Arquivos Diários: 28 julho, 2008

peripknestsinder OUTRA VEZ POETAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS – por jairo pereira

Outra vez Hermes Lucas Perê e outra vez poetas brasileiros contemporâneos. Onde foram parar aqueles guris, acho q. da USP, q. apareceram uma vez na Veja falando de poesia & experimentos de linguagens?! Isso, faz mais ou menos dezessete anos. Lembro q. a repórter (ou o) ouviu Hilda Hilst e Leminski, poesia em camiseta e contrariedade entre os poetas. Promessas poéticas descumpridas. É sempre aquela questão do querer e o poder fazer. Há muito poeta bom por aí, mas fraco de obra. Tem q. produzir mais. Coisa de megalômano, a aventura com os signos e a materialização dessa aventura em obras. Muitas obras. Os velhos já nos resistem, ante pilhas de papéis sujos do nosso dizer. Imagine, salpicando um poeminha aqui outro acolá. E ficando só nisso. O mundo é dos loucos convictos na criação. Os loucos q. ante toda torpeza expandem o dito e arremessam petardos ao deus dará. Tá vendo. Por isso, tô cada vez pior de trabalho e financeiramente. Depois da última abdução, ainda mais misantropo. Firmeza, convicção, acreditamento no produto do seu espíritho, isso é o q. mais falta. Me chama atenção a força da poesia de Neuza Pinheiro, inédita em livro individual. Ninguém, ou quase-ninguém a menciona, quando o assunto é poesia hoje. Ainda não conseguiu um editor interessado na publicação do seu livro. Fico pasmo. Tanta coisinha ruim sendo publicada por aí, e essa enorme poeta, potentada dominadora dos signos ainda inédita. Pra quem não a conhece: Neuza, é também cantora e compositora, tendo atuado na Banda Sabor de Veneno, com Arrigo Barnabé, e participado de festivais de canção da extinta tv Tupi. Tudo é tão pouco quando se fala dessa grande e injustiçada artista brasileira. Um dia ainda tomaremos os meios de produção. Gosto de brincar sobre isso com alguns raros amigos poetas. Uma gráfica para cada dez e estamos felizes. Alguns navios também e grandes carretas, pra distribuir os livros, nesse imenso continente brasilis.

O Douglas Diegues, na fronteira Brasil/Paraguai, está cada vez melhor, espero me mande em breve o seu novo livro de poemas, q. diz ter título retirado de ensaio sobre sua poesia q. fiz certa vez: Una flor na solapa de la miséria. O livro foi editado em Buenos Aires. Douglas manja tudo e sabe do q. estou falando, e q. tem q. por mais esperma e pus nesse processo do criar poeticamente, e do reconhecimento de talentos poéticos no Brasil. Os velhos resistem, covardemente, irreconhecendo a produção contemporânea brasileira, de jovens poetas. Alguém já viu ou ouviu o Ferreira Gullar, alguma vez mencionar o nome de um ou dois ou três poetas das novas gerações, reconhecendo seus talentos? Ou o crítico Wilson Martins, levantar a varinha mágica e revelar um talento atual. O Augusto de Campos –esse- não fala, portanto não vamos ouvir nunca algo sair de sua santa boca. A essas alturas, treme o computher, em ideogramas e compostos puramente visuais. O Haroldo de Campos, mais parlapatão e seguro de si, abria o coração e alarmava gente (poetas jovens) pra todo lado. Raramente, uma alma consagrada, abre caminho na noite veloz, pros bons e jovens cavalos. Há um ódio de gerações, q. perpassa a razão e a emoção. É fria, muito fria, se é q. dá pra se chamar assim, essa dolorida sucessão. Não gosto de ver poetas pedintes, submissos às velhas ratazanas. Poeta q. é poeta sabe disso: meu verso meu guia, minha senda, meu destino sobre todos os destinos. Me alarma, saber do ódio de gerações e a indiferença dos medíocres (alguns até consagrados), às gerações sucessoras. Vais dizer q. não há sucessão dos corpos, das mentes, das linguagens, e q. o q. se institui é imutável e perene?! Na cosmodinâmica, q. imagino tudo é vão e passageiro, e os acentos desocupam e são ocupados novamente em saudável variação. Nunca tive e não tenho esse problema (irreconhecer outro talento). Pelo contrário, gosto de alardear a energia vital, do estreante, do jovem q. descobre a força do signo e constrói veredas da criação, jamais imaginadas por autores veteranos. Esse o grande milagre da criação. Ela –a criação- nunca esgotar-se em si mesma. Contra toda corrente de destruição e morte, as hastes verdoengas ressuscitando sob os cascos dos velhos cavalos. Parafraseando ou repetindo Caetano, isso é lindo. Importa saber q. a noite é grande e extensa a estrada em meio à floresta dos signos. 

Outra questão: o poema social (participativo). Numa época de morte nathural das ideologias, cada vez mais, poetas insistem em cultivar temas exclusivamente intimistas, alheios à realidade social. Intimismos à parte, ninguém vive em asteróide, fora de órbita terrena, (quer dizer eu apenas posso fazer isso porque abduzido). Tal fato, faz refletir o social, no poema. A mesma água do mesmo córrego sujo, q. vai pra planta, q. vai pro pão, q. vai pro bicho beber, q. vai pra fazer o arroz e o feijão, a mesma água q. bebemos e nos banhamos, traz a realidade pra dentro da gente. Cada vez q. o poeta fala em realidade, um frio percorre a espinha. Realidade é objeto jornalístico. Objeto sociológico. Objeto antropológico, philosóphico até, mas nunca poético. Creio q. é tudo isso ao mesmo tempo e mais ainda: fator determinante da melhor poesia, quando a infância com seus arquétipos prensados na alma, conduz o ver & o sentir nas construções do alto espíritho. Lembro do meu amigo Marcos Macedo, assistindo o filme Gringo Velho e chorando. O Marcos só na sala, embebido daquela história. Meu pai mal no hospital, eu no quarto de hóspedes e o Marcos na sala chorando e assistindo aquele filme. Irrelevante ou não, nunca mais pude esquecer aquela cena. Uma liderança, um ideal, uma vida doada a um povo, opressão e luta, e o choro quieto do Marcos. Choro chorado pra dentro. O Marcos é um homem político e idealista per nathura. Não sei porque lembrei disso agora, e se tem algo a ver com o tempo & poesia… Poesia realmente está no emissor dos signos e também no receptor. Não existe a obra sem o outro. A interação dos elementos q. compõem a relação é q. fazem o bom (ou bem) da arte. Esse é Hermes Lucas Perê, repentista de microidéias e quem quiser q. faça outro, mais culto ou sábio. Protonathuralmente é q. tomo decisões e precipito ditos sobre o fazer dos outros. Um instinto de indeterminação (acaso e acidente) conduz meus passos no transfinito mundo das idéias. Poesia melhor q. a de Batista de Pilar, o poeta errante de Curitiba, é rara, em vida e espontâneidade. Quantas vezes o vi –seminu- embaixo do viaduto, ou na Galeria do TUC, com os papéis sujos às mãos, a declamar versos improperiais. Do sujo, do morto, do letargido, da miséria –dessa flor na lapela- difícil de se ver e sentir, é q. nasce as vezes a melhor poesia. Poesia desinteressada, nos fins formais e mesmo de conteúdo. Inaugurações do eu, nathuralmente em estado de graça. Já vi tudo e nada vi ainda pra meu sustento. A vida ensina vida a vida. Cada qual com seu destino, sua luz tênue de poeta. É duro, mas não tenho mais nada a dizer. De repente, não foi a hora certa. Ensaio uns versos só por prazer & escárnio: Vinte anos esperei o bom judeu/q. me editaria/olhava os aviões no céu interiorano/e nada/revoada de andorinhas ao redor da casa/falsos os sinais/quando, quando, o escolhido virá/a colocar-me na rica estante dos consagrados??!! Depois por mero acidente, não sei, resolvi fazer mais uns só pra engrossar este texto: sou um civil/investido de soldado/mas não quero morrer nesta guerra/morrer nesta luta inglória/por um tirano fedendo a bosta/mil vezes morrer/por um poema na lapela da miséria/estou com Douglas Diegues e não abro/uma duas três belas vaginas/pra meu recusado caralho/amor amor amor/& mis vaginas prum tímido e pobre soldado/rico esteta & poeta desesperançado… Não gostou é?! Ínspio o vício lipsio. E por aí vai como vou. Meus filhos crescem livres/ao redor da casa/para o futuro/as hastem progridem belas/nada perdi e tudo ganhei/na loteria dos signos. Aqui graças aos meus deliberados de última hora, quem manda, seu grande filho da putha, soy dio, author, editor, livreiro e marqueteiro, e ninguém (ningum phuto) bota mirgúncias nos meus ditos transfusiados. Os ruídos vão se chegando, as vespas límias, os besouros metálicos, cerzuras de fios invisíveis, comprimindo, enlaçando, os corpos, as almas nos pântanos do consciente e inconsciente. O baralho espiritophânico dá as cartas do meu destino. O galo canta e o cão ladra, o novo dia. Os cavalos estalam os cascos, torneados em acrílico, na estrada asfáltica da grande e velocíssima noite. Uma lua como uma concha um búzio partido conquista cardumes de peixes no meu mar azul alucinógeno. Fragmento-me entre insetos lemptos. Um sapo gordo vem e me engole aos poucos. É a última noite. É a noite do fim dos tempos. Em peripknestsinder, uma língua q. inventei dia desses, composta quase-só de adjetivos, poesia é nandhertesinpher (solitude), perdhiphásilec’s (pensar), arratzhisins (ação) na linha do espíritho q. procura e nunca encontra o sol dos pequeninos.

 

 

hErMes lUcAs pErê, do transpoético

Autor de Anemoria (poesia) e

Arroz, feijão e philosophia (multiprosa)

a serem publicados por editora do Asteróide

AZPHIZ’S 555, da Órbita Savagé no ano 2010.

 

MUTABILE poema de lilian reinhardt

(líricas de um evangelho insano)

Travessia, sumidouro,
fratura d’água, dentirrostro
atravessa o escorso do vento,
perde-se  além do vidro da ilha,
escorre pela vinha dos olhos,
arriba nos pássaros da estiagem,
não diz a palavra caída,
nem rejunta a perdida sombra,
mas, se encolhe no verso vazado,
recicla de azul o céu molhado de aço,
dorme pelos caminhos murchos,
e sob os ossos  escreve na transmigração impressentida…
a rotunda forma de bebidas quimeras,
impermanência coagulada,
líquido tempo, vazante…
Afunda na garganta, das rosas!

ARREVESAMENTO poema de carlos vogt

 

 

A verticalidade

vertiginosa

da poesia mergulha

o cotidiano da novidade

no esquecimento

da atualidade

horizontal da prosa

PAPEL HIGIÊNICO LITERÁRIO – por jaime leitão

Os puristas e conservadores entortarão o nariz para essa idéia no mínimo original e exótica. Uma empresa lançou há pouco tempo na Espanha um produto que está fazendo o maior sucesso: o papel higiênico literário. Isso mesmo: papéis higiênicos, com papel e tinta especiais, trazendo obras de escritores clássicos: Cervantes, Shakespeare, Unamuno e outros grandes nomes da literatura espanhola e mundial.As vendas têm sido muito boas. O dono da empresa, Raúl Camarero, justifica a sua ousadia com o seguinte argumento: “Hemingway dizia que clássico é o livro que todo mundo respeita e ninguém lê. O que estamos fazendo é levar o livro aos banheiros, aproximando a literatura dos homens”. Completa: “E surge aí um conflito interessante: limpar o traseiro com uma bela obra e o dilema moral que isso representa”. Da Bíblia foram colocados trechos do “Apocalipse”, dos “Provérbios” e do “Cântico dos Cânticos”, três livros extraordinários. Do budismo, os escolhidos foram o “Sutra do Lótus” e “O Livro Tibetano dos Mortos”. Um dos sócios quis colocar trechos do “Corão”, livro sagrado dos muçulmanos, mas os outros recuaram com medo de represália.

A idéia surgiu quando Camarero, que é diretor e autor teatral, escreveu uma peça sobre uma empresa que havia criado os tais papéis higiênicos literários. A peça ganhou um prêmio no Festival de Sevilha, fazendo com que Camarero propusesse a alguns amigos sociedade no empreendimento. O nome da peça é “Empreendedores”, da empresa também. A realidade extraiu da ficção o produto, o que torna ainda mais interessante o projeto.

 

O autor mais solicitado pelos “leitores de banheiro” tem sido o genial poeta espanhol Federico García Lorca. Eu sou defensor ardoroso do livro e do jornal, mas não posso ser contra essa idéia que, de uma maneira ou de outra, estimula a leitura e pode fazer com que aqueles que não lêem livro passem a se interessar por eles depois dessa leitura feita na intimidade de um banheiro.Ler é fundamental. Temos que buscar os mais variados suportes para que a leitura seja incentivada. Se uma empresa aqui no Brasil me procurasse e me propusesse publicar os meus microcontos em versão papel higiênico, eu toparia. Antes da higiene corporal, por que não fazer uma higiene mental, lendo trechos de uma obra? É claro que um romance não é uma boa idéia, mas frases, haicais, textos de humor e microcontos se dariam muito bem nesses rolos literários.

O preço não é para qualquer bolso. Um rolo de papel higiênico-literário na Espanha custa 3,70 euros, cerca de R$9,80. O comprador-leitor pode escolher a cor e a obra. As letras são grandes, com grande espaço entre elas, para facilitar a leitura. Os donos da empresa vêm sendo convidados para entrevistas em diversos canais de televisão da Espanha, prova que estão agradando.
                         sem crédito. ilustração do site.
                                                                                        

CONVITE poema de osvaldo wronski

A cada encontro uma nobre ocasião

Sem precisar você é precisa

Um beijo na medida proibida

Vindo arrancar o canto dos meus cisos

Com suas mãos incisivas

Feliz me revelo

ao desvendar seus segredos

Campo sem batalhas

para uma nova conquista

Sentir-te saudades a perder de vista

E  lembrar-te logo na despedida

Quem me dera poder te ver

antes que você se vista

no instante da inesperada visita

o poema se atreve a dizer

o que esta escrito

na página branca do seu corpo

lendo esta indecifrável sensação

a cada encontro estaremos a sós

presentes sem omissão

 

W3 – de tonicato miranda

(anos plúmbeos e “aliás”)

W-3

em qual mês,

minha primeira vez?

Lembro de você, serpente

deitada desde o poente

até os limites da Torre de TV

W-3

todo mês

fez menino fez / fez menina fez

minha rua / minha tez /

W-3 / W-tez / toda sua / toda minha / um de cada vez

passo lento / passa vento / passa passa – W-3

W-3

era bom lhe ver

passear você e a cidade não ver

passar nas suas vitrines a ver

primeiras e últimas novidades

tentação feminina, limiar do querer

W-3

BiBaBo, Mocambo, Casebre 13,

lojas guardadas na sua rica caixa

uma delas Casa da Borracha, onde está

nos guardados não mais se acha?

queimou –se, virou fogueira, virou acha

W-3

centro comprido, reta pura

loja depois de loja, confundindo a procura

lugar de encontros e cursos de costura

escolas de datilografia; casas de fotografia

3×4, 5×8; dentistas com dentaduras na polia

W-3

cruzava-a todos os dias sem lhe partir

No rumo do CASEB e do Elefante Branco

Elefante que não solapava seus barrancos

Elefante Branco, Branco, Branco, Branco

distante um pouco dos seus muitos bancos

W-3

não tenho saudade de você avenida

nem das suas praças de cimento

pois ainda está aí, com todas suas feridas

no seu canteiro já teve retornos e carros

muito mais árvores, algumas muito floridas

W-3

querem agora lhe dar bonde moderno

pensam lhe remoçar como nova noiva

para a visita dos homens de terno

queira não, chama o povo a um beijo terno

diga que lhe apraz o céu mais do que o inferno

W-3

em qual mês,

minha primeira vez?

Lembro de você, serpente

deitada desde o poente

até os limites da Torre de TV

W-3

todo mês

fez menino fez / fez menina fez

minha rua / minha tez /

W-3 / W-tez / toda sua / toda minha / um de cada vez

passo lento / passa vento / passa passa – W-3

 

Brasília, 20/07/2008

COMO ALFABETIZAR SEM REPROVAR – por vicente martins

 

Uma criança, em sala de alfabetização, não deve nem pode ser reprovada.  Direi de outra maneira: a alfabetização não tem caráter avaliativo, com fim de promover o aluno de um nível de ensino para outro.

 O presente artigo prova, através da legislação educacional, que a sala de alfabetização não é reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)  nem tem, por isso mesmo, caráter reprovativo. Nenhum aluno, matriculado, em sala de alfabetização, em escolas públicas ou privadas, municipais, estaduais ou federais, pode ficar retido em sala de alfabetização,ou pode ser rotulado de  “reprovado”, mesmo que a escola considere que criança não está alfabetizada em leitura.

A Lei 9.394, a LDB, promulgada em 20 de dezembro de 1996, não reconheceu a sala de alfabetização como nível ou subnível de ensino. Pelo artigo 21, da referida Lei, a  educação escolar compõe-se de: (1)  educação básica, formada pela educação infantil ensino fundamental e ensino médio e (2)  educação superior.

O que se pode observar pelo artigo 21 é que a Lei não faz qualquer referência à alfabetização.  No artigo 29, a LDB, sim, refere-se à Educação Infantil entendida como primeira etapa da educação básica cuja finalidade precípua é “o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

Durante muito tempo instituições privadas de ensino entenderam que a classe de alfabetização poderia ser considerada um  subnível da educação infantil. Ou, talvez, uma fase intermediária e imprescindível entre a educação infantil, especialmente a pré-escola e o ingresso na primeira série do ensino fundamental. Uma concepção com boas intenções, mas com uma origem equivocada ou falaciosa: o ensino fundamental, no seu primeiro ciclo, é exatamente para dar início ao processo de alfabetização. Veja que utilizei a palavra processo para dizer que durante toda a fase da educação básica o aluno, ao certo, está sendo “alfabetizado” em leitura, escrita, ortografia, informática, e assim adiante.

A educação infantil não acolhe a sala de alfabetização. No artigo 30, a lei diz que a  educação infantil será oferecida em: (1) creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade e (2)  II – pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. Na verdade, hoje, com a Lei nº. 11.274, de 2006, a rigor, a educação infantil só vai até os cinco anos.

          E por que existe sala de alfabetização no Ceará? Ora, por pura tradição e predomínio de uma pedagogia de época que via na alfabetização uma fase preparatória para o ingresso da criança no Ensino Fundamental, etapa que os professores já esperavam, também, o domínio rudimentar em leitura, escrita e cálculo por parte dos alunos.

          Durante muito tempo, a pedagogia de alfabetização do bê-á-bá também favoreceu o surgimento de sala de alfabetização não só no Ceará como em muitos estados da Federação, especialmente os da Região Nordeste. Por alfabetização, se entendia e se entende, em muitas escolas, a prática de ensino da primeiras letras. É o que os teóricos de leitura chamam de decodificação, onde o principal papel da escola é ensinar a criança a reconhecer as letras, nomeá-las e de forma não muito sistemática a relação letra-fonema, para o início da leitura mecânica. Aqui, vale dizer  que não se cogita ou se cogitava o ensino da leitura com sentido, isto é, ler o texto para atribuir-lhes sentidos.

          Em  outros casos, o pensamento ou metodologia de muitos alfabetizadores, favorecidos,  quase sempre, pelas cartilhas de alfabetização, do abecê, concebia (m)  a alfabetização como a iniciação no uso do sistema ortográfico. Ora, esta concepção é descartada, hoje, é ampliada e  vista como processo de aquisição dos códigos alfabético e numérico ou, em outras palavras, como o uso social da língua verbal e não-verbal, o chamado letramento  que deve ser trabalhado, principalmente, na primeira série do ensino fundamental e enfatizada até a quarta-série do mesmo nível de ensino. É aqui que se ensina, realmente, a língua e o sentido que permeia as habilidades lingüísticas como leitura, escrita e ortografia e os números. Na etapa anterior, a da educação infantil, o que se pode fazer é uma educação lingüística, enfatizando, em sala, a linguagem e suas funções, mas sem qualquer conotação ou apelo metalingüístico ( por exemplo, estudo das vogais, das consoantes, das semivogais, das sílabas, dos ditongos etc)

          Agora, tanto na educação infantil como ainda nas remanescentes salas de alfabetização (no Rio Grande Sul, por exemplo, não existem mais salas de alfabetização) não têm caráter de promoção, isto é, não é pré-requisito para que a criança entre no ensino fundamental. O pai ou responsável pode, inclusive, queimar esta etapa e matricular a criança diretamente no ensino fundamental. Claro, o maior prejuízo, nesse caso, é a perda da socialização uma vez que se aprende bem a língua materna em interação, na relação interpessoal e em vida social. Na educação infantil, pode a escola, desde cedo firmar as bases do aprender a ser, a conviver, a conhecer e a fazer, pilares da educação universal, segundo a UNESCO. Mas isso é uma alfabetização para a vida, para um olhar novo sobre o mundo, como quis a pedagogia paulofreiriana.

         O artigo  31, da LDB, diz, textualmente e reafirma o que dissemos anteriormente, que na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. O quer dizer que os pais ou responsáveis podem, repito, não matricular seus filhos nesta etapa e, aos seis anos, podem matricular a criança diretamente no ano inicial do ensino fundamental, mesmo sem “ ser alfabetizado”. Por quê? Porque o ensino fundamental, especialmente no seu primeiro ciclo, é exatamente o período para a alfabetização em lectoescrita.

Mais recentemente o artigo 32, da  LDB, foi modificado pela Lei nº. 11.274, de 2006. A lei determinou que o ensino fundamental obrigatório passou a ficar com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, e tendo, por objetivo,  a formação básica do cidadão.

        (1) – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

        (2) – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

        (3)  – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores.

          O item 3 do artigo 32, da  LDB, como podemos observar, se constitui, assim, um momento de alfabetização no ensino fundamental onde a criança vai desenvolver a competência de aprender através do domínio da leitura, da escrita e do cálculo.

          Diria que nesta fase de ingresso da criança, aos seis anos, no ensino fundamental deve ser prioritariamente dedicado ao “o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”, conforme acentua o inciso IV do artigo 32, da LDB

          Vale salientar que o artigo 6º da LDB, modificado pela Lei nº. 11.274, de 2006 estabelece, de forma compulsória, o dever dos pais ou responsáveis de efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental.

          Uma outra novidade que deve ser considerada por gestores educacionais, pais ou responsáveis e educadores é que o artigo 32 da LDB sofreu, pela Lei 11.274, a seguinte modificação em sua redação: o ensino fundamental obrigatório passou duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade e terá por objetivo a formação básica do cidadão.

         Uma palavra final: não permita que se filho ou filha seja retido (a) em sala de alfabetização. A existência de sala de alfabetização revela hoje o quanto a escola está na contramão da LDB e dos demais estados que têm experiência exitosa em alfabetização, como os da Região e Sudeste do País.  Em caso de resistência da escola, procure esclarecimento junto ao Conselho Estadual de Educação ou evoque à LDB através da promotoria pública.

 

 

Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará. –

                 sem crédito. ilustração do site.