QUANTO CUSTA MORRER? por márcio salgues

A morte pode ser boa – desde que não seja a nossa, claro! Afinal, no capitalismo, mesmo a morte tem uma tabela de preços e, com algum investimento, pode-se obter algum lucro com ela. O descanso eterno de um finado pode variar de 50 reais, no caso dos indigentes bancados pelo serviço público a 120 mil dólares, no caso de um serviço mais sofisticado de congelamento, por exemplo. Vamos por partes:

No congelamento, chamado de criogenia, o defunto tem todo o líquido do corpo drenado e substituído por um outro líquido não congelante, sendo depois imerso em nitrogênio líquido, onde permanecerá a espera de uma “cura” para a morte – que a ciência obviamente não descobrirá -, e o sujeito possa ser descongelado, para descobrir que o mundo continua a mesma droga e cometa suicídio. Li recentemente que, nos Estados Unidos, uma família visita regularmente um parente congelado, inclusive comemorando seu aniversário com bolo e velinhas. Só não dá para desejar o “… muitos anos de vida”.

Outra empresa desenvolveu um processo para a confecção de diamantes a partir das cinzas do ente querido, que passa por uma espécie de purificação, a uma temperatura altíssima, até que se obtenha o diamante sintético.

Para os aficionados em internet, uma funerária no Peru lançou um cemitério virtual. Depois de “sepultado”, pode-se encontrar uma biografia do defunto, ver fotos, etc. Há até sala de bate-papo (deve ser uma sala de bate-papo assombrada). Custa 120 dólares para que a alma do finado vague em paz pelo ciberespaço por três anos.

Há também uma galeria de arte que oferece quadros e esculturas confeccionados também com as cinzas do falecido e, finalmente uma empresa que propõe depositar essas cinzas em uma pequena esfera de cimento e depositá-la no fundo mar. A intenção é criar uma mórbida espécie de coral artificial à medida que se acumulem as tais esferas. São as maravilhas que o mundo moderno nos proporciona. Não sei como os homens conseguiram viver, ou melhor, morrer durante tantos séculos simplesmente usando os métodos tradicionais. Se você for curioso o suficiente, encontrará tudo isso na internet, com fotos e calendários dos eventos agendados.

É obvio que esses serviços não são oferecidos no Brasil. A classe média ainda pode optar pelos serviços dos crematórios. Mas, para os mais pobres, que cedem ao chamado do crime organizado, resta a “desova” num matagal ou à beira de uma estrada qualquer. Também já é possível dispor dos serviços de algumas funerárias que oferecem “Planos-Caixão”. Os associados destes planos ainda têm direito a desconto em salão de cabeleireiro, lojas, restaurantes, revendedoras de gás, auto-escola, etc. Mas o que se oferece ao povão mesmo é o bom e velho paletó de madeira, o que pode não durar muito tempo dadas às implicações ecológicas.

Há alguns meses li em O Diário de São Paulo uma matéria falando sobre a aprovação, pela Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Estado, de um Projeto de Lei que proíbe o uso de madeira na confecção de caixões. A explicação, de acordo com o projeto, é que a confecção de uma única urna requer a derrubada de três árvores, destruindo 12 metros quadrados de floresta. A multa pelo descumprimento da lei, de acordo com o projeto, é de 1.000 UFIRs. Como a notícia não dava mais detalhes, suponho que se prevê então que os defuntos passem a ser sepultados aos montes, em grandes valas coletivas, como os nazistas faziam com os judeus na segunda guerra. Aliás, isso que aliviaria o problema da superlotação dos cemitérios nos grandes centros urbanos, que, do que jeito que anda, logo vão se tornar em imensas favelas funerárias. Quem sabe o Stedille organize um Movimento dos Mortos Sem Terra (MMST), incentivando a invasão dos cemitérios privados ocupados pela burguesia, com grandes áreas improdutivas.

O que me incomoda mesmo é que tudo isso reforça a impressão de que, mesmo no além-túmulo, existe uma enorme desigualdade social que só será resolvida quando nosso presidente passar desta para uma melhor e criar um programa “Inferno Zero”, que dará um basta no abismo que separa o céu do inferno e o paraíso seja para todos – com três refeições diárias, claro. Mas é importante que antes disso ele faça uma reforma ministerial, já que até o “Fome Zero” continua no zero. E o atual ministério anda como uma bando de baratas tontas, salvo as exceções. Porque se for assim, até no mundo dos mortos as almas vão se revoltar e começar a gritar “Fora Lula!”.

Mas, sábio como é, ele apaziguará os ânimos com alguma parábola do tipo: “Companheiros, primeiro vamos colocar a casa em ordem. Os meus antecessores transformaram isso num inferno. E o Inferno é como o Brasil: é um sofrimento eterno para o povo. Mas aqui tem muito mais vantagens: não tem FMI, não tem ALCA, não tem gente passando fome, o índice de criminalidade é zero, ninguém morre em acidentes rodoviários e não adianta ser corrupto, pois não existe dinheiro. Além do mais o regime aqui é socialista. Todo mundo come o mesmo pão que o chefe amassou”.

Bom, mas enquanto isso não acontece e como sou precavido, já penso em financiar o meu cantinho em suaves parcelas pagas em 120 meses.

Raul Seixas tinha razão: “… Tem que pagar pra nascer; tem que pagar pra viver; tem que pagar pra morrer… tá tudo errado, tá tudo errado…”.

Uma resposta

  1. Em busca de serviços funerários para um familiar, dei com seu texto e adorei: ele me fez dar gargalhadas. Parabéns.

    Curtir

Deixe um comentário