo Costa, Josué Montello, Viriato Correia, Cláudio Fontana, Raimundo Soldado, Turíbio Santos, Zeca Baleiro, Sarney, Alcione, Zé do Maranhão, Zé de Riba, José Ribamar Barros Penha e Ferreira Gullar (Sou um homem comum, de carne e de memória, de osso e esquecimento. Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião e a vida sopra dentro de mim, pânica, feito a chama de um maçarico,e pode subitamente cessar…).

 

João Pernambuco, amigo e companheiro de pensão de Donga e Pixinguinha,  nasceu por ali, em Jatobá, próximo a Tacaratu, reduto de outros músicos respeitados, como Antonio Rêgo e Armando Rodrigues.

 

Tacaratu realiza anualmente a maior festa do sertão do São Francisco. Os festejos, em homenagem à Nossa Senhora da Saúde, se estendem por nove noites, iniciando-se no final de janeiro e terminando no dia 2 de fevereiro. Vem gente de toda banda. É como na corrida de jericos de Panelas, no 1º de maio.

 

Caso eu não esteja lá, diga, seja na rua, seja na serra do Cruzeiro, o nome Mestre Lelé Batinga, apelido do meu pai Manoel Heleno dos Santos. Todo mundo conhece todo mundo. Pergunte ainda pelo Cosme Manga Rosa, do Olho-D’água do Bruni, pelo Amarelinho, fantástico imitador de pássaros, pelo cego João Piau – nascido no sítio Umidade –, maior tocador de pé-de-bode de Tacaratu e atirador de pedras certeiras com os dedos dos pés. Procure também pelo Anchieta Dali, pelo Juarez Major, remanescente dos Caçulas do Baião, e pelo Josildo Sá. Pronto. Você estará em casa. Acaba de completar a primeira etapa da viagem. Terá direito a soneca em rede de varanda, novinha em folha, bordada e tecida por dona Ilda, mainha.

 

E quando decidir ter chegado a hora de partir para Lagoa da Canoa (não vai ser fácil querer sair de Tacaratu), passe direto – mas com as cautelas necessárias – pelo Maria Bode.

 

MAPA 14

 

Ao cruzar o Maria Bode, praticamente estará na cidade de Delmiro Gouveia. Nessa hospitaleira cidade alagoana nasceu o Nouzinho do Xaxado. Lá moram dois sobrinhos de Lampião. Qualquer aperreio, fale com um deles. Tome um cafezinho com os sanfoneiros Zequinha do Estreito e Cícero Levino e aproveite para conhecer a fabulosa usina hidrelétrica de Xingó. Para tanto, basta ir em frente. Passe pelo bairro Pedra Velha, onde desde logo fica autorizado a fazer a barba com o Zinho Barbeiro. Fale de mim pra ele, não pagará nada.

 

Bom, agora é só cruzar o entroncamento Olho D’água do Casado até chegar a Piranhas, sertão do vale do São Francisco.

 

Nessa cidade, a polícia expôs publicamente as cabeças degoladas do casal Lampião e Maria Bonita e dos demais cangaceiros mortos na chacina de Angico. Após o acontecido, seu camarada Corisco, conhecido como Diabo Louro, degolou um punhado de desafetos às margens do São Francisco. Foram diversas e sucessivas ações de furiosa vingança.

 

Em Piranhas encontra-se importante museu com a história do cangaço.

 

–– O Cânion de Xingó é nessa região? – indaguei, interrompendo o Derinho.

 

–– Exatamente! – respondeu. Está em Canindé do São Francisco, Sergipe, divisa com Alagoas e é navegável. Trata-se de fabuloso cânion alagado, com aproximadamente 70 quilômetros de extensão. Em alguns trechos chega a 170 metros de profundidade. A largura varia entre 50 e 300 metros. Seus gigantescos paredões, envoltos a esverdeadas águas do Velho Chicão, datam de mais de 60 milhões de anos. O emocionante passeio de catamarã ou escuna é lembrança para o resto da vida.

 

Prosseguiu:

 

Na volta de Piranhas, antes do Olho D’água do Casado, pegue à esquerda, no sentido Canindé do São Francisco, fazendo obrigatória visita ao complexo de Xingó. Quando estiver retornando de Xingó, seguindo sua viagem a Lagoa da Canoa, pegue à esquerda, no sentido Olho D’água do Casado. Dobre à direita e siga em frente, por São José da Tapera, depois Pão de Açúcar, recanto do seu xará Saraiva do Sax Soprano, passe pelo Olho D’água das Flores, em seguida Batalha, Folha Miúda e chegue a Arapiraca – lugar de fumo roliço de primeira e onde poderá bater animado papo com o Marcos Góis, João do Pife, Afrísio Acácio – sanfoneiro fiel ao gibão e ao chapéu de couro – e Cecílio Barbeiro, afinador e tocador de sanfona.

 

 

MAPA 15

 

Aí, pegue à direita. Logo adiante, finalmente estará na Lagoa da Canoa do menino Sinhô, hoje Hermeto Pascoal, maior novidadeiro de sons do mundo, autor de Chorinho Pra Ele, Bebê e O ovo.

 

–– E – acrescentou Derinho – quem diria! Tudo começou quando, ainda criança, aquele galeguinho  distraía os aguçados ouvidos com batidas de panelas, bules, frigideiras e caçarolas na oficina do avô – o seu Sena da Bolacha, exímio ferreiro. Sinhô, o peraltinha albino, filho do respeitado sanfoneiro Pascoal dos 8 Baixos e da dona Divina,  não conseguia esconder a compulsão para música. Habitualmente, estendia pedaços de latas em um varal para captar sons. Diante dos parcos recursos da família, valia-se da criatividade e improvisava seus próprios instrumentos. Fazia flautinhas e pifes com canudo de carrapateira, mamoeiro e jerimum. Quando seguia as veredas do roçado, em cangalha presa com rabichola a jumento manso, geralmente recebia merecido privilégio por conta da sensibilidade aos raios solares. Ficava sob árvores, ouvindo e distinguindo cantos de pássaros. E se tivesse o infortúnio de levar topada na estrada, estando descalço ou de alpercata, reagia de forma singular. Voltava para casa não só com o dedo esfolado mas também com a pedra inimiga. Era a  recordação do último som encontrado no caminho…

 

Em outras palavras, Hermeto Pascoal é prova cabal de antigo ditado, consagrado pela sabedoria popular: todo gênio já nasce feito.

 

MAPA 16

 

Muito bem! Volte de Lagoa da Canoa pelo mesmo caminho. De lá a Arapiraca é só uma légua e meia. A partir de Arapiraca, você pode retornar a Labyatha por União dos Palmares. É bem pertinho, ali pelas direitas. Se seguir esse trajeto, mais adiante dê um jeito e vá até à Palmeiras dos Índios do prefeito Graciliano Ramos, nascido em Quebrangulo, autor de Vidas Secas e criador da mais famosa cadela nordestina – Baleia. Visite também Marimbondos, do sanfoneiro Genaro. Fica tudo por aí.

 

Mas, se a opção for regressar pelo caminho da ida, a fim de rever os Funiôs e Garanhuns ou dar uma esticadinha, a partir dessa cidade, até Caetés – terra do Lula –, nesse caso, evite o Maria Bode. É sempre bom evitar o Maria Bode. Saia, então, de Arapiraca pelo caminho de Major Isidoro, em direção à BR-423 ou, mais à esquerda, por Santana do Ipanema, de sua comadre Eliane, pegando a 423 pela direita do Carié, no sentido de Garanhuns.

 

Note – ponderou o Derinho –, se você vislumbrar a possibilidade de enjôos fazendo todo esse percurso, desde a partida da sua Labyatha, pátria amada da Zefa Bozó, do Chico Pão, Sapo Choco, do Zé Piúdo, do Zé Porquinho, do Pompéia, do Anacleto, do Mandiú, do Boi Tungão, do Letâncio, do Venta Curta, do Negozé, do Quinca, do Zé Loló, Zé Anão, Zé de Sula, Zé de Preta e da Maria Cachorro, tenho outro plano.

 

MAPA 17

 

O melhor é sair de Labyatha pela rua do Xêxo, onde você nasceu, pegando à esquerda a 104, sentido sul. Após vencer, com atenção redobrada, a perigosíssima serra do Criminoso – deixando, à direita, a entrada de São Lázaro, depois o brejo de João Alves, e, à esquerda, o Timbó e a destilaria Jundiá –, coloque no bagageiro mantimentos práticos para a viagem. Adquira umas cestas de rapaduras, batidas, mel de engenho e doces de cana no Engenho Amolar de Dede Vilar. O secular engenho está logo ali, à esquerda. Nas proximidades, encontra-se a serra da Mesa. Mais recuada, quase na divisa com Quipapá e São Benedito, fica a serra do Limão, onde poderá providenciar galões da água Santa Inês, pura como Deus mandou. Faça isso.

 

Ao retornar à BR-104, tenha o máximo cuidado com os cortadores de cana. Estão, aos montes, espalhados pelo acostamento, desde as 4 da madrugada. Esses trabalhadores ganham de acordo com a produção.

 

A viagem, então, não será por Caruaru, mas por Quipapá, do Benedito da Macuca, e União dos Palmares, onde está a histórica serra da Barriga, cenário do cerco final a Zumbi. Nessa cidade, nasceu o poeta Jorge de Lima (Verás várias constelações te enviarem seus raios e se extinguirem depois. Confrontarás tua infância com a dos filhos do sol…). Passará, então, por Branquinha, Murici e São José da Laje – em cuja paróquia, dizem, há muitos anos foliões pintaram o sete em plena quarta-feira de cinzas. Não tardou e a igreja foi destruída por fulminantes raios.

 

MAPA 18

 

Ali por Messias, você sai da 104 e entra na 101, por onde chegará a Arapiraca. Daí pra frente é muito fácil.

 

Nesse caso, o ideal é ir de Labyatha a Tacaratu, passando primeiro por Lagoa da Canoa e não de Labyatha a Lagoa da Canoa, passando primeiro por Tacaratu.

 

Você pode ainda se dar ao direito – preferencialmente no primeiro trajeto proposto para a viagem, ou seja, Labyatha-Tacaratu-Lagoa da Canoa, via Caruaru –, estando em Delmiro Gouveia, de atravessar o Chicão pela magnífica ponte de Paulo Afonso, mirando lá em baixo o rio São Francisco, bem estreito e silencioso. Após, vá conhecer as comportas do complexo da Cachoeira de Paulo Afonso.

 

MAPA 19

 

Rapaz! – exclamou Derinho. Estando ali, tão perto, vá à Usina de Paulo Afonso, na Bahia de Castro Alves, de Gregório de Matos, o Boca do Inferno, Junqueira Freire, Canudos, Rui, Teixeira de Freitas, Urbano Duarte e  Ernesto Carneiro.

 

Se você ainda não foi, vá correndo à Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado e de Caymmi (É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar…; Dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar. Eu quero ser o primeiro pra salvar iemanjá…; O mar quando quebra na praia é bonito…; A jangada voltou só…; Eu vou pra maragangalha, eu vou…; Samba da minha terra deixa a gente mole, quando se canta todo mundo bole…;Peguei um ita no norte, pra vim pro rio morar…; Marina, morena, Marina,você se pintou…; Só louco amou como eu amei… ).

 

Bahia de Itapoã, de Gordurinha, Moraes Moreira (Lá vem o Brasil, descendo a ladeira….) , Dodô e Osmar, Pepeu Gomes, Armandinho, de Maria Bonita (Acorda Maria Bonita, levanta vai fazer o café…) , Daniela, Ivete, Carlinhos Brown, Xangai, Batatinha, Tuzé de Abreu, Otávio Mangabeira, Constâncio Alves, de João Ubaldo, Adonias Filho, Afrânio Coutinho, Afrânio Peixoto, Walter Santos, Riachão, Hermes Lima, Dias Gomes, de Aliomar Baleeiro, de xavier Marques e de Pedro Calmon.

 

Bahia de Glauber Rocha, Capinan (Ó cirandeiro, cirandeiro, ó; Era um, era dois, era cem, era o mundo chegando e ninguém…; Soy loco por ti América…), Ciro Aguiar, do vatapá e do acarajé, de Noca do Acordeon, de Pedro Sertanejo, de Waldick Soriano (Amigo, por favor leve esta carta e diga àquela ingrata como está meu coração…), Cicinho Bonfim, Quinca dos 8 Baixos, Margareth Menezes, do Raul Seixas (Ói, ói o trem, vem surgindo detrás das montanhas azuis…), de Cravo Albin, Xisto Bahia, do argentino Carybé, Elomar Figueira, do Panela, do João Gilberto, Tom Zé, do Caetano (Alguma coisa acontece no meu coração…;Cada palmeira na estrada tem uma moça recostada, uma é minha namorada e essa estrada vai dar no mar…), Bethânia, dona Canô, Gal, Gil (Olha, lá vai passando a procissão…), do Assis Valente (Vestiu uma camisa amarela e saiu por aí… ) e do Trio Nordestino (Morena bela, onde tu tava, onde tu tava, onde tava tu?…).

 

Com notáveis filhos da Bahia de Mãe Menininha do Cantuá – é preciso registrar – o piauiense para sempre louvado Torquato Neto, parido nas plagas de Mestre Paquinha, Carlos Castelo Branco, Renato Piau, do deputado Frank Aguiar e do sempre lembrado Luís Carlos Boavista do Rêgo Monteiro, o “Piauí”, encontrou seus principais parceiros musicais. É dele esta sentença inapelável: Escuta, meu chapa! Um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo, sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Quem não se arrisca, não pode berrar.

 

Não deixe de ir à Paulo Afonso dos meus amigos Dario da Sanfona, Elias Nogueira e Enok do Acordeon. Desse encontro, no mínimo vai sair animado forrobodó, com Dedé de Colimério no triângulo e Guaxinim na zabumba. Sabe onde? No posto do Fernando, ali na saída para Salvador. Leve meu abraço a Luiz Tenório de Brito e à dona Magali, pais de Luciano Magno. A cidade e sua cachoeira, como você sabe, foram imortalizadas nos versos da música de Luiz Gonzaga. A letra, de Zédantas, diz: Delmiro deu a idéia, Apolônio aproveitou, Getúlio fez o decreto e Dutra realizou… o Brasil vai, o Brasil vai…

 

Dê o obrigatório pulinho até Canindé do São Francisco, Sergipe, passando em Malhada Grande. Corte aquelas matas baianas e passe pelas caatingas sergipanas de João Ribeiro, de Tobias Barreto, de Sílvio Romero, de Gilberto Amado, de seu irmão itaporanguense Genolino Amado, Joel Silveira, Caldas Júnior, Tia Neiva, do trombonista Zé da Velha, do clarinetista Luiz Americano, do vaqueiro Josa e do músico-cangaceiro Volta Seca..

 

Volte pelo mesmo caminho, saindo da Bahia para nossas terras pela magnífica ponte.

 

Venha, então, pela 423 – rodovia por onde você veio de São Caetano até o Maria Bode. No entroncamento do Jardim Cordeiro, quebre à esquerda, atravesse o Moxotó, beirando o São Francisco, e chegue à Jatobá do João Pernambuco, gênio da música, segundo Villa-Lobos.

 

MAPA 20 

 

Coma aí um saboroso pão doce com espinhaço de coco, regado a suco de imbu.

 

Depois, ao visitar a hidrelétrica Luiz Gonzaga (Itaparica), chegará ao destino final dessa excursão extra e inesquecível: a nova cidade de Petrolândia!

 

Passará primeiro pelos vestígios da Petrolândia velha, inundada pelo Chicão. Anote aí: Petrolândia já teve o melhor conjunto de choro da região, formado, entre outros, por Coco de Zé de Aninha e Zé Neguinho. Pronto. Agora, é seguir o caminho lá de casa.

 

Para chegar, suba a serra de Petrolândia. Passando pelo Barrocão, chegará a Espinheiro e Folha Branca. A seguir, já na igreja matriz de Tacaratu, reveja a imagem de Nossa Senhora da Saúde, agradecendo com oração a proteção recebida na viagem.

 

E como você gostou desse passeio especial, faça outro, antes de voltar a Labyatha.

 

Dê uma chegadinha até a cidade natal de mamãe, em Betânia. Não se arrependerá. É pertinho, daqui pra li. Saindo de Tacaratu, fica mais ou menos a 40 léguas de carro, ou 30, a cavalo.

 

MAPA 21

 

Faça o seguinte. Pegue a rodovia sentido Inajá, terra das melancias. Em Ibimirim, deixe o caminho de Arco Verde à frente, bem como o famoso açude Poço da Cruz. Entre à esquerda, pela central sentido Floresta do Navio. No km 28, terá acesso ao lugar chamado Negrinho das Porteiras. A partir daí, 6 quilômetros adiante, já tendo passado pelo riacho de São Braz – antes de ele se abraçar com o riacho do Navio –, estará em Cacimbinhas. Em seguida, à direita, chegará a serra Branca e, por fim, a Betânia.

 

Por essas quebradas Lampião costumava refugiar-se. Até hoje a região é repleta de carreiras de cruzes, vestígios de sepulturas, além de punhais e de muitas cabos de imbuá fincados no mato. Você vai ver a cruz do fazendeiro Antonio Venâncio. Ele era contra Lampião. Foi assassinado com um rifle surdo.

 

Lá em Betânia, dirija-se ao sítio Cacimba Velha, onde nasceu dona Ilda, minha sagrada mamãe. Para tanto, seguirá por estrada de catabil até o sítio Mandacaru, povoado com grande açude.Terá à frente o sítio Jurema e, por fim, Cacimba Velha, onde deverá banhar-se imediatamente com água fresca. Em seguida, arme uma rede debaixo do juazeiro e coma saborosa coalhada escorrida. Descanse, pois não irá faltar festança, em sala de reboco ou nos arraiá. Aproveite e dance agarradinho o forró de pé de serra, ao som da sanfona, da zabumba e do triângulo. Se preferir, poderá ainda ser convidado de honra nos desafios poéticos dos cantadores de viola ou nas rodas de coco.

 

No retorno de Cacimba Velha a Tacaratu, o melhor é trocar o carro por um bom cavalo manga-larga esquipador, recebendo a torna em bodes. Na negociação, além dos bodes, deverão entrar um cachorro caçador de preá, uma rede de Caraibeiras, um rolo de fumo de Arapiraca e uma peixeira cabo de imbuá – a preferida de Lampião.

 

Siga pelo Xiquexique, cortando caatingas enfeitadas de coroas-de-frade, velame, macambira e quipá – tudo sob os cantos do galo-de-campina, da asa branca, da acauã e da seriema.

 

Se o cavalo desembestar e você cair, não vai encontrar farmácia. Se ficar machucado, procure pé de quixabeira ou de bom-nome. Rape com a sua cabo de imbuá a casca do bom-nome ou da quixabeira, arranque uma cubaca do ouricurizeiro e beba esse santo remédio com água fresca dos riachos.

 

Ao empardecer, aviste no serrado um juazeiro e arme a rede. Faça uma fogueira com gravetos de jurema preta, para espantar cobra, muriçoca e as pintadas. Se aparecer titaca, fique quieto. Esse bicho abufelado deixa qualquer cristão tonto com simples bufa. Não esqueça de colocar pedaços do fumo de Arapiraca em cima de toco de cedro. Assim, a caipora deixará você dormir em paz.

 

Se levou algum talho no corpo, faça o seguinte: corte um pé de pinhão brabo ou pinhão roxo, lasque a canela dele, tire o miolo e bote em cima do ferimento. Para não inflamar o talho, rape uma arueira, coloque dentro da cubaca com água. Se não tiver água por perto, corte as folhas do gravatá e despeje o H2O na cubaca. Se não encontrar o gravatá, não se avexe: acorde a rola e mije na cubaca. Mexa até ficar tudo vermelho e lave o local. Pronto. No outro dia, vai estar enxuto, bem sequinho.

 

Vá indo.

 

Agora, encontrará o sítio Jacaré, depois Passagem Funda, em seguida Muquém, e Tabuleiro. Prossiga. Ao chegar a Realengo, cruze a pista Ibimirim-Floresta do Navio. Logo adiante, estará na fazenda Pipipan.

 

Nesse trecho, é preciso estar com os bornais cheios de imbu, araticum, araçá, rapadura, carne de bode seca e farinha de mandioca sertaneja. Na falta de palito de dente, arranque espinhos do mandacaru. Também é bom pegar no mato um facheiro seco. Acenda o facheiro, primo do mandacaru –, principalmente se for noite, para alumiar a estrada e espantar onça. Além dos vaga-lumes piscando nas arandelas do breu, tem muita onça vermelha e do lombo preto. De dia, quando você ainda pode ver o orvalho beijando a flor, essas veredas às vezes não são tão perigosas, mas, à noite, a coisa é preta mesmo. Tem até assombração, viu?

 

E se tiver necessidade de fazer urgente visitinha reservada no mato, cuidado para não pegar folhas de urtiga e cansanção. Do contrário, os calombos na bunda irão incomodá-lo. Procure ali folha de malva-branca. É mais confortável.

 

Antes de sair de Pipipan, dê água ao cavalo. Reforce com capricho os alforjes para não faltar mantimentos na estrada. Continue. Cuidado para não enfadar muito seu alazão nos bancos de areia da baixa da Faveleira. Se relampear, corra e se abrigue no primeiro rancho. Evite ficar debaixo de pé de pau grande. Essas árvores atraem os raios.

 

No antigo Poço de Afonso, hoje Terra Rica, desarreie o cavalo e se arranche. No romper da aurora, enquanto toma café torrado no caco e pisado no pilão, com cuscuz, leite e manteiga de garrafa, dê um bornal de milho para o seu amigo e companheiro de jornada. O outro amigo, o caçador de preá, se vira. Continue. Como poderá surgir todo tipo de imprevisto, antes dessa partida se garanta com rapa de juá – a melhor pasta de dente natural.

 

Na frente, passará a serra Negra e o sítio Juazeiro dos Cândidos. Atravesse a central. À esquerda, está o hotel do Peba. Em seguida, passará por Olho D’água do Coxo, pelo sítios Caldeirão, Araticum, serra da Prensa, Imbuzeirão, serra da Samambaia e Água Preta. Este local é o preferido das codornas, codornizes, rolinhas, juritis, bacuraus e gaviões. Também tem coruja, asa branca e assum preto.

 

Preciso agora – disse Derinho – lembrar curiosa estória contada por meu avô Abílio. Aconteceu nessa serra da Samambaia.

 

Foi no lugar chamado Apertar da Hora. Em caçada implacável a Lampião, rei do cangaço, um soldado deparou com esperto cangaceiro, muito criativo e adepto de orações fortes, fortíssimas. O cabra de Lampião tinha se disfarçado em tronco de baraúna, com cupim na parte superior. Ao lado do toco, estava seu vistoso cachimbo. Percebendo a inusitada “transformação”, o macaco da volante – também ligado às mesmas crendices do cangaceiro – apenas bateu com a boca do cachimbo no tronco da baraúna, espalhando as cinzas no camuflado cangaceiro. Sorrindo, disse: “Cabra, não vou matar você, não. Mas, na próxima, chego antes do cupim, visse?” Cumpriu a palavra e foi embora.

 

Quando tiver descido a serra da Samambaia, onde há fartura de maçaranduba, araçá, pitomba, araticum e ouricuri, avistará frotas de incansáveis e obedientes jumentos com cangalhas e caçuás. Carregam ouricuri. Outros, com cambitos, levam lenha para esquentar o forno de torrar farinha.

 

Daqui a pouco estará no sítio Água Preta. E a seguir, cuidando para não esbarrar em carrapichos e unhas-de-gato (doem feito a bubônica), chegará às queimadas do meu tio Manoel Francelino Rodrigues. Depois, baixa da Quixaba, do Craveiro do Velho Cajueiro, do Zé Manezinho e de Dudinha Basílio.

 

O próximo sítio é Laje, onde poderá repousar na casa do meu avô Abílio Pedrosa – mas isso se a estridente orquestra de tem-tens deixar você dormir. Cantam a noite inteira e se escondem de dia. A sinfonia das acauãs começa de tardezinha, antes do empardecer.

 

Refeito do cansaço, é só seguir a Tacaratu, tomando, de manhã, café com bolo de mandioca, queijo de coalho assado e tapioca na casa de minha avó Tonha Batinga, em Pindobal. O caminho você já conhece. Agora pode ir de carona com o Luizinho. Deixe o cachorro com Saturnino de Abílio e o cavalo, no cercado de Antonio Cabra, avô do Luizinho.

 

Se não conseguir comprar outro carro em Tacaratu, minha tia Alaíde dará um jeito – se preciso for, até de jegue – e deixará você em Caruaru, onde encontrará seus amigos de infância Zé de Arlindo, bom fazedor de negócios, e Gerson Galvão, advogado militante.

 

Esse trajeto eu fazia com a tia Alaíde, quando menino.

 

Seja como for – prosseguiu –, redobre sempre a atenção diante da possibilidade de cruzar com animais, principalmente raposa, veado, onça, gato-do-mato, gambá, mocó, tamanduá e guará – este é doidinho por melancia. Também fique atento nos entroncamentos. À noite, o Maria Bode, repito, é o mais perigoso. Você o encontrará no mínimo duas vezes, invariavelmente.

 

Em resumo, pelo plano “a” do seu passeio (De Labyatha a Lagoa da Canoa, passando primeiro por Tacaratu, via Caruaru), quando estiver no Maria Bode, já tendo passado por Lajedo, Garanhuns e Águas Belas, deve sair desse entroncamento pela direita para ter acesso à minha cidade. Ao retornar de Tacaratu, agora indo para Lagoa da Canoa, não entre nem à esquerda nem à direita do Maria Bode, vá em frente. Mas se você fizer aquela viagem especial – até Paulo Afonso – e já tendo passado por Lagoa da Canoa, ao voltar por Tacaratu pegue o Maria Bode à esquerda.

 

No roteiro “b” da viagem (De Labyatha a Tacaratu, passando por Lagoa da Canoa, via Quipapá, sem cruzar o Chicão até Paulo Afonso), quando estiver retornando da cidade de Hermeto, cruze o Maria Bode e siga direto a Tacaratu.

 

MAPA 22

 

No regresso de Tacaratu para Labyatha, conforme já explicado, é para entrar à esquerda desse entroncamento, se quiser voltar pela 423, passando de novo por Águas Belas e a Garanhuns do seu José Domingos de Moraes, filho do Mestre Chicão, onde também morou o sanfoneiro José Neto, irmão de Hermeto. Em Garanhuns, você faz opção: seguir à direita, pelos cajueiros de Canhotinho e dos engenhos de Quipapá, ou dar um pulinho até Caetés – à esquerda da rodovia. Depois, volte à 423 e chegue a Lajedo.

 

MAPA 23

 

Em Lajedo, deixe à esquerda a PE-180, no sentido de São Bento do Una – do Alceu Valença (Meu coração tá batendo, como quem diz não tem jeito…) e da corrida de galinhas – e de Belo Jardim, do rio Bituri, maior fabricante de jabá no passado, onde tem água boa e muita mariola. Entre à direita na PE-170 e vá até o entroncamento da PE-158.

 

Siga nela pela esquerda, em direção à Labyatha das professoras Dulce Barros, Dedé Almeida, Natércia, Ana e Inês, do Seu Louro, do Seu Chiquinho, do João de Juvêncio, do Alcebíades, do Sebastião Buchada, do Borrachinha, do FNM da Manuela, do Gonzaga Aboiador, do Cuscuz, do Alcebíades, do Genário, do Gordinho, do Marco de Antonino, do Farrista, do Luiz Manoel, do Leiteiro, do Zezito, do Côca, do Godofredo, do Zé do Ovo, do Etevaldo, do Beto, do Lula, do Naia, do Davi Alfaiate, do Moacir Tabaqueiro, do Reinaldo, do Zé e Luiz de Almeida, do Zé Maria, do Mané Sebastião e Mané Buchudo, do Dega, do Seu Outô, do Seu Martins, dos Miranda, dos Ávila, dos Vilar, do João de Ângela, da Dora, do Miguel, da Detinha, da Carma, do Cícero, da Fátima, da Risomar, do Geraldo, da Edileuza, dos Lucena, do Mané Fogueteiro e da Adalgiza.

 

Ao passar por Queimadas, o mais importante distrito da insinuante cidade de Jurema, logo ali projetada, os portais do reino encantado da centenária Banda de Música Mariano Assis, do maestro Luiz Galvão e dos acordes do Pedrinho Marcolino se abrirão, em meio a frondosos cajueiros, umbuzeiros e juazeiros.

 

O primeiro desses encantadores portais é a vila de Cruzes, da Quiterinha; depois, a serra D’ave, os sítios Gameleira e Farias; em seguida a Boca da Mata, de onde já poderá avistar inteirinha a serra da Bica, com a legendária casa de Antonio de Sibil logo abaixo de seu topo, no flanco esquerdo. À esquerda da Boca da Mata, terá o sítio Juá e os povoados dos Coelhos, Ema, Casados, Serpa e o Bola de Gregório Bezerra. Por ali, no povoado Girau Dantas, mate a curiosidade e visite a rua dos doidos. Mais ao fundo do Bola, à esquerda, corre o rio Chata, na divisa de Labyatha com Altinho, do olindense Jorge.

 

Nesse descortinar frenético de suas raízes, você cruzará o Contador, de Lula Mimim e Lena, e, à esquerda, a Pedra do Veado, serra da Caninana e o riacho do Mel. Cruzará, então, o rio Feijão. À frente, está o Recifinho – território dos Sinézio de Campos, do Zé Pidunga, da Ana Maria, do Paninha e do poeta Oliveira de Panelas, o Pavarotti dos Sertões (E a terra era criancinha ainda, quando eu comecei te amar…).

 

Encostadinhos ao Recifinho, estão os sítios Barroca, Sacada, Várzea do Ingá, Umbuzeiro, Feijão, Santa Luzia, Colônia e Sucavão – cercanias da Quitéria Alexandre de Souza, Levino Saraiva, Zuzu Saraiva, Neném Buia, do sanfoneiro Amâncio Saraiva e de Manoel Gonçalo Ferreira, saudoso sindicalista com nome assegurado na história das ligas camponesas. Esta região, acentuadamente íngreme, foi palco de sangrentas batalhas da Guerra dos Cabanos – liderada em Labyatha pelos irmãos Timóteos, homenageados com nome de serra. O comandante Barrinho também ficou na História da Guerra de Panelas. Heroicamente, sustentou o fogo cabano no sítio Cafundó.

 

Num tiquinho de tempo, ao passar o Caetaninho, o Lajedo de Sinhá e o Recanto de Augustuzinho, onde William comia imbu de vez, estará de volta ao Rancho Velho de Benedito Alexandre, com  cacimba de água cristalina, alimentada pelo riacho Caçula, discreto afluente do rio Feijão. Um sítio cuja doçura supera o de Raul Seixas no sertão de Piritiba. Ali seu Benedito e dona Eliza faziam o melhor queijo de manteiga do agreste. E da farofa da rapa do queijo, quem esquece!? Pense numa farofa boa! Pense!

 

Irá deleitar-se comendo pinha e jaca e chupando pitomba, imbu, cajá, caju, cambuí, cana-caiana e jabuticaba. Poderá assar no lajedo castanhas dos cajus Abelha e Durinho em banda de lata de querosene furada a prego, sobreposta a pedaços de pedra e aquecida com fogo dos gravetos de alecrim. Fará – depois de tanto viajar – a devida releitura analítica das obras de Oliveira de Panelas e de Rafael de Barros, além das memórias de Gregório Bezerra (Ouviu-se o assovio da chibata na carne de Gregório o sonhador. Ordens tiranas, capacete e cão pastor marcharam contra a enxada na saga do lavrador. Tentaram algemar o sonhos do homem de ferro e flor).

 

Poderá agora rememorar – sob as sombras dos pés de juá e de mulungu –  estórias contadas pelos antigos sobre Durino, o Justiceiro, e as façanhas de Zé Venâncio. Sozinho, Zé Venâncio enfrentou a bala toda a polícia militar do agreste pernambucano. Reagiu furiosamente a um tapa na cara desferida por policial.

 

Foi morto, segundo a boca do povo, de forma covarde nos arredores do Riacho do Mel e da Pedra do Veado – crivado de balas disparadas por todos os fuzis, por todas as metralhadoras e por todos os revólveres da armada. O corpo da indomável fera ferida virou fiapos.

 

Derinho sabia mesmo de cor a história de Zé Venâncio:

 

–– Ganhou fama ao inventar um revólver, o ZV, no tempo do Exército. Mas ficou meio desregulado da cuca, às vezes mais, às vezes menos, por não fazer girar o tambor da arma. Era arma de uma bala só – há muito por ele próprio entregue às autoridades. Brincando, Zé Venâncio costumava assustar pessoas na rua com abordagens abruptas, porém absolutamente inofensivas. Homem trabalhador e querido, mecânico excelente, pacato e ordeiro, onde estivesse recebia saudações amistosas dos populares.

 

Em tom de seriedade, com seus olhos verdes arregalados, a todos lançava  esta célebre pergunta, sempre de supetão: “RODA OU NÃO RODA?”

 

Certa feita, simplório morador, não assimilou a brincadeira. Assustadíssimo com a abordagem, apelou para inflexível soldado, com fama de durão. Naquele dia, o delegado civil Odorlito estava fora da cidade. Zé Venâncio foi preso e levou, pela primeira e última vez na vida, um tapa na venta.

 

Na mesma noite, não se sabe como, fugiu da cadeia de segurança máxima, construída no século XIX, durante a Guerra dos Cabanos.

 

 Zé Venâncio apoderou-se de várias armas e munição – inclusive do seu ZV, encontrado em baú de objetos imprestáveis. Ali mesmo, em explosivo estado de cólera, fez teste com moderno fuzil, matando o soldado plantonista. Ato contínuo, atirou no pé do preso Pedrosa, acusado de ter assassinado a machado o próprio filho. Depois, desfechou tiro certeiro no transformador geral da usina elétrica. A caixa de tensão e o poste de baraúna viraram cacos. A cidade ficou às escuras e os moradores se trancaram em suas casas.

 

Com outro disparo, acertou sem querer a queixada de inocente jumento, aniquilando-o inapelavelmente. Na escuridão, confundiu o trotar do santo animal com pisadas dos possíveis inimigos, cujo enfrentamento era inevitável a partir daquele momento.

 

Feito isso, embrenhou-se no mato.

 

A polícia militar do agreste, imediatamente mobilizada por ordem de Caruaru, assumiu o comando e iniciou a mais longa e alucinante caçada da região. Durou dias.

 

Logo ao amanhecer, no primeiro confronto, ocorrido na periferia da cidade, Zé Venâncio fuzilou a  testa de outro soldado.

 

–– A propósito – continuou Derinho –, li, no livro Diversos & Diluídos, como foram os instantes finais de Zé Venâncio, cujas pegadas teriam sido reveladas à polícia por um bodegueiro da Boca da Mata:

 

Antes do abate, o ex-armeiro do Exército ouviu repentino e uníssono engatilhar de armas de fogo.  De plano, deparou seus perseguidores refletidos na cristalina água do riacho, onde, de cócoras, matava a sede com as mãos enconchadas. Ele tinha acabado de colocar poderoso fuzil sobre uma pedra ao lado. A utilidade dessa arma, porém, agora dependia de  luta corpo-a-corpo, servindo de porrete, pois em seu pente havia apenas cápsulas deflagradas nos últimos disparos.Toda  munição fora consumida nos confrontos anteriores, ficando para trás belicoso arsenal, exceto o velho ZV.

 

Zé Venâncio encontrava-se de costas para o pelotão e assim momentaneamente permaneceu, calmo e frio.  À sua frente, a poucos metros, pequena casa de taipa com porta e janela fechadas. Ao lado, um pé de juá, em cuja copa abundante pôde ver rolinhas, galos-de-campina, casacas-de-couro baterem asas simultaneamente. Fugiram com o ruído metálico das armas dos caçadores fardados, deixando nos galhos da verdejante árvore solitário camaleão.

 

 Antes da delação, Deda Miranda, de notória reputação na cidade e única pessoa a quem Zé Venâncio talvez desse ouvidos naquele contexto, há muito procurava suas pegadas, em salvadora missão. Acompanhado de Manoel de Castro, cunhado de Zé Venâncio, Deda aventurou-se mato a fora, escalando serras e vencendo caatingas. Incumbira-se, aceitando solicitação verbal e sigilosa do delegado, de convencer o fugitivo a depor as armas e entregar-se. Todas as garantias foram asseguradas em caso de rendição.

 

Filho do juiz de Direito de Garanhuns, o delegado estava deveras sensibilizado com o crescente apelo popular em defesa de Zé Venâncio. Além disso, não escondia a insatisfação com o desenrolar dos acontecimentos. Mesmo sem o comando oficial da operação, planejou o fim da selvagem caçada. Queria a captura do foragido na forma da lei. Por outro lado, era preciso restabelecer sua autoridade.

 

 Saciada a sede, Zé Venâncio, gravemente ferido no antebraço direito, não se afobou. Levantou-se e virou-se para o pelotão, estrategicamente entrincheirado. Deu uns passos trôpegos e parou. Em pé, vestes esfrangalhadas, de peito aberto, lentamente levou a mão direita à cinta, onde estava a última arma. Era a última bala também. Claudicante, com muito esforço, sacou o seu ZV. Em seguida, sem titubear, foi mirando morosamente em região frontal do capacete de um único soldado! Fechou o olho esquerdo e ajustou com precisão os três pontos básicos da linha de mira: alça, massa e  alvo de visada. Com a mão esquerda apoiou firme o antebraço direito, obtendo sustentação e equilíbrio ao seu derradeiro contato com o gatilho do inesquecível invento.

 

Atônitos com a insólita valentia daquele cabano, já em seus últimos lampejos, os policiais se deram ao luxo de uns segundos a mais para o início da atrocidade.

 

À direita de Zé Venâncio, tremulando, tênue e distante sombra da serra da Bica, em cujo sopé morou por toda a vida, cercado de árvores, pássaros, lagartixas, roçado bem cuidado e modesto curral.

 

Nesse exato momento, menos de um quilômetro dali, o emissário Deda Miranda alcançava a coroa de uma serra, último paredão a separar eventual milagre.

 

Em outro ponto, aproximava-se discretamente uma caminhonete, com placas de Cupira. Há muito, esse veículo circulava sem rumo nas redondezas. Conduzido por amiga de Zé Venâncio, tinha seu interior tomado de capim pangola. A motorista, soube-se depois, pretendia encontrar o amigo e fugir com ele escondido no viçoso pasto.

 

A essas alturas, todos tinham feito sua parte. A armada, com a presa ferida e exausta a seus pés, apenas prolongava, por capricho, o fim sórdido e tripudiante da caçada. Afinal, a ordem era matar e não apenas prender!

 

Deda Miranda, após espinhosa jornada, trilhando rastros de loca em loca, lamentavelmente não teve um minuto a mais para acenar em direção aos contendores.

 

Pouco restava fazer. A Zé Venâncio, quase nada. Ele estava convicto disso. Exaurido e ofegante, embora furiosamente determinado, coube-lhe buscar e prender a respiração restante. Com isso, suas faces, antes de jambo, viraram colorau puro. Em seguida, valendo-se da última gota de vida, puxou com firmeza o gatilho do seu ZV. E nada mais viu…

 

Contudo, para sempre manterá os olhos cravados nos fragmentos de reluzente armadura de copa oval rodando nas profundezas de eterna escuridão; de outro ângulo, Zé Venâncio contempla, perplexo e impotente, brutal queda de agora indefeso bodegueiro, retirante da Boca da Mata. Foi fuzilado por assaltantes no Recife, para onde, dias depois, se mudaria em busca de outro ambiente…

 

Também se deliciará com as invencionices do Milton de Dudé, do Paturi e com os improvisos poéticos de Mané Bento e João de Dulce, tudo isso regado à sanfona do Zé Cassuano ou do Rafael, acompanhando Brito Lucena no forró.

 

Fiz a terceira e última pergunta ao Derinho. Quis saber sobre o destino dos bodes da torna envolvida na troca do carro em Betânia.

 

–– Esqueça, ficaram por lá mesmo – respondeu –, com meu primo Assis de Zé Rodrigues. O lucro foi garantido com a economia da quilometragem!

 

–– Agora – finalizou Derinho – me conte uma coisa. Qual o significado de Labyatha?

 

–– Significa lábio grande – respondi. Vem de uma famosa orquídea, comum nas veredas espinhosas dos brejos da minha região. Pela manhã, seu perfume, característico e raro, é irresistível. Está batizada como “Rainha do Nordeste”. Foi descoberta em 1821 pelo inglês John Lindler e catalogada por ele com o nome de um amigo, William Cattley. Usualmente, é escrita como se pronuncia (Labiata), com “i” no lugar do “y” e sem o “h” na última sílaba. Gosta muito de orvalho e altitude acima de 400m. Em Labyatha, a mais comum é a espécie alba. Tem pétalas brancas, labelo roxo e detalhes amarelos, inclusive o nectário. A Mohadja e o Lourinho dominam bem o assunto. Segundo eles, brotam naturalmente e repousam faceiras entre lajedos e cactos. O acesso é dificílimo. Mas nunca em vão.

 

–– E a serra da Bica, há alguma coisa por trás dessa venerada serra? Quais as suas lendas? – perguntou Derinho, mais curioso ainda.

 

–– Literalmente – respondi –, por detrás dela, logo à esquerda, está o sítio da tia Quinha; à direita, a serra da Boa Vista. Depois, sucessivamente, o sítio Cocão, as cidades de Lagoa dos Gatos, Catende e Rio Formoso, em cuja região localizam-se belas praias, como as de São José da Coroa Grande – parada final do rio Panelas – e Maragogi. A distância, em linha reta, é de pouco mais de 90 quilômetros.

 

Quanto às lendas, a mais corrente, segundo Brito Lucena, diz o seguinte: Quando dois guerreiros caetés se apaixonavam por uma mesma virgem, obrigavam-se a declarar esse amor abertamente. Havia uma luta de vida ou de morte e o sobrevivente viveria para todo o sempre com sua amada. Se a índia não gostasse do vencedor, atordoada, atirava-se do alto de enorme pedra. Certa vez, um covarde apaixonado, temendo a luta com um guerreiro, também enamorado da mesma virgem, não se declarou. O índio covarde tinha, porém, o poder da magia e vivia tocaiando o namoro da virgem com o guerreiro. Ao avistar o rival ajoelhado em juras de amor com a índia, transformou a virgem na exuberante serra, e o guerreiro, em um olho-d’água ajoelhado aos seus pés. 

 

E assim nasceu a música De Labyatha a Tacaratu, passando por Lagoa da Canoa, ou melhor, de Labyatha a Lagoa da Canoa, passando por Tacaratu.

 

Façamos essa viagem. Uma viagem conduzida pelos acordes da música instrumental, irrelevante se estamos na margem esquerda ou direita do caminho. Afinal, em qualquer viagem, existe um só caminho, com duas margens. Quando vamos, a da esquerda é a mesma da direita quando voltamos. A propósito, vejamos as folhas das árvores. Para elas, é indiferente o lado do vento.

 

O Beija-flor se vira…

 

 

 

 

 

 

 

Sobre a viagem De Labyatha a Lagoa da Canoa, passando por Tacaratu, Adélia Maria Wollner, da Academia Paranaense de Letras, e o maestro Waltel Branco escreveram:

 

“A forma com que os trajetos estão descritos é intensa e penetrante; faz com que o leitor viaje junto. Isso sem falar no conteúdo poético, histórico, geográfico e cultural da descrição. É um entremeado de informações que desperta a curiosidade e a vontade de conhecer a região. Parabéns Saraiva!”

 

Adélia Maria Wollner

 

“Valoriza o compositor brasileiro e resgata com muito estilo aspectos históricos da  cultura do agreste e do sertão de Pernambuco,  estado natal do amigo Saraiva. A narrativa da sua viagem a Lagoa da Canoa –  terra do meu mais que amigo e irmão Hermeto Pascoal –   constitui livro didático musical que estará sempre  em minha cabeceira…” 

 

Waltel Branco

 

                                            tela de fernando botero.

OS LIMITES DA EFICÁCIA por walmor marcellino

 

Grandeza de uns, vilipêndio de outros. Alguém se dispor a morrer por uma causa é um escândalo, especialmente pelos que nunca souberam o valor da vida (que não seja a sua) transcendida ao serviço da sociedade, na pessoa que com esta se identifica como razão última na parusia dos esperançados no sobrevém. Para tantos que não conhecem essa dimensão gloriosa, além de algum parche para atenuar sofrimento moral o gesto do bispo Cappio é uma provocação, mais do que uma instigação ética. Uma ética de compromisso.

Não sou religioso, porque a dimensão ética é conformada na sociedade humana.

Porém não só o alienado ou o pobre de espírito vitupera contra as práticas de que não é capaz, como contra os valores que não alcança; antepõe-se a estes como afronta. A sociedade é díspar, por isso dialética. E, podemos esperar, a presunção e arrogância apontando e escarnecendo a desconformidade aos seus padrões de valores de troca.

Costuma acontecer: o desencontro não das águas do Rio São Francisco na sua vazão de 3.850 m3 do pico para 1.850 m3 do fico, com alegado uso apenas de 63 m3 de “desperdício”, ou mais valia. O que está em jogo é a idéia das carências de 22 milhões de pessoas, contraposta às benevolências de um projeto de “integração e desenvolvimento do Nordeste por via franciscana”, sem tirar nem pôr, usando o Rio São Francisco como alavanca irrigadora de empresas rurais e com excedente para consumo humano. Passaram a chamar isso “projeto de redenção do semi-árido nordestino” e convocaram a esse pretexto as forças armadas para um exercício patriótico de engenharia e força.

É do sistema de poder; qualquer poder: os limites da eficácia são determinados pelas vantagens que “o conhecimento”, ou saber, dá (ou pauta!); e então os planos, projetos e programas se apresentam como falsa tautologia: vão produzir resultados (até mensuráveis ab ovo), Mas o que está submerso nessa perspectiva de agronegócios, de incremento empresarial, de “promoção humana” via negocial, de abastecimento d’ água como promoção “social” e política? O descaso a um projeto eminentemente social integrado, em que a posição e a situação dos milhões de nordestinos-brasileiros não dependeriam desses alinhamentos do capitalismo “social” do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Isso está verdadeiramente em causa e o “sapo barbudo” coaxa como príncipe encantado.

E a saparia toda fica debicando, deblaterando, enxovalhando a atitude e os gestos das lideranças sociais e dos cientistas e técnicos; e elege o bispo para objeto de ódio e remoelas, estendendo seus recalques para as pessoas de prestígio que se solidarizam com a causa e o prelado líder. Ora, Lula, deixe a demagogia, enganando seus eleitores e toda a nacionalidade com aquele cabedal que você trouxe do sindicato: um discurso operário “socializante” para as massas embevecidas em seu carisma.

O MERCADO É O NOSSO PASTOR E TUDO NOS FALTARÁ – por ramon torres

A crescente onda religiosa e mística da sociedade pós-moderna

 

Tenho tido muitas dificuldades em responder muitas perguntas ultimamente, não entendo muito bem o porquê de várias das situações vividas pela sociedade ultimamente. Uma delas é a respeito da crescente onda religiosa e mística que vem tomando conta da sociedade pós-moderna. Como isso não tem afetado a vida das pessoas e, diferente do que todas as correntes religiosas e místicas pregam, as vidas não tem sido transformadas – pelo menos a ponto de isso ser visível. Estamos cada vez mais longe uns dos outros com problemas e famílias destruídas.Vamos voltar no tempo e relembrar as profundas transformações que nos afetam hoje. Na época da renascença, descoberta das Américas, passagem da Era Medieval, feudal e entrada do capitalismo quem mandava é a Igreja. Tudo é Deus e isto é comprovadamente ruim para todos, inclusive para muitos estudiosos que chamam esse período de Idade das Trevas. Nesta época, os camponeses não compravam adubos e sim água benta para pedir que Deus abençoasse as suas terras. O místico estava presente em cada lugar, cada esquina.

As coisas começaram a mudar e de repente aparecem obras como “A criação de Adão” de Michelangelo, mostrando um homem forte e desnudo atraído a terra e um Deus velho e longe. As coisas estavam mudando.

Surgem pessoas como Halley, Copérnico, Galileu e Newton, que fazem cálculos e traçam rotas de cometas. Eles fazem proezas e descobrem que o mundo é redondo, que a Terra não é o centro do universo, que misturando certos elementos naturais se tem o adubo e que não é necessário comprar água benta e sim um adubo (o camponês continuava gastando seu dinheiro). Percebe-se que Deus não é tão fundamental. Afinal, veio a luz sobre o homem e ele não precisa de Deus. A ciência começava a avançar rapidamente, “Deus esta morto!”, “Penso logo existo”. Sim, o homem estava livre da perversa Igreja, entrou em cena o ateísmo e agnosticismo (já existiam, mas viram moda).

O que os renascentistas e iluministas não imaginavam é que o homem não conseguiria viver sem um deus. O tempo passa e mesmo na era das razões as guerras continuam, só que o homem vai se reduzindo cada vez mais. Estava lendo um livro recentemente onde o autor, Frei Beto, dá exemplos que valem a pena ser lidos:

“Hoje a palavra é Modernizar enquanto antigamente a palavra era desenvolver (alguém aí lembra de certo JK, que ia desenvolver 50 anos em cinco?), só que modernizar tira o homem do contexto. Essa palavra tem uma conotação tecnológica.”

Antigamente se falava em emprego ou vocação, agora é trabalho ou estar no mercado. Pois bem vamos entrar no objetivo do texto. Antigamente, na era das trevas, as regras eram ditadas pela Igreja e teoricamente por Deus. Fomos libertados e eis que temos um Deus ditando as coisas de novo.

O mercado é o deus moderno, sim, antigamente nosso avós liam a Bíblia para consultar as grandes crises, depois nossos pais, o serviço meteorológico e hoje somos obrigados a consultar o senhor Mercado, para saber se ele está calmo, alegre, eufórico, tenso, nervoso e por aí vai. Qualquer acontecimento somos obrigados a ouvir: “Vamos ver como o mercado reage”.

Olha só o que nosso amigo mercado nos faz hoje. Precisamos estar no mercado, tudo gira em torno dele. O mercado consumidor brasileiro é composto por uma minoria e a publicidade investe pesado em cima dessa minoria, causando o desejo da maioria e frustração por que não se pode entrar adquirir os produtos anunciados.

O mercado, o Deus da razão e do pós-modernismo, está parecendo ser muito pior do que o Deus da Idade Média porque é internacional, globalizado, move-se segundo suas próprias regras, e não segundo as necessidades humanas.

Isso gera uma tremenda crise nas pessoas. Afinal, a razão também não consegue suprir necessidade nenhuma e chegamos no nosso momento atual. Igrejas lotadas e isso prova que o ser humano não consegue viver sem algo para seguir.

Só que o que encontramos nas igrejas atualmente é uma mensagem formada para pessoas nos tempos modernos, e por incrível que pareça essa mensagem se torna idêntica ao do século XVI: pague que Deus o Abençoa…

O que será que veremos a seguir? Uma nova reforma nas igrejas em plena era da razão? Termino com uma frase do frei Beto:

“Não vivemos uma época de mudanças e sim uma mudança de época”

 

A BELA VISTA prosa de raíssa machado

É no pôr do sol que amanheço!

Essa parte do dia que me choca, lembro que eu sou mulher, filha de meus pais e que tenho chão. É nesse meio tempo que eu fico sabendo se tenho medo, fala ou coragem para mirar aquilo que vem de dentro, de presente, e se é do inimigo. Mas abro com cuidado.

Nunca se sabe o que vem depois, tudo parece com morte, e eu peço a ele para quando eu tiver que ir, que eu pelo menos os perdoe, pois o perdão dói assim como essa palavra é para quem a gente ama. E se a gente ama muito?

Essas noites que nos fazem lembrar que seremos sozinhos no mundo. E que não existe sentimentos para escrever, a emoção é desafiadora, até no ponto da escolha autocrítica.

Aproveito para escrever nas linhas tortas, tortas porque nós nos amamos, e eu sempre espio essa palavra. Por isto a repito desesperadamente com os seus desejos.

Mas você precisa ter calma Raíssa, disse o analista; você tem que ser escritora na vida também, eu pensei; não guarde tanta raiva na vergonha de um olhar ou por um choro, nem as guarde na escrita, pois alguém pode ler isto.

Não guarde nada Raíssa, e o padre disse que você precisava se abandonar nas mãos de Deus, e isso transfigura a razão divina.

Tudo deve ser feito uma criança mesmo, com o poder de ouvir e sacar as pessoas, como a gente foi quando bem pequenos. Onde só podemos apertar os olhos e lembrar da mãe:

Parece com carro de som por causa do aniversário; mas no vazio, encontramos a felicidade também, se acontecer, eu deixo tanto de ser.

 

 

ESTUDO DO AMOR DOS BOBOS poema de jasmin druffner

no início,

com mil palavras mudas,

foi amor platôNICo.

e aos poucos,

indpendente se delas ou meu,

tornou-se INCondicional.

por letras, palavras e sussurros,

e até alguns habituais desINContros,

logo vi,

que em meio a tanta burocracia pessoal,

o amor havia se tornado INConstitucional.

e até eu, que sou quadrada,

joguei tudo para o alto

e sou feliz porque te INContrei.

mas não diga nada.

já te conheço até o último fio da alma.

diga apenas, por favor,

CIN ao meu amor!

A MALDIÇÃO conto de bárbara lia

  

 

Os versos de Alan Poe combinavam com a casa escura.

Casa de vovó. Vovó de negro. Leque de seda, as roupas impecáveis, salto alto e os cabelos de prata presos em um penteado do século XIX. A cadeira de balanço. O relógio de madeira. A estante com os livros de vovô. Uma coleção de livros de José de Alencar, Machado de Assis, o Tesouro da Juventude. Ali estava a última defensora de um país sem defensores.

Nunca mais vi alguém com a voz firme e o peito inflado se proclamando – Brasileiro!

As palavras de Camões escorriam por paredes negras e ancoravam na brasa ardente do fogão de lenha.

A Europa era a grande meretriz. Inês, a que depois de morta foi rainha… As palavras de Castro Alves, Camões, me encantavam.

Os poemas que eu ouvia na voz octogenária de vovó.

Aquela casa escura onde vivi por dois anos e assisti ao ritual das manhãs: A bacia e o jarro de louça, de um azul esmaecido, adornado de flores brancas singelas. Ela lavava o rosto com sabonete Phebo, depois passava Leite de Colônia e se vestia como para um encontro com algum poeta. Ela tinha um imenso orgulho de, na juventude, ter dançado com o príncipe dos poetas do Paraná – Emiliano Perneta.

Depois do ritual das manhãs, vovó sentava-se na mesa imensa. Na cabeceira, como uma matriarca que sempre viveu cercada de serviçais, babás e peões. Minha avó, uma lenda. Narrando lendas.

Na platéia os netos ouvindo, abismados, versos épicos ao som do relógio tétrico.

As poesias encontravam eco em minha alma. Eu via a areia do deserto, bebendo o pranto dos escravos, toda vez que ela recitava Vozes d’África. Todos debandavam. Minha mãe, irmãos. E eu queria, queria ouvir aquela estrofe, eu queria saber quem era Eloá.

Nome tão lindo Eloá…

 

Foi depois do dilúvio… Um viandante,

Negro, sombrio, pálido, arquejante,

Descia do Ararat…

E eu disse ao peregrino fulminado:

“Cam!… serás meu esposo bem-amado….

_Serei tua Eloá…”

Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos, ululando passa

O anátema cruel.

 

Aquilo me sacudia como um vento de tempestade do deserto, abalava minha alma de menina – Ser tua Eloá!

Nada soava mais lírico.

Aqueles saraus eram meus. Parte de meu segredo, pólen que caiu nas flores vivas da minha alma e germinaram depois, tão depois, que não pude premiar minha avó e meu pai com meus poemas. A minha estranha avó que era capaz de horripilar os netos com a lenda, a lenda que era nosso trauma.

 

Nosso primeiro antepassado chegou ao Brasil na caravela de Martin Afonso de Souza. Veio na comitiva de um Príncipe Mouro, procurar ouro na região central do país. Embrenharam na mata. Em uma manhã depararam com uma pequena aldeia de índios. Dizimaram a aldeia. Nosso antepassado precipitou-se em direção à índia mais velha da tribo, matou-a. Antes da morte, ela teve tempo ainda de amaldiçoá-lo.

 

A sala de paredes negras, a voz da avó, a cena diante de nós, seus netos, corações em ritmo de corcel selvagem.

 

A índia velha amaldiçoou nosso antepassado até à décima geração…

 

A voz cansada desfiava um rosário de tragédias. Irmãos mortos tão jovens. Um engenheiro na construção da estrada de ferro, o outro, assassinado. Atribuía tudo à maldição da índia.

Meus primos e eu na varanda, noites sem fim, calculando gerações. Descobrimos, para alívio geral da meninada que a maldição terminara na geração de nossos pais.

Naquela noite as estrelas de Peabiru brilharam uníssonas com a descoberta, e conseguimos adormecer em paz.

 

 

1. O conto A Maldição está no livro de relatos da infância  (inédito) “As sete casas de Mira Morena”.

2. O fragmento citado é de Castro Alves – Vozes d’África”

 

 

AMANTE VIRTUAL poema de deodato menezes

 

Permita meu senhor, que me apresente:

Sou o Amante Virtual de sua esposa.

E se assim à sua caixa

venho postar esta mensagem,

não se espante que sei que

se você a teve antes,

sou eu agora que habito a sua mente

na hora em que ela vive pela rede

e você vê tv,  indiferente.

***

Mas calma!!!

Não se irrite deste jeito

porque o respeito sempre

é bom pros dentes.

Nem pense em mandar

um bomb-mail ou encerrar,

no provedor, a conta…

que eu desse iceberg sou só a ponta

de tudo o que ela sonha e não tem feito,

na hora em que ela brinca na rede

e você ronca alto, no seu leito.

***

Mas não estou aqui para humilhá-lo

nem criticar você de forma alguma.

Desejo só pedir, caro parceiro

que saia um pouco mais de casa

e leve os filhos sob sua asa.

E não fique a jogar campo minado

na hora em que ela quer entrar na rede…

eu espero ansioso, do outro lado!

***

E não me julgue assim, um salafrário.

No fim sou eu que te invejo, amigo .

Na soma dos esforços e dos ganhos,

perceba o quanto é lucrativo

se eu mantenho o fogo dela vivo,

você depois recebe o seu salário

na hora em que ela mata sua sede

e eu me recolho ao leito, solitário.

PEDESTAL por edu hoffmann

 

 

 

 

     Meu pé-de-anjo, quis orar aos pés-da-santa, fazendo um lava-pés em homenagem à sua beleza, digna de uma Cinderela procurando seu sapatinho.

    

Não quero meter os pés pelas mãos, mas por você vou até onde Judas perdeu as botas, mesmo que fosse castigado no Pé-Lourinho, por ser um pé-de-chumbo, ou por agir feito um pé-de-cana.

   

Mas a inspiração veio num pé-de-vento; quero convidá-la a dançar comigo, já que sou um pé-de-valsa. Que tal irmos num forró Pé-de-Serra? Imagino nós dançando coladinhos, ouvindo “quando eu piso em folhas secas, caídas de uma mangueira…” ou então “porquê me arrasto a seus pés.  .. do Roberto Carlos? Seria lindo !

   

Pra mim, seria como acertar na loteria do amor, me acharia um verdadeiro pé-quente.

Seja sincera, você me acha pedante? Ou um pé-de-chinelo? 

Sou um pedinte do seu carinho. Isso tem cura?  É pior que bicho-de-pé? Terei que procurar uma pédicure?

    Apenas quero tirar o pé-da-lama, entrar com o pé-direito na sua vida.

  

Amaria você, mesmo quando você for velhinha, cheia de pé-de-galinha. Imagino os dois juntinhos, na varanda, comendo pé-de-moleque.

 Quero ser moderno, não um pé-de-boi, como alguns imaginam. Trabalharei bastante, farei um pé-de-meia pra podermos curtir bem a vida.

 Não, não faço prosopopéia. Igual à uma centopéias, vou pé-ante-pé percorrer o caminho que leva ao seu coração, nem que tenha que abri-lo com um pé-de-cabra.

   

Você se apaixonaria ou me daria um pé-no-ouvido?  Se você me quiser, vestirei meu pé-de-pato e mergulharei na lagoa da sua alma, mesmo em dia de garoa, ou se caísse um pé-d’água. Faria isso, mesmo que pegasse um pé-de-atleta.

 Se você não me quiser, fique tranqüila, não partirei para pedofilia, muito menos pra pederastia.

 

Me queres? Acha que dá pé?   

 

 

 

 

 

 

HABITAR é SABER PARTIR! por danielle morreale

Me deixa oculta? Só preciso limitar a circunferência. Dá licença? Sei que posso aumentar meu raio da sua distância, só isso! Não quero ramos verdes, flores brancas nem um poema cuspido e declarado.

 

Não quero nossa insistência de um instante paladar. Preciso devorar comover e confessar as insatisfações por ouvido abaixo. Que o percurso leve até os brônquios, braços e coxas a exultação de leveza e bem-estar.

 

Que me invada os nervos, não preocupo, porque estou armada até os dentes contra todos os desamores.

 

Aprendi a ter paciência quando meus ouvidos não agüentaram esperar a chatice da febre no cérebro e no mundo passar.

 

Queria ouvir os barulhinhos bons e ruins. Agora não, fico amiúde com meus ruídos e rumores, sem querer ouvir nem admitir nada. Acolhida pela transição de tempo em era. Vivo a olhar longevo, como se minhas escolhas não fossem nada além dum único horizonte.

 

Sem apelos!

 

Esperar não é diminuir a inconseqüência, mas uma felicidade para cultivo da calma. O que espero não vai além de mim. Engrandeço o estado do espírito e sinto o sorriso despertar como fazem as pestanas pelas manhãs.

 

Aguardo mas caminho, com ou sem atos. A noite passa num toque de sino embaralhando as brisas e sonhos, soando a chegada da nova hora.  Uma noite vale o sentimento por toda história.

 

Habitar é saber partir. Em todo tempo o tempo todo. Partimos num susto, que desenvolve entre soluços, e desmembra-se numa invenção. Inventam-se mundos e fundos. Receitas e desenganos. E a gente se ajeita sem fronteira, sem medo de cair da cama.

 

É assim que vou…

 

Engaveto o passado nas estantes de labirinto, deixo perder.

 

Abro também as portas, para novas e futuras memórias apresentar-me. Acordar é bocejar o mundo, invadir a presença onde ela deve realmente estar.

 

Empurrar a sorte para os cata-ventos, isso sim é um exercício equivalente para quem se permite aventurar.

 

TRIPÉ poema de darlan cunha

 

Mera partilha de abusos e ranços,
o dia desencaminha ardores maiores
do que o salto da pulga
atrás da orelha, hoje
e a partir de hoje, só mesmo a cal
como pertinaz tempero, sim, de enterrar
amores viver.

HAICAI, algum poeta brasileiro escreveu um? pela editoria

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https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/04/07/sobre-a-inutilidade-do-poetrix-por-marilda-confortin/

CÂNTICO NEGRO poema de josé régio/portugal

 

 

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
– Sei que não vou por aí!

 

 

AVE-PALAVRA poema de altair oliveira

 
A palavra quase falava
Furtava cores da vida
Se lida, sinalizava
Asas que usava escondida
Se escrita, se descompunha
E se punha toda ostensiva
Flertando desinibida,
Expondo os vários sentidos
Somente para despertar
A voz que quer ser servida
E voar na vez de ser vida
Rindo e mostrando as vergonhas
Vibrando em festa no ouvido!!!
 

DITADURA de 1964/85: FRACASSO E IGNOMÍNIA por celso lungaretti

Inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado “contragolpe preventivo”, mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA.

Ao completarem-se 44 anos da quebra da normalidade institucional no Brasil, mergulhando o País nas trevas e na barbárie durante duas décadas, é oportuno evocarmos o que realmente foi essa ditadura, defendida hoje com tamanha desfaçatez pelos culpados inúteis e com tanta ingenuidade pelos inocentes úteis.

Como frisou a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando-nos de que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do totalitarismo.

Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.

Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultra-direita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.

Em novembro/1955, uma conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu. Um dos golpistas presos: o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda do ditador Geisel.

Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.

Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.

E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.

Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados grupos dos 11 brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado “contragolpe preventivo”, mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA. Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.

A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.

Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e o Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.

As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.

Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.

Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio sistemático dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.

A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemáticos dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.

O milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.

As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais e administrativas, pressões políticas e econômicas, bem como dos atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura;

Corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais malograram).

A arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).

Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte).

O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam dos empresários extremistas vultosas recompensas por cada revolucionário preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os militantes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.

Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército.

A ditadura terminou melancolicamente em 1985, com a economia marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. Seu último espasmo foi frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas-já

Celso Lungaretti é jornalista e escritor, ex-preso político e autor do livro “Náufrago da Utopia”.

 

CINCO TANGOS DE CORTÁZAR por frederico fullgraf

 

Entre divertido e fossento (melancolia resultante da intuição de jamais retornar à sua Argentina e da aproximação do último, irreversível inverno de sua vida) Julio Cortázar começa a escrever (escrever é recordar!) no final dos anos 70 em Nairobi / Quênia, onde exercia funções de tradutor e editor da UNESCO, seu último livro, Salvo el Crepúsculo; várias vezes reeditado na Argentina, mas ainda inédito no Brasil.

 

Virtuoso painel bric-à-brac, feito de “remendos” (poemas, breves prosas, epígrafes e comentários jocosos) que Cortázar parece colher em empoeiradas caixas de sapatos e agendas rabiscadas, Salve el Crepúsculo revela-se caixinha de jóias, ostentando experimentalismos que vão da ode magistral CE GRE CIA 59 ECE,  escrita alternadamente em francês, inglês e espanhol ao contristado repertório CON TANGOS, de letras todas “imusicáveis”, como se auto-ironiza.

 

Sobre o gênero diz Cortázar:

 

“Não sei em que medida as letras do Jazz influenciam os poetas norte-americanos, mas sei, sim, que a nós os tangos devolvem certa recorrência sardônica; cada vez que escrevemos tristeza, que estamos chuvisco, que nos entope a bombilha na metade do chimarrão”.

 

(…)“Um pouco isso, claro, tangos como re-contos de amores humilhados e recapitulações da desgraça, povo de larvas na memória, mostrando no perfil das melodias e nas quase sempre sórdidas crônicas das letras, as moedas usadas e repetidas, a obstinada numismática da lembrança (…)

 

Mais adiante irrompe então o contexto histórico: como no longa-metragem Exílios de Gardel (1984), de Pino Solanas, o Tango vibra como esperança e exercício de resistência à sangrenta ditadura militar de 1976, que Cortázar sobreviveria por apenas um ano, ao falecer em 1984, em Paris:

 

“E chegando nunca desacompanhados: madalenas de Gardel ou de Laurenz, jogando na cara os cheiros e as luzes do bairro (o meu, Banfield, com ruas de terra, na minha infância, com paredões que escondiam os motivos possíveis do medo). Nunca chegando a sós, e nesses últimos anos tão colados ao nosso exílio, que não é o do Lejano Buenos Aires de uma clássica, portenha boemia, mas sim do desterro em massa, furacão do ódio, e o medo. Escutar hoje, aqui, os velhos tangos, já não é uma cerimônia da nostalgia; esse tempo, esta história carregaram-nos de horror e de pranto, foram transformados em máquinas mnemônicas, emblema de tudo o que se vinha preparando desde lá atrás e tão entranhado na Argentina. E então, claro.”

           

Eis, pois, aqui traduzidos, alguns Tangos de Cortázar, exercício poético que pede melodias. É recomendável ouvi-los. O truque? Um bandoneão imaginário marcando o compasso.

 

 

Ar do sul

 

 

 

Ar do sul, flagelação que leva areia

Com pedaços de pássaros e formigas,

Dente do furacão estendido sobre a planície:

Onde homens cara ao chão sentem passar a morte.

 

Máquina da pampa, quê engrenagem de cardos

Contra a pele da pálpebra, ó tranças de alhos ébrios,

De ásperas chicórias trituradas.

A debandada furtiva cessa o vento

E o perfil do moinho

Abre entre dois olvidos do horizonte

Uma risada de enforcado. Empina o álamo

Sua coluna dourada, mas o salgueiro

Sabe mais do país, seus cinerários verdes

Retornam silenciosos a beijar as margens da sombra.

 

Aqui o homem agachado sobre o oco do dia

Bebe seu mate de profundas serpentes e atribui

Os presságios do dia à escondida sorte.

Sua parda residência está no latejar

Que abre ao potro os charcos da baba e a cólera;

Vai retalhando os signos com um facão de prontidão

E sabe da estrela pelo reflexo na poça.

 

 

 

           

 

Malevolência 76

 

 

 

Como um câncer que avança

Abrindo caminho entre as flores

Do sangue, seccionando os nervos do desejo,

A relojoaria azul das veias,

 

Granizo de sutil mal-entendido

Avalanche de choros a des-tempo.

 

Para quê desandar a inútil rota

Que nos levou a esta cega

Contemplação de um cenário oco:

 

Não me deixaste

Nem o pito atrás da orelha

Já mais não sirvo que

Para escutar Carole Baker

Entre dois tragos de genebra,

,

E ver cair o tempo

como uma chuva de traças

sobre estas calças enrugadas.

 

Nairobi, 1976

 

 

Quiçá a mais querida

 

 

 

Deste-me a intempérie,

A leve sombra da tua mão

Passando por meu rosto.

Deste-me o frio, a distância,

O amargo café da meia-noite

Entre mesas vazias.

 

Sempre começou a chover

Na metade do filme,

A flor que para ti levei tinha

Uma aranha esperando entre as pétalas

 

Creio que sabias

E que favoreceste a desgraça.

Sempre esqueci o guarda-chuva

Antes de ir buscar-te,

O restaurante estava lotado

E vozeavam a guerra nas esquinas.

 

Foi uma letra de tango

Para tua indiferente melodia.

 

 

Milonga

 

 

 

Faz-me falta a Cruz do Sul

Quando a sede me força para cima a cabeça

Para beber teu vinho negro à meia-noite.

E sinto falta das esquinas com armazéns

dorminhocos

Onde treme o perfume do mate na

Pele do ar.

 

Compreender que isto está sempre lá

Como um bolso onde a cada tanto

A mão busca uma moeda o pente

o canivete

A mão incansável de uma obscura memória

Que reconta os seus mortos.

 

Cruzeiro do sul mate amargo

E as vozes de amigos

Usando-se com outros.

 

 

Bolero

 

 

 

Que vaidade imaginar

Que posso dar-te tudo, o amor e a sorte

Caminhos, música e brinquedo.

É verdade que é assim:

É certo que tudo o que é meu te dou,

É certo,

Mas não te basta todo meu

Como não me basta que me dês

Todo teu.

 

Por isso não seremos nunca

O casal perfeito, cartão postal,

Se somos incapazes de aceitar

Que só na aritmética

O dois nasce do um mais um.

 

 

Extraviado (por aí) diz um bilhetinho:

 

Foste sempre meu espelho

Quero dizer que para me enxergar,

tinha que te olhar.

 

 

tradução de frederico fullgraf.

BOCAGE, O POETA pela editoria

Manuel Maria de Barbosa l´Hedois Du Bocage (Setúbal, 1765 – Lisboa, 1805), poeta português e, possivelmente, o maior representante do arcadismo lusitano. Embora ícone deste movimento literário, é uma figura inserida num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico que terá forte presença na literatura portuguesa do século XIX.

Nascido em Setúbal a 15 de Setembro de 1765, falecido em Lisboa a 21 de Dezembro de 1805. Era filho do bacharel José Luís Soares de Barbosa, que foi juiz de fora, ouvidor, e depois advogado, e de D. Mariana Joaquina Xavier l’Hedois Lustoff du Bocage, cujo pai era francês.

Sua mãe era segunda sobrinha da célebre poetisa francesa, madame Marie Anne Le Page du Bocage, tradutora do Paraíso de Milton, imitadora da Morte de Abel, de Gessner, e autora da tragédia As Amazonas e do poema épico em dez cantos A Columbiada, que lhe mereceu a coroa de louros de Voltaire e o primeiro premio da academia de Rouen.

Apesar das inúmeras biografias publicadas após a sua morte, uma boa parte da sua vida permanece um mistério. Não sabemos que estudos fez, embora se deduza da sua obra que estudou os clássicos e as mitologias grega e latina, que estudou francês e também latim. A identificação das mulheres que amou é muito duvidosa e discutível.

A sua infância foi infeliz. O seu pai foi preso por dívidas ao Estado quando ele tinha 6 anos de idade e permaneceu na cadeia seis anos. A sua mãe faleceu quando ele tinha dez anos. Possivelmente ferido por um amor não correspondido, assentou praça como voluntário em 22 de Setembro de 1781 e permaneceu no Exército até 15 de Setembro de 1783. Nessa data, foi admitido na Escola da Marinha Real, onde fez estudos regulares para guarda-marinha. No final do curso desertou, mas, ainda assim, aparece nomeado guarda-marinha por D. Maria I. Nessa altura, já a sua fama de poeta e versejador corria por Lisboa.

Em 14 de Abril de 1786, embarcou como oficial de marinha para a Índia, na nau “Nossa Senhora da Vida, Santo Antonio e Madalena”, que fez escala no Rio de Janeiro (finais de Junho) e na Ilha de Moçambique (início de Setembro) e chegou à Índia em 28 de Outubro de 1786. Em Pangim, frequentou de novo estudos regulares de oficial de marinha. Foi depois colocado em Damão, mas desertou, embarcando para Macau. Estranhamente, não foi punido e deverá ter regressado a Lisboa em meados de 1790.

A década seguinte é a da sua maior produção literária e também o período de maior boemia e vida de aventuras. Ainda em 1790 foi convidado e aderiu à Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia. Mas passado pouco tempo, escrevia já ferozes sátiras contra os confrades. Em 1791, foi publicada a 1.ª edição das “Rimas”. Dominava então Lisboa o Intendente da Polícia Pina Manique que decidiu pôr ordem na cidade, tendo em 7 de Agosto de 1797, dado ordem de prisão a Bocage por ser “desordenado nos costumes”. Ficou preso no Limoeiro até 14 de Novembro de 1797, tendo depois dado entrada no calabouço da Inquisição, no Rossio. Aí ficou até 17 de Fevereiro de 1798, tendo ido depois para o Real Hospício das Necessidades, dirigido pelos Padres Oratorianos de São Filipe Néry, depois de uma breve passagem pelo Convento dos Beneditinos. Durante este longo período de detenção, Bocage mudou o seu comportamento e começou a trabalhar seriamente como redactor e tradutor. Só saiu em liberdade no último dia de 1798.

De 1799 a 1801 trabalhou sobretudo com Frei José Mariano da Conceição Veloso, um frade brasileiro, politicamente bem situado e nas boas graças de Pina Manique, que lhe deu muitos trabalhos para traduzir. A partir de 1801 até à morte viveu em casa por ele arrendada no Bairro Alto.
À Camões, comparava com os dele os seus próprios infortúnios:
  
O poeta asseteado por amor
  
Invocação à Noite
  
A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro
  
Retrato próprio
  
Em louvor do grande Camões
  
O autor aos seus versos
  
Visão Realizada
  
Proposição das rimas do poeta
  
Já Bocage não sou!… À cova escura
  
O Ciúme
  
Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas
  
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
  
Desejo Amante
  
Esperança Amorosa
  
Sonho
  
Ó tu, consolador dos malfadados
  
O Suspiro
  

 

1964 A SAÍDA DE JANGO DA PRESIDÊNCIA

Uma saída às pressas

O Presidente deixou o poder da mesma forma como chegou a ele: assediado, aplaudido e acuado
N aquela tarde de 1.º de abril de 1964 em Brasília, o presidente João Goulart deixou a cidade e o poder tal qual havia chegado dois anos e sete meses antes: voando, às pressas, assediado, aplaudido e acuado.
Em 1961, quando Jânio Quadros renunciou, o vice-presidente Jango chegava a Cingapura, vindo da China, e ao saber que os três ministros militares vetavam sua posse e o prenderiam, voou rápido para o Brasil numa volta ao mundo via Paris, Nova York, Buenos Aires e Montevidéu, sem passar pelo Rio ou  por Brasília. Por fim, desceu em Porto Alegre, com civis e militares mobilizados e armados para que se cumprisse a Constituição e ele assumisse a Presidência, derrotando um golpe branco. 
Assisti em 1961 à sua chegada ao Sul e, depois, à posse em Brasília. A 1.º de abril de 1964 testemunhei os seus derradeiros momentos no Palácio do Planalto, aquelas horas finais em que o poder lhe fugia das mãos a cada instante, e toda tentativa de ir adiante o fazia retroceder ainda mais. 
 
Sem telefones interurbanos nem telex, os vôos comerciais suspensos, Brasília estava isolada nessa tarde, 30 horas após o início da sublevação militar em Minas. Só os boatos, carregados de invencionices de lado a lado, alimentavam o Congresso, os quartéis e a população. De pronto, soubemos que Jango viera do Rio (onde estava, ainda, a maioria dos ministérios) e fomos até o palácio – Fernando Pedreira, de O Estado de S.Paulo, Maria da Graça Dutra, do Correio Braziliense, e eu, do Última Hora. Ao entrarmos no gabinete presidencial, de pé junto aos ajudantes-de-ordens, Jango nos disse no seu estilo lacônico, mas de forma tão tranqüila que nos confundiu ainda mais naquela confusão:
– Vou instalar o governo no Rio Grande do Sul. Acabo de falar com o comandante do III Exército e viajo hoje para Porto Alegre!
E, sem pedir que saíssemos, começou a arrumar papéis e telefonar. Na sua mesa havia o único telefone da capital com linha direta ao Rio, e de lá o informaram que o general Moraes Âncora (chefe do I Exército e seu apoio) estava “sem fala, numa crise de asma”. Logo, desceu à Casa Militar, para novamente falar com o Sul pelo rádio, pois não havia comunicação telefônica.
– Temos algumas dificuldades, mas venha, presidente, pois o III Exército resistirá a seu lado! –, disse-lhe o general Ladário Telles, que um dia antes assumira o comando, mas se dispunha a garanti-lo, com todo o ministério, na capital gaúcha. Logo, falou Leonel Brizola, que já não era governador como em 1961, mas frisava que “resistiremos e venceremos como em 61”. No QG em Porto Alegre, o chefe do serviço de rádio, major Álcio, gravava os diálogos. Mas não por zelo: em seguida, informava tudo ao seu pai, o general Costa e Silva, no Rio, que horas depois se instalou no prédio vazio do Ministério da Guerra e assumiu o comando do Exército.
João Goulart era ainda presidente da República, mas só quando o vimos arrumando papéis percebemos que ele viera do Rio em retirada. Não sabíamos que, lá, seu ex-ministro San Tiago Dantas e Juscelino Kubitschek o haviam informado que os Estados Unidos se dispunham a reconhecer o governo paralelo que os sublevados de Minas iam formar e, até, interviriam militarmente, se necessário. Antes, Jango havia rejeitado a proposta do general Amaury Kruel, chefe do Exército em São Paulo, de “romper publicamente” com o movimento sindical e fazer “uma declaração anticomunista”, além de punir os marinheiros revoltosos, como lhe sugeriu também Juscelino.
– Se fizer isto demonstro medo e, com medo, não se governa o País!” –, respondeu Jango, sublinhando ainda a Kruel, seu compadre: “Tu sabes muito bem que eu não sou comunista!”
Não era o momento, porém, para exibir curriculum político. Naqueles tempos de guerra fria, em que comunismo e anticomunismo dividiam o mundo e separavam amizades ou amores, para os conservadores e anticomunistas Jango era um “pró-comunista” por pregar a reforma agrária, ou pelo apoio “à autodeterminação” de Cuba. Para os comunistas, por tudo isso, o latifundiário Jango tornara-se “um aliado”. Outro pretexto ou motivo somava-se, ainda, à sublevação iniciada pelo general Mourão Filho e o governador mineiro Magalhães Pinto, a 31 de março: Jango “subvertera a hierarquia militar”, ao não punir os marinheiros amotinados dias antes, na Sexta-Feira Santa, e depois, ao se solidarizar com os sargentos numa assembléia pública no Rio.
Nada disso, porém, teria mobilizado os conservadores da classe média em apoio aberto ao golpe de Estado, se a 13 de março Jango não houvesse anunciado a nacionalização das refinarias privadas de petróleo e a desapropriação de terras para reforma agrária, no “comício da Central”, no Rio. Nesse dia, o cauteloso Jango girou à esquerda para sobrepor-se, nessa área, a Brizola e Miguel Arraes (que o criticavam como “conciliador”), mas com isso aglutinou contra si a direita, os conservadores, os tementes e os indecisos.
As horas finais de Jango foram tão rápidas que ele nem viu a mulher e os filhos em Brasília. Do palácio, telefonou a dona Maria Thereza avisando que se preparasse para viajar com as crianças a Porto Alegre “esta noite”, pois havia “problemas sérios”. Seis dias antes, o casal interrompera o feriado de Páscoa e viera urgente, do Sul a Brasília, também por “uma crise séria” – o motim dos marinheiros –, e Maria Thereza não se preocupou com a breve informação do marido. Arrumou uma malinha pequena, com pouca roupa, e avisou às crianças que iriam à fazenda, no Sul. “Oôpa, leva então o caniço pra pescar”, pediu João Vicente, de 7 anos. Denize, de 6, quis “a boneca que fala”.
O avião ia decolar da Granja do Torto (onde morava Jango) quando chegou o cabeleireiro para pentear a primeira-dama: viajou também, sem bagagem e sem saber que a carona era só de ida.
Quando Jango saiu de Brasília para Porto Alegre, à noite, noutro vôo, os comandos do Exército em São Paulo e Recife tinham aderido ao golpe, mas tudo seguia indefinido. O embaixador Lincoln Gordon, que pedira a força naval dos EUA, avisou aos sublevados que o reconhecimento de um novo governo exigia “algum tipo de legitimidade formal”, se Jango não renunciasse. E aí, o senador Auro Moura Andrade, presidente do Congresso, deu o “golpe de mão”: às 2h40 da madrugada de 2 de abril, abriu a sessão do Congresso e leu o ofício em que o chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, comunicava que o presidente João Goulart, “para preservar de esbulho criminoso o mandato que o povo lhe conferiu, viajou para o Rio Grande do Sul, onde está à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais, com o seu ministério”. Em seguida, Auro acrescentou:
– Já que o presidente da República deixou a sede do governo, deixou a Nação acéfala numa hora grave e abandonou o governo, o Congresso deve tomar a atitude que lhe cabe. Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República e, nos termos da Constituição, invisto no cargo o presidente da Câmara dos Deputados, sr. Ranieri Mazzilli. Está encerrada a sessão!
Sem debate ou votação, desligou os microfones e saiu para levar Mazzilli ao Palácio do Planalto. Era a vingança de Auro: em 1962 Jango o escolhera como primeiro-ministro e o Parlamento aprovou a indicação, mas no dia seguinte, ao compor o ministério, soube pelo rádio que havia “renunciado”. Ao divergir sobre os ministros, Jango divulgou a “carta-renúncia”, sem data, por ele assinada para a eventualidade de “atrito insanável” entre ambos, no futuro. Agora, 18 meses depois, Auro demitia Jango, como Jango o demitira: numa manobra perfeita. No Planalto, Mazzilli esperou quase uma hora até que, na madrugada, encontrassem um general para testemunhar a posse. Os generais da capital eram janguistas e se negavam. Por fim, apareceu o apolítico general André Fernandes, que se espantou ao ser nomeado, ali mesmo, chefe da Casa Militar.
Pouco antes, Jango chegara a Porto Alegre. No Rio, tinha se negado a ordenar o bombardeio das “posições” das tropas de Mourão na estrada, como sugeria o coronel Moreira Lima, chefe da Base Aérea de Santa Cruz. No Sul, na tarde de 2 de abril, disse que não queria “sangue nem sacrifício” e pediu que o general Ladário e Brizola desistissem de “resistência armada”. Rumou para sua fazenda em São Borja e, dia 4, chegou a Montevidéu e se asilou no Uruguai.
A queda foi rápida, mas a conspiração foi longa e começou na renúncia de Jânio Quadros, antes mesmo de Jango chegar à Presidência. O marechal Odylio Denys que, como ministro da Guerra, em 1961 tinha vetado a posse de Jango por considerá-lo “pró-comunista”, engoliu a derrota, mas a vomitou pouco a pouco: em 1963, foi o “avalista moral” dentro do Exército, do general Olympio Mourão Filho, que começou a conspirar em São Paulo, como comandante da 2.ª Região Militar.
De Mourão só se conta que iniciou a sublevação em Minas Gerais a 31 de março de 1964, mas em verdade foi muito além: foi o primeiro conspirador militar, como Júlio de Mesquita Filho e Carlos Lacerda foram os primeiros conspiradores civis. Vitoriosos, ao transformar-se a conspiração em governo, os três acabaram por desiludir-se e se opor ao rumo autoritário que desembocou no militarismo da ditadura.
Mourão tinha fama de fanfarrão e audaz. Capitão, em 1937 forjou o “Plano Cohen”, pretexto para o Estado Novo. Em 1961, já general, apoiou a posse de Goulart, “por ser constitucional”, mas em seguida passou a conspirar. No início de 1963, formou em São Paulo “um Estado-Maior civil”, dando a chefia ao general reformado Dalysio Menna Barreto, um dos chefes de operações da Revolução de 32. A tarefa principal: agitação e propaganda, por um lado, organização de grupos combatentes, por outro. Os futuros “soldados civis”, em boa parte estudantes de Direito do Mackenzie, se exercitavam nos stands de tiro do Paulistano, Pinheiros, Harmonia e outros clubes. O próprio Mourão, à paisana, uma vez por semana metia-se no meio do povo na Praça da Sé e, em grupos de 15, começava “a agitar e falar mal do governo”, como relatou em seu “diário”.
Nas comemorações do 9 de julho, em 1963, porém, os conspiradores acharam que ele enlouquecera: numa sessão solene da Assembléia Legislativa, quando um dos líderes civis de 1932, o ex-secretário de Justiça Waldemar Ferreira, disse em discurso que “se prepara um movimento comunista chefiado do palácio pelo próprio presidente da República”, o general Mourão levantou-se e berrou para os demais oficiais presentes:
– Vamos nos retirar. Não admito insultos contra o chefe das Forças Armadas, presidente João Goulart!
Pondo-se o quepe, ele e os oficiais se retiraram e se formou o tumulto. O governador Adhemar de Barros pediu que voltasse e prometeu discursar defendendo o presidente:
– Só volto depois que o governador falar! –, respondeu Mourão. E assim foi.
Adhemar fez, então, mil rapapés a Jango e Mourão voltou à mesa, mas sisudo. Ele tinha conseguido desmoralizar, de público, o demagogo e corrupto Adhemar, que estava em oposição a Jango, mas só aos muito íntimos pôde explicar a verdade do seu gesto. Tudo era farsa ou encenação. Dias antes, o secretário de Imprensa de Jango, Raul Riff, ao encontrar-se com Laurita Mourão, no Rio, tinha desabafado:
– Vamos tirar o teu pai de São Paulo, ele está em franca conspiração contra o governo!
Nesse dia, Mourão escreveu no diário, onde anotava tudo: “Fiquei bambo. Não dormi a noite toda. Isto é obra do general Zerbini, que me espiona. Tenho que me limpar com o governo.”
E “limpou-se” no 9 de Julho. O próprio Jango mandou agradecer o “gesto de lealdade”, mas ele continuou a conspirar, mesmo perdendo alguns conspiradores, aos quais não pôde explicar “a farsa da adesão”. Já não podia, porém, permanecer em São Paulo e, dois meses após, foi removido sem problemas para o comando da 4.ª Região Militar, em Juiz de Fora, o estratégico nó operacional entre Minas e o Rio.
Lá, ele estava como queria: um mineiro em Minas, próximo do Rio, governado por Lacerda. Em São Paulo, o coronel Rubens Resstel fazia a ponte com os conspiradores civis, já que os generais da ativa (a começar por Amaury Kruel, chefe do II Exército) eram ligados a Jango, enquanto Mourão se aproximava de Magalhães Pinto, governador de Minas, que até meados de 63 apoiava Jango, mas mudou de lado.
A 31 de março, Mourão sublevou-se em Juiz de Fora e marchou em direção ao Rio. No dia anterior, em Belo Horizonte, Magalhães formou um secretariado de nível ministerial na área conservadora, e pediu ao cônsul dos Estados Unidos, Herbert Okun, o apoio de Washington para o governo paralelo que “fatalmente” surgiria da rebelião. Não sabia que, desde 20 de março, a Casa Branca tinha preparado o plano “Contingency 2-61”, para deslocar a esquadra ao Brasil, no caso de “algum movimento militar contra a influência comunista no governo”. Horas depois, uma força aeronaval, capitaneada pelo porta-aviões Forrestal, navegou pelo Atlântico rumo a Santos. Era a operação “Brother Sam”.
Washington não conhecia os planos de Magalhães e Mourão, mas sabia de outros, urdidos na Escola Superior de Guerra (ESG) pelos generais Cordeiro de Farias e Castello Branco, e que o Ipes do general Golbery Couto e Silva propagava no empresariado. O “contato” era o adido militar dos EUA, coronel Vernon Walters, que no Rio teve ainda outro trabalho: impedir, meses antes, que um grupo “militar radical” matasse Jango. “Isso ia contra a lei de Deus e dos homens e, ademais, transformaria Goulart num mártir”, contou Walters em Silent Missions, suas memórias.
O golpe da ESG estava planejado para maio e, quando Mourão se sublevou, Castello pediu que desistisse “pois Jango irá esmagá-los”, contou-me Magalhães em 1967, quando chanceler no governo Costa e Silva. Mais audazes que os intelectuais da ESG, Magalhães e Mourão aproveitaram o clima criado a 25 de março com o motim dos marinheiros e decidiram agir.
– Eu tinha preparado tudo, mas a rebelião dos marinheiros me facilitou, pois convenceu os indecisos –, disse-me Mourão em 1968, já general “de pijama”, no posto consolo de presidente do Superior Tribunal Militar, e frisando sempre: “O movimento desviou-se, foi traído!”
Ele havia “intuído tudo” já na noite de 2 de abril de 1964, ao entrar ao Rio com suas tropas e acampar no Maracanã, pois Arthur da Costa e Silva – como general “mais antigo” – ocupara o Ministério da Guerra e se proclamara “comandante do Exército”.
E ao recordar-se que, meses antes, Costa e Silva tentara que Jango o nomeasse embaixador, Mourão soltou, então, a frase famosa:
– Sou uma vaca fardada!
Ainda sugeriu a Juscelino Kubitschek, de Diamantina como ele, que não votasse em Castello como presidente indicado pelo Congresso e escreveu no “diário”: “Ele vai virar ditador!”
Pouco depois, Mourão passou à reserva.

 

FLÁVIO TAVARES *
* Flávio Tavares, autor de Memórias do Esquecimento, foi o último jornalista a estar com Goulart em Brasília, na queda em 1964
 

O SONHO DE CHUANG CHOU por zuleika dos reis

 Para Francieli da Cunha
        
  Há cerca de 2300 anos, a sociedade chinesa vivia um tempo de imensa desordem política, social, econômica, moral. Nessa época e não por acaso, viveram grandes Mestres cujas obras discorriam sobre o Conhecimento e a Iluminação, com o objetivo de tornar as pessoas melhores. Um desses Mestres nos conta, entre muitas outras, a primeira parte da história de Chuang Chou. Quanto à segunda parte, contra face profana, tomei seu relato a meu encargo, a partir das informações do sobrinho coreano de Chuang, o Kim, meu amigo fiel, de alma, apesar de ou por causa das nossas insuperáveis diferenças lingüísticas.
  Chuang Chou, chinês, não aparece descrito como alto nem baixo, magro nem gordo, pobre nem rico, feio nem bonito, apenas Chuang Chou. No entanto, possuía algo que o diferenciava dos demais: vivia sonhando que era borboleta.
  Todas as noites, até o momento do nascer do Sol, ele amava como as borboletas, voava como as borboletas, comia como as borboletas e, nas horas vagas, filosofava com elas sobre o bem, o mal, a vida, a morte, Deus. Não com todas, é claro, porque a maior parte daqueles lepidópteros não se envolvia com tais questões: durante a semana trabalhava duro e a partir de sexta à noite, saía borboleteando por aí.
  Chuang Chou dormia e sonhava os sonhos de borboleta. Sonhava tanto e tanto e tanto, que já não sabia se era um chinês sonhando que era borboleta, ou uma borboleta sonhando que era chinês, dúvida que não causava sofrimento a nenhum dos dois, porque partilhavam do mesmo Conhecimento Essencial: Tudo e todos somos, todo o tempo, apenas o mesmo sonho.
  Na China contemporânea tornou-se, há cinco anos, funcionário de uma das maiores Empresas de Exportação de Pequim, no setor de Contabilidade. Cultivou, a tal ponto, a imagem de profissional assíduo, competente, criativo, que já obteve várias medalhas de Honra ao Mérito e em agosto de 2007 d.C. foi promovido a Chefe de Secção.
  Assim, Chuang Chou tem todos os motivos para se sentir perfeitamente feliz: chefe de secção em Pequim, num mundo com tantos desempregados. Ele se considera feliz embora experimentando, já ao acordar, a permanência de certos desejos esquisitos, que sempre haviam sido saciados nos recessos da noite e da madrugada. Racionalizou tais desejos, isto é, os manteve sob controle (exemplo a ser seguido por todos os homens de negócios) a fim de preservar as qualidades diurnas do funcionário-modelo, para tranqüilidade geral.
  Bem, essa tranqüilidade acabou. Na semana passada, recebi e-mail de Kim, no qual informa que a família do nosso chinês não dera, a princípio, nenhuma importância à sua síndrome de inseto voador, atribuindo-a a excesso de trabalho. Receitaram-lhe complexo vitamínico; todavia, após enorme susto, agora há grades de segurança em todas as janelas do apartamento no sexto andar. O problema é que a Empresa na qual Chuang Chou trabalha de segunda a sábado, está localizada no vigésimo – nono andar.

 

SOBRE A (IN)UTILIDADE do POETRIX por marilda confortin

 
Um dos principais atributos da poesia, é a inutilidade. Não fosse isso, ela já estaria extinta por obsolescência. Tudo já foi escrito e cantado em verso e prosa de todas as maneiras possíveis.  Mas, a revelia dos tempos, da evolução tecnológica e da opinião dos críticos literários que execram os textos ingênuos, todo dia, em algum lugar dessa terra, alguém se depara pela primeira vez com uma lua cheia e solta um “putaqueospariu que coisa mais linda!”  ou enche o peito e sem vergonha declama o primeiro versinho que lhe vem a cabeça “não há, ó xente, ó não, luar como este do sertão”[1].  E começa tudo outra vez: nasce um novo poeta rimando amor com dor, criança com esperança, lua com nua, Brasil com anil. É muito confortante saber que o ciclo da poesia se repete inútil e eternamente.
 
Então porque escrevo um ensaio sobre a utilidade de uma poesia jovem e breve como o Poetrix[2]? 
 
Porque esse tipo de terceto me caiu do céu. Despencou de uma nuvem de informação chamada internet, empurrado por um diabinho baiano chamado Goulart Gomes, no momento em que eu não escrevia nem lia mais poesia, exatamente por acreditar que era algo inútil. E eu lá tinha tempo pra essas coisas? Precisava trabalhar, dominar as novas tecnologias,  ganhar dinheiro para sustentar a família, me afirmar como profissional, “ser alguém” na vida. Eu estava me tornando alguém, sim. Alguém mesquinho que sabia tudo sobre os máquinas e nada sobre as pessoas que os utilizavam ou eram substituídas por elas. Alguém que procurava palavras nos dicionários só para escrever relatórios, projetos, orçamentos e manuais técnicos.  Alguém tão estúpido que achava incompatível um analista de sistemas, médico ou engenheiro nuclear dedicar parte de seu tempo para a arte, música e poesia. Alguém como muitos que vocês conhecem e estão sentados ao seu lado nesse momento.
Mas a verdade é que eu continuava sem tempo para leituras longas. As editoras só publicavam livros de auto-ajuda e eu estava mais para auto-destruição. Os haicais que eu tanto amava, começaram a me soar tão óbvios e puros com seus kigos, que destoavam com o ar condicionado, urbano e poluído do meu apartamento. Pari alguns tercetos irônicos e chame-os de haicai. Horrível! Me senti como quem estupra flores. As pessoas que me cercavam, não tinham saco para ler meus textos meticulosamente explicados nem para ouvir meus discursos saudosistas entrecortados por sonetos do século passado. Eu precisava de algo rápido, sintético, exato, criativo, surpreendente, amplo, imagético, mágico. Eu precisava de um susto, um “projétil que atingisse minha alma e detonasse minhas emoções”  [3].
Eu precisava que me “devolvessem
as
   as
      as”[4]
 
Bum! Aconteceu. Tropecei num Poetrix de Goulart Gomes:
 
A$$ALARIADO
 
Vende a vida inteira
 Pelo pão de cada dia
A liberdade bóia, fria
 
E vieram outros e mais outros e o poetrix se espalhava feito vírus pela internet. A partir daí, voltei a escrever, ler e trabalhar harmonicamente. De cada relatório técnico ou projeto que escrevo, extraio um poetrix. É meu jeito de exercitar a síntese, a exatidão, a multiplicidade, a consistência e descobrir em mim e nos colegas de trabalho algum resquício de emoção. De cada poesia, crônica ou conto que leio ou escrevo, procuro extrair um poetrix. É a minha maneira de valorizar as palavras, revistá-las, revisitá-las, revitalizá-las, homenageá-las ou torturá-las. 
 
Voltei a ler os clássicos com mais paciência e os contemporâneos com mais complacência. Fiz as pazes com os dicionários. Procuro palavras na fala cotidiana das pessoas e no “silêncio das línguas cansadas”.  A poesia enfim, me foi útil.
 
Não pretendo ensinar ninguém a escrever nem (de)gustar do poetrix.  Quero mais é que você “morda, mastigue, engula e faça a digestão. Que se vire!”  [5]
 
Poeta
 
Tortura as palavras
Até que digam
O que não querem dizer
 
(Gr)ávida
 
Pensa que tem
O rei na barriga
… e tem!
 
Pré Natal
 
Dilato, contraio, ardo
Estou prestes a parir
Mais um ano bastardo
 
Marilda Confortin
Coordenadora do MIP – Movimento Internacional Poetrix – Paraná.
________________________________________
[1] Luar do Sertão – Catullo da Paixão Cearense
[2] Poetrix: Poe=poesia; trix=três. Terceto contemporâneo de temática livre, com título, ritmo e um máximo de trinta sílabas. Possui figuras de linguagem, de pensamento,  tropos ou teor satírico. Foi assim batizado em 1999 e difundiu-se num movimento internacional totalmente virtual. Atualmente possui milhares de adeptos que gostam da idéia de escrever tercetos contemporâneos de temática livre sem ferir as regras do haicai. 
[3] Sara Fazib em “como fazer poetrix”
[4] Devolva-me – de Sonia Godoy
[5] Trecho do II Manifesto Poetrix

 

COMENTÁRIO:

marilda, este teu texto está provocando algo que, como muitas outras, eu ando refletindo há tempos e não ando disposto a deixar passar em branco. o HAIKU/HAIKAI, como afirmam os próprios mestres japoneses, no Brasil e no Japão, NÃO PODE ser tradusidzo para lingua estrangeira, a não ser que o poeta “haicaísta” domine as duas línguas PERFEITAMENTE, mesmo assim encontrará grandes dificuldades.
com a valorosa imigração japonesa, início do século 20,vieram também alguns estudiosos e mestres do poema japones e que por divulgarem entre seus compatriotas, afim de manter a cultura viva, terminou por influenciar os brasileiros, fundamentalmente, aqueles que conviviam junto ou próximos as áreas rurais, onde se deu a maior parte da fixação dos imigrantes. mas, como devo escrever sobre isto, mais aprofundaddamente, por estes dias, quero apenas te dizer que desde então inaugurou-se um grande EQUÍVOCO, quando os poetas brasileiros ao comporem um TERCETO (poema curto de tres linhas/versos) passaram a chamá-los de HAIKAI. o HAIKAI, diga-se, muito mais complexo para “senti-lo” e “sintetiza-lo” na escrita (ideograma) aos próprios poetas japoneses, no Brasil ou no Japão. ora, esta iniciativa, agradou, e com toda razão, à colonia japonesa pois que estavam eles, os poetas brasileiros, a divulgarem a sua cultura. quero te dizer, ainda, que o termo POETRIX (poe= poema/ trix=tres) irá sem dúvida ajudar a “restabelecer a nacionalidade” do terceto em português. podemos “batisar” o terceto de POETRIX, porque não? estamos em pleno século XXl! menos chama-lo de HAIKAI. até porque, o que estamos lendo de “haikai” por aí é uma ofensa à cultura da grande familia japonesa, hoje brasileira.
abraço,

jb vidal

 

 

COMENTÁRIO:

Deborah

Olha, sei lá… minha opinião pode até parecer meio sem embasamento, mas pq não chamar o terceto de Hai Kai? é como se comparassem um soneto de Camões a um meu e concluir que, obviamente, o meu não poderia ser um soneto.
Leminski e Millôr, não fizeram Hai Kai, então?

“o que é um nome? aquilo que chamamos de rosa, se chamássemos por qualquer outro nome, ainda teria o mesmo cheiro suave…” (Shakespeare)

Sejamos autênticos, porém livres!! -)

 

 

COMENTÁRIO:

Leonardo Meimes

 

Quero dizer já que não concordo com nenhuma das opiniões, deixo bem claro e exposto, não é uma discussão?

– Primeiro, a poesia é inútil? Não é claro que não! Uma das características principais da poesia é que ela não pode ter um propósito fora do estético, não disse um tema. A poesia é uma arte e como todas as outras elas surgem por uma necessidade de expressão e de uma busca pelo belo (seja este “belo” no sentido de um ideal estético), sua preocupação tem de vir primeiramente na estética. Um poeta que faz um poema pensando em agredir alguém, não está fazendo poesia, mas um texto outro em forma de verso, a intenção estética é que faz a poesia aparecer no poema, o trabalho estético. Portanto a poesia não é inútil, ela somente não procura ser informativa, ou utilitária. E como dizer isto? (que é inútil) todos nós sabemos que a leitura e reflexão sobre poemas causa uma construção de sensibilidade nas pessoas, se eles fossem inúteis não estaríamos na luta para que todos tenham acesso a eles. Outro fato que discordo, quem disse já foram usadas todas as formas? É verdade que os temas são sempre os mesmos, porém acredito que o poeta é aquele que fala sobre algo de uma forma que ninguém havia dito. (Em vez de “Eu te amo” o poeta diz “De tudo ao meu amor serei atento”)Se todas as formas já tivessem sido usadas, nunca mais se criaria estilos novos e a literatura pós-moderna não existiria., sabemos até que a própria história pode ser recontada de outros pontos de vista, de outras maneiras.

– Segundo, quanto à questão de estarmos fazendo haiku/haikai eu levanto uma outra pergunta: Quem faz a nacionalidade do poema é o autor ou a forma??? Podemos dizer que porque Vinícius de Morais escrevia sonetos (que não são uma forma Brasileira de poema) ele estava agredindo o sicilliano Giacomo da Lentini, que no século XII criou esta forma? Sabemos que o que faz o poema ter uma nacionalidade são um conjunto de fatores (autor, estilo, língua, intensão), Iracema de José de Alencar é o livro mais brasileiro da nossa literatura junto com o poema Canção do Exílio de Gonçalvez Dias, porque eles souberam colocar nossa cultura em seus textos. Os brasileiros, têm uma facilidade grande em se expressar nas mais diversas formas de texto poético, nós temos poetas que publicaram tanto sonetos como outros tipos de forma. Agora dizer que nossos Haikais são uma afronta à cultura japonesa é que nem dizer que a música clássica brasileira é uma afronta ao resto da música clássica. Temos que entender que nenhuma forma é por si estática, nós importamos o Soneto e o adequamos a nossa língua, fizemos grandes sonetos e mesmo assim ninguém diz que deve se chamar de outra forma. Existem variações nas formas, o Haikai Brasileiro é uma variação da forma de Haikai Japonês, não é uma tentativa de tradução de uma cultura estrangeira (tradução que sempre acaba perdendo significado e contexto), porque os temas são brasileiros, as palavras são em português, ou autor é brasileiro e a intenção é fazer Haikai. O que os Japoneses têm que entender é que nos estamos utilizando uma forma efetiva de poema deles para fazer um trabalho estético brasileiro, sem a intenção de agredi-los, pelo contrário isso mostra que nós admiramos a poesia Japonesa. Mudar o nome para Poetrix, não vai mudar nada, continuaremos a fazer o Haikai, com outro nome, a intenção é a mesma. O que agride qualquer tipo de poesia é o poema mal construído, que se pretende poesia, o poema não trabalhado, o poema sem qualidade estética, utilitário e insosso, que não provoca catarze nenhuma em quem quer que seja, caso tenhamos produzido Haikais deste tipo ai sim eu peço desculpas aos Japoneses, quanto aos bons sugiro que leiam.

P.S: Proponho a subcategoria “Haikai Brasileiro”

 

COMENTÁRIO:

Bárbara Lia

O hai kai é expressão poética zen de monges em viagem… Surgiu em forma de diários de viagem, para captar o belo, por isto esta associação com o momento e com as estações do ano. Os grandes poetas também relacionam poesia com metafísica. Borges, Fernando Pessoa, e tantos, ou quase todos. Na verdade só se torna grande poeta quem interroga sem cessar o Universo e a si mesmo. A poesia é anterior à palavra, é um rito xamânico e para mim, ainda, mistério. Se – Satori – é iluminação mística, o deslumbramento… era isto, agregado à paisagem, que estes poetas buscavam narrar, mais que neve, ou flor, ou insetos e luas e estações… Esta poesia mínima só em sua forma acabou sendo inscrita na Literatura como Hai Kai… Quando descobri Bashô, Li Po, e os hai kais de Leminski que escritos em português guardam as características dos ocidentais – zenleminskigenial – eu fiquei fascinada… Na verdade eu tenho este carinho por ancestralidades e penso que por uma diferença de tempo e território e até estado de espírito, neste mundo nada zen é um tanto complexo escrever um hai kai, é um exercício supremo o da iluminação… os tercetos seguirão, narrando seu tempo e estações, alguns o chamarão poetrix, outros hai kai…

 

COMENTÁRIO:

silas correa leite

Olá amigos, bem, en passant, é como querer dizer que não tem blues que não seja apenas em inglês, coisa e tal, quando eu chamo meus poemas (de uma série) de intimos blues. Arrisquei alguns haikais, arrisquei um e outro poetrix, como arrisquei tercetos; como o haikai tende a ser rígido (só oriental?), como o poetrix é uma re-invenção brasileirinha do terceto com outro nome, ora chamo de haikai, ora chamo de terceto (uso pouco poetrix), mas acho que a discussão entre uma coisa e outra para mim tanto faz, como compor meus banzo-blues em português, porque o que fica, o que vale mesmo, é a qualidade de um ou de outro, e, confesso, o que mais vi de bobo-ruim foi mesmo haikais abrasileirados, e, claro, como não estamos no oriente e nem sou zen-corinthiano, prefiro ficar com terceto, por aí. E salve-se quem puder. Aliás, tive uns haikais (Poemetos) premiados. Era isso. FUI.

 

 

COMENTÁRIO:

Marilda

Pois então… como eu escrive no final do meu ensaio, “Não pretendo ensinar ninguém a escrever nem (de)gustar de poetrix”. E muito menos propor a mudança do nome do haicai para poetrix. São estilos diferentes. Regras diferentes. Poesias diferentes. Conteúdos diferentes. Para o leitor de poesia, não importa a regra ou o nome acadêmico que se dê. Ele quer saber se gosta ou não gosta. (O poetrix só tem 10 anos com esse nome, ainda está sendo construído mas já tem adeptos em muitos paises)
Já para o escritor, espera-se que minimamente ele saiba a diferença entre um soneto e um haicai, por exemplo. Mesmo que ele não dê a mínima para as regras e para os nomes, acho que ele não tem o direito de ferir toda uma história construída ao longo dos séculos, denominando qualquer verso curto de haicai ou categorizar qualquer terceto escrito em português de poetrix. Se ele não souber como classificar sua poesia, tudo bem… não classifique, chame simplesmente de poesia. Fica tudo bem. Como disse a Bárbara Lia, “os tercetos seguirão, narrando seu tempo e estações, alguns o chamarão poetrix, outros hai kai…”. Os meus, eu chamo de poetrix. Não porque eu não goste de haicai, mas porque definitivamente meu estilo se encaixa perfeitamente nas características do poetrix.
A discussão é válida, desde que seja para incentivar a leitura e a escrita poética, seja lá qual for a preferência do leitor deste site.
Se alguém quiser conhecer melhor as características do poetrix, pode consultar a página oficial do MIP: http://www.movimentopoetrix.com/
Um grande abraço
Marilda

 

COMENTÁRIO:

ZULEICA DOS REIS

TERCETOS E HAICAIS

 

 

Pelo fato de não crer em conceitos universais, tento sempre ser fiel ao princípio de que qualquer ponto de vista, estabelecido a partir de determinadas premissas, é necessariamente parcial, logo sujeito a contestações. De todo modo, esse é um jogo paradoxal: mesmo não crendo que tenha A RESPOSTA para a questão proposta no título preciso admitir, antes de tudo diante de mim mesma, que minha resposta seja suficientemente boa, para enunciá-la em um debate aberto a múltiplas opiniões e tendências.

                Os conceitos que tentarei colocar aqui sobre o que possa ser considerado haicai, sobre se é possível haver um haicai brasileiro e sobre a identificação, muitas vezes automática e acrítica entre terceto e haicai, são conceitos do Grêmio Haicai Ipê, o qual freqüento desde 1990, embora com não muita assiduidade.Sendo assunto vasto e polêmico, só me cabe enunciar alguns princípios gerais que norteiam os participantes  do referido Grêmio, princípios que buscam manter fidelidade àqueles estabelecidos a partir do trabalho de Matsuo Bashô (1644-1694), o grande poeta clássico do haicai.Ei-los:

1. O haicai deve transcrever, o mais fielmente possível, uma cena da natureza, natureza cujos aspectos mudam o tempo todo obedecendo, não obstante, ao ciclo das estações.

2. Todo haicai deve conter um “kigo”, como é chamado o termo de estação. Exemplo: Paineira, “kigo” de outono, porque as paineiras florescem no outono; chuva de granizo, “kigo” de verão, porque é quando tais chuvas costumam ocorrer, (abstraindo-se a questão das mudanças climáticas, originadas pela ação do homem); cartão de Natal, também de verão, este fazendo parte dos chamados “kigos” vivenciais, que se referem a eventos específicos da realidade social.

3. O haicai deve, preferencialmente, ater-se à tradição métrica 5/7/5

4. O haicai deve ater-se ao momento presente, evitando considerações explícitas de natureza emocional, filosófica (quando abstratas, isto é, sem referência direta ao objeto observado)… etcetera.

            É possível um haicai brasileiro? A partir do uso do chamado “kigo”, o Grêmio Haicai Ipê considera que sim, é possível um haicai brasileiro. O “kigo” é elemento bastante específico e seu uso estabelece a identidade tanto quanto a legitimidade do haicai, onde quer que se o escreva, seja no Japão, no Brasil, nos Estados Unidos, na França…, que cada país, a partir das características peculiares de sua natureza e de seus eventos sociais, pode construir legítimos haicais, com seus “kigos” específicos. Assim, peixe-boi, essencialmente “kigo” brasileiro. Não corresponderia a nada, em outro país.

            Quanto à questão terceto versus haicai, tomo a liberdade de citar dois poemas meus, apenas a título de ilustração, que a problemática é complexa, tem muitas variantes e apenas pode ser esboçada aqui:

 

                           PAPAGAIO

 

                            Ninguém compreende

                           como é original

                           o meu silêncio.

                           Do livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva, 1989.                                 

 

                           O asilo em silêncio.

                           Encolhido no poleiro

                           velho papagaio.

 

            Segundo os princípios do Grêmio Haicai Ipê, o primeiro poema é um terceto, que alguns chamariam poetrix, enquanto o segundo poema constitui, efetivamente, um haicai.

 

COMENTÁRIO:

GOULART GOMES

Olá, amigos. Eu sou Goulart Gomes, o criador do termo “poetrix”. Passei por aqui por indicação de Marilda. Queria contribuir para a discussão e acho que a melhor forma de fazê-lo é falando sobre a origem do poetrix. Eu sempre escrevi tercetos achando que eram haikais. Um belo dia, Aníbal Beça me fez conhecer o que é verdadeiramente o haikai, conforme concebido em sua forma “abrasileirada” para o português (ver a mensagem de Zuleica). O haikai escrito no Brasil já é um abrasileiramento do haikai escrito no Japão, por isso o poetrix não é um abrasileiramento do haikai. Poetrix é um nome que eu propus para um determinado gênero de tercetos (ver http://www.movimentopoetrix.com). Respeito tanto o haikai que não quis “contaminá-lo” com o que eu e tantos outros autores escrevem, hoje e sempre, desde Dante Alighieri, passando por Leminski, Millôr, Drummond, Graciliano, etc. Eu sabia que iria “jogar lenha” nessa fogueira de vaidades que é a Literatura. Mas, que fazer? Era isso ou jogar fora todos os meus tercetos. (rs) Enfim, fico feliz por ter criado uma “saída de emergência” que tantos autores adotaram, livrando seus textos do limbo canônico. Que cada um os chame do modo que preferir. Na Literatura, como na vida, só Tempo diz quem tem razão. Abraço a todos.
COMENTÁRIO:
MARILDA CONFORTIN
 Vejam só: meu texto pretendia uma reflexão sobre a utilidade/inutilidade da poesia e acabou provocando uma discussão sobre haicai e poetrix. O Leonardo Meimes, mesmo não concordando comigo, foi o único que atentou para esse detalhe. Valeu Leonardo.Muito esclarecedores os comentários da hacaísta Zuleika e do poetrixta Goulart Gomes.
Ficou claro para os leitores do Palavras, que se trata de dois estilos diferentes de tercetos?
E aí, Vidal, satisfeito?
       

     

 

 

COMENTÁRIO:

 

JB VIDAL

 

não, minha nobre amiga marilda, nem os leitores deste site, porque imagino-os inteligentes estão satisfeitos e muito menos eu, antes, pelo contrário, aprofunda-se a minha certeza no sentido de NUNCA foi escrito um HAICAI por poetas brasileiros a começar por nosso grande poeta Guilherme de Almeida até os nossos dias. devo ressalvar, óbvio, os poetas da escola do HAICAI descendentes de japoneses e residentes no Brasil, porque passaram a conhecer as duas línguas e a pensar em duas linguas, PERFEITAMENTE, como ensina o mestre NEMPUKU, esses sim, escreveram HAICAIS belíssimos. por ora é só.
abraço,

jb vidal

 

 

COMENTÁRIO:

JB VIDAL

Do HAICAI e do TERCETO

 

Pois bem, a partir do texto da poeta Marilda Confortin, é que propus aos poetas, escritores e leitores interessados, no tema, uma “discussão,” pacífica, ordeira, afim de abordarmos a questão, seriamente, se no Brasil faz-se HAICAI ou não.

 

Se o que andamos lendo em livros impressos e em muito mais quantidade no mundo virtual, em sites de poesia, seja haicai.

 

Como a grande maioria não obedece nenhuma regra, são livres de qualquer técnica, obviamente, não são haicais.Não deixam certamente de ser poemas. Sem analisar o mérito do conteúdo poético, enquadram-se perfeitamente como tercetos, poemetos, poetrix ou outros termos que os definam, mas continuam insistentemente “chamados” de haicai.

 

Quero crer que esses autores o fazem levados única e exclusivamente pela vaidade de poder afirmar “eu faço” haicai. Ou,sem considerar a distorção de conteúdo, exigido, segue na sua determinação, talvez até, intencionalmente de divulgar seu “anti-haicai” como se o fosse, para estabelecer a confusão.Diversão comum no mundo virtual exercida pelos mulos. Lamentável.

 

 

Nasce assim, esta tentativa de se retomar a história, não tão longínqua, da chegada do haicai ao Brasil.

 

Que fique claro, aqui não se propõe discutir o HAICAI nem a sua presença na nossa cultura, não, e sim uma originalidade percebida, entre outros, pelo grande poeta brasileiro Guilherme de Almeida, que apesar de criterioso, acabou colaborando para essa euforia de “abrasileirar-se, reinventar, liberar” sem critérios o haicai, que acabou redundando nessa parafernália que, tenho certeza, não era sua intenção.

 

Se for para escrevermos versinhos sem consistência ou riminhas de mau gosto, vamos assumir nossa própria identidade e não defini-los como HAICAI.

 

Devo afirmar, também, que há tercetos e não são poucos em português de poetas brasileiros muito bem compostos. Fantásticos.

 

Vamos respeitar o HAICAI.

Se for o caso, vamos errar em português.  

 

Isto posto vamos ao tema propriamente dito.  

 

Quando queremos falar sobre HAIKU/HAICAI, no Brasil, necessariamente temos de passar pelo mestre NEMPUKU SATO, imigrante japonês do início do século passado, que tinha consciência da sua tarefa em manter a arte da poesia, do seu país, no seio das colônias bem como divulgá-la na nova terra, juntamente com seus discípulos e entre eles o mestre MASUDA GOGA.

Discípulo de TAKAHAMA KIOSHI o mestre mais iluminado do haiku que presidia, do Japão, a divulgação dessa cultura para outros paises, a essa época, Nempuku era um assumido tradicionalista da cultura japonesa.

 

O mestre Nempuku -1898/1979- pelo trabalho desenvolvido junto às colônias , nos encontros com poetas brasileiros e encontros sociais firmou-se como um poeta brasileiro sem, entretanto, nunca ter escrito um poema em português.

Fez, e com muita competência, uma longa pesquisa para identificar os kigos brasileiros, que a final resultou em haicais maravilhosos e em um dicionário.

 

Este, talvez, o mais conhecido haiku do mestre:

Kaminari ya yomo no jukai no kogaminari

Um trovão estronda
E os trovõezinhos ecoam
Na selva em redor.

 

O HAIKU/HAIKAI chegou ao Brasil com os primeiros grupos de imigrantes japoneses a partir de 1908.

O haicai é um poema curto que se refere a um instante de interação do poeta com a natureza e o tempo (estação do ano) referindo-se, sempre, ao presente e não ao passado. A substância do haicai é o kigo que é uma palavra, termo, “constante da estação”. Ex.: geada é um kigo do inverno.

O haicai, portanto, é um poema, na sua origem, de 17 sons (em ideogramas) ou alfabéticas que no Brasil foram transformados em 17 sílabas com ênfase para a tônica.

Divididas da seguinte forma:

O primeiro verso tem 5 sílabas, o segundo tem 7 e o terceiro tem 5, não exigindo a presença de título ou rima.

Também teremos de passar, necessariamente, pela informação mínima de que o haicai chegou ao meio dos poetas brasileiros via autores franceses como Jules Supervielle, Tristan Derime, Paul-Louis Couchoud, que escreveu “Sages et poètes d´Asie”, em 1918, entre outros.  

O que já nos dá a idéia de que o haicai, com toda a sua complexidade, nos chega com “sotaque” francês.

Afirma o mestre MASUDA GOGA em “O Haicai no Brasil”:

 

O haiku introduzido por Afrânio Peixoto chamou a atenção de poetas brasileiros e evoluiu para a composição de haicai em português. Todavia, o haiku apresentado por Afrânio não constituía a introdução direta do haiku do Japão e sim uma retradução da versão feita para a língua francesa”.

 

Observem o labirinto que começam a entrar os poetas nativos. Se é necessário considerar os kigos e a “alma” japonesa, Afrânio e outros tradutores estariam pensando e sentindo em japonês, francês e português simultaneamente? 

 

Não se trata aqui, reafirmo, de discutir o haicai. O haicai não se discute, ele existe, ele é; o que podemos fazer é estudá-lo com quem está apto para ensinar.    

 

Os textos dos autores aqui transcritos são para ilustrar o que se pretende, ou seja, fazer com que poetas que contumazmente escrevem tercetos em português e publicam como haicai, percebam a complexidade que é traduzir ou compor um deles.

 

É no mínimo uma falta de respeito para com tal cultura que não nos apercebamos disto.

 

A vontade irrefreada, moderna, de “abrasileirar-se” o haicai tem duas vertentes:

 

Uma, a incontestável beleza da síntese harmônica do poema.

 

A outra o labirinto em que se embrenharam os poetas brasileiros, alguns consagrados por suas belíssimas obras em português, e que, apressadamente, diante da novidade atraente, passaram a escrever tercetos em português e chama-los de haicai. Seria um fato inusitado e desabonador para um já famoso poeta retroceder em seu feito.

 

Tal foi essa pressa que o nosso poeta Guilherme de Almeida “criou,” “inventou” um formato de haicai que ele próprio chama de “meu haicai” por admitir que não era um original como veremos mais a frente.  

 

  Assim temos, na edição de TOKASUI  MAJIMA com tradução de AKEMI  MAJIMA, com clareza:

 

Diferente da pintura, o haiku precisa ser traduzido para ser apreciado por quem não conhece o idioma japonês. No entanto, é de opinião generalizada que essa forma poética não pode ser traduzida para o idioma estrangeiro. Mas, se alguém perguntar se a tradução do haiku é impossível por motivos técnicos ou se se trata de uma impossibilidade intrínseca, a resposta seria: existe possibilidade, caso seja feita por um poeta (haicaísta), conhecedor perfeito das duas línguas (original e traduzida). Contudo, é um trabalho muito difícil “superar” as diferenças entre a cultura japonesa e a estrangeira. Não só é quase impossível trasladar os dezessete sons do haiku para dezessete sílabas do português , como são praticamente intraduzíveis os significados de termos como wabi (sentimento de profunda solidão, mistério da solidão) ou sabi (pátina do tempo, mistério da transformação, desolação e beleza da solidão).”

 

Nota do Tradutor: – Estas “traduções” dos termos wabi e sabi não passam de aproximações que não exprirnem toda a singularidade e profundidade dessas palavras, produtos puros, digamos assim, da multimilenar cultura japonesa.

 

Como vimos TOKASUI é contundente.

 

Veja o que diz Benedicto Ferri de Barros no prefácio de “O Hai Cai no Brasil” de Masuda Goga:

 

Na dimensão de uma miniatura, tão ao gosto do cânon estético nipônico, o Haicai no Brasil, de Hidekazu Masuda surge como um marco literário clássico deste gênero de poemas entre nós. Marco, porque assinala um ponto de referência que, daqui para frente, ao falar de haicai no Brasil, ninguém poderá ignorar.”

 

E acrescenta:

 

Bem creio jamais se alcançará reproduzir em português a força original de uma gema nipônica nem creio que as gemas brasileiras de haicai, vertidas, traduzam para o japonês sua rutilância própria.”

 

 

Cláudio Justiniano de Souza

, escritor e poeta afirma em sua obra “Impressões do Japão” (1940):
 
 
 
 

 

“Penso que uma forma poética como o haiku não poderá ser, absolutamente, traduzida para idioma estrangeiro. Pois com algum exagero pode-se dizer que mostra a atitude peculiar dos japoneses em relação à vida e ao mundo” (Obras Completas de Ikutarô Nishida, vol. XIII, Pensamento e Experiência, segunda parte).

“São (os haiku) como perfumes concentrados: se passam de um a outro vaso, evaporam-se em caminho.”

 

 

 

No texto: NEMPUKU SATO o poeta brasileiro:

 

Hoje, a comunidade de haicaístas japoneses no Brasil se organiza em diversos grêmios e publica haicais em revistas, jornais e antologias. Mas ela sente os efeitos da idade. Os filhos e netos dos imigrantes, cada vez mais integrados à comunidade brasileira, perdem a intimidade com a língua de seus ancestrais. Sendo assim, não ocorre renovação no quadro dos haicaístas.”

 

Apesar de o haicai ter-se expandido no meio dos poetas brasileiros a preocupação dos mestres volta-se para a comunidade japonesa que, em estudando, colaboraria mais originalmente com a sua essência e expansão.

Percebe-se, então, que por educação ou pela oportunidade de divulgação do termo (haicai) os mestres e discípulos não entram no mérito dos tercetos, sem regra alguma, que avançam aos milhares nominando-se de haicais.

 

E assim cresce o desvirtuamento do haicai e condena-se o terceto a um termo desvalorizado. Pena.

 

Se já sabemos como se compõe o haicai, essência e forma, vamos ver a seguir o que o poeta Guilherme de Almeida “criou” para dar um formato ao “seu” haicai: 

Eis o meu haikai. Dentro da regra de 5-7-5 sílabas, o primeiro verso rima com o terceiro. Na segunda linha rimam a segunda sílaba e a última.”

– – – – X
– O – – – – O
– – – – X

 

Caridade

Desfolha-se a rosa.
Parece até que floresce
O chão cor-de-rosa

Infância

Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chamava-se “Agora“.

História de algumas vidas

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
Passa sem parar.

O Haikai

Lava, escorre, agita
A areia. E enfim, na batéia,
Fica uma pepita.

Observe-se que Guilherme “organizou a sua criação” com título e rima regra que o haicai original dispensa.

        Velhice

Uma folha morta
Um galho, no céu grisalho.
Fecho a minha porta

Contando as sílabas:

 

U-ma fo-lha mor-ta.
1   2   3   4   5

Um ga-lho, no céu gri-sa-lho.
  1  2    3   4    5    6   7

Fe-cho a mi-nha por-ta.
  1    2    3        4         5

 

 

Podemos já vislumbrar o que começou a ocorrer diante de tais construções “liberais” para ir-se ao encontro da atração poética exercida pelo haicai.

Veja o que diz o poeta  Waldomiro Siqueira Júnior:

“manifesto respeito à tradição do Japão, mas faço meus versos, interpretando à minha maneira, como um ocidental”.

Waldomiro se liberou total. Seriam seus versos haicais? Ou tercetos em português bem compostos?

 

Jorge Fonseca Júnior afirma:

Assim… quanto ao haiku deve indicar ou refletir a estação do ano (ao menos indiretamente) em que é elaborado; e caracterizado, portanto, por sua extrema concisão, devendo, ao mesmo tempo, através desta, fluir com naturalidade o conteúdo poético” (Jorge Fonseca Júnior, Wenceslau de Morais e Outras Evocações, 1980, pp. 120-121 ).

Acrescenta ser “desnecessário colocar título em cada poema de haicai, nem observar rima”.

A divergência entre personalidades intelectuais que conviveram ou convivem no meio haicaiano, nos dá a dimensão da complexidade que é tratar-se do tema e como muito mais é escrevê-lo.  

Hoje, como já foi dito, os mestres e discípulos reúnem-se em grêmios para o estudo, tendo entre seus membros não só os descendentes da comunidade nipônica como, também, a presença de poetas nativos interessados em compreender a dinâmica do poema.

Os mestres e seus discípulos continuam e continuarão a escrever o HAIKU/HAIKAI tão belos quanto os que viajaram pelo mundo de seu mais famoso poeta e mestre MATSUO BASHÔ; aqui um dos mais famosos poemas do mestre:

                                          O velho tanque
                                                              Uma rã mergulha,
                                                              Barulho de água.

Em japonês, pronuncia-se aproximadamente da seguinte forma:

furú iquê iá
cauázu tobicômu
mizú no otô

Tradução de Paulo Franchetti e Elza Doi.

 

Acredito que com esta rápida exposição possa ter contribuído para a manutenção deste “diálogo” entre os interessados, que já sabiam e os  que não tinham conhecimento e quem sabe provocado algum tipo de reflexão naqueles que insistem em rejeitar o terceto, que é o que escrevem, e eleger o haicai como sua “forma”, e que assim, terminam por estabelecer uma anarquia poética em prejuízo da arte e da cultura milenar do povo do sol nascente.  

HAIKU do mestre MASUDA GOGA:

Cai, riscando um leve
traço dourado no azul,
uma flor de ipê !

Aozora ni
kin no sen hiku
ipê rakka!

 

Dois tercetos de épocas diferentes:

 

Destarte me afigura a fantasia

a vida com que vivo, desterrado

do bem que noutro tempo possuía

de Camões

 

 

da palavra o sal,
o grão
terceto -minha paixão

de Elpoeta

 

 

Não publiquei exemplos de “antihaicais” ou não “haicais” ou tercetos em português que são chamados de “haicais,” porque teria que citar o autor, e, não se trata aqui, também, de expor ou ridiculizar alguém. Quem quiser encontra-los que entre na rede e navegue. Não terá dificuldades.

Finalizo afirmando que jamais escrevi um haicai, justamente porque não o estudei com a profundidade necessária e porque defendo, com meu escasso conhecimento, o HAIKU na sua integridade dado a sua beleza, força e grandeza. Abrasileire-se o haicai a partir dos ensinamentos dos mestres nipônicos, que pensam, sentem e escrevem nas duas línguas. Os demais são tercetos,poetrix sem nenhum demérito porque podem ser, e muitos o são, lindos como o haicai.

Agradeço a colaboração divulgada ou não (email) em especial a poeta Marilda Confortin que com seu ensaio sobre o POETRIX acabou por me dar essa deixa.

À poeta Zuleika dos Reis com sua intervenção oportuna, como estudiosa do haicai, a qual desejamos e esperamos que se transforme numa grande haicaísta.

À Deborah O. Lins de Barros com a sua disposição ao terminar esta leitura entenderá, com certeza, o que eu quis dizer.

Ao Leonardo Meimes, amigo e palavreiro que com seu texto demonstrou que não está “gazeando” as aulas. Mas preciso retificá-lo no que diz respeito a substituir o termo haicai por poetrix:

peloamordedeuseujamaiscometeriataldisparateeagressãoemnenhummomentoeuafirmeiistovoltenostextosacimaeirásverificarafirmeisimporquenãobatizarotercetodepoetrix?porquehaicuiéhaicainãoésimplesmenteumtercetoemjaponês!foiisto.

Quanto a sua proposta de criar a subcategoria:Haicai Brasileiro, do ponto de vista do ensino, do organograma que os acadêmicos montam para transmitir suas aulas, não discuto, mas acho que irá levar ao encontro de um excessivo número de subpoetas.

À poeta, escritora, palavreira e amiga Bárbara Lia poderá, também compreender melhor a minha posição, após esta leitura, porquanto não era nem é de discutir o haicai e sim de demonstrar a complexidade e as divergências que estariam proporcionando esse altíssimo número de “antihaicais”  disponíveis para leitura, principalmente no mundo virtual, levando os leitores a uma falsa compreensão.

Ao poeta e escritor Silas Correa Leite que com sua experiência e muitos quilômetros percorridos vem em meu socorro com “…e, confesso, o que mais vi de bobo-ruim foi mesmo haikais abrasileirados.”

Ao poeta Goulart Gomes  criador do termo POETRIX  que afirma: “… sempre escrevi tercetos achando que eram haikais. Um belo dia, Aníbal Beça me fez conhecer o que é verdadeiramente o haikai, conforme concebido em sua forma “abrasileirada” para o português (ver a mensagem de Zuleica)”  e mais “Respeito tanto o haikai que não quis “contaminá-lo” com o que eu e tantos outros autores escrevem…” ufa! Já tenho companhia.

Obrigado Goulart pela colaboração e cumprimento-o pela sua posição e pela criação do POETRIX.

Desta forma, com estes objetivos, continuarei aguardando novas contribuições sobre o tema de quem já se manifestou ou não; porquanto o assunto está na rede mundial e seguidamente será encontrado.

Jb Vidal

 

 

COMENTÁRIO:

 

 

COMENTÁRIO:

 

JB VIDAL

 

não, minha nobre amiga marilda, nem os leitores deste site, porque imagino-os inteligentes estão satisfeitos e muito menos eu, antes, pelo contrário, aprofunda-se a minha certeza no sentido de NUNCA foi escrito um HAICAI por poetas brasileiros a começar por nosso grande poeta Guilherme de Almeida até os nossos dias. devo ressalvar, óbvio, os poetas da escola do HAICAI descendentes de japoneses e residentes no Brasil, porque passaram a conhecer as duas línguas e a pensar em duas linguas, PERFEITAMENTE, como ensina o mestre NEMPUKU, esses sim, escreveram HAICAIS belíssimos. por ora é só.
abraço,

jb vidal

 

 

COMENTÁRIO:

JB VIDAL

Do HAICAI e do TERCETO

 

Pois bem, a partir do texto da poeta Marilda Confortin, é que propus aos poetas, escritores e leitores interessados, no tema, uma “discussão,” pacífica, ordeira, afim de abordarmos a questão, seriamente, se no Brasil faz-se HAICAI ou não.

 

Se o que andamos lendo em livros impressos e em muito mais quantidade no mundo virtual, em sites de poesia, seja haicai.

 

Como a grande maioria não obedece nenhuma regra, são livres de qualquer técnica, obviamente, não são haicais.Não deixam certamente de ser poemas. Sem analisar o mérito do conteúdo poético, enquadram-se perfeitamente como tercetos, poemetos, poetrix ou outros termos que os definam, mas continuam insistentemente “chamados” de haicai.

 

Quero crer que esses autores o fazem levados única e exclusivamente pela vaidade de poder afirmar “eu faço” haicai. Ou,sem considerar a distorção de conteúdo, exigido, segue na sua determinação, talvez até, intencionalmente de divulgar seu “anti-haicai” como se o fosse, para estabelecer a confusão.Diversão comum no mundo virtual exercida pelos mulos. Lamentável.

 

 

Nasce assim, esta tentativa de se retomar a história, não tão longínqua, da chegada do haicai ao Brasil.

 

Que fique claro, aqui não se propõe discutir o HAICAI nem a sua presença na nossa cultura, não, e sim uma originalidade percebida, entre outros, pelo grande poeta brasileiro Guilherme de Almeida, que apesar de criterioso, acabou colaborando para essa euforia de “abrasileirar-se, reinventar, liberar” sem critérios o haicai, que acabou redundando nessa parafernália que, tenho certeza, não era sua intenção.

 

Se for para escrevermos versinhos sem consistência ou riminhas de mau gosto, vamos assumir nossa própria identidade e não defini-los como HAICAI.

 

Devo afirmar, também, que há tercetos e não são poucos em português de poetas brasileiros muito bem compostos. Fantásticos.

 

Vamos respeitar o HAICAI.

Se for o caso, vamos errar em português.  

 

Isto posto vamos ao tema propriamente dito.  

 

Quando queremos falar sobre HAIKU/HAICAI, no Brasil, necessariamente temos de passar pelo mestre NEMPUKU SATO, imigrante japonês do início do século passado, que tinha consciência da sua tarefa em manter a arte da poesia, do seu país, no seio das colônias bem como divulgá-la na nova terra, juntamente com seus discípulos e entre eles o mestre MASUDA GOGA.

Discípulo de TAKAHAMA KIOSHI o mestre mais iluminado do haiku que presidia, do Japão, a divulgação dessa cultura para outros paises, a essa época, Nempuku era um assumido tradicionalista da cultura japonesa.

 

O mestre Nempuku -1898/1979- pelo trabalho desenvolvido junto às colônias , nos encontros com poetas brasileiros e encontros sociais firmou-se como um poeta brasileiro sem, entretanto, nunca ter escrito um poema em português.

Fez, e com muita competência, uma longa pesquisa para identificar os kigos brasileiros, que a final resultou em haicais maravilhosos e em um dicionário.

 

Este, talvez, o mais conhecido haiku do mestre:

Kaminari ya yomo no jukai no kogaminari

Um trovão estronda
E os trovõezinhos ecoam
Na selva em redor.

 

O HAIKU/HAIKAI chegou ao Brasil com os primeiros grupos de imigrantes japoneses a partir de 1908.

O haicai é um poema curto que se refere a um instante de interação do poeta com a natureza e o tempo (estação do ano) referindo-se, sempre, ao presente e não ao passado. A substância do haicai é o kigo que é uma palavra, termo, “constante da estação”. Ex.: geada é um kigo do inverno.

O haicai, portanto, é um poema, na sua origem, de 17 sons (em ideogramas) ou alfabéticas que no Brasil foram transformados em 17 sílabas com ênfase para a tônica.

Divididas da seguinte forma:

O primeiro verso tem 5 sílabas, o segundo tem 7 e o terceiro tem 5, não exigindo a presença de título ou rima.

Também teremos de passar, necessariamente, pela informação mínima de que o haicai chegou ao meio dos poetas brasileiros via autores franceses como Jules Supervielle, Tristan Derime, Paul-Louis Couchoud, que escreveu “Sages et poètes d´Asie”, em 1918, entre outros.  

O que já nos dá a idéia de que o haicai, com toda a sua complexidade, nos chega com “sotaque” francês.

Afirma o mestre MASUDA GOGA em “O Haicai no Brasil”:

 

O haiku introduzido por Afrânio Peixoto chamou a atenção de poetas brasileiros e evoluiu para a composição de haicai em português. Todavia, o haiku apresentado por Afrânio não constituía a introdução direta do haiku do Japão e sim uma retradução da versão feita para a língua francesa”.

 

Observem o labirinto que começam a entrar os poetas nativos. Se é necessário considerar os kigos e a “alma” japonesa, Afrânio e outros tradutores estariam pensando e sentindo em japonês, francês e português simultaneamente? 

 

Não se trata aqui, reafirmo, de discutir o haicai. O haicai não se discute, ele existe, ele é; o que podemos fazer é estudá-lo com quem está apto para ensinar.    

 

Os textos dos autores aqui transcritos são para ilustrar o que se pretende, ou seja, fazer com que poetas que contumazmente escrevem tercetos em português e publicam como haicai, percebam a complexidade que é traduzir ou compor um deles.

 

É no mínimo uma falta de respeito para com tal cultura que não nos apercebamos disto.

 

A vontade irrefreada, moderna, de “abrasileirar-se” o haicai tem duas vertentes:

 

Uma, a incontestável beleza da síntese harmônica do poema.

 

A outra o labirinto em que se embrenharam os poetas brasileiros, alguns consagrados por suas belíssimas obras em português, e que, apressadamente, diante da novidade atraente, passaram a escrever tercetos em português e chama-los de haicai. Seria um fato inusitado e desabonador para um já famoso poeta retroceder em seu feito.

 

Tal foi essa pressa que o nosso poeta Guilherme de Almeida “criou,” “inventou” um formato de haicai que ele próprio chama de “meu haicai” por admitir que não era um original como veremos mais a frente.  

 

  Assim temos, na edição de TOKASUI  MAJIMA com tradução de AKEMI  MAJIMA, com clareza:

 

Diferente da pintura, o haiku precisa ser traduzido para ser apreciado por quem não conhece o idioma japonês. No entanto, é de opinião generalizada que essa forma poética não pode ser traduzida para o idioma estrangeiro. Mas, se alguém perguntar se a tradução do haiku é impossível por motivos técnicos ou se se trata de uma impossibilidade intrínseca, a resposta seria: existe possibilidade, caso seja feita por um poeta (haicaísta), conhecedor perfeito das duas línguas (original e traduzida). Contudo, é um trabalho muito difícil “superar” as diferenças entre a cultura japonesa e a estrangeira. Não só é quase impossível trasladar os dezessete sons do haiku para dezessete sílabas do português , como são praticamente intraduzíveis os significados de termos como wabi (sentimento de profunda solidão, mistério da solidão) ou sabi (pátina do tempo, mistério da transformação, desolação e beleza da solidão).”

 

Nota do Tradutor: – Estas “traduções” dos termos wabi e sabi não passam de aproximações que não exprirnem toda a singularidade e profundidade dessas palavras, produtos puros, digamos assim, da multimilenar cultura japonesa.

 

Como vimos TOKASUI é contundente.

 

Veja o que diz Benedicto Ferri de Barros no prefácio de “O Hai Cai no Brasil” de Masuda Goga:

 

Na dimensão de uma miniatura, tão ao gosto do cânon estético nipônico, o Haicai no Brasil, de Hidekazu Masuda surge como um marco literário clássico deste gênero de poemas entre nós. Marco, porque assinala um ponto de referência que, daqui para frente, ao falar de haicai no Brasil, ninguém poderá ignorar.”

 

E acrescenta:

 

Bem creio jamais se alcançará reproduzir em português a força original de uma gema nipônica nem creio que as gemas brasileiras de haicai, vertidas, traduzam para o japonês sua rutilância própria.”

 

 

Cláudio Justiniano de Souza

, escritor e poeta afirma em sua obra “Impressões do Japão” (1940):
 
 
 
 

 

“Penso que uma forma poética como o haiku não poderá ser, absolutamente, traduzida para idioma estrangeiro. Pois com algum exagero pode-se dizer que mostra a atitude peculiar dos japoneses em relação à vida e ao mundo” (Obras Completas de Ikutarô Nishida, vol. XIII, Pensamento e Experiência, segunda parte).

“São (os haiku) como perfumes concentrados: se passam de um a outro vaso, evaporam-se em caminho.”

 

 

 

No texto: NEMPUKU SATO o poeta brasileiro:

 

Hoje, a comunidade de haicaístas japoneses no Brasil se organiza em diversos grêmios e publica haicais em revistas, jornais e antologias. Mas ela sente os efeitos da idade. Os filhos e netos dos imigrantes, cada vez mais integrados à comunidade brasileira, perdem a intimidade com a língua de seus ancestrais. Sendo assim, não ocorre renovação no quadro dos haicaístas.”

 

Apesar de o haicai ter-se expandido no meio dos poetas brasileiros a preocupação dos mestres volta-se para a comunidade japonesa que, em estudando, colaboraria mais originalmente com a sua essência e expansão.

Percebe-se, então, que por educação ou pela oportunidade de divulgação do termo (haicai) os mestres e discípulos não entram no mérito dos tercetos, sem regra alguma, que avançam aos milhares nominando-se de haicais.

 

E assim cresce o desvirtuamento do haicai e condena-se o terceto a um termo desvalorizado. Pena.

 

Se já sabemos como se compõe o haicai, essência e forma, vamos ver a seguir o que o poeta Guilherme de Almeida “criou” para dar um formato ao “seu” haicai: 

Eis o meu haikai. Dentro da regra de 5-7-5 sílabas, o primeiro verso rima com o terceiro. Na segunda linha rimam a segunda sílaba e a última.”

– – – – X
– O – – – – O
– – – – X

 

Caridade

Desfolha-se a rosa.
Parece até que floresce
O chão cor-de-rosa

Infância

Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chamava-se “Agora“.

História de algumas vidas

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
Passa sem parar.

O Haikai

Lava, escorre, agita
A areia. E enfim, na batéia,
Fica uma pepita.

Observe-se que Guilherme “organizou a sua criação” com título e rima regra que o haicai original dispensa.

        Velhice

Uma folha morta
Um galho, no céu grisalho.
Fecho a minha porta

Contando as sílabas:

 

U-ma fo-lha mor-ta.
1   2   3   4   5

Um ga-lho, no céu gri-sa-lho.
  1  2    3   4    5    6   7

Fe-cho a mi-nha por-ta.
  1    2    3        4         5

 

 

Podemos já vislumbrar o que começou a ocorrer diante de tais construções “liberais” para ir-se ao encontro da atração poética exercida pelo haicai.

Veja o que diz o poeta  Waldomiro Siqueira Júnior:

“manifesto respeito à tradição do Japão, mas faço meus versos, interpretando à minha maneira, como um ocidental”.

Waldomiro se liberou total. Seriam seus versos haicais? Ou tercetos em português bem compostos?

 

Jorge Fonseca Júnior afirma:

Assim… quanto ao haiku deve indicar ou refletir a estação do ano (ao menos indiretamente) em que é elaborado; e caracterizado, portanto, por sua extrema concisão, devendo, ao mesmo tempo, através desta, fluir com naturalidade o conteúdo poético” (Jorge Fonseca Júnior, Wenceslau de Morais e Outras Evocações, 1980, pp. 120-121 ).

Acrescenta ser “desnecessário colocar título em cada poema de haicai, nem observar rima”.

A divergência entre personalidades intelectuais que conviveram ou convivem no meio haicaiano, nos dá a dimensão da complexidade que é tratar-se do tema e como muito mais é escrevê-lo.  

Hoje, como já foi dito, os mestres e discípulos reúnem-se em grêmios para o estudo, tendo entre seus membros não só os descendentes da comunidade nipônica como, também, a presença de poetas nativos interessados em compreender a dinâmica do poema.

Os mestres e seus discípulos continuam e continuarão a escrever o HAIKU/HAIKAI tão belos quanto os que viajaram pelo mundo de seu mais famoso poeta e mestre MATSUO BASHÔ; aqui um dos mais famosos poemas do mestre:

                                          O velho tanque
                                                              Uma rã mergulha,
                                                              Barulho de água.

Em japonês, pronuncia-se aproximadamente da seguinte forma:

furú iquê iá
cauázu tobicômu
mizú no otô

Tradução de Paulo Franchetti e Elza Doi.

 

Acredito que com esta rápida exposição possa ter contribuído para a manutenção deste “diálogo” entre os interessados, que já sabiam e os  que não tinham conhecimento e quem sabe provocado algum tipo de reflexão naqueles que insistem em rejeitar o terceto, que é o que escrevem, e eleger o haicai como sua “forma”, e que assim, terminam por estabelecer uma anarquia poética em prejuízo da arte e da cultura milenar do povo do sol nascente.  

HAIKU do mestre MASUDA GOGA:

Cai, riscando um leve
traço dourado no azul,
uma flor de ipê !

Aozora ni
kin no sen hiku
ipê rakka!

 

Dois tercetos de épocas diferentes:

 

Destarte me afigura a fantasia

a vida com que vivo, desterrado

do bem que noutro tempo possuía

de Camões

 

 

da palavra o sal,
o grão
terceto -minha paixão

de Elpoeta

 

 

Não publiquei exemplos de “antihaicais” ou não “haicais” ou tercetos em português que são chamados de “haicais,” porque teria que citar o autor, e, não se trata aqui, também, de expor ou ridiculizar alguém. Quem quiser encontra-los que entre na rede e navegue. Não terá dificuldades.

Finalizo afirmando que jamais escrevi um haicai, justamente porque não o estudei com a profundidade necessária e porque defendo, com meu escasso conhecimento, o HAIKU na sua integridade dado a sua beleza, força e grandeza. Abrasileire-se o haicai a partir dos ensinamentos dos mestres nipônicos, que pensam, sentem e escrevem nas duas línguas. Os demais são tercetos,poetrix sem nenhum demérito porque podem ser, e muitos o são, lindos como o haicai.

Agradeço a colaboração divulgada ou não (email) em especial a poeta Marilda Confortin que com seu ensaio sobre o POETRIX acabou por me dar essa deixa.

À poeta Zuleika dos Reis com sua intervenção oportuna, como estudiosa do haicai, a qual desejamos e esperamos que se transforme numa grande haicaísta.

À Deborah O. Lins de Barros com a sua disposição ao terminar esta leitura entenderá, com certeza, o que eu quis dizer.

Ao Leonardo Meimes, amigo e palavreiro que com seu texto demonstrou que não está “gazeando” as aulas. Mas preciso retificá-lo no que diz respeito a substituir o termo haicai por poetrix:

peloamordedeuseujamaiscometeriataldisparateeagressãoemnenhummomentoeuafirmeiistovoltenostextosacimaeirásverificarafirmeisimporquenãobatizarotercetodepoetrix?porquehaicuiéhaicainãoésimplesmenteumtercetoemjaponês!foiisto.

Quanto a sua proposta de criar a subcategoria:Haicai Brasileiro, do ponto de vista do ensino, do organograma que os acadêmicos montam para transmitir suas aulas, não discuto, mas acho que irá levar ao encontro de um excessivo número de subpoetas.

À poeta, escritora, palavreira e amiga Bárbara Lia poderá, também compreender melhor a minha posição, após esta leitura, porquanto não era nem é de discutir o haicai e sim de demonstrar a complexidade e as divergências que estariam proporcionando esse altíssimo número de “antihaicais”  disponíveis para leitura, principalmente no mundo virtual, levando os leitores a uma falsa compreensão.

Ao poeta e escritor Silas Correa Leite que com sua experiência e muitos quilômetros percorridos vem em meu socorro com “…e, confesso, o que mais vi de bobo-ruim foi mesmo haikais abrasileirados.”

Ao poeta Goulart Gomes  criador do termo POETRIX  que afirma: “… sempre escrevi tercetos achando que eram haikais. Um belo dia, Aníbal Beça me fez conhecer o que é verdadeiramente o haikai, conforme concebido em sua forma “abrasileirada” para o português (ver a mensagem de Zuleica)”  e mais “Respeito tanto o haikai que não quis “contaminá-lo” com o que eu e tantos outros autores escrevem…” ufa! Já tenho companhia.

Obrigado Goulart pela colaboração e cumprimento-o pela sua posição e pela criação do POETRIX.

Desta forma, com estes objetivos, continuarei aguardando novas contribuições sobre o tema de quem já se manifestou ou não; porquanto o assunto está na rede mundial e seguidamente será encontrado.

Jb Vidal

 

 

COMENTÁRIO:

 João Batista do Lago

TERCETOS, NADA MAIS QUE TERCETOS

 

Aviso aos “haicaístas” de plantão: os versos abaixo não são, em hipóteses quaisquer, Haicai. Segundo a minha concepção são (e nada mais do que isso são) tercetos que fazem parte de um estudo poético que desenvolvo. Nestes tercetos introduzo práxis técnica e metodológica “metricamente” diferentes e contrários àqueles que são utilizados pelo haicai, ou seja, a construção do haicai compõe-se de três versos de dezessete sílabas: o primeiro e o terceiro versos são de cinco sílabas; o segundo de sete. Já nos tercetos que componho o primeiro e o terceiro versos são de sete sílabas e o segundo de cinco sílabas.

Outro aspecto que considero relevante destacar, para delimitar definitivamente a diferença dos tercetos que construo, reside no seguinte fato: o haicai, genericamente, deve concentrar pensamento poético e/ou filosófico inspirado nas mudanças que o ciclo das estações provoca no mundo concreto. Já os “meus” tercetos concentram pensamentos variados (p. ex.: filosofia, economia, sociologia, sociedade e comportamento social, religião, etc.) oriundos da concretitude do concreto da realidade, do real, da infra-estrutura (a partir de conceito filosófico marxista oriundo do “new criticism” da Escola de Frankfurt).

Para, além disso, devo destacar outro ponto que me distancia definitivamente da corrente haicaísta vernacular (até porque só entendo o haicai estruturado a partir da essencialidade vernáculo-epigramático japonês): cada vez mais a minha poética torna-se ôntico-ontológica e caminha no, assim, sentido de se amalgamar no conceito do Surracionalismo bachelardiano, sobretudo quando infere: “O exterior e o interior formam uma dialética de esquartejamento, e a geometria evidente dessa dialética nos cega tão logo a introduzimos em âmbitos metafóricos. Ela tem a nitidez crucial do ‘sim’ e do ‘não’, que tudo decide. Fazemos dela, sem o percebermos, uma base de imagem que comandam todos os pensamentos do positivo e do negativo. Os lógicos traçam círculos que se superpõem ou se excluem, e logo todas as suas regras se tornam claras. O filósofo, com o interior e o exterior, pensa o ser e o não-ser (o caso da ”minha” poética, especificamente). A metafísica mais profunda está assim enraizada numa geometria implícita, numa geometria que – queiram ou não – especializa o pensamento; se o metafísico não desenhasse, seria capaz de pensar? O aberto e o fechado são metáforas que se liga a tudo, até aos sistemas” – Gaston Bachelard in A Poética do Espaço, pp. 215 e 216.

 

* * * * *

 

I

 

Como macho repetem

Elas são assim:

Feministas, competem.

 

II

 

O capital confesso:

Homem é peça.

O mercado professa.

 

III

 

Amor só é ilusão

Reduz todo ser

À miserável prisão

 

IV

 

O cigarro vem antes

O uísque depois

Amor de um não é dois

 

V

 

A vida: só um sonho

Simples ilusão

Espera nela ponho

 

VI

 

No amor a dominação

Plena sujeição!

No processo: produção

 

VII

 

Cantai à felicidade

Diz o profeta

Imita assim ao poeta

 

VIII

 

A palavra na arte

Lavra amor e dor

Colhe o fruto sofredor

 

IX

 

Fé remove montanha

Demove do homem

Fortaleza tamanha

 

X

 

Quem canta, males espanta!

Cantai aos prantos

Desespero vos encanta

 

XI

 

A paz da guerra salva

A guerra acalma

Todo poder sem alma

 

XII

 

Visitai sempre a alma

Ela é só calma

Na diversa confusão

 

XII

 

Corpo reflexo: tempo.

Mente reflete

Toda morte presente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VENDE-SE UM PLANETA EM BOM ESTADO por márcio salgues

Como se já não bastasse tudo que se vende por aí, uma das questões mais debatidas na atualidade é a privatização dos recursos hídricos. Querem privatizar a água meu Deus!

Certamente o leitor já leu essas estatísticas em algum lugar, mas vamos lá: cerca de 70% da superfície terrestre é coberta de água. Deste total, 97% é água salgada que se acumula nos mares e oceanos; 2,493% é água doce, mas concentrada nas geleiras e aqüíferos de difícil acesso; 0,001% da água está na atmosfera. De todo esse volume, 0,006% é a água doce encontrada nos rios, lagos, e águas subterrâneas de fácil acesso para o nosso consumo. Só para fazer uma comparação imaginem o planeta como um balde, com capacidade para 100 litros, cheio d´água. Desses 100 litros, dispomos para consumo algo como uma colher de sopa. Pois bem, é essa “colher de sopa” de água que se pretende ter controlada pelo capital privado.

Bem, teoricamente a água é um direito humano, já que é impossível sobreviver sem ela, e nós pagamos à administração pública pelos serviços de saneamento básico e tratamento dessa água. Apesar de a maior parte da população do país não dispor de saneamento básico. Mas isso não vem caso agora. Explorar comercialmente a água não é como explorar minério de ferro. Eu não preciso comer 100 gramas de pregos todos os dias para me manter vivo. Mas, considerando, que a maioria da população não sabe mesmo aproveitar a pouca água de que dispõe, talvez essa seja mesmo uma boa idéia. Sempre que se mexe no nosso bolso, nós acordamos para os desperdícios.

Só para me limitar às pequenas atividades rotineiras do lar, talvez até mesmo você, caro leitor, seja um desses cidadãos cabeçudos que enquanto lavam o carro, fazem a barba, dão banho no Pitbull, ou escovam os dentes, deixam a torneira aberta enquanto a água se esvai pelos ralos e bueiros. Talvez até mesmo você, prezada leitora, seja uma dessas cidadãs também cabeçudas, que costuma passar horas varrendo a calçada de casa com um jato d’água, deixa a torneira da pia aberta enquanto ensaboa a louça, ou fica batendo papo no telefone enquanto a ducha do banheiro está aberta. E por falar em banheiro, só o vaso sanitário sendo acionado três vezes por dia, por quatro pessoas, numa família média, consome 4.320 litros de água potável por mês. Considerando uma população de 170 milhões de habitantes, gastamos por mês 183,6 bilhões de litros de água potável com fezes, cocô. Me perdoem o termo, m* mesmo. Mais da metade da humanidade seria capaz de matar para beber um copo dessa água. É bom que você comece a pensar nisso toda vez que for usar o banheiro.

Mas já que é para vender recursos essenciais a vida no planeta, vou aproveitar para sugerir que o ar que respiramos também seja vendido à empresas dispostas a explorar esse filão. Pode-se construir abóbadas de acrílico sobre casas e condomínios que seriam abastecidas pela empresa fornecedora do ar. Se você não pagar a fatura mensal, corta-se o fornecimento. Simples. Os condomínios mais ricos ainda podem optar por abóbadas fotocromáticas, que oferecem proteção contra os raios infravermelhos do sol e um ar enriquecido com vitaminas e sais minerais, e disponível nos aromas flores do campo, eucalipto e flor de lótus tibetanos, totalmente livre de impurezas. Nas favelas, é só instalar uma abóbada popular, de acrílico barato, desse tipo dos óculos que se vendem nos camelôs. O abastecimento de ar pode ser feito periodicamente, por veículos do tipo “fumacê”. Aqueles modelos típicos de Terceiro Mundo que ficaram famosos graças aos nossos mosquitos Aedes Aegipt, que seguiam pelas ruas fazendo barulho enquanto lançavam inseticidas no ar. Inclusive, logo estarão de volta na versão 2004.

Caminhar pelas ruas também não seria problema. Graças a Jacques Costeau, que criou os famosos “aqualungs” para mergulho, cada cidadão poderia andar tranqüilamente com o seu próprio, em versões Louis Vuiton, Gucci, Pierre Cardin, Samsonite, ou uma imitação de pirateada, encontrada em qualquer centro urbano. Lógico que haverá postos de abastecimento em shoppings, lojas de conveniência, bancas de revistas, etc.

Aliás, já que é para avacalhar mesmo, é melhor colocar uma gigantesca placa de “Vende-se! Planeta em bom estado, com apenas 4 bilhões de anos!” fincada nos pólos e enviar, via sinais de rádio, quatrilhões de mensagens de propaganda em forma de “spam”, tipo essas propagandas insuportáveis – a maioria oferecendo aparelhos para aumentar o pênis em 10 centímetros – que enchem minha caixa de correio eletrônico diariamente. Quem sabe assim, apareça uma civilização de um planeta distante, ramificação do Greenpeace, que seja evoluída, fraterna e filantrópica; compre logo essa nossa joça e faça uma reforma, transformando a Terra em um lugar decente. Um tipo de reserva ecológica.

Obviamente, há também o risco de, dependendo da civilização investidora, o planeta virar uma espécie de Templo Literalmente Universal do Reino de Zurg, ou mesmo se tornar uma filial de alguma franquia espacial de fast food. Um tipo de Mac Donald´s Sideral, onde nós seremos a carne do hambúrguer.

 

MAYSA MATARAZZO a musa – pela editoria

Nasceu em uma família rica e tradicional, e casou aos 18 anos com um herdeiro da milionária família paulista Matarazzo, 20 anos mais velho que ela. Desde antes do casamento já compunha e tocava piano, e mesmo depois continuou cantando suas músicas em festinhas íntimas de amigos. Quando um produtor musical a ouviu, quis contratá-la imediatamente para gravar um disco, mas Maysa, que estava grávida, pediu que esperasse o nascimento do filho. Afinal saiu “Convite para Ouvir Maysa”, em quatro volumes, entre 1956 e 59, pela RGE, com os sucessos “Ouça”, “Adeus” e “Meu Mundo Caiu”. Tornou-se uma estrela, para desgosto da família do marido, e separou-se pouco depois, ficando abalada e deprimida com o fato. Suas músicas, já tradicionalmente de “fossa”, tornaram-se ainda mais melancólicas, o que pode ser facilmente observável apenas pelo título de alguns de seus maiores sucessos: “Felicidade Infeliz” (Maysa), “Solidão” (Antônio Bruno), “Bom dia, Tristeza” (Adoniran Barbosa/ Vinicius de Moraes), “Tristeza” (Haroldo Lobo/ Niltinho), “Ne Me Quite Pas” (Jacques Brel)e “Bloco da Solidão” (Jair Amorim/ Evaldo Gouveia). Mudou-se para o Rio em 1960, quando gravou o disco “O Barquinho”, um marco da bossa nova, acompanhada pelo embrião do Tamba Trio, e passou a gravar e excursionar por outros países, animada principalmente por Ronaldo Bôscoli, seu namorado na época. Com uma vida sempre agitada por casos amorosos e problemas com bebida, Maysa gravou alguns dos discos mais importantes da bossa nova e da música romântica brasileira. Seus sucessos incluem “Meditação” (Tom Jobim/ Newton Mendonça), Dindi (Jobim/ Aloysio de Oliveira), “Se Todos Fossem Iguais a Você” (Jobim/ Moraes).

 

WELWITSCHIA MIRABILIS poema (autor não identificado)

welwitschia mirabilis

 

Quem te traz, planta solitária do deserto, ao longo dos séculos?
Quem te alimenta e às tuas flores na estéril gleba?
Que braço, que mão, que asas, que anjo ou demónio
te conduzem e protegem na cela aberta da tua solidão?

Que ventos selvagens e sem amarras arrebatam os teus alados periantos
e os transportam por sobre as dunas do tempo
pela planura imensa e faiscante?
Que hálito de inclemência e sal é este que sopra do largo?

Por que afagas nas tuas asas aqueles que te consomem e queimam ao longo dos séculos?
Donde a força que os desgoverna desde os indecisos confins?
Donde o ânimo que os faz subir as altas muralhas
de fragas e penhascos da desventrada Costa dos Esqueletos,
qual caravana de serpentes enoveladas e arrastadas
por sobre as tuas verdes asas, como demónios violadores?

Como sobrevives, se dentro das implacáveis labaredas?
Como resistes, eterna e glauca e sempre fresca
na envoltura de cal da planície de restos?
Como seguras o tempo primário e imóvel
nas areias de sal e de vento e de fogo
que fustigam e torturam as tuas enigmáticas brácteas?

E o Sol, por que o recebes de braços abertos,
quando é ele que queima o orvalho transparente e breve
que haures na lentidão silente das tuas madrugadas?
Que umbráculos acautelam a tua semente incendiada
quando o astro-rei fulgura sobre os ponteiros do meio-dia?
Por que o recebes com o teu sorriso secular e aberto,
a ele, que abrasa as areias e as pedras à tua volta
até às pálpebras vermelhas do crepúsculo?

Que espúrias cinzas te renascem,
gloriosa fénix africana, ao longo das centúrias?
Donde os plangentes e lacerados lamentos de harpa
que te amanhecem e trespassam de perpétua solidão?

Tu que tudo sabes e perdoas, flor solitária do deserto,
tu que sofres no mar de areia, de fogo e de vento
que se alevanta do mar frio da Costa dos Esqueletos,
diz-me… diz-me… terna amiga: “como se cura a solidão?”

Quero dormir esta noite dentro dos teus braços milenares.
Abrigado pelas tuas asas verde-jade.
Nas margens precárias do meu leito,
tendo por limite as paredes oblíquas do meu quarto de vento e areia,
quero beber contigo o frio e doce orvalho da madrugada.

E quando a Lua plena iniciar a descida pelas escadas azulinas do zénite,
quero ser um dos navios naufragados.
Sem mastros, sem velas e sem leme,
vestido de vento e espuma, vogarei contigo
em liberdade de algemas pelos lençóis de bruma do Golfo
e, desgovernados, adernaremos
por sobre os espelhos de areia e algas da Praia dos Esqueletos.

No meu sonho alado e sem âncoras,
quando o mel lunar encher de oiro o nosso território,
perguntar-te-ei, de novo, como se preenche o vazio da solidão.
E tu dir-me-ás então, e tão-somente, que frágil é o corpo, e efémero é o sonho.
E eu sei, amiga, que por aí te ficarás.

E juntos adormeceremos de mãos dadas
sob as horas ermas de silêncio e solidão sem limites
que nocturnas e demoradas tombam
por sobre o chão lunar do mítico Namib.

 

Nota:
É difícil avaliar a idade que estas plantas atingem, mas pensa-se que possam viver mais de 1000 anos. Algumas poderão ter mais que 2000 anos. http://pt.wikipedia.org/wiki/Welwitschia


RUMOREJANDO por josé zokner (juca)

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.
Constatação I
Rico vive absorto; pobre, displicente.
Constatação II
Marcelinho Carioca, que recentemente andou jogando no Santo André, depois de uma breve passagem como comentarista esportivo, quando comemorava, como jogador do meu Corinthians, a vitória de um campeonato do seu time, colocava uma faixa de “Atleta de Cristo” na sua cabeça. Durante as partidas distribuía pontapés, chutes e botinadas nos adversários como se eles fossem os vendilhões do templo…
Constatação III
Rico correndo é atleta; pobre correndo é que a polícia vem atrás.
Constatação IV
Quando o obcecado leu na vitrine da livraria a chamada de um livro “Introdução auspiciosa”, incontinente pensou: “Passível de mal-entendidos”.
Constatação V
E como apregoava outro obcecado – nada a ver com o anterior – filosófica e didaticamente: “A gente tem que ser favorável à mudança de posição. Afinal, não adianta querer repetir as emoções anteriores porque elas nunca se repetem.
Constatação VI (De conselhos úteis).
Data vênia, como diriam nossos juristas, mas Rumorejando acha que S. Excia. a Ministra do Turismo, ao invés de recomendar “relaxa e goza” para quem tomou ou ainda toma um chá de até 12 ou 24 horas nos aeroportos, poderia objetivamente recomendar o seguinte: Que os passageiros antecipem suas viagens em 24 horas para, desse modo, chegariam em tempo para seus compromissos. De nada!
Constatação VII
Deu na mídia: “Mantega nega caos, ‘problema’ é o fluxo de passageiros”. O Ministro da Fazenda acha que crise aérea é o “preço do sucesso” da economia. Data vênia, como diriam nossos juristas, mas Rumorejando acha que S. Excia., na suas assertivas terrivelmente infeliz, quis dizer, em outras palavras, que há bens que vêm para o mal. Coitado… de nós todos.
Constatação VIII
A frase do Ministro Mantega, ainda segundo a mídia, suscitou o seguinte comentário do relator da CPI da crise aérea na Câmara, Marco Maia (PT-RS): “É melhor que o ministro fique calado. Em vez de ajudar, só atrapalha o processo com essas declarações. Foi um comentário desnecessário, descabido e fora de propósito”, afirmou. Data vênia, como já foi assinalado anteriormente, porém Rumorejando acha que não somente o Ministro foi infeliz como também o da Saúde que, ano passado, asseverou que não havia problema na sua pasta. Nossos políticos acham, como tantos, que pimenta nos olhos dos outros é refresco. Nos olhos, porque somos educados…
Constatação IX
Rico subtrai; pobre, surrupia.
Constatação X (Dúvida crucial via pseudo-haicai).
Tento desvendar um mistério
Devo me casar
Ou entrar num monastério?
Constatação XI (Dúvida crucial via pseudo-haicai).
Foi a cartomante
Que não atinou que o marido
Tinha uma amante?
Constatação XII (Truco dramático).
[Para os meus amigos Ernani Buchmann. Nireu Teixeira e Gerson Barão].
Fui convidado
Pra jogar um truco
Na casa de gente fina:
Plantas ornamentais
E outros que tais
Por todo o jardim.
Jasmim-do-campo e bejuco
Era o que não faltava.
O baralho era de plástico
O que produziu em mim
Um efeito bombástico.
Meu parceiro
Sempre foi bem-educado
E meu grande companheiro
Pediu, quando solicitado
A se pronunciar o que queria
“Uma simples cerveja
Não muito gelada, mas fria”.
Eles alegaram
Que não havia
E se serviria um vinho.
Por educação,
O sócio aceitou
Mesmo achando que não combina
Com tal tipo de carteado.
O vinho era francês
De boa cepa
E ele ficou numa embriaguez
Que ao invés de piscar para mim
Passou a fazê-lo pra ricaça
Que felizmente, como o maridão,
Levou como pirraça.
Os adversários
Era o casal de anfitriões
Que sempre jogaram juntos
E que tinham como assuntos,
O comentário de cada jogada.
Às vezes discutiam
E até bramiam
Na discussão
Até que ela se enganou
Numa mão
E ele não perdoou.
Depois daquela jogada
Ficaram de mal
E nunca mais se falaram
Então se divorciaram.
Coitado!
Coitada!
Quanto à moradia
Acabou vendida
Para um casal que nem sabia
Que truco se joga com baralho
O que culturalmente
Era no seu currículo algo falho,
Um atraso de vida
E assemelhados
Tão-somente.
Coitados!
Constatação XIII (Passível de mal-entendido).
-“Vizinho eu preparei isso pra misturar com a sua mandioca”.
Constatação XIV
Rico tem princípios; pobre, é o fim.
Constatação XV
Rico é ingênuo; pobre é burro.
Constatação XVI
Rico é arredio; pobre é omisso.
E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br

 

PARA NASCER AMANHÃ foto/poema de mario pirata e dani morreale (modelo)

CARTA de uma CUBANA, em MIAMI, para os pais em CUBA – pela editoria

 

restaurante e bar LA FLORIDITA em Havana.

 

Assunto: Enterro da tia em Cuba

Toda a família em Cuba se surpreendeu quando chegou de Miami um ataúde com o cadáver de uma tia muito querida.  O corpo estava tão apertado no caixão que o rosto estava colado no visor de cristal….

Quando abriram o caixão encontraram uma carta, presa na roupa com um alfinete, que dizia assim: 

“Queridos Papai e Mamãe.  Estou lhes enviando os restos de tia Josefa para que façam seu enterro em Cuba, como ela queria.
Desculpem por não poder acompanhá-la, mas vocês compreenderão que tive
muitos gastos com todas as coisas que, aproveitando as circunstâncias, lhes
envio.

 

Vocês encontrarão, dentro do caixão, sob o corpo, o seguinte: 12 latas de atum Bumble Bee,  12 frascos de condicionador,  12 de xampu Paul Mitchell,  12 frascos de Vaselina Intensive Care (muito boa para a pele. Não serve para cozinhar!), 12 tubos de pasta de dente Crest, 12 escovas de dente, 12 latas de
Spam das boas (são espanholas),  4 latas de chouriço El Miño.
Repartam com a família, sem brigas!    Nos pés de titia estão um par de
tênis Reebok novos, tamanho 39, para o Joseíto (é para ele, pois com o
cadáver de titio não se mandou nada para ele, e ele ficou amuado).   Sob
a cabeça há 4 pares de “popis” novos para os filhos de Antônio, são de
cores diferentes (por favor, repito não briguem!).   A tia está vestida
com 15 pulôveres Ralph Lauren, um é para o Robertinho e os demais para seus filhos e netos.   Ela também usa uma dezena de sutians Wonder Bra (meu
favorito), dividam entre as mulheres;  Também os 20 esmaltes de unhas
Revlon que estão nos cantos do caixão. As três dezenas de calcinhas
Victoria’s Secret devem ser repartidas entre minhas sobrinhas e
primas.  A titia também está vestida com nove calças Docker’s e 3 jeans
Lee. Papai, fique com 3 e as outras são para os meninos.   O relógio
suíço que papai me pediu está no pulso esquerdo da titia.  Ela também
está usando o que mamãe pediu (pulseiras, anéis, etc).  A gargantilha
que titia está usando é para a prima Rebeca, e também os anéis que ela tem
nos pés. E os oito pares de meias Chanel que ela veste são para repartir
entre as conhecidas e amigas, ou, se quiserem, as vendam (por favor, não
briguem   por causa destas coisas, não briguem).   A dentadura que
pusemos na titia é para o vovô, que ainda que não tenha muito o que
mastigar, com ela se dará melhor (que ele a use, custou caro).  Os
óculos bifocais, são para o Alfredito, pois são do mesmo grau que ele usa,
e também o chapéu que a tia usa.  Os aparelhos para surdez que ela tem
nos ouvidos são para a Carola. Eles não são exatamente os que ela
necessita, mas que os use mesmo assim, porque são caríssimos.  Os olhos
da titia não são dela, são de vidro. Tirem-nos e nas órbitas vão encontrar
a corrente de ouro para o Gustavo e o anel de brilhantes para o casamento
da Katiuska.   A peruca platinada, com reflexos dourados, que a titia
usa também é para a Katiuska, que vai brilhar, linda, em seu casamento.

 

  Com amor, sua filha 

Carmencita.

 

  PS1: Por favor, arrumem uma roupa para vestir a tia para o enterro e mandem rezar uma missa pelo descanso de sua alma, pois realmente ela ajudou até depois de morta.  Como vocês repararam o caixão é de madeira boa (não dá cupim);   podem desmontá-lo e fazer os pés da cama de mamãe e outros
consertos em casa.   O vidro do caixão serve para fazer um porta-retrato
da fotografia da vovó, que está, há anos precisando de um novo. Com o forro
do caixão, que é de cetim branco (US$ 20,99 o metro) Katiuska pode fazer o
seu vestido de noiva.  Na alegria destes presentes, não esqueçam de
vestir a titia para o  enterro!!!

 

  Com amor, 

Carmencita.
PS2: Com a morte de tia Josefa, tia Blanca caiu doente.Façam os pedidos com
moderação. Bicicleta não cabe nem desmontada e carburador de Niva, modelo
1968, aqui ninguem ouviu falar.

RAYMUNDO ROLIM – A REUNIÃO e A VIAGEM – dois contos

A Reunião

De uma só tacada, ou melhor, com uma só palavra a reunião fora encerrada. Os presentes levantaram-se de seus lugares até então vaidosa e pomposamente ocupados. O dia prometia ser inteiro e farto em realizações. Nada poderia mesmo impedir aquele desfecho feliz. O presidente da companhia cumprimentava os assessores. A serviçal do cafezinho recolhia as inúmeras xícaras espalhadas por toda a mesa grande e oval, como também os muitos copos vazios nos quais foram servidos águas e sucos. As vozes misturavam-se em tons agudos e menos graves. Teciam muitos e variados comentários enquanto se despediam. Falavam sobre cargos e salários, e quais e tais postos seriam ocupados e por quem. Era o assunto da hora. Ajuntaram-se em torno daquele que parecia ser o mais feliz e afortunado pela promoção. Alguns afrouxaram a gravata.  O ambiente era alegre e descontraído. A situação desta vez era a da bola boa, a melhor possível em muitos e muitos anos de contenções e orçamentos férrea e arduamente contidos. Estavam assim, confortáveis. As ações subiam a cada minuto lá na bolsa de valores e do futuro. Os computadores via rede, não paravam de emitir relatórios favoráveis. A companhia multinacional do ramo siderúrgico prosperava a olhos vistos e o próximo lance estaria estampado na notícia do dia seguinte, em todas as primeiras páginas dos jornais no mundo inteiro. Já, do outro lado do planeta, com fuso horário de muitas horas adiante, um grupo de cientistas, reunidos em missão altamente secreta (num ocluso e bem disfarçado subterrâneo), despediam-se uns dos outros, em lágrimas. Só eles sabiam que a terra amanheceria diferente e para sempre, e que ninguém escreveria mais uma página sequer sobre bolsas e o futuro das bolsas e que promoção alguma valeria, nem remessas de lucro seriam jamais remetidas para a matriz no dia seguinte. E que o novo milênio já estava escrito há tempos, no livro do Apocalipse! Já num outro laboratório, distante muitas léguas dali, alguém acabara de descobrir uma função nova de certa enzima dentro de uma célula, e que salvaria vidas futuras da nova geração de clonadinhos. E estes, teriam a função de impedir futuros testes de cientistas em subterrâneos mal comportados.

A viagem

O velho acreditava que havia chegado sua hora. Perscrutou o tempo que havia tido sobre a terra. E achou que tinha sido muito. Mais que o suficiente. Começou a fazer as contas e encrencou-se com os anos bissextos. Refez as contas, colocou os anos em dias. Eram muitos. Desistiu de contar as horas; minutos e segundos não os contou mesmo! Sabia que a terra lhe fora boa e generosa (em alimentos e amores) e em prazeres que também não lhe foram poucos. Não teve todos os filhos que pretendia – por uma viuvez precoce – mas os que lhe vieram, se achavam espalhados aos quatro cantos do mundo. Bem, não quis levar adiante tais elucubrações. Muita coisa faltava ainda para que ele conseguisse fechar o círculo e compreendesse a totalidade das ações da vida através do raciocínio lógico. E logo agora, que a sua partida desta para a outra se achava no zênite! Ao menos resolveu que não se preocuparia, nem se permitiria choramingos ou milongas. As coisas são assim e está acabado! Nem mesmo sabia por que nascera e vivera tantos anos! E não conseguia entender, apesar dos esforços envidados, a finalidade da existência. Nem tudo tinha saído à perfeição, a contento, como as promessas do paraíso em vida! Riu-se ao lembrar de um dia, quando ao colher uma flor para uma namorada de suas pueris auroras e um espinho infeliz atrás de uma folha o machucara e fazendo sangrar a ponta de um dos dedos. Assim é – filosofou – às vezes os espinhos estão nos lugares que menos esperamos! Um esboço de sorriso sacudiu-lhe a lembrança por conta de uma outra tarde – quase pego em flagrante – e como eram roliças e fortes as coxas da outra namorada, a Glorinha! Ah, como a tinha amado! E a outra então, a ruiva! Que peitos róseos e cheiinhos de veiazinhass delicadas e azuizinhas que mais pareciam riozinhos vistos de cima, lá de marte! Ah, e por que é que os momentos mais sublimes, as horas mais sagradas, tinham vencimento tão precoce? Perguntava-se. Bem, de qualquer forma, havia tido muitos e muitos dias sobre a terra, não havia como negar e de nenhum poderia queixar-se exatamente ou arrepender-se. Nem ficara muito mais sábio com o passar das luas. Cultivava com certo esforço seus aprendizados. Gostava das ciências; dera-se bem, até certo ponto com pesquisas no campo dos métodos para-científicos e dedicara especial atenção às artes! Ah, as artes! Grande e paradoxal tábua de salvação! Rememorou. Sim! Elas valem à pena, pela medida exata da subjetividade estética. Filosofou novamente consigo mesmo. Então que coexistissem a cor lilás e a cor laranja, oras! Sim, pois havia uma diferença nas coisas e essa diferença era a chave reguladora ao que chamavam vulgarmente de bem e mal? No entanto e, contudo, seus dias haviam chegado a bons termos e agora, a tal viagem! Com quais recursos poderia contar em momento tão impar, tão significativo? De onde arranjaria a experiência necessária para a última jornada? Será que os céus se abririam e um coro de anjos precedidos pelo cravo de Bach se estenderia ao longo de um corredor iluminado. Onde as ruas eram talhadas em ouro e cristal e à sua passagem, agitariam as asas tal qual abelhas a refrescar o mel em seus favos, e lhe dariam as boas vindas? Deus com sua mão volumosa, antiga e em forma de concha galáctica, estaria esperando por ele para as alegorias de praxe? E Jesus Cristo, à direita do Pai, o acolheria no manto protetor e lhe dirigiria palavras ou parábolas? Não, por mais que quisesse ou se esforçasse, estava longe de decifrar este último enigma da existência ou não, sobre a vida além ou aquém da terra. Pensou tanto que achou que ainda não estava tão preparado assim como imaginava! Sentiu repentina e sublime felicidade a inundar-lhe as veias. Notou pelo vento que soprava através da janela, que se aproximava a primavera. Um pássaro cantou comprido e afinado. O velho recobrou os ânimos, abriu uma garrafa de cachaça, arranjou-se com uns tira-gostos e convidou o povo pra dançar.

 

A DITADURA DE 1964 e SEUS SINAIS

Momentos antes do Golpe e da vitória das “Forças Ocultas”
Parte 3: síndrome de Havana

por Paulo Alexandre Filho

 
Os ultra-conservadores brasileiros sempre temeram os comunistas, mas, por ocasião da quartelada de 31 de março, os bolcheviques russos já não povoavam os pesadelos exasperadores da direita tupiniquim. O mal estava perigosamente mais próximo de nós. O comunismo tropical de Cuba e a mística sedutora de seus barbudos revolucionários passaram a preocupar uma elite que percebeu que se um Fulgêncio Batista, apoiado pelas altas castas da sociedade cubana, pelo exército e pelas bênçãos dos EUA, podia simplesmente ser derrubado por um motim, então nada poderia lhes sugerir que o Brasil estaria livre deste tipo de incidente.

Fidel Castro e seus homens empreenderam dessas ações típicas de contos de heroísmo. Cerca de vinte guerrilheiros relativamente mal armados e escondidos na Sierra Maestra começaram a por em marcha um processo de tomada de poder impensável, que ganhou a simpatia dos camponeses pobres que iam aderindo ao movimento de insurreição. Entre 1956 e 1958 o movimento se espalhou e chegou à Havana até que, finalmente, no primeiro dia de 1959 conseguiu derrubar o ditador Batista. As condições da vitória de Fidel e de seus aliados, como o ícone pop-revolucionário Che Guevara, foram surpreendentes e Cuba caiu nos braços do socialismo para o descontentamento soberbo dos EUA.

A nacionalização de empreendimentos e companhias norte-americanas instaladas na ilha e a reforma agrária que tomou as terras dos latifundiários cubanos foram dois gestos que ajudaram a difundir o temor sobre os guerrilheiros que se apossaram do poder, contudo, a aliança à União Soviética selou a posição de Cuba no cenário internacional como um dos pontos nevrálgicos da Guerra Fria. Em 1961 os homens de Washington, resolvidos a impor um fim ao atrevimento socialista na América, recorreram ao apoio de “exilados” cubanos treinados pela CIA, que teriam como missão derrubar Fidel e recompor a ordem em Cuba. As marionetes foram derrotadas na Playa Girón e os soviéticos decidiram garantir o regime cubano ao instalar no país lançadores de mísseis apontados diretamente para os EUA. John Kennedy, que para o historiador Eric Hobsbawm foi o presidente mais superestimado da História norte-americana, depois de amargar o fracasso da iniciativa desastrosa da invasão à Cuba e escapar ileso da Crise dos Mísseis, resolveu impor um bloqueio econômico contra a ilha.

No Brasil, país onde Che Guevara foi condecorado pelo próprio presidente Jânio Quadros, o alarde de que os comunistas poderiam seguir o exemplo cubano era algo incômodo. Durante o Governo de João Goulart, a posição oficial era a da defesa à garantia de autodeterminação cubana, isto é, contra qualquer iniciativa militarmente ofensiva e mesmo anti a proposta de bloqueio ao país de Fidel Castro. Durante a Conferência de Punta del Este, em janeiro de 1962, o Brasil foi firme opositor à proposta, vinda pronta de Washington, que definia sansões a Cuba (incluindo ameaças de invasão sob o beneplácito da OEA), mas, apesar dos confrontos políticos, o Brasil se absteve das votações pela expulsão de Cuba e estabelecimento do bloqueio. Vitória dos EUA.

Mesmo não admitindo o bloqueio – e muito menos o ataque militar – contra Cuba, o governo brasileiro enviou o general Albino Silva, então Chefe da Casa Militar da Presidência, para Havana com o objetivo de esclarecer a Fidel Castro que, ainda que o Governo se opusesse aos desmandos norte-americanos, não apoiaria a instalação da base de lançamento de mísseis. O Brasil acabou assumindo um comportamento ambíguo, pois condenava o bloqueio e se abstinha da votação, enviava porta-voz à Cuba e não tomava partido claro e definitivo contra os EUA em relação aos mísseis. O estilo vacilante do Governo Jango manifestou-se também na condução de sua política internacional e num momento particularmente conturbado. A Crise dos Mísseis foi contornada, na verdade, por entendimentos entre os seus principais responsáveis, Kennedy e Krushov, e, no saldo final, Goulart conseguiu sair-se muito mal, desgastado entre a direita e a esquerda.

A desconfiança em relação ao governo brasileiro tomou novo fôlego nos corredores da Casa Branca, do Pentágono, da Secretaria de Estado norte-americana e também na sede da CIA. Nesta mesma ocasião, a imprensa estadunidense apontou sua “insuspeita” curiosidade sobre nós. O New York Times noticiava o estado de crise da economia brasileira, afugentando investidores e levando “autoridades” ianques a proferir severas críticas e acusações a respeito da condução administrativa do país. O próprio Kennedy declarou: “não há nada que os EUA possam fazer para beneficiar o povo brasileiro, enquanto a situação monetária e fiscal for tão instável”.

Kennedy já temia que o caos brasileiro servisse de trampolim para que se processasse uma tomada de poder por grupos esquerdistas. Temia que mais uma revolução na América significasse que os EUA estavam deixando a situação sair de seu controle. Nos EUA, o temor estava se difundindo nas principais esferas do poder e o Brasil estava sendo vigiado por espiões espalhados em consulados, em agências supostamente independentes e em multinacionais. O próprio embaixador Lincoln Gordon era uma espécie de espião-mor, ardiloso e articulado.

O alarde promovido pelas reportagens de Tad Szulc, do New York Times, feitas no Nordeste, traziam expressões atribuídas a autoridades brasileiras, que diziam que “o Nordeste se tornará comunista e teremos uma situação dez vezes pior do que Cuba, se algo não for feito”. Esta mesma fonte não revelada sentenciou que “se o Nordeste se perder para vocês, americanos, a revolução cubana será um piquenique em comparação”.

A deflagração do Golpe foi um alívio para todos aqueles que tremiam de medo da Síndrome de Havana. O Brasil estaria resguardado da moléstia comunista com o regime imposto pelos militares, pela direita e pela cooperação incansável do bom e velho Tio Sam.

A Síndrome de Havana se espalhou mais entre aqueles que a temiam do que, propriamente, entre os supostos revolucionários. Uma história que faz parte do anedotário político pernambucano relativo à ação da Ligas Camponesas e de suas imaginárias relações com o Governo Fidel Castro serve como interessante fato para encerrar esta série que já chega ao seu terceiro artigo.

O temível coronel Ibiapina, que chefiava o Serviço Secreto de Informação do Exército, interrogou um agitador subversivo chamado José Eduardo, que liderava o sindicato rural de Palmares. O agitador perigoso esteve em Cuba, fato que agravou seu grau de suspeição. Márcio Moreira Alves “transcreveu” o interrogatório entre o coronel e o agitador no livro “O Cristo do Povo”:

– “Por que você foi a Cuba”, perguntou o coronel.
– “Bem, seu coronel, fui porque o doutor Julião me convidou”.
– “E por que você aceitou o convite do deputado Francisco Julião?”
– “Por duas razões principais: primeiro porque nós somos muito pobres, vivíamos em questão com os donos da terra e o doutor Julião cuidava de nossos assuntos de graça. Eu achei que se recusasse um convite dele, ele poderia achar que nós estávamos desfeiteando e não iria mais querer resolver os nossos problemas de graça. Depois, cadê dinheiro para pagar advogado? Mais ainda fui por outra razão. Cada vez que eu estava no cabo da enxada e via passar um avião lá por cima, bonito, voando zum, zum, zum (e Zé Eduardo fazia o vôo com a mão, caprichando no zum-zum) me dava uma vontade danada de andar naquele bichão. Quando o doutor Julião me convidou achei que o dia chegara de eu também voar e não quis perder a oportunidade”.
– “E você gostou da viagem?”, indagou o coronel, meio sem jeito com aquela história de vontade de voar.
– “Bem, seu coronel, gostar, mesmo, não gostei não”.
– “Por quê?”
– “É que lá no alto, quando ele está zum, zum, zum, de repente dá uns trancos, desce nuns buracos. O estômago da gente fica embrulhado e dá um medo danado. Eu fiquei meio zonzo e com medo de melar do homem que estava do meu lado”. – “Seu burro, não estou perguntando se gostou de andar de avião, quero saber é se gostou de Cuba”.
– “Ah, seu coronal, gostar, também não gostei não”.
– “Por quê?”
– “Não é que aquela gente lá parece toda estrangeira? Eles falam tudo arrevezado, a gente não entende o que eles dizem, eles não entendem o que a gente diz, é uma confusão danada”.
– “E o que você viu por lá?”
– “Não vi nada, não senhor. Só uns engenhos de cana, umas usinas, um povo parecido com a gente aqui de Pernambuco, só que estrangeiro”.
– “Já sei que é estrangeiro, seu ignorante. Mas você não viu mais nada, preparativos de guerra, por exemplo?”
– “Ah, isso de guerra não vi não senhor, coronel”.
– “Você não viu soldados pela rua, de uniforme e metralhadoras?”
– “Ah, bom, soldados e metralhadoras vi muito, sim senhor. Igualzinho a aqui em Pernambuco”.
– “E não viu canhões antiaéreos, sacos de areia pelas ruas?”
– “Sacos de areia, vi, sim senhor. Até furei um deles para ver o que tinha dentro. Era uma areia fininha, branquinha, boa para caiar casa. Eles devem estar querendo caiar muita casa lá em Cuba”.
– “Seu burro! Seu imbecil! Ponha-se daqui para fora! Você não é comunista, não. Você é cretino, isto sim! Saia da minha frente!”

Esta história pitoresca ilustra muito bem nossa experiência revolucionária e tipifica ainda melhor o quão brilhante era a percepção de nossa direita conspiradora, que subiu ao poder montada em tanques de guerra, usando suas fardas e medalhas brilhantes, pisando no povo com seus lustrosos coturnos. 40 anos se passaram desde a vitória das “forças ocultas” e esta efeméride quase passa despercebida, como se o esquecimento notável de um país sem memória nos guardasse mais esta lacuna.

VOLTAIRE, furioso

sobre o idealismo:

 

usamos nossas idéias apenas para justificar nossa maldade, e as palavras para esconder nossas idéias.