Arquivos Diários: 6 julho, 2008

CÓDIGO E LINGUAGEM, METALINGUAGEM por décio pignatari

Vê-se por aí que código e linguagem são basicamente uma e mesma coisa, a ponto de podermos dizer que o Português é um código, e o Inglês, outro. O que não impede que, sem certas circunstâncias, e para maior clareza, se faça uma distinção entre linguagem e código, como o faz Colin Cherry. Para ele, linguagem é “um vocabulário (de signos) e o modo de usá-los”, um conjunto de signos e regras, tais como os que usamos na conversação diária, de um modo altamente flexível e, até, bastante “ilógico”. As mensagens podem ser codificadas quando já expressas por meio de signos (letras, por exemplo); então, uma codificação seria uma transformação, geralmente unívoca e reversível, por meio da qual mensagens podem ser convertidas de um conjunto de signos para outro. O código semafórico e o código dos surdos-mudos – melhor ainda, o Código Morse – representam exemplos típicos. Dessa forma, as linguagens teriam um longo desenvolvimento orgânico, enquanto que os códigos seriam inventados para algum fim específico e sujeitos a regras explícitas. A verdade, no entanto, é que na medida em que se introduz a ambigüidade num código – ou seja, quando a sua reversibilidade não é perfeita – ele começa a tingir-se de certas características de linguagem, ou melhor, de língua.

 

De outra parte, convém fazer a distinção entre língua e linguagem, ainda mais quando vemos que, em Inglês e Francês, as palavras “language” e “langage” são tomadas como sinônimos de “língua”, Por esta razão, no que nos toca, consideramos as línguas como manifestações particulares, fundamentais embora, da linguagem, e a Lingüística como um ramo da Semiótica, que pode, assim, ser considerada como a Linguagem (ou: princípios gerais que comandam toda e qualquer manifestação da linguagem).

 

No estudo da linguagem, uma última distinção se faz ainda necessária: entre linguagem-objeto e metalinguagem. Linguagem-objeto é a linguagem que se estuda; metalinguagem é a linguagem com que se estuda, é a linguagem instrumental, crítico-analítica, que permite estudar a linguagem-objeto sem com ela se confundir. Ou ainda: quando a linguagem-objeto se volta sobre si mesma, ela tende a ser metalinguagem, beneficiando-se da fenomenologia. Este fenômeno é particularmente notável nas revoluções artísticas e de “design” (Dada, neoplasticismo e pop, nas artes visuais; dodecafonismo, música serial e eletrônica, na música; “nouvelle vague”, no cinema; Mallarmé, Joyce, Pound, poesia concreta, na literatura; a revista Mad em relação às linguagens dos meios de comunicação de massas; Mies Van Der Rohe, na arquitetura).

 

Segue-se daí que toda metalinguagem é marcadamente sintática, formal, estrutural. É por ignorância deste fato e pela tendenciosa e hegemônica formação cultural de tipo lingüístico (melhor dizer literário), que a maior parte da chamada crítica de arte – literária, visual, musical, cinematográfica, arquitetônica – se manifesta “literária” e subjetivamente: carece de metalinguagem adequada (voltada que está, aristotelicamente, para o “conceito”, o “conteúdo” a “significação”). O criador está por dentro da linguagem; o crítico, por fora. O criador se alimenta de raízes da linguagem; o crítico, de suas folhas, flores e frutos. O mesmo se diga dos professores de nossas universidades, ao abordarem o fenômeno artístico. A metalinguagem é um processo dinâmico, mas é comum ver como ela tende a se estratificar em código, confundindo-se então com o jargão técnico, especializado.

 

Texto escrito em Janeiro de 1968.

                                                

     coletânea CARPE DIEM. Curitiba.

Rumorejando (Com a volta da inflação, cada vez mais o cinto apertando). – por josé zokner (juca)

 

PEQUENAS CONSTATAÇÕES, NA FALTA DE MAIORES.

Constatação I

Rico é bem-intencionado; pobre, é faccioso.

Constatação II

Rico pondera; pobre, é leviano.

Constatação III

Fui defender minha liderança

Dentro do meu doce lar

Como após a tempestade

Sobrevém a bonança

A também doce cara-metade

Mandou, sem mais delongas,

Xingando-me de xongas*

Eu, incontinente, pirar**.

*Xongas = “coisa nenhuma, nada” (Houaiss).

** Pirar = “Retirar-se discretamente, cair fora, dar o pira” (Houaiss).

Constatação IV

Em certos países, os assaltantes matam como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo. Pelo jeito, pra quem não se importa com o fato, também…

Constatação V

Deu na mídia: “IBGE: mortalidade infantil caiu 64% de 1980 a 2006”. Rumorejando: Imortalidade de deputados e senadores não caiu. Sempre foi de 0%. Salvo rarísssimas (assim mesmo, com três esses para enfatizar o fato…) exceções, alguém se lembra de algum deputado e/ou senador que mereça os encômios da nação?

Constatação VI (“Poesia” do cotidiano).

Ponderou com a patroa

Que a comida não tava boa.

“Vai comer no boteco da esquina

Lá o ‘Jesus me chama’

É iguaria fina,

Recheada com salmonela,

Cozida numa suja panela.

Aí, você cai de cama

E, mais depois, finado,

Nunca mais reclama

Do meu suculento

Cardápio de ensopado

Preparado com esmero

Em fogo lento

E sem exagero

Do meu preferido tempero”.

Coitado!

Constatação VII

Rico faz acordo; pobre, conluio*.

*Conluio = “Cumplicidade para prejudicar terceiro(s); colusão, trama; ajuste maléfico” (Houaiss).

Constatação VIII

Não se pode confundir desperto com esperto até porque tem que ser esperto para adormecer, quer dizer não desperto quando se ouvem discurso de político e/ou as empulhações em época do horário gratuito. E, que fique bem claro, de todos os partidos, sem exceção. A recíproca é como é e tá acabado. Tenho democraticamente dito.

Constatação IX

A pedido do meu dentista

Fiz uma panorâmica,

Um baita de um raio-x.

Eu não sou alarmista

Mas a chapa revelada

De vermelho tava manchada

E me deixou assaz infeliz:

Mostrou dois dentes de cerâmica,

Pontiagudos, assim como, também,

Os que lembram Frankenstein.

Constatação X

“Só um segundo”,

Ela falou

Ao telefone.

Ele esperou

Sem estar insone

Mas, com a demora

E o adiantado

Da hora

Caiu num sono profundo

Quando acordou

Só escutou

Ti… ti… ti…

Aí, incomodado

Pôs-se a pensar

Num raio, não o do círculo,

Nem o da circunferência,

Mas o “que a parta”,

Já que ela está de mim farta.

E se pôs a cantar,

Da vida, fulo,

Sem muita paciência,

O bolero “Sem ti”.

E se sentindo no abandono

Também um pobre dum mono,

Perdeu totalmente o sono.

“Vou pôr os pingos no i”,

Pensou todo amuado.

 

Coitado!

Constatação XI (Subsídios para uma nova versão de uma velha marchinha de carnaval).

Passou pela minha moleira,

No fim duma segunda-feira

Qual um vento numa veneta*,

Que o pirata da perna de pau

Absolutamente não é perneta

Tampouco, tem cara de mau.

*Veneta = “impulso repentino”.

Constatação XII

Não se pode confundir balela com baleia, principalmente quando alguém conta que montou numa baleia e com o guarda-chuva aberto saiu velejando por mares nunca antes navegados. Não acreditem porque é uma balela. Afinal, não tem guarda-chuva que resista ao vento, sem virar no avesso, provocado por uma baleia singrando o oceano na velocidade que ela normalmente costuma…

Constatação XIII

Deu na mídia: “Um em cada quatro casais no Japão não faz sexo, diz pesquisa”. Taí mais uma notícia de transcendental importância para o futuro da Humanidade. Salvo no lamentável caso de se generalizar pelo mundo afora, virando epidemia, endemia, pandemia, coisas assim desse jaez…

Constatação XIV

Amor, teu nome é ternura;

Desamor, teu nome é agrura.

Benquerença, teu nome é doçura.

Desavença, teu nome é broxura

Constatação XV (Coitado!).

Ela sempre cerzia

As meias do marido.

O dedão, um dia,

Também ficou cerzido.

Constatação XVI (Dúvida crucial, via pseudo-haicai).

Dela, a terrível vendeta

Foi exagerar na dose

Da pimenta malagueta?

Constatação XVII (De diálogos um tanto burocráticos e um tanto rimados).

-“Quero que você me apronte

O teu atestado de residência”.

-“A senhora tenha paciência,

Ainda to morando debaixo da ponte”.

E-mail: josezokner@rimasprimas.com.br 

CHINA. logística no lixo reciclado. foto sem crédito. ilustração do site.